A Folha de S. Paulo publicou neste domingo, 30, em parceria com o site The Intercept Brasil, a reportagem até agora mais impactante e contundente da Vaza Jato, sem sombra de dúvida.
O conteúdo é incisivo ao mostrar que os procuradores da operação Lava Jato induziram o empresário baiano Léo Pinheiro, da construtora OAS, a incriminar o ex-presidente Lula.
O jornal mostra como a delação da empreiteira, até hoje não homologada, foi sendo postergada (e ameaças de prender o empresário foram sendo feitas) para forçar que ele citasse Lula como participante de esquema de corrupção, a fim de condenar o líder petista.
Somente após fazer isso, Léo Pinheiro passou a ter a “credibilidade” entre os procuradores da força-tarefa, mostram as trocas de mensagens entre os prepostos do Ministério Público.
A manchete do jornal da família Frias, contudo, é pura vacilação jornalística.
Na reportagem mais relevante desde que fechou parceria com o The Intercept para analisar as conversas conjuntamente com profissionais do site, a Folha saiu nas suas primeiras páginas dominicais (tanto no jornal impresso quanto na versão digital) com a tímida manchete “Lava Jato via com descrédito empreiteiro que acusou Lula”.
Nas páginas internas, dizia o diário paulista: “Lava Jato desconfiou de empreiteiro que acusou Lula, indicam mensagens”. Em outra versão, esta no portal digital do veículo, o enunciado para a notícia mais bombásticas do País em muitos anos diferiu levemente do anterior: “Lava Jato desconfiou de empreiteiro pivô da prisão de Lula, indicam mensagens”.
Em nenhum momento, a Folha de S. Paulo trouxe a manchete “correta”, aquela que cabia ao conteúdo revelado, embora tenha construído lastro para isso no corpo da sua matéria.
Possivelmente sob o argumento de um pseudo equilíbrio jornalístico, quase sempre evocado nas redações como forma de ‘passar pano’ para poderosos imbricados em denúncias comprometedoras, o jornal fugiu de publicar que a “Lava Jato induziu Léo Pinheiro a mudar versão duas vezes até incriminar Lula”.
Trata-se de um erro difícil de justificar para quem leu a matéria completa.
Vários trechos deixam nítido o que a manchete não publicada pela Folha diz/diria.
Já no segundo parágrafo, sub-lead da reportagem, seus autores dizem: “Enviadas por uma fonte anônima ao The Intercept Brasil e analisadas pela Folha e pelo site, as mensagens indicam que Léo Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS, só passou a ser considerado merecedor de crédito após mudar diversas vezes sua versão sobre o apartamento tríplex de Guarujá (SP) que a empresa afirmou ter reformado para o líder petista.”
Poucas linhas mais à frente, os repórteres Ricardo Balthazar, Flávio Ferreira e Wálter Nunes (da Folha) e Rafael Moro Martins e Rafael Neves (do The Intercept Brasil) fazem a levantada derradeira, que termina de consolidar tanto a força noticiosa da reportagem quanto o erro cometido ao não adotar uma manchete mais precisa em relação ao que diz a reportagem.
“Léo Pinheiro só apresentou a versão que incriminou Lula em abril de 2017, mais de um ano depois do início das negociações com a Lava Jato, quando foi interrogado pelo então juiz Sergio Moro no processo do tríplex e disse que a reforma do apartamento era parte dos acertos que fizera com o PT para garantir contratos da OAS com a Petrobras. Os diálogos examinados pela Folha e pelo Intercept ajudam a entender por que as negociações da delação da empreiteira, até hoje não concluídas, foram tão acidentadas —e sugerem que o depoimento sobre Lula e o tríplex foi decisivo para que os procuradores voltassem a conversar com Pinheiro, meses depois de rejeitar sua primeira proposta de acordo.”
A contextualização que segue faz a reportagem ganhar em qualidade e inteligibilidade, deixado bem cristalizado para quem a leu: a Lava Jato induziu Léo Pinheiro a mudar versão duas vezes até incriminar Lula. Uma pena que a Folha tenha optado pela covardia.
Nota: A defesa do ex-presidente Lula publicou nota sobre a reportagem da Folha, que pode ser lida abaixo
*Yuri Silva é jornalista, editor-chefe do portal Mídia 4P (@midia4p e www.midia4p.com), ex-correspondente do Estadão na Bahia e ex-repórter de ‘Cidade’ e ‘Política’ do jornal A Tarde
Texto do Editorial 4P (@midia4p e www.midia4p.com)
O que as alas nacionais progressistas estão sentindo com relação às falcatruas, acordos espúrios e delações forjadas – construídas no âmbito da Lava Jato por juiz, procuradores e empresários, e reveladas neste domingo, 30, por reportagem da Folha de S. Paulo e do site de notícias The Intercept Brasil – é o mesmo que o movimento negro denuncia por décadas a fio em suas ações de combate ao racismo, apontando para o tratamento dado à população periférica e pobre do Brasil.
A matéria mostra como os procuradores “trabalhavam” mudanças de delações para, desse modo, incriminar pessoas. O exemplo usado foi o do empresário Léo Pinheiro, da construtora OAS, que ao mudar o seu depoimento por duas vezes, foi pivô da condenação de Lula e teve sua sentença reduzida 70% (de 10 anos e 8 meses para 2 anos e 6 meses).
O caso de Lula é emblemático para o Brasil e para o mundo. Mas, se “a lei é para todos”, como tanto tem se falado nesses últimos tempos, porque a dor dos negros injustamente encarcerados não causa comoção geral e, principalmente, dos setores progressistas nacionais?
Ao longo dos anos, casos semelhantes vieram a público inúmeras vezes, em vídeos mostrando policiais mudando cenas de crimes, disparando a arma e colocando mas mãos do cidadão abatido, da maconha colocada na mochila para incriminar, entre outros exemplos emblemáticos.
Mas por que os que se comovem com o caso Lula, em grande maioria, não saem às ruas, não criam fóruns de debates para se manifestar, não inundam a internet com hashtags que demonstrem a sua indignação e tão somente alguns poucos políticos denunciam tais violências?
Certamente porque os corpos negros encarcerados são invisibilizados pela cultura do racismo, que, além de estruturar a sociedade desumaniza os corpos negros, transformando injustiças em banalidade.
Casos como os de Amarildo, Rafael Braga e da modelo Bárbara Querino, além de serem esquecidos, não causam comoção por muito tempo, não servem de inspiração para a criação de movimentos em defesa de justiça e equidade e não são utilizados como modelos para apresentar tanto à sociedade brasileira quanto às autoridades internacionais as violações de direitos desses cidadãos, promovidas pelo Sistema de Justiça.
É como disse, certa feita, o sociólogo Jessé Souza:
“Essa lei social está para além da nossa consciência e comanda o cara que vai carregar o corpo desse pobre, o advogado que vai cuidar do caso, o juiz que vai dar a sentença. Está na cabeça da sociedade inteira e é o que diz que aquela pessoa é subgente, indigna do nosso respeito”.
Até quando?, perguntamos.
A cidadania plena para a população negra passa por esforços de todos os setores da sociedade e, quem sabe, o caso Lava Jato possa servir para uma reflexão mais profunda sobre a atuação do Sistema de Justiça, afinal a lei e a busca por uma justiça imparcial é para todos.
Perguntamos: Você é a favor de o Tribunal Regional Federal condenar o ex-presidente Lula e impedi-lo de concorrer de novo à Presidência da República?
Foram 18.295 votos nas 24 horas da pesquisa, entre 04 e 05 de janeiro. 66% responderam “sim”. 34% reponderam “não”.
Claro que não é possível pretender padrão científico a uma consulta feita por uma rede social. Não era o que buscávamos. Vozes da turba de extrema direita caçoaram que perdemos em casa. Como se o Twitter fosse nossa casa e a enquete, uma vez lançada, não estivesse sujeita a cursos incontroláveis e extravasasse nossos seguidores.
“O ‘Jornalistas’ Esquerdistas fez enquete achando que a maioria dos seus seguidores seria contra a prisão do Lula, mas levou…”
“A essas horas o responsável pela ideia da enquete deve estar em algum Gulag desativado na Sibéria.”
Nosso interesse era, em primeiro lugar, chamar a atenção das pessoas, seguidores ou não dos Jornalistas Livres, para o julgamento que se aproxima. Vimos até notícia, não desmentida, de que o Supremo Tribunal de Justiça “já discutia uma eventual condenação de Lula”. E pensamos: se o STJ já discute cenários, por que os eleitores não devem, também, começar a fazer seus cenários. E, especialmente, imaginar como demonstrarão seu repúdio ou aprovação ao resultado do julgamento no TRF.
Tínhamos um segundo interesse importante. Queríamos que as pessoas expusessem suas razões. Queríamos saber quais argumentos seriam usados. Pedimos que justificassem suas posições. Alguns caçoaram disso também. Mas, a verdade é que colhemos mais de 1.400 justificativas que nos dão farto material para análise do momento político brasileiro e, sobretudo, atrás de quais ideias-chave e atrás de quais lideranças caminha a extrema direita.
Bem, a enquete ia muito favoravelmente ao ex-presidente até chegarmos aos 3 mil votos. Nesse momento, como um estouro de bolha, percebemos a maciça entrada da direita favorável à condenação em segunda instância do ex-presidente. Não podemos afirmar se eram robôs, MAVs (Militantes em Ambiente Virtual) remunerados ou militantes de direita, pura e simplesmente. Percebemos alguns líderes que tuitavam “Bora votar” e “Vamos virar”. De fato, viraram.
Um desses líderes, com 25 mil seguidores, retuíta o Antagonista, Donald Trump, Diogo Mainardi, Danilo Gentili, Janaína Paschoal. Recebe dois questionamentos ao arregimentar seguidores para a votação.
Diz ele:
“Bora votar… O cachaceiro ta vencendo essa enquete esquerdista.”
Um de seus seguidores questiona:
“Pensando friamente sobre esse processo, caso ele apresentasse essas mesmas provas reivindicando posse do apto ele conseguiria? Acho q não. Então não estou contando muito c condenação infelizmente.”
Outro de seus seguidores questiona:
“Espero de fato que esse ladrão seja preso. Vejo em meu Facebook uma casta que defende esse bandido dizendo que não existem provas documentais que comprovam a culpa dele. Sabe se isso é verídico?”
Seus seguidores piscaram. Ele responde:
“Que tem vagabundo defendendo ele, claro que tem…. mas as provas contra ele são centenas.”
A enquete, em termos numéricos, terminou apontando que, de cada três que participaram, dois torcem pela condenação de Lula e um tem segurança de que não há provas suficientes para condenação do ex-presidente nessa ação que envolve o triplex do Guarujá.
Houve muitas conversas entre surdos, em que um se recusava a ouvir o outro, agressões, mas também diálogos:
– Eu sou um cidadão de bem, de classe média, não concordo com quaisquer privilégios a quaisquer classes, apoio a LJ, defendo privatizações como forma de evitar corrupção. Defendo penas implacáveis para os criminosos de colarinho Branco.
– Não lhe parece estranho que não se investigue adequadamente quem desvia dinheiro de merenda ou do metro de SP? Aliás, o PSDB está no poder em SP há 30 anos e quase nunca é investigado. Não lhe parece estranho procuradores fazerem discursos políticos? Não são pagos pra isso!
– Não sou militante do PSDB ou algo parecido.
– Perfeito. Então reflita por favor: Se qualquer ex-prefeitinho do interior, quando corrupto, mora num palacete; Por que um ex-presidente moraria num apartamento de 3 quartos em São Bernardo do Campo? Ele não mora nos Jardins e nem no Morumbi! Onde mora FHC? Sarney? Temer?
– Por isso sou a favor de se acabar com o foro privilegiado.
– Isso, todos nós defendemos.
Grande parte dos argumentos se deram entre haver ou não provas contra o ex-presidente. Seus defensores afirmaram não haver, seus acusadores afirmavam haver inúmeras. Verdade que alinhavam o desemprego, a “quebra” do país e muitas outras “provas”, que significariam no máximo desaprovação de um governo e saíam completamente da questão do triplex do Guarujá.
“E não tem provas. País falido. 14 milhões brasileiros desempregados. Empresas falidas Empresários arruinados. E estes imbecis defendo o indefensável. É deprimente a doutrinação.”
“Não possui provas documentais?! Existem processos com mais de 4 mil páginas e inúmeros documentos apreendidos com provas. Não só contra ele mas contra os seus colegas.”
Os defensores do ex-presidente, por outro lado, retrucavam:
“Essa peça acusatória nem deveria virar processo. Não há prova, não há crime por parte de Lula. Moro e TRF-4 estão fazendo política.”
“Aqui não se trata de uma opinião, mas constatação de fato. Não há prova dos supostos crimes atribuídos pelo MPF ao presidente Lula. Essa verdade já foi sobejamente demonstrada. Além do que o Juízo de Curitiba não é competente para apreciar o caso. Portanto…”
Muitos comentários tentavam passar a ideia de que era impossível haver mais de 4 mil páginas sem provas documentais. Ressaltavam a impossibilidade de se ler o inquérito todo, que há partes sigilosas e que deveríamos confiar na justiça. A sentença, entretanto, não é tão extensa, apenas 216 páginas, é pública e aponta claramente o raciocínio que o juiz usou para condenar o ex-presidente.
Afirma o filósofo Euclides André Mance, que virou do avesso a lógica do juiz, que “na prova documental e oral constante na sentença, há somente uma única afirmação literal de que o ex-presidente era proprietário do imóvel, publicada em matéria do jornal O Globo”. Em outras palavras, não há na peça nenhuma prova que afirme literalmente que o ex-presidente é proprietário do imóvel.
O autor reforça que “a afirmação literal de que ele fosse o proprietário do imóvel foi feita, na sentença, somente pelo juiz e pela autora dessa matéria – como veremos ao longo do exame da sentença”. Se estiver em dúvida sobre a veracidade da afirmação de Mance, basta buscar nas 261 páginas da sentença. Não resta dúvidas que, na existência de outras evidências, nas milhares de páginas dos autos, o juiz as teria colocado em posto de altíssima relevância na sentença.
Há ainda a delação de Léo Pinheiro, da OAS. Vejamos o diálogo que o juiz reproduz na sentença:
Defesa:- Vou perguntar objetivamente para o senhor, o senhor entende que o senhor deu a propriedade desse apartamento para o ex-presidente Lula?
José Adelmário Pinheiro Filho:- O apartamento era do presidente Lula desde o dia que me passaram para estudar os empreendimentos da Bancoop, já foi me dito que era do presidente Lula e de sua família, que eu não comercializasse e tratasse aquilo como uma coisa de propriedade do presidente.
E quando efetivamente foi passada a propriedade para o ex-presidente? Vejamos mais um trecho extraído da sentença:
Juiz Federal:- E depois, como é que isso se desdobrou depois de agosto, o senhor disse que o apartamento ficaria pronto até o final do ano, ele ficou pronto?
José Adelmário Pinheiro Filho:- Ficou pronto.
Juiz Federal:- Mas ele foi entregue daí à família do ex-presidente?
José Adelmário Pinheiro Filho:- Eu fui preso em 14 de novembro de 2014, aí eu já não acompanhei mais.
As “inúmeras provas”, que habitam as mentes daqueles que julgam o ex-presidente culpado por ter recebido o triplex como propina, resumem-se a uma matéria do Globo e uma declaração titubeante de Pinheiro.
Foi ótimo ver as reações… as torcidas se formando… os argumentos sendo trocados por quem realmente queria discutir… temos hoje um grande banco de informações sobre o pensamento de um lado e do outro, o que nos ajudará na cobertura do julgamento que se realizará no dia 24.
Ao mesmo tempo, nós e todas as pessoas honestas sabemos que não se faz Justiça repetindo a lógica dos programas de auditório. O “Vai para o trono ou não vai?” do Chacrinha, a votação do Big Brother Brasil e a condenação de Jesus Cristo se fizeram assim. É bom pros opressores e pro showbusiness. Justiça é outra coisa. Depende de provas e de cabeça fria.
Notas:
1 Para ver a íntegra do livro As Falácias de Moro, de Euclides Mance: http://solidarius.com.br/mance/biblioteca/livro_falacias_de_moro.pdf
2 Para ver a íntegra da sentença de Moro condenando Lula:
https://www.conjur.com.br/dl/sentenca-condena-lula-triplex.pdf
A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dada por Sérgio Moro, no dia 12 de julho, reviveu o debate nacional sobre a politização do exercício da Justiça. A sentença do juiz de primeira instância já sofreu críticas de juristas de diferentes países e linhas doutrinárias dentro do Direito.
A peça condenatória impressiona pelo seu conteúdo – de atropelos de direitos da defesa durante todo o processo, de impedimento de construção de provas, de apego excessivo a determinada testemunha em detrimento de dezenas de outras, tanto da Defesa quanto da acusação.
A decisão impressiona também pela sua forma, tão assemelhada a um *libelo acusatório, a ponto de dedicar apenas 0,4% de seu conteúdo à análise das testemunhas de Defesa. A sentença parece escrita por *combatente causídico, agindo em favor da acusação, e não por um Juiz de Direito. Veja, abaixo, os pontos de mais descabidos da sentença de Moro contra Lula.
Foto: Lula Marques
Sobre o tríplex
Na última sexta-feira (14), um oficial de Justiça da cidade de Santos (SP) recebeu ordem de Sérgio Moro para confiscar o tríplex do Guarujá. Por ser considerado o objeto de um crime, o imóvel ficará sob a guarda da Justiça até que toda a tramitação do processo contra Lula se encerre na Justiça. Ou seja, Moro não esperou nem o *trânsito em julgado do processo para confiscar o bem.
A ordem de Moro deverá ser cumprida pelo oficial de Justiça nos próximos dias. Resta saber contra quem será cumprida.
Contra Lula é que não será. O imóvel jamais esteve em seu nome, ou de qualquer pessoa de sua família. O ex-presidente nunca pernoitou por lá, teve as chaves ou usufruiu de qualquer maneira do apartamento. Não há em seu poder ou em qualquer lugar um documento ou objeto que ligue o bem à Lula, não há o que ser confiscado do acusado referente ao imóvel. Tudo isso está provado nos autos e o juiz não coloca em dúvida na sentença.
Deve ser confiscado, então, dos credores da OAS Empreendimentos, empresa proprietária do imóvel ?
“Expeça-se precatória para lavratura do termo de sequestro e para registrar o confisco junto ao Registro de Imóveis”. Assim ordenou Sérgio Moro. No Registro de Imóveis, está a OAS, dona do apartamento.
Vale lembrar que os direitos econômicos do imóvel são da Caixa Econômica Federal, que os recebeu em garantia por negócio firmado legalmente com a construtora. Assim, será o banco estatal aquele com o patrimônio financeiro onerado pela decisão do juiz de primeira instância. Por dever de ofício previsto em lei, deverão, assim, os credores da OAS recorrer à Justiça para retomar seus direitos sobre o bem.
O advogado Guilherme Marcondes, do escritório Marcondes Machado Advogados, um dos maiores do país, declarou que o confisco do imóvel é “ilegal”. “Documental e contabilmente, o tríplex é da OAS, constando inclusive no seu *ativo. Logo, o juízo da recuperação judicial é o único competente para decidir acerca de bloqueios realizados no patrimônio da recuperanda, ou seja, da OAS.”
Sobre os argumentos da Defesa
A sentença de Sérgio Moro não se atém aos argumentos da Defesa, não os rebate mostrando inconsistentes, para justificar a condenação do réu, desconsidera provas juntadas nos autos e é utilizada indevidamente como suporte para críticas aos defensores de Lula e também para rebater as críticas que o próprio juiz recebeu enquanto conduzia o processo.
Uma sentença judicial é dividida em três partes: relatório, fundamentação e decisão:
A primeira traz informações básicas sobre o processo, como nome das partes e dos advogados e o que está sendo julgado.
A segunda – a mais extensa – é aquela em que o juiz fundamenta sua decisão, enfrenta os argumentos da Defesa e da Acusação e registra tecnicamente os motivos que levam a balança da Justiça a pender para um lado ou outro.
A última parte é a decisão, com a pena aplicada e as ordens proferidas para sua aplicação.
A sentença de Moro tem 218 páginas. Como aponta o advogado Wadih Damous, deputado federal (PT-RJ) e ex-presidente da OAB/RJ, cerca de 60 páginas, ou 30% da sentença, são utilizadas pelo juiz para se defender de acusações de arbitrariedades por ele praticadas contra o acusado e nos processos em que atua. E ele o fez como *combativo causídico, a esgrimar-se com a Defesa do ex-presidente como se com ela disputasse o ganho da causa, chegando a chamar o trabalho dos advogados de “a argumentação dramática da Defesa de Luiz Inácio Lula da Silva” (página 22).
Já outras 16 páginas, ou 8% de toda sentença, atendem a pura vaidade de Moro, pois serviram para que o juiz rebatesse o que disse Lula em seu interrogatório, promovendo um embate pessoal contra o acusado.
Para enfrentar todas as provas documentais e periciais anexadas ao processo pela Defesa (aquelas que foram permitidas, já que ao longo da ação Moro rejeitou o acesso aos autos de documentos solicitados e considerados cruciais para a Defesa), dezenas de documentos que mostram a impossibilidade de Lula ser ou ter sido dono do imóvel, Sérgio Moro fez uso de cinco páginas, ou 2,3% da sentença.
E um grande absurdo foi a fundamentação do juiz para analisar e contrapor as dezenas de testemunhas da Defesa ouvidas nos processos, que deram conta de que Lula nunca teve as chaves, os papéis ou qualquer laço com o tríplex, ou que mostraram não haver relação entre o ex-presidente e os contratos sob investigação da Petrobras, estas receberam nada mais do que 0,4% do conteúdo escrito da sentença. Menos de uma página de um total de 218.
Sobre a super valorização de depoimento de delatores
Foram 73 testemunhas ouvidas em 24 audiências. Mas o conteúdo da maioria desses depoimentos foi verdadeiramente ignorado por Sérgio Moro. Exceto para alguns delatores.
O empresário Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, falou ao processo na qualidade de corréu e delator ou aspirante a delator premiado da Justiça. Na qualidade de corréu, ele não estava, ao contrário de dezenas de testemunhas da Defesa, obrigadas a dizer a verdade.
A condição de delator também inspira cautela do julgador, ao dar peso à suas declarações, uma vez que se trata de um infrator confesso que busca vantagens na Justiça.
O depoimento de Léo Pinheiro, no entanto, foi sem dúvida, o que mais pesou no julgamento, o que mais chamou a atenção do juiz, que a ele concedeu mais espaço na sentença, do que aos de todas as outras testemunhas somados.
Dois pesos, duas medidas e valorações descabidas
Não passou pela cabeça de Moro considerar a hipótese de que o depoimento de Léo Pinheiro, possa ter sido influenciado pela sua condição de réu em negociação por um acordo de delação premiada.
Já em um dos poucos depoimentos da Defesa a que minimamente se ateve, o juiz de primeira instância não deixou de levantar suspeita em sua fundamentação.
Trata-se de José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras (2005-12), executivo importante para esclarecer os mecanismos de contratação da estatal, o funcionamento de seus conselhos administrativos e fiscais, a margem de influência que podem ter pessoas e órgãos dentro das decisões da companhia. Moro assim se deteve acerca das informações que ele trouxe ao processo:
“782. Foi ainda ouvido José Sergio Gabrielli de Azevedo, Presidente da Petrobrás entre 2005 a 2012 (evento 607). Negou, em síntese, que tivesse participação ou conhecimento do esquema de corrupção que vitimou a empresa. Também afirmou não ter conhecimento de qualquer atuação do ex-Presidente em relação a esses crimes de corrupção e que nunca recebeu qualquer orientação dele nesse sentido.”
“783. O depoimento de José Sergio Gabrielli de Azevedo não é de muito crédito, visto que era o Presidente da Petrobrás no período em que vicejou o esquema criminoso que vitimou a empresa, o que o coloca em uma posição suspeita.”
Vamos traduzir…
O depoimento de um dos réus no processo, Léo Pinheiro, candidato a delator premiado, que passou mais de 2 anos preso antes de depor como testemunha de acusação contra Lula, confessadamente autor de ilícitos nas relações de sua empresa e a Petrobras, desobrigado a dizer a verdade no tribunal, este foi mais levado em conta e consumiu mais palavras de Moro na sentença, do que o de todas as outras testemunhas juntas.
Já uma testemunha de defesa que está obrigada a falar a verdade, que se dispõe a colaborar com a Justiça sem estar confessando nenhum crime, sem estar buscando nenhuma vantagem legal por aquele testemunho, este é considerado suspeito e não teve crédito.
A Defesa de Lula já protocolou um recurso em que aponta dez omissões, contradições e obscuridades como as que já dissemos e que estão na sentença de Sérgio Moro. O recurso, chamado *Embargo de Declaração, será julgado pelo próprio juiz paranaense. Mais uma vez, será confrontado com sua evidente parcialidade e desapego às normas processuais.
É pouco provável que o juiz volte atrás em qualquer de seus arbítrios, o caso seguirá então para a apreciação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde será julgado em segunda instância.
O Brasil precisa que os desembargadores sejam maduros e dêem o destino correto à sentença impensável de Sérgio Moro, sem vaidades e com a utilização de um dos valores mais importantes: a verdade.
Essa sentença não pode ser tão infantil quanto o PowerPoint do Ministério Público Federal.
Glossário
*Libelo acusatório – peça jurídica que era produzida pelo Ministério Público e era apresentada no tribunal do júri (crimes contra a vida), expondo o fato criminoso, indicando o nome do réu, circunstâncias agravantes e fatos que poderiam influenciar na fixação de sua pena. Em 2008, uma reforma no Código de Processo Penal suprimiu esta peça do rito processual.
*Causídico – advogado que atua no âmbito do processo, defensor de uma causa que combate em nome dela ou de alguém perante um tribunal.
*Trânsito em julgado – Final derradeiro de um processo na Justiça, quando é proferida a sentença final, não havendo mais possibilidade de recurso em nenhuma instância.
*Precatória – Refere-se à carta precatória, que é uma ordem judicial proferida por um juiz para ser executada em outra comarca. Quando um processo exige que uma diligência ocorra em outra comarca que aquela onde ele tramita, o juiz responsável envia uma carta precatória a esta comarca, com as ordens a serem cumpridas.
*Fase de instrução – É uma das fases do processo penal, quando são ouvidas as testemunhas chamadas pelas partes e provas documentais e periciais são anexadas (juntadas) aos autos.