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  • As caminhadas do curta-metragem

    As caminhadas do curta-metragem

    Por André Okuma | Jornalistas Livres

    O curta-metragem é um formato enxuto em diversos sentidos e sua viabilização não depende fundamentalmente de leis de fomento e patrocínios (ainda que sejam absolutamente importantes), como ocorre com os longas-metragens de maneira geral. O curta em sua essência é um produto audiovisual menos burocrático, em que o realizador possui maior liberdade de experimentação artística e produtiva, não precisando necessariamente de grandes recursos, o que consequentemente propicia ao filme de curta duração a possibilidade de ser um grande laboratório de pesquisa e experimentação de linguagens e poéticas. 

    Sem dúvida, este formato, principalmente com o advento do digital, é uma espécie de espaço privilegiado para se perceber o que pode ser o futuro do Cinema, seja no surgimento de novas possibilidades de linguagem, de produção e principalmente de novos cineastas. 

    Paralelamente, com o surgimento de oficinas e cursos livres de cinema digital, alguns deles em territórios descentralizados durante a última década, principalmente na cidade de São Paulo, é possível perceber um aumento significativo de cineastas periféricos e com narrativas para além das até então difundidas pelo cinema hegemônico. 

    Novos corpos e novas perspectivas periféricas desvelaram-se simultaneamente às lutas identitárias, sejam de pretos, mulheres, indígenas e LGBTQIA+ entre outros. Inevitavelmente a produção audiovisual recente se insere nesta perspectiva, principalmente o curta-metragem, dada a sua acessibilidade.

    Sendo assim, ao seguir o caminhar do cinema através dos filmes curta-metragem que vem se destacando nos últimos anos, podemos entender e refletir sobre o cinema, e sobretudo a sociedade contemporânea. 

    E agora neste momento de pandemia e desmonte de instituições e políticas públicas audiovisuais em que o cinema tem sido drasticamente afetado, paradoxalmente, graças a uma série de Mostras e Festivais de Cinema realizadas de forma online, é possível ver de casa o que há de melhor do universo dos curtas-metragens enquanto propostas e respiros de outros possíveis cinemas na iminência de um futuro incerto. 

    Neste contexto tão atípico, portanto, é possível ver “Peripatético”, curta-metragem de ficção vencedor de diversos prêmios na época de seu lançamento, incluindo o Festival de Brasília em 2018.  “Peripatético” de alguma forma é um exemplo bastante relevante das colocações acima, apresentando um cinema contra hegemônico, dirigido por Jéssica Queiroz, uma mulher preta e periférica, gravado na Zona Leste de São Paulo com personagens diretamente conectados a este lugar de fala. Um olhar desatento poderia deixar passar a relevância e transgressão disto, pois, se antes a periferia era retratada sempre pelo olhar de um diretor homem heteronormativo branco de classe média, aqui se abre uma fresta para um novo ponto de vista, de baixo para cima e de dentro para fora.

    O resultado é um filme bastante vigoroso ao retratar temas já bastante abordados nas artes e no cinema em outros momento, como a passagem da adolescência para a vida adulta, o mundo do trabalho, as desigualdades sociais e o racismo. 

    Entretanto, Jéssica Queiroz propõe um outro imaginário sobre a periferia, colocando em xeque o clichê da periferia suja, violenta, de tons ora azulados ora pastéis, com faces cheias de dor, sofrimento e melodrama. “Peripatético”, ao contar a história de três jovens amigos moradores da periferia e seus planos e medos para o futuro, apresenta uma periferia pop com uma fotografia iluminada e cheia de cor, com diálogos cheios de referências a animes japoneses, “Ilha das Flores”, banalidades e reflexões existenciais, tudo ritmado por uma edição bastante dinâmica, porém, sem deixar de lado temas como a violência, a desigualdade social e o racismo, o que muda é a maneira como isto é tratado. 

    Há uma inventividade lúdica no filme que surpreende a cada cena, desde graffitis animados em diálogo com os pensamentos em voice over da personagem sobre o trabalho, a explicação da meritocracia mostrando nadadores e não nadadores em uma piscina competindo e a cena da abordagem policial violenta encenada por crianças brincando de polícia e ladrão. Jéssica consegue em suas alegorias, mesmo não explicitando a violência e o sofrimento, potencializar imagens carregadas de crítica e afeto que transbordam um “real” que encontra identificação instantânea com quem também vive em regiões periféricas, coisa que filmes como “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”, por exemplo, não atingem nem de longe. 

    “Peripatético” não é o primeiro e nem o único filme que traz estas questões, mas é um dos mais relevantes ao trazer um frescor narrativo em contrafluxo do até então cinema tradicional (branco de classe média) produzido até aqui, sem deixar de ser popular e muito menos de ignorar as questões que atravessam seu contexto. 

    Se no filme, no qual jovens entram na fase adulta cheio de incertezas, o cinema brasileiro em crise entra também em uma nova fase. Creio que uma saída possível é caminhar junto com essa nova geração, observando-os e (re) aprendendo com elas e eles, e assim, será possível amadurecermos enquanto cinema e sociedade.

    Sobre o filme: 

    Peripatético (2017)

    Sinopse: Simone, Thiana e Michel são jovens moradores da periferia de São Paulo. Simone procura o primeiro emprego, Thiana tenta passar no vestibular de medicina e Michel ainda não sabe o que fazer. Em meio às demandas do início da fase adulta, um acontecimento histórico em maio de 2006 na cidade de São Paulo muda o rumo de suas vidas para sempre.

    Brasil (SP) | 15 min. | Ficção | 12 anos

    Direção: Jessica Queiroz

    Roteiro: Ananda Radhika Meron

    Produção: Bia Medina, Nayana Ferreira

    Fotografia: Luiz Augusto Moura

    Direção de Arte: Dicezar Leandro

    Animação: Ananda Radhika Meron, Renato Pereira Sousa

    Montagem: Ana Julia Travia

    O filme pode ser visto no link: https://www.itaucultural.org.br/secoes/videos/peripatetico-mostra-projecoes-cinema-brasileiro-contemporaneo-2 disponível até o dia 19/10/2020. Ou neste outro link (SescTv): https://sesctv.org.br/programas-e-series/curtas-juventudes/?mediaId=253f65d33ea37cab831d0650bcee3dff 
    Mais informações sobre a mostra em https://www.itaucultural.org.br/mostra-online-apresenta-producoes-cinema-brasileiro


    André Okuma é mestre em História da Arte pela UNIFESP, faz filmes independentes, é arte-educador e mora em Guarulhos-SP

    Mais do autor:

    https://jornalistaslivres.org/perifericu-no-centro-do-cinema-brasileiro/

  • LGBTQIA+. Resistência do Movimento em tempos de COVID-19

    LGBTQIA+. Resistência do Movimento em tempos de COVID-19

    Por Karina Iliescu, para os Jornalistas Livres

    Fotos: Sato do Brasil

    Membros da Frente Parlamentar Em Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, no dia 08 de abril de 2020, abriram um ofício à Secretaria dos Direitos Humanos e Cidadania da Cidade de São Paulo, cobrando ações emergenciais, frente à crise do coronavírus, para proteção da população LGBTQIA+ em tempo.

    Maria Clara Araújo, educadora em formação/PUC-SP e articuladora política na Mandata Quilombo da Deputada Erica Malunguinho respondeu algumas perguntas sobre a articulação e a prefeitura neste momento de pandemia.

    LGBTQIA+
    Deputada e educadora Erica Malunguinho

    – Existe alguma forma que a população possa estar ajudando para pressionar mais a prefeitura?

    Sim, sem dúvidas. Toda colaboração de outros coletivos, entidades e ativistas é bem vinda – inclusive, convidamos que venham construir a Frente conosco. Como exemplo, ofícios também são construídos pelo associativismo civil e se configuram como um instrumento de pressão institucional.

    A sociedade civil tem se articulado bastante para garantir cestas e produtos de higiene para LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade. São iniciativas importantes, mas que evidenciam a omissão do Estado. Temos equipamentos LGBTI no município, temos uma Secretaria que cuida da pasta e é legítimo que sociedade civil indague e pressione por proposições que incidam objetivamente na garantia de subsídios, atendimento psicológico e acolhimento seguro para indivíduos LGBTQIA+ em um momento de crise como esse.

    Também acredito ser benéfico quando portais jornalísticos visibilizam proposições como essa e questionam a Secretaria sobre as ações que estão sendo pontuadas pela sociedade civil. Ficamos felizes com a procura do Jornalistas Livres e esperamos que outros portais também se engajem. Não só em São Paulo, como em todo Brasil.

    LGBTQIA+
    Intervenção do coletivo casadalapa. Projeto Famílias LGBT no Largo do Arouche, São Paulo.

    – E agora no momento de pandemia, as frentes que cuidam da população LGBTQIA+ estão sofrendo com falta de recurso pela prefeitura para estar viabilizando as ações?

    Tendo em vista que os equipamentos LGBTI do Município são referencia para a população LGBTQIA+, é compreensível que os pedidos de ajuda para se alimentar ou para adquirir produtos de higiene cheguem por via dos Centros. Infelizmente, as OS que administram os Centros não conseguem dar conta sozinhas da grande demanda que vem chegando por conta do Covid-19. É urgente um apoio significativo por parte Secretaria de Direitos Humanos e da Coordenação Municipal para Políticas LGBTI aos Centros de Cidadania LGBTI.

    As OS criaram campanhas e isso é válido, mas enquanto Frente Parlamentar que atua na institucionalidade, nos cabe indagar e exigir ações efetivas que partam da própria Secretaria de Direitos Humanos e da Coordenação Municipal para Políticas LGBTI. Enquanto movimentos, é visível como a vulnerabilidade se acentuou para LGBTQIA+ no Município e no Estado. Portanto, que o Poder Público reconheça as questões postas pela população LGBTQIA+ nesse momento. Os pontos elencados pelo Ofício se baseiam nessas questões.

    LGBTQIA+
    Intervenção do coletivo casadalapa. Projeto Famílias LGBT, no Largo do Arouche, São Paulo.

    As medidas são:
    – A importância de um repasse emergencial para os Centros de Cidadania LGBTQIA+, a fim de suprir a grande demanda de cestas básicas e produtos de higiene;
    – A viabilização, de forma conjunta com a SMADS, do cadastramento no CadUnico dos LGBTQIA+ que constam no cadastro de atendimento dos Centros LGBTQIA+ e dos Centros de Acolhimento da Assistência que atendem LGBTQIA+. E, caso exista algum impasse cadastral, que as Secretarias possam auxiliar juridicamente na efetivação do cadastro da LGBTQIA+;
    A criação de uma campanha nas redes da Secretaria sobre a importância do CadUnico para LGBTQIA+;
    – A criação de um “gabinete” LGBTQIA+ de crise para o enfrentamento do coronavírus, de modo a possibilitar a escuta ativa das demandas e construção de um plano de ação. Nesse gabinete, contaríamos com a Secretaria de DH, SMADS, Coordenações Municipal e Estadual de Políticas LGBTQIA+ e representantes do movimento LGBT com experiência no atendimento a população LGBT vulnerável, como o Coletivo Arouchianos, Projeto Seforas, TransEmpregos;
    – A importância dos psicólogos dos centros de cidadania LGBTI realizarem o acolhimento e o atendimento aos LGBTQIA+ que procurem o serviço diante do aumento de pessoas com vulnerabilidade psíquica em tempos de Covid-19. Caso seja possível, que os atendimentos também possam ocorrer através de videoconferência, visando o cumprimento da quarentena para os residentes da cidade.
    – O acolhimento, por parte dos Centros de Cidadania, de mulheres LBT vítimas de violência doméstica e o acompanhamento dos processos preliminares com essas mulheres, o que inclui registro de ocorrências, exame de corpo de delito e encaminhamento para um abrigo onde a segurança da mulher esteja resguardada;
    – A garantia de espaço seguro, de forma conjunta com a SMADS, às pessoas LGBTQIA+ em situação de vulnerabilidade, sobretudo mulheres trans, travestis, homens trans e pessoas transmasculinas.

    Saiba quais são os membros que formam a Frente Parlamentar Em Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ e as informações completas do ofício no link: https://www.professorabebel.com.br/wp-content/uploads/2015/12/OficioLGBTQIA.pdf

     

    LGBTQIA+
    Desfile da Daspu no Festival Verão Sem Censura