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Tag: Lava Jato

  • Sem ressentimento, sem esquecimento

    Sem ressentimento, sem esquecimento

    Quatro de agosto de 2020. Sérgio Moro sofre sua principal derrota desde que se tornou um dos principais atores na cena política nacional.

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

    A segunda turma do STF determinou a exclusão da delação de Antonio Palocci do processo movido no âmbito da Operação Lava Jato contra o presidente Lula.

    Ricardo Lewandovski e Gilmar Mendes votaram favoráveis à exclusão. Edson Fachin (o ahá uhú do Dallagnol) votou contra a exclusão, o que significa votar a favor de Sérgio Moro. Fachin é o melhor advogado que Moro poderia ter.

    Não é exatamente a primeira derrota. Houve outras. Mas essa, sem dúvida alguma, foi a maior e sinaliza para a possibilidade de outra derrota, que seria devastadora. A suspeição de Moro no julgamento de Lula deve ser julgada pela plenária da corte ainda neste ano. A derrota na segunda turma não significa, necessariamente, que Moro será derrotado no colegiado ampliado. Mas indica a possibilidade. Definitivamente, o ex-juiz já viveu dias melhores.

    Lewandovski e Mendes falaram o óbvio! Moro politizou o julgamento de Lula com o objetivo claro de interferir nas eleições presidenciais.

    Grande novidade!

    Moro inseriu a delação de Palocci no processo por conta própria, sem ser provocado pela acusação, o que é mais do que atípico. É criminoso. É prova cabal de que o juiz era, na verdade, o chefe da acusação.

    Todos sabiam o que estava acontecendo. Todos calaram, consentiram, incluindo o próprio STF, que em abril de 2018 negou o pedido de habeas corpus, decisão que, na prática, mandou Lula pra cadeia. A mesma segunda turma negou outros dois pedidos de habeas corpus, em junho e agosto de 2019. Lewandowski sempre votou a favor da defesa de Lula, o que significava votar a favor do devido processo legal.

    Por que agora, justo agora, esse revés?

    Simples! O tempo da política é o tempo rápido, da constante mudança, principalmente em tempos de crise.

    A partir de 2014, o establishment jurídico brasileiro se associou aos grupos políticos anti-petistas. O objetivo era colocar um ponto final na hegemonia do Partido dos Trabalhadores, o que em cenário de normalidade democrática seria impossível.

    A aposta era que o PSDB, antagonista do PT desde meados da década de 1990, herdaria o butim. A situação saiu do controle e Bolsonaro foi eleito.

    O establishment jurídico dobrou a aposta: acreditou que seria possível negociar com Bolsonaro, controlar Bolsonaro. Errou novamente.

    A Lava Jato acumulou muito poder, a ponto de não querer mais ser puxadinho de ninguém. Nem do PSDB, nem do bolsonarismo, nem do próprio Ministério Público. Costuma-se dizer que o Ministério Público é o quarto poder, independente até mesmo do Poder Judiciário. A Lava Jato se tornou o quinto poder, independente do próprio Ministério Público.

    Nessa situação de desencanto, onde bolsonarismo e lava-jatismo se tornam ameaças ao próprio sistema, Lula volta a ter grande relevância. Primeiro, porque quando presidente sempre foi conciliador. Ninguém defendeu melhor o capitalismo brasileiro que Lula. Segundo, porque Lula é “o outro” tanto do bolsonarismo como do lava-jatismo.

    O sistema político que foi construído na redemocratização encontrou em Lula o seu melhor gestor. É uma virtude. Tenho saudade não apenas do tempo em que Lula era presidente. Tenho saudade do Lula como presidente. O Lula presidente foi muito melhor que o Lula metalúrgico. O Lula presidente é muito melhor que esse Lula líder esquerdizado pós-cárcere.

    Reabilitar os direitos políticos e a reputação de Lula seria a única forma possível de confrontar, ao mesmo tempo, o lava-jatismo e o bolsonarismo, os dois filhos rebeldes daqueles que apostaram na desestabilização da democracia como tática de retomada do poder.

    Que seja assim. Que se reposicionem. Que assumam, mesmo que silenciosamente, sua responsabilidade nessa nossa tragédia geracional. Sem ressentimento. Mas também sem esquecimento. Esquecer jamais. Nomes e sobrenomes serão sempre lembrados.

    Fotos de Lula Marques

  • O MELANCÓLICO FIM DA LAVA JATO

    O MELANCÓLICO FIM DA LAVA JATO

     

    ARTIGO

    Ângela Carrato, jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

    Depois de embalar o sonho das “pessoas de bem”, que vestiram verde e amarelo e foram às ruas apoiar o pretenso combate à corrupção, o fim da Operação Lava Jato está próximo e não poderia ser dos mais melancólicos.
    Tudo indica que ela será substituída pela criação da Unidade Nacional Anticorrupção (Unac) por parte do Ministério Público Federal. A Unac, se realmente prosperar, terá sede em Brasília e concentrará ações atualmente dispersas entre as unidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba. A proposta é do próprio procurador-geral da República, Augusto Aras que, diferentemente dos seus antecessores, foi escolhido pelo presidente Bolsonaro sem levar em conta a lista tríplice elaborada pela categoria.
    A decisão de Aras é uma das consequências práticas da guerra que passou a ser travada entre bolsonaristas e lava-jatistas, após a demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça. Moro, que foi conivente com parte dos abusos cometidos pelo governo enquanto esteve no poder, saiu atirando e acusando Bolsonaro de “tentar interferir politicamente na Polícia Federal”.
    Um dos principais beneficiados pela Lava Jato, Bolsonaro, que dificilmente teria sido eleito se não fosse a criminalização e o ódio ao PT que ela disseminou, viu na atitude de Moro uma forma de atingir seu governo, mas, principalmente, de se cacifar para a disputa presidencial em 2022. É importante lembrar que o apoio de Moro junto à opinião pública, no momento em que deixou o governo, era significativamente superior ao do próprio Bolsonaro.
    Os partidos de oposição, por sua vez, há muito denunciam os desmandos da Lava Jato
    e como ela, em seis anos de existência, tem cometido todo tipo de ilegalidade. Além de grampear os telefones dos advogados que defendem o ex-presidente Lula nos processo do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, os advogados Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Martins lembram que o próprio Lula foi condenado sem provas e por “atos indeterminados”.

    Vale dizer: depois de anos revirando a vida e quebrando todos os sigilos bancários, fiscal e telefônico do ex-presidente Lula, de sua família e amigos, não foi encontrado nada que pudesse incriminá-lo.
    Às denúncias dos advogados de Lula vieram se somar, em meados do ano passado, a série de vazamentos publicados pelo site The Intercept BR. Eles mostraram conversas dos procuradores que atuam na Lava Jato, em Curitiba, trazendo à tona muito do seu modus operandi. A série, que ficou conhecida como #VazaJato, mostrou, por exemplo, que Moro não atuou apenas como juiz, mas como auxiliar da própria acusação.
    Caía por terra o discurso de “juiz imparcial” sob o qual Moro sempre tentou se acobertar. Os vazamentos deixaram visível também a perigosa proximidade entre os lava-jatistas e integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF). Quem se lembra de um exultante procurador chefe em Curitiba, Deltan Dallagnol em conversa com Moro, assegurando “In Fux we trust”? Fux, no caso, é o ministro Luiz Fux.
    As denúncias da #VazaJato correram mundo e foram destaque nos principais jornais da Europa e dos Estados Unidos, contrastando com o silêncio que sobre elas reinou na mídia brasileira. Silêncio explicado pelo fato da mídia local ter se valido das cinematográficas operações da Lava Jato para disseminar o ódio ao PT, patrocinar o golpe contra a presidente Dilma Rousseff (impeachment sem crime de responsabilidade é o que?), prender e impedir Lula de disputar as eleições de 2018, abrindo espaço para a vitória de Bolsonaro e suas políticas antipopulares, antinacionais e de submissão aos interesses dos Estados Unidos.
    Na semana passada (1/7), nova reportagem do The Intercept BR, em parceria com a agência de jornalismo investigativo Pública, mostrou algo ainda mais grave e que veio confirmar denúncias que pairavam sobre a Lava Jato: a interferência de agentes do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e do próprio FBI, polícia e serviço de inteligência daquele país, em suas ações.
    Quem se lembra que um dos policiais que escoltou Lula, quando ele saiu da prisão para ir ao enterro do seu neto, usava adesivo que não era da Polícia Federal?

    As novas revelações do The Intercept BR/Pública mostram uma parceria “informal” entre Lava Jato e autoridades estadunidenses que, exatamente por ter se dado de maneira  informal, é ilegal. Se o compromisso da Lava Jato fosse realmente combater a corrupção e não atender aos interesses de setores dos Estados Unidos (deep State?), bastaria ter se pautado pelos canais legais. Desde 2001, com o decreto 3.810, Brasil e Estados Unidos firmaram acordo prevendo procedimento escrito e formal, intermediado por órgãos específicos de lado a lado.
    Em outras palavras, mais do que uma operação anticorrupção, como sempre tentou se mostrar, a Lava Jato começa a ter sua verdadeira face desenhada. Ela é parte do kit da “guerra híbrida” adotado pelos Estados Unidos para intervir na política e na vida de países. No caso brasileiro, as razões são muitas. Desde o início dos anos 2000, estudos apontavam que o Brasil tinha tudo para, em menos de duas décadas, se transformar em potência mundial.
    Esses estudos, claro, incomodaram a grande potência mundial e potência maior do hemisfério, mas acabaram sendo deixados de lado em função dos ataques terroristas às torres gêmeas, em 2001. Nesse meio tempo, assumiu o poder no Brasil e também na maioria dos países da América do Sul, governos populares que buscaram o desenvolvimento de suas economias e parcerias no cenário internacional.
    O Mercosul foi fortalecido, a Unasul foi criada e o Brasil esteve à frente do surgimento do BRICS e passou a integrá-lo, juntamente com Rússia, Índia, China e África do Sul.
    Como se isso não bastasse, o Brasil anunciou em 2007 a descoberta do pré-sal e em 2014, apesar da pesada campanha da mídia para derrotar o PT, Dilma Rousseff consegue se reeleger, com a agremiação dando início ao seu quarto mandato à frente da presidência da República.
    Para alguns, tudo isso não passa de “teoria da conspiração”, mas se os fatos forem observados, coincidentemente as ações da Lava Jato apontam para a desorganização e estabelecimento do caos na economia brasileira e para a criminalização de governos que possibilitaram inúmeros avanços ao país.

    Outro efeito prático da Lava Jato foi, sob o argumento de “combate à corrupção”, levar empresas brasileira como a construtora Odebrecht praticamente à falência, obrigada a demitir mais de 230 mil funcionários. Já a Petrobras, além da campanha de desmoralização a que foi submetida, teve que pagar multas milionárias para acionistas
    nos Estados Unidos.
    Em 2014, os serviços de inteligência dos Estados Unidos já tinham sido pegos com a boca na botija, espionando a então presidente Dilma e os contratos para exploração do pré-sal que estavam sendo preparados pela Petrobras. O então presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, nunca negou as espionagens e, até onde se sabe, não pediu desculpas pela ação dos serviços de inteligência. Essa história, em detalhes, está registrada no documentário do diretor estadunidense Oliver Stone, intitulado Snowden. O documentário está disponível na Netflix.
    Vale observar ainda que operações semelhantes à Lava Jato (ou mesmo seus desdobramentos) tiveram lugar na América do Sul, redundando em desorganização da economia desses países, criminalização de governantes populares, eleição de governos neoliberais ou mesmo em golpes de Estado, sempre sob o argumento do “combate à
    corrupção”.
    Voltando a Moro e Dallagnol, nesses seis anos de Operação Lava Jato, eles passaram de figuras inexpressivas a estrelas do noticiário da mídia brasileira (TV Globo à frente). Só que agora estão às voltas para explicar o inexplicável.
    Como se aliaram a integrantes do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a agentes do FBI contra empresas brasileiras? Como incriminaram e condenaram, sem provas, o ex-presidente Lula? Como agiram de maneira nitidamente partidária, uma vez que as condenações recaíram quase que exclusivamente sobre o PT e aliados, deixando de fora notórios corruptos do PSDB?
    Apesar dessas questões já serem levantadas pelos advogados de Lula antes mesmo dele passar 580 dias na prisão, só agora ganharam ressonância.
    Por mais de seis anos – março de 2014 é considerado o seu começo – a Operação Lava Jato mandou e desmandou no Brasil. Além do “combate à  corrupção” ter sido transformado pela direita e pela mídia corporativa em problema número 1 do país, em nenhum dos Poderes houve quem se dispusesse a enfrentá-la.
    A presidente Dilma Rousseff, com sua postura republicana, jamais interferiu ou tentou interferir nessas ações. No Congresso Nacional, a maioria dos integrantes, mais preocupada com as eleições que aconteceriam em poucos meses, não deu atenção ao
    assunto e, pelo lado do Judiciário, tudo parecia certo.
    Só que não.
    As operações que tiveram início com a prisão, pela Polícia Federal, de um dono de posto de gasolina em Brasília (daí o nome Lava Jato) onde havia uma casa de câmbio utilizada para evadir divisas do país, rapidamente levou o Ministério Público Federal em Curitiba a criar uma equipe de procuradores para atuar no caso, sob o argumento de que já investigava um dos doleiros (Albert Youssef) envolvidos em transações com o dono do posto de gasolina.
    Numa história que ainda precisa ser devidamente esclarecida, uma investigação que deveria ter ficado em Brasília foi parar na capital do Paraná. Mais ainda: a descoberta de que Yousseff havia dado de presente uma Land Rover para um ex-diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa, jogou a empresa no olho do furacão.
    Num passe de mágica, os procuradores em Curitiba, chefiados por Dallagnol, começaram a buscar, de todas as formas, um elo entre a corrupção de diretores da Petrobras e o ex-presidente Lula. Nenhum outro presidente lhes pareceu suspeito. Moro, aliás, foi contra investigar Fernando Henrique Cardoso, para não “melindrar apoio importante”.
    Um mês e pouco depois, a operação já contava 30 pessoas presas e 46 indiciadas pelos crimes de formação de organização criminosa, crimes contra o sistema financeiro nacional, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Nas 71 operações acontecidas desde então, mais de 100 pessoas foram presas e quase o mesmo número condenadas.
    Os processos contra os acusados, o tempo em que ficavam presos sem julgamento, as
    condições em que eram mantidos encarcerados, nada disso parecia importar para a Justiça brasileira e muito menos para a mídia. Enquanto isso, vazamentos, cujo timing
    político era nitidamente calculado, foram fundamentais para impedir, em março de 2016, que Lula se tornasse chefe da Casa Civil de Dilma, e, em 2018, contribuíram para torpedear a candidatura do petista Fernando Haddad à presidência da República.
    Ninguém, obviamente, é contra o combate à corrupção. Mas o que chama atenção é que a Lava Jato não combateu a corrupção. O que ela combateu foi o PT, a democracia, as principais empresas brasileiras e a soberania do país. Uma das primeiras medidas econômicas aprovadas pelo Congresso Nacional, depois do golpe contra Dilma e da posse do ilegítimo Michel Temer, foi um projeto do senador tucano José Serra (SP), alterando a legislação sobre o pré-sal brasileiro, a fim de beneficiar as empresas multinacionais.
    Para complicar ainda mais essa história, que em muitos aspectos se assemelha a um triller de cinema, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, morre, em janeiro de 2017, num acidente de avião. Teori era o relator da Lava Jato na Suprema Corte e estava às vésperas de retirar o sigilo de cerca de 900 depoimentos e homologar as 77 delações da Odebrecht. Ele vinha publicamente fazendo censuras à atuação do juiz Moro e da própria Lava Lato.
    Sua família nunca acreditou no resultado da perícia sobre o acidente.
    Depois da morte de Teori, opera-se uma curiosa coincidência. Todas as pessoas chave na Lava Jato, sejam seus integrantes, sejam aqueles, em instâncias superiores, que vão julgar os atos de seus integrantes, passam a ser de Curitiba ou vinculados a Curitiba: Moro, o desembargador do TRF-4, João Pedro Gebran Neto, o ministro do STJ, Félix Fischer, e o ministro que ocupa a relatoria da Lava Jato no STF após a morte de Teori, Edson Fachin.
    Fazendo um corte para os dias atuais, o destino da Lava Jato, mesmo com todas as suas ilegalidades, poderia ter sido outro se não fosse a ambição de Moro. Ao querer incluir em seu currículo além do cargo de ministro da Justiça (negociado com Bolsonaro ainda na campanha eleitoral) uma vaga no STF ou mesmo a presidência da República, entrou em rota de colisão com Bolsonaro.

    O problema para Bolsonaro é que Moro acabou se transformando em “queridinho” de parte da direita brasileira (Globo à frente) e, segundo o sociólogo português, Boaventura de Souza Santos, em candidato dos Estados Unidos à presidência do Brasil, a pessoa ideal para manter o país atrelado aos interesses do Tio Sam. Bolsonaro e Moro estão, assim, disputando num mesmo campo.
    É importante lembrar também que figuras como o ex-advogado da Odebrecht, Rodrigo Tacha Duran, que, há mais de três anos, vem tentando fazer delação premiada contra Moro, parece que finalmente conseguirá. Entre outras coisas, Duran tem dito dispor de provas da existência de vendas de sentenças por parte da “República de Curitiba” e de propina ligando essas sentenças, as delações premiadas e advogados amigos de Moro.
    Os integrantes da Lava Jato, obviamente, não estão dispostos a aceitar seu fim
    passivamente. Na última quinta-feira (2/7), numa tentativa de mostrar serviço, a Lava Jato, que andava meio sumida, reapareceu fazendo uma operação de busca e apreensão na casa do tucano José Serra. Há pelo menos dez anos que as denúncias contra Serra são conhecidas e não deixa de ser esquisito só agora a turma de Curitiba, através do braço de São Paulo, ter resolvido agir.
    A explicação mais plausível parece ser a de que a Lava Jato, a fim de tirar o foco das denúncias de que vem sendo alvo, usou essa operação como manobra diversionista. Diante da ameaça de extinção, nada melhor do que uma ação em cima de um notório
    corrupto que sempre esteve acima da lei, para tentar se mostrar imparcial.
    Outra prova de que a turma da Lava Jato está se sentindo acuada foi o adiamento do
    julgamento de Dallagnol no Conselho do Ministério Público, pelo Power Point contra Lula. Marcado para amanhã (7/7), última sessão antes das férias do meio de ano, o adiamento surpreendeu alguns conselheiros e foi interpretado como medo de derrota,
    especialmente diante das recentes revelações da #Vazajato.
    Se as previsões do ministro do STF, Gilmar Mendes, estiverem corretas, em setembro os dois processos impetrados pela defesa de Lula arguindo a suspeição de Moro para julgá-lo serão analisados. Some-se a isso que a Comissão de Direitos Humanos da ONU já tem em seu poder a documentação envolvendo o julgamento e as condenações, sem provas, de Lula.
    Pelo “conjunto da obra” e por razões diferentes, o fim da Lava Jato está próximo e aqueles que se orgulharam de ter vestido verde e amarelo e ido às ruas apoiar seus “heróis” vão começar a ter vergonha.
    Fizeram papel de bobos.

     

  • UMA BREVE HISTÓRIA DA CRISE, UMA BREVE HISTÓRIA DA CRÍTICA

    UMA BREVE HISTÓRIA DA CRISE, UMA BREVE HISTÓRIA DA CRÍTICA

    ARTIGO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia 

     

    Início da madrugada de 21 de outubro de 2014. 00h14 para ser exato. O tribunal Superior Eleitoral divulgava os resultados oficiais das eleições presidenciais e estaduais. Aparentemente, tudo estava normal, segundo a dinâmica do jogo político da “Nova República”. PT e PSDB continuaram polarizando a disputa pelo Planalto. PMDB e DEM continuaram fortes nos Executivos estaduais e no poder Legislativo. Mas se olharmos os números com mais cuidado, perceberemos que o normal já não era tão normal assim. Algo no jogo começava a mudar. Ou melhor, o jogo começava a terminar.

    Chama atenção o fenômeno Marina Silva, terceira colocada na corrida presidencial, com mais de 22 milhões de votos. O importante aqui nem é a quantidade de votos, pois desde 2010 Marina já era player importante na disputa. O que impressiona mesmo foi a dinâmica da campanha eleitoral, a narrativa mobilizada.

    Com pouco tempo de TV, a equipe de Marina Silva direcionou todas suas energias para o Facebook, que na época era a rede social mais popular entre os brasileiros. Segundo a consultoria E. Life, Marina se tornou a candidata com melhor desempenho no Facebook no final de agosto, quando a campanha se tornava mais aguda. Marina tinha 1,43 milhão de seguidores, enquanto Aécio Neves tinha 1,20 milhão e Dilma Rousseff tinha 937 mil. Certamente, o desempenho de Marina Silva foi impulsionado pela comoção gerada pela morte trágica de Eduardo Campos. Os números mostram também a relevância que as mídias digitais começavam a ter na disputa eleitoral.

    Em 20 de agosto de 2014, Marina Silva assumiu formalmente a cabeça da chapa. Na solenidade organizada pelo PSB, Marina disse que “era o momento de ter ousadia de sair do roteiro da política tradicional para recriar, com novos elementos e novos métodos o caminho de nossa luta pela justiça social“. É clara a transformação no discurso em relação à campanha de 2010, quando Marina tinha o meio ambiente como mote, protagonizando aquilo que ficou conhecido como “Onda verde”.

    Em 2014, Marina era a candidata da renovação, a representante da “nova política”. Naquela altura, a Operação Lava Jato já estampava diariamente o noticiário nacional. Marina Silva foi a primeira a se apropriar do potencial eleitoral da crítica anti-sistêmica. Por muito pouco, não chegou ao segundo turno. Se tivesse chegado, fatalmente seria eleita, pois é difícil imaginar os eleitores de Aécio Neves migrando para Dilma Rousseff.

    Com pouco tempo de TV, em campanha feita basicamente na internet e falando em “nova política”, Marina Silva transformou a crítica anti-sistêmica em capital eleitoral, antecipando em diversos aspectos o que Bolsonaro faria quatro anos mais tarde.

    E por falar em Bolsonaro…

    Em 30 de outubro de 2014, assim que a eleição acabou, Jair Bolsonaro concedeu entrevista ao jornal “Estado de São Paulo”. Bolsonaro acabava de ser reeleito deputado federal, o mais votado pelo Rio de Janeiro, com 464.572 votos. Em 2010, tinha conseguido 120.646 votos. Em quatro anos, o eleitorado de Bolsonaro cresceu 385%!

    Entre 2010 e 2014 está 2013, o marco inicial da crise democrática brasileira, o berço da crítica.

    Bolsonaro entendeu perfeitamente o que estava acontecendo e na entrevista lançou sua pré-candidatura às eleições presidenciais de 2018. O deputado estava convencido de que poderia ser eleito presidente da República. Apenas ele acreditava. Disse que a votação expressiva de Aécio Neves no segundo turno apontava para uma insatisfação que em pouco tempo o PSDB não conseguiria mais canalizar.

    2014-2018. Foram quatro anos de pré-campanha, utilizando dinheiro do gabinete para viajar pelo Brasil. Bolsonaro seguiu a trilha aberta por Marina Silva, se apresentou como o “novo”, como o crítico ao sistema. Como mostrou o historiador Daniel Pinha, foi nesse período que o deputado de baixo clero deu origem ao mito.

    Enquanto isso, a Lava Jato, ressonada pela mídia hegemônica, fixava no imaginário nacional a ideia de que o sistema político estava podre, tomado em suas entranhas pela corrupção. Bolsonaro assumiu o controle da critica anti-sistêmica. Marina Silva, que optou pela via da discrição, ficou chupando dedo. Talvez Marina não tenha entendido o que estava sendo disputado. Bolsonaro entendeu. Entendeu perfeitamente.

    O que havia sido um sopro em 2014 se tornou um ciclone nas eleições municipais de 2016. A crítica ao sistema, definitivamente, se tornava realidade política incontornável. O PT perdeu 60% das prefeituras. Mas se enganou quem achou que se tratava, apenas, de anti-petismo. As eleições presidenciais de 2018 mostraram que a rejeição não era apenas ao PT, mas, sim, a todos os partidos identificados com a tal “velha política”.

    As eleições de 2018 foram atravessadas de cabo a rabo por uma energia política disruptiva. O PSDB, que até então era hegemônico à direita do espectro político, foi destroçado. O PMDB perdeu o Rio de Janeiro. O DEM ficou limitado a alguns nichos oligárquicos.  Marina Silva virou pó. O nanico PSL, impulsionado pelo bolsonarismo, se tornou o partido com a segunda maior bancada na Câmara dos Deputados. Os desconhecidos Witzel e Zema venceram no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. O sistema partidário da “Nova República” foi destruído.

    O processo de destruição não começou em 2018. Já estava em curso desde 2013, se manifestando nas eleições de 2014. A partir de então, e cada vez mais, a crise brasileira seria pautada pela potência crítica. Bolsonaro deixou de ser o deputado de baixo clero para se tornar o presidente carismático porque conseguiu se apropriar da crítica.

    A questão que se coloca agora é até quando Bolsonaro será o dono da crítica.

    Ao longo desses 17 meses de governo, Bolsonaro resistiu em ser presidente normal. Investiu sempre no caos, no horizonte da ruptura. Bolsonaro se apega à critica com unhas e dentes.

    Mas quanto mais tempo se é governo, mais difícil fica fugir da pecha de gestor do sistema, mais difícil fica performar a crítica. Fica ainda mais difícil quando Bolsonaro começa sentar à mesa de negociação com o famigerado “Centrão”. Waldemar da Costa Netto, Arthur Lyra, Roberto Jefferson são presenças constantes no Palácio do Planalto.

    É difícil performar a crítica com a Polícia Federal na cola da família presidencial. As denúncias de Paulo Marinho parecem ser nitroglicerina pura. Não consigo imaginar que Bolsonaro continuará por muito mais tempo no controle da crítica. Não consigo imaginar como ele se sustentaria a partir do momento em que perca o controle sobre a crítica.

    Sem dono a crítica não ficará. Quem será o próximo? Tem muita gente nessa disputa. De Dória a Ciro Gomes, passando por Amoedo, Luciano Huck, Wilson Witzel e Sérgio Moro. Sem contar ainda os próprios militares, que cada vez mais ocupam o governo e já mostraram não ter muito apreço por Jair Bolsonaro.

    Fato é que o próximo crítico precisará bater em Bolsonaro e em Lula com a mesma força. Precisará investir energia narrativa na criação de uma simetria entre Lula e Bolsonaro, como se eles fossem exatos opostos um do outro. Sem essa simetria, a crítica perde o sentido.

    Não dá pra saber como será o futuro da crítica e é sempre prudente não se deixar levar pelo quase irresistível desejo de fazer previsões. Certeza mesmo é que enquanto houver crise, haverá crítica. A história da crise é a história da crítica.

     

  • Lula e um irmão são inocentados pelo TRF-3

    Lula e um irmão são inocentados pelo TRF-3

     

    O Tribunal Regional da Terceira Região (TRF-3) rejeitou hoje, por unanimidade, denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu irmão, Frei Chico, acusado por executivos da Odebrecht de ter recebido mesada de R$ 5 mil da empreiteira como suposta contrapartida para “obter benefícios junto ao novo mandatário do Poder Executivo Federal”. Confira abaixo a nota divulgada pelo advogado Cristiano Zanin Martins sobre a decisão:

    “É pedagógica a decisão proferida hoje (18/5) pelo TRF3 que, tal como havia decidido o juiz de primeiro grau, rejeitou sumariamente, por ausência de suporte probatório mínimo, uma acusação absurda contra ao ex-presidente Lula feita pela Força Tarefa da Lava Jato de São Paulo (Recurso em Sentido Estrito nº 0008455-20.2017.4.03.6181/SP).

    A imaginária acusação da Lava Jato buscava o processamento de uma ação penal contra Lula sob a alegação de que seu irmão, Frei Chico, teria recebido valores da Odebrecht como suposta contrapartida “obter benefícios junto ao novo mandatário do Poder Executivo Federal”.

    O juiz de primeiro grau já havia rejeitado de plano a acusação, que segue o padrão da Lava Jato contra Lula, baseado exclusivamente na palavra de delatores, afirmando que: “Não seria preciso ter aguçado senso de justiça, bastando de um pouco de bom senso para perceber que a acusação está lastreada em interpretações e um amontoado de suposições”.

    A decisão do TRF3 prestigia o devido processo legal e reforça a inocência de Lula e excepcionalidade dos processos contra o ex-presidente conduzidos a partir da 13º Vara Federal de Curitiba. É mais uma vitória de Lula na Justiça que mostra a necessidade de ser julgado o Habeas Corpus que aponta a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro e a declaração da nulidade de todos os processos que ele tenha atuado contra Lula.”

    Cristiano Zanin Martins

  • Moro versus Bolsonaro: peças da crise democrática

    Moro versus Bolsonaro: peças da crise democrática

    ARTIGO

    Daniel Pinha, professor do Departamento de História da UERJ
    O divórcio entre Bolsonaro e Moro põe em xeque peças decisivas da crise democrática. A parceria entre grande imprensa e Judiciário, geradora da Operação Lava-Jato e seu protagonista Sérgio Moro, tiveram papel determinante na queda de Dilma e prisão de Lula, acontecimentos fundamentais da crise. Precisamos saber como esta engrenagem irá se movimentar diante do bolsonarismo e será capaz de detê-lo. Levando-se em conta, ainda, uma condição específica ao nosso presente mais imediato, isto é, a pandemia de coronavirus.
    O primeiro passo para entender este xadrez é reconhecer as diferenças (e são muitas), entre estes dois sentimentos políticos, peças fundamentais neste jogo: Lava-jatismo e Bolsonarismo. O primeiro foi gerado na crise; o segundo, é anterior e foi impulsionado por ela.
    Lava-jatismo: narrativa gerada na crise
    Primeiro, o Lava-jatismo. A Operação Lava-Jato se construiu como força determinante do jogo político não apenas por sua função judicial-investigativa, mas por seu apelo midiático, como nos mostram as pesquisas do cientista político André Singer. A grande imprensa narrou a Lava-Jato para a população a colocando como se estivesse imune à podridão política, capaz de cumprir um papel saneador a atacar o maior dos problemas brasileiros, a corrupção. Transformou ações policiais em espetáculos televisivos, impôs o consenso da isenção e despolitização dos órgãos do Judiciário, traduziu à sua maneira o vocabulário jurídico (especializado) para o grande público consumidor de notícias. Quem não se lembra das operações da Lava-Jato às 6h, 7h da manhã transmitidas ao vivo como grande furo e notícia do dia? Ou ainda, o episódio da condução coercitiva de Lula, em março de 2016, com helicóptero ao vivo e câmeras a postos para filmar o carro de Lula pela via área? O “Japonês da Federal” se tornou personagem conhecido do público, motivo de conversas de bar, falado na feira, na fila dos elevadores, até em marchinha de Carnaval ele entrou.
    Sérgio Moro se tornou o maior representante do lava-jatismo justamente por conseguir controlar a grande mídia e transformá-la na porta-voz de suas ideias. A fala de Moro nunca foi vista como expressão de um ponto de vista. Sempre foi a verdade. Despolitizada, neutra, justa. Inteiramente ajustada ao contexto de sentimento antipolítica tradicional despertado desde 2013. E este apelo midiático-popular transformou a imagem sóbria de um juiz em uma figura pop, herói nacional.
    E isto que podemos chamar de populismo judicial contaminou parte significativa do corpo judiciário, que se sentiu “empoderada” para intervir cada vez mais no processo político, movido pela ideia de “popular” traçada pela grande imprensa. Exemplo desse ativismo é a postura do ministro do Supremo, Luis Roberto Barroso, cujas sentenças, muitas das vezes, se tornam verdadeiros discursos políticos voltados para a atenção do grande público, em favor deste saneamento moral. Foi dessa forma que Moro, ou o sentimento “morista” a contaminar juízes de diferentes instâncias, criou o clima para derrubar Dilma (sem crime de responsabilidade) e pôs Lula na cadeia (sem provas). Desse jeito, aliás, o PT foi retirado da presidência: pelas leis anticorrupção e instituições autônomas que fomentou, Ministério Público e Polícia Federal, sobretudo. Moro criou a hipótese de que Lula era o chefe do esquema de corrupção e torceu o processo jurídico em função daquela narrativa, que, em determinado momento, já não era só dele, mas também da grande mídia. Bolsonarismo: dois ressentimentos antidemocráticos.
    O bolsonarismo não é uma força política gerada apenas na crise democrática atual. A crise impulsionou o bolsonarismo, mas não o gerou. Ele é resultado de dois ressentimentos antidemocráticos acumulados da época do deputado federal Jair Bolsonaro, mobilizados agora na presidência, ora com mais ora com menos intensidade. Primeiro, o ressentimento sobre rumos da redemocratização. Ele se manifesta, por exemplo, no sentimento de nostalgia da Ditadura de 64, na retórica de ataque aos direitos humanos e no recurso à ditadura como modelo político ideal. Isso se manifestou claramente nas recentes participações de Bolsonaro em atos antidemocráticos que pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal, do Congresso Nacional e, até mesmo, o AI-5.
    Segundo, o ressentimento quanto à perda de valores morais associados à família conservadora, branca e patriarcal (o que ele chama de valores da maioria e não das minorias). Este movimento ocorre, sobretudo, a partir de 2011, no início do governo Dilma, quando o PT já somava oito anos de governo. Sua agenda passa a ser não somente a nostalgia da Ditadura, mas a reação aos avanços sociais e perspectivas de democratização abertas pelo governo Lula, sobretudo em relação às agendas de raça, gênero e políticas pública de fortalecimento dos direitos sociais – por exemplo, Bolsa Família e Mais Médicos, atacados por Bolsonaro ao longo do governo Dilma. Não por acaso, ele ganha tanta projeção em torno de causas morais e defesa da família: desde o “kit gay”, “ideologia de gênero”, contra o aborto, feminismo, gayzismo e tantas outras. Até a crise mais aguda, aberta pelas manifestações de junho de 2013, Bolsonaro atua no horizonte dessas duas perdas possibilitadas pela democracia: no público (desordem, corrupção e violência gerada pela inépcia do jogo político democrático) e no ambiente privado (família sem o comando do pai e do marido, desvirtuação homossexual e feminista).
    A crise democrática aberta em 2013, concretizada em 2016 no impeachment, aprofundada em 2018 na prisão de Lula, potencializa estes valores antidemocráticos e é neste momento que o parlamentar se transforma em Mito: na esteira do lava-jatismo e na crítica antissistema político (iniciada em 13), incluindo o anti-petismo. Há, entretanto, uma particularidade, decisiva, na forma de narrar do bolsonarismo. É nas redes sociais e no submundo do Whatsapp que ele ganha forma; ao contrário da Lava-Jato e Moro, que sempre contou com os meios tradicionais de manipulação discursiva, isto é, o centro difusor das empresas de comunicação. Bolsonaro se apresenta não só como outsider antissistêmico do jogo democrático, mas também da grande imprensa, a mesma que fabricou Moro e a Operação Lava-Jato.
    Crise e futuro aberto em tempos de Covid-19
    É com este instrumental histórico e conceitual que devemos operar para entender o divórcio entre Moro e Bolsonaro, iniciado na saída de Moro do Ministério da Justiça em 24 de abril e ainda em curso, com o mais recente episódio do vídeo da reunião ministerial de Bolsonaro. Há uma condição fundamental a ser colocada aqui neste presente imediato: a pandemia do coronavirus. Bolsonaro já deu várias demonstrações de que não age em função de uma ética de valorização da vida; a crise da Covid tem mostrado de maneira radical este comportamento. Ele não apenas desmerece a comoção em torno da Covid, desfazendo o pacto mínimo em torno do cuidado com a vida, como se aproveita desta circunstância para avançar em seu projeto político. Ele age na esteira de uma (natural) desmobilização política na rua e no Parlamento – afinal, como priorizar um processo de impeachment agora?
    A Covid se torna não só a oportunidade para promover um rearranjo de seu governo, mas esticar a corda com Moro. Se a crise na Polícia Federal é inevitável, e é, diante do descontrole de investigações que caminham para implodir sua família e seu governo, a hora de agir é agora e não depois da Covid. Por outro lado, do ponto de vista de Moro, se ele gozava de tanto prestígio na Polícia Federal quando estava fora do governo (parte de Dilma e todo governo Temer), por que Moro toparia perder este controle, contraditoriamente, de dentro do governo? A princípio, contra Bolsonaro, Moro dispõe dos mesmos instrumentos de que dispunha contra Dilma e Lula: grande mídia e judiciário. Por um lado, não possui mais o cargo de juiz e a narrativa em torno da Operação Lava-Jato. Por outro, mantém prestígio popular acumulado da Lava-Jato, a despeito do escândalo (materialmente comprovado) da Vaza-Jato pelo site The Intercept Brasil. Judiciário, sobretudo STF, parece disposto a segui-lo. Nesta direção estão as decisões dos ministros Alexandre Moraes, impedimento da posse de Alexandre Ramagem como diretor da Polícia Federal, e Celso de Mello, pelo andamento do processo de investigação das denúncias feitas por Moro.
    Bolsonaro não formou base parlamentar no ano passado e parece disposto a fazer este movimento agora, mas não sabemos se isto será suficiente para deter um processo de impedimento. Terá ao seu lado, militância e milícia digital, que vão narrar essa experiência em contraponto à grande mídia. O “combate à corrupção” perde força, não só pela queda de Moro, mas pela aproximação com os parlamentares do “centrão”. Os dois ressentimentos antidemocráticos, no entanto, se mantém intactos. A tendência é que o discurso bolsonarista avance ainda mais nas pautas de ordem moral, como apontaram Géssica Guimarães e Amanda Danelli em seu artigo no site Jornalistas Livres.
  • OS DONOS DA CRITICA

    OS DONOS DA CRITICA

    ARTIGO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia (UFBA)

     

    Até agora, o dia 24 de abril de 2020 foi o momento mais importante na cronologia da crise democrática brasileira. Aconteceu aquilo que já vinha sendo ensaiado há algum tempo: o divórcio definitivo entre lava-jatismo e bolsonarismo.

    Antes de tudo, é preciso investir alguma energia de análise na diferenciação entre lava-jatismo e bolsonarismo. Nunca foram iguais. Durante algum tempo, foram aliados táticos. A partir de agora serão inimigos mortais, disputando na unha aquele que é o capital político mais valioso no Brasil dos nossos dias: a crítica anti-sistêmica.

    Desde que nasceu, em 2014, o lava-jatismo se alimenta de uma velha, e poderosa, narrativa de interpretação do Brasil que define a corrupção como o grande motivo do atraso nacional. Só que dessa vez foi mobilizada com mais eficiência. Com o apoio da grande mídia, a Lava Jato apresentou ao público o espetáculo da eficiência. Grandes empresários e políticos poderosos, até então imunes à Justiça, sendo algemados e presos. Como não amar?

    É certo que a Lava Jato sempre foi seletiva: pegou empresários do ramo das obras de infraestrutura, mas não empresários ligados ao capital financeiro. Prendeu políticos da base de sustentação dos governos petistas, mas nem incomodou o tucanato paulista.

    Mas, diante do espetáculo do justiçamento, pouca gente deu importância para a seletividade. Havia sentimento de impunidade represado e a Lava Jato deu vazão a isso.

    A Lava Jato venceu e convenceu a nação de que a política brasileira precisava ser refundada. A Lava Jato implantou no imaginário nacional um afeto revolucionário, entendendo aqui revolução como ruptura com o passado e aceleração do tempo rumo a um futuro visto como progresso.

    Já em 2014, quando a Lava Jato ainda engatinhava, o afeto revolucionário foi elemento importante nas eleições presidenciais. Marina Silva, sem estrutura partidária e sem tempo de propaganda na TV, falando em “nova política”, quase foi eleita. Tivesse passado para o segundo turno, fatalmente seria eleita, e com alguma facilidade. É difícil imaginar os eleitores de Aécio Neves migrando para Dilma.

    Em quatro anos aconteceu muita coisa e a Lava Jato passou a pautar a política nacional, transformando definitivamente a crítica anti-sistêmica no mais valioso capital político. Como os bacharéis de Curitiba, naquele momento, ainda não estavam envolvidos no jogo eleitoral, a crítica foi disputada pelos que participavam das eleições, exceto o PT, que ao investir na memória do governo Lula, tentava convencer o eleitor de que o sistema ainda era viável.

    Se a Lava Jato era a revolução, o PT era o antigo regime.

    No segundo semestre de 2018, Jair Bolsonaro venceu não apenas as eleições. Venceu a disputa pela crítica. Ou melhor: venceu as eleições porque venceu a disputa pela crítica, porque deu forma ao afeto revolucionário produzido pela Lava jato.

    Deputado de baixo clero que ficou quase 30 anos no Congresso criticando a democracia e elogiando a ditadura, Bolsonaro nunca foi parte da democracia. Era, de fato, um outsider. Soube o que fazer quando o colapso do sistema caiu no seu colo. Soube performar a crítica. A nostalgia autoritária evoluiu, então, para a crítica anti-sistêmica com pretensões revolucionárias.

    Bolsonaro foi tão competente na apropriação da crítica que a mesma Marina Silva, que continuou falando em “nova política”, foi pulverizada nas urnas. É que os votos não pertenciam à Marina Silva. Pertenciam à crítica, ao afeto revolucionário. Marina não aparenta ter a força e o carisma necessários para liderar uma revolução.

    Daí vem a força política do bolsonarismo: a combinação do carisma pessoal de Jair Bolsonaro com o afeto revolucionário implantado pela Lava Jato no imaginário nacional. O bolsonarista típico se considera ator revolucionário, crítico em luta contra o sistema controlado pelos poderosos. É muito sedutor ser revolucionário. Quem não se sentiria orgulhoso em colaborar para uma revolução?

    Com o divórcio, o lava-jatismo quer controlar sozinho o afeto revolucionário que produziu. Ao aceitar o convite para fazer parte do governo, Moro entrou de vez para o mundo da política institucional. Ao romper com o governo, Moro entrou de vez no jogo eleitoral. Começa agora uma nova fase na disputa pela crítica.

    No próprio dia 24 de abril, Moro e Bolsonaro falaram, trocaram acusações.

    No dia 27 de abril, o instituto Datafolha divulgou uma pesquisa para averiguar o impacto do divórcio na opinião pública. Os tais 30% continuam onde sempre estiveram: leais a Bolsonaro. É certo que a rejeição ao presidente aumentou, com a metade a população apoiando a abertura de um processo de impeachment.

    Os números sugerem que, diferente do que a maioria dos analistas pensava, Moro e Bolsonaro talvez não disputem exatamente a mesma base social.

    É que há entre eles uma diferença fundamental, uma diferença, sobretudo, estética. Na política, estética nunca é apenas estética. Enquanto Moro é o bacharel limpinho, com verniz de civilização, Bolsonaro é o homem médio com barba por fazer e camisa amarrotada.

    É bem provável que Bolsonaro continue sendo apoiado pelos seus 30%, o que na prática inviabiliza a tramitação do impeachment, e Maia sabe muito bem disso. É impossível derrubar um presidente que conta com o apoio irrestrito de 30% da população.

    Do outro lado, porém, está a rejeição, em curva ascendente. Essa rejeição ainda não tem dono. É aqui que Moro tende a crescer, com potencial pra agradar a direita letrada, aqueles que com nojo, fazendo ânsia de vômito, engoliram Bolsonaro até aqui.

    Bolsonaro tem o apoio das milícias armadas entranhadas nas PMs estaduais. Moro tem o apoio das instituições jurídico/policiais do Estado, como Ministério Público e Polícia Federal.

    Antes de disputar a mesma base social, Moro e Bolsonaro estão disputando a crítica. Eles são os donos da crítica. Essa é uma péssima notícia, a pior possível.