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  • GOG, o poeta: “Se tivesse teste psicotécnico, Bolsonaro não seria presidente!”

    GOG, o poeta: “Se tivesse teste psicotécnico, Bolsonaro não seria presidente!”

    Os repórteres Katia Passos e Fernando Sato, dos Jornalistas Livres conversaram com o poeta GOG, Genival Oliveira Gonçalves, no último dia 5, sobre sua carreira, que completa trinta anos em 2020, política, RAP e seu novo lançamento. O artista nascido em Sobradinho, no Distrito Federal, é conhecido como poeta do RAP Nacional e tem um grande histórico de contribuição para a construção do estilo no país, tendo sido o primeiro a abrir o próprio selo.

    Ao relembrar os trinta anos de carreira, GOG destacou o papel político de suas canções ao abordar o racismo e os partidos de esquerda:

    “Nossa carência política é de lideranças. Cadê as pessoas, a sororidade? Você não percebe isso nem na esquerda nem na direita. Quem está fazendo, quem está nas quebradas, hoje é o movimento social, é o MST que está produzindo.”

    GOG também não poupou de suas críticas o governo Bolsonaro:

    “Se tivesse teste psicotécnico, o Bolsonaro não seria presidente. Qualquer gestor público tem que passar por provas de inteligência emocional.”

    O poeta ressaltou que o presidente perdeu a oportunidade de unir o país neste momento. Para ele a crise política dos partidos esquerda pode ser resolvida quando ela se voltar para si mesma, esquecer o Bolsonaro e voltar e para as base.

    GOG destacou a importância das mídias independentes e como essa contra-narrativa dialoga  com o próprio RAP, como forma de comunicação crítica de de produção de narrativas marginalizadas. Ao longo da entrevista, o rapper cantou alguns de seus sucessos, como ‘Assassinos Sociais’ e ‘Brasil com P’. GOG respondeu diversas perguntas dos internautas ao longo da entrevista, além das perguntas dos repórteres.  

    Ao falar de RAP, o poeta mencionou as importância das rappers, e o papel feminino na cena:

    “É muita gente, a começar pela Ellen Oléria. Eu gosto muito tanto da música quanto da postura da Preta Rara. Ela me traz uma cena que passa pela transversalidade da música e da mulher negra mais empoderada”.

    Para ele, o RAP é anti-sistêmico por natureza, por emocionar ao falar das realidades em que é feito. Sobre seu novo trabalho, o 12º disco, com sete faixas, terá participação de Renan Inquérito e Fábio Brazza. O foco é ancestralidade e nesse ponto contará com a participação, também, de Milton Barbosa do MNU (Movimento Negro Unificado).

    Sobre o COVID-19, GOG lembrou:

    “Nessa pandemia do coronavírus, tem que ter atitude. Mas qual o papel do governo e porque o estado mínimo não serve? O Estado tinha que estar preparado para receber, também, o que é emergência e o que não foi esperado”.

    GOG insistiu sobre a importância de permanecer em casa, mesmo entendendo a preocupação de quem tem que sair para trabalhar: “Sem saúde você não traz o alimento”.

    Veja a entrevista:

  • Prefeitura de SP aproveita-se da pandemia para “limpar” a Cracolândia

    Prefeitura de SP aproveita-se da pandemia para “limpar” a Cracolândia

    Por Laura Capriglione e Katia Passos

     

    A Prefeitura de São Paulo, sob o comando de Bruno Covas, desfechou hoje mais uma ação com o propósito de “limpar” a região conhecida como Cracolândia da presença miserável dos usuários de crack. Assim, cerca de 160 seres humanos paupérrimos, muitos idosos, vários não-dependentes químicos, foram tangidos como animais para dentro de três ônibus e despachados para a baixada do Glicério, na várzea do rio Tamanduateí. Outras 50 pessoas preferiram ir a pé, seguindo para o mesmo endereço dos primeiros: Rua Prefeito Passos, 25, em um dos bairros mais degradados da cidade, região de cortiços, alta concentração de moradores de rua, de imigrantes e refugiados. O Glicério fica a dois quilômetros de distância da atual Cracolândia.

     

    Acabar com o constrangedor desfile dos usuários de drogas envoltos em cobertores imundos, sempre em busca das pedras de crack, tem sido uma obsessão de vários prefeitos e governadores do PSDB em São Paulo. O atual governador João Doria Jr, ainda na condição de prefeito da cidade, protagonizou em 2017 cena desastrada que por pouco não se transformou em tragédia. Deu-se que, para posar de destemido adversário do crack, Doria ordenou a derrubada de casas na região. Quase matou por soterramento três pessoas que moravam em uma delas e que ficaram feridas. Covas aproveita-se do fato de todos estarem focados na pandemia de Covid-19 para tentar mais uma vez.

    Chama-se “gentrificação” o processo de transformação de centros urbanos através da mudança dos grupos sociais ali existentes. A idéia é expulsar a população de baixa renda e substituí-la por moradores de camadas mais ricas. É isso o que está em curso no centro de São Paulo: Gen-tri-fi-ca-ção.

    Único lugar a prover meios de higiene, alimentação e descanso para moradores em situação de rua, o Atende-2 foi fechado hoje
    Único lugar a prover meios de higiene, alimentação e descanso para moradores em situação de rua, o Atende-2 foi fechado hoje – Foto de Lina Marinelli

    Para acabar de uma vez com a Cracolândia, a idéia dos “geniais” urbanistas que trabalham para a Prefeitura foi simples: retiraram de lá o único equipamento ainda existente para acolhimento, higiene, alimentação e encaminhamento médico para dependentes químicos vivendo em situação de rua no centro da cidade. Era chamado de Atende-2, e ficava na rua Helvétia, epicentro dos usuários de crack.

    Crueldade das crueldades, fecharam o Atende-2, que atendia 185 pessoas, e fizeram isso em plena pandemia de Covid-19. Nem uma pia restou para lavar as mãos naquele pedaço. Segundo a Prefeitura, o mesmo serviço que era feito pelo Atende-2 será oferecido na Baixada do Glicério, agora rebatizado de Siat 2 (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica).

    Resta saber se o tráfico de drogas, que acontece hoje nas barbas das polícias Civil e Militar, da Guarda Civil Metropolitana e do Corpo de Bombeiros, todos com bases no território da Cracolândia, topará também migrar seu negócio milionário para o Glicério. Se não topar, se continuar havendo oferta de drogas baratas nas ruas da Cracolândia, o fluxo de usuários certamente voltará para lá –agora, sem banho, sem lugar para dormir, sem pia, sem médicos. E isso em plena pandemia, quando se sabe que se trata de população que já é ultra-vulnerável: 9,5% têm tuberculose, 6,3% têm HIV e quase 10%, sífilis. Será morticínio certo.

    Se o tráfico topar mudar o rolê para o Glicério, haverá alguma chance de que se torne realidade o sonho tucano de restaurar um pouco que seja do brilho quatrocentão do antigo bairro dos Campos Elíseos, onde viveu boa parte da elite paulistana até meados no século passado, e que é o território onde hoje se situa a Cracolândia.

    Nesse caso, o bairro tentará esquecer seus dias de miséria e dará lugar a novíssimas torres de prédios, que farão a festa das empreiteiras, incorporadoras e bancos. Doria e Covas poderão usar a imagem daquelas ruas (antes, com o comércio de drogas a céu aberto, e depois, “limpinhas”) em suas propagandas eleitorais, que os apresentará como “vencedores”.

    A venda e o consumo de crack, entretanto, continuarão com antes. Só terão mudado de endereço. Em vez do Centro, a várzea invisível. Mais do que Doria e Covas gostariam de admitir, o futuro do território onde está a Cracolândia depende muito mais do tráfico de drogas do que do poder público. E é o tráfico o próximo a jogar os dados…

    EM TEMPO:

    Quando essa reportagem estava concluída, a juíza Celina Kiyomi Toyoshima decidiu liminarmente impedir o fechamento da unidade Atende-2, situada na rua Helvétia. Ela determinou o restabelecimento das atividades na unidade fechada. A Prefeitura ainda pode pedir a revisão dessa decisão.

    Aqui a decisão da juíza:

    “Tendo em vista que o estabelecimento em questão é o único ponto de atendimento na região central da cidade, que concentra uma grande parte de pessoas vulneráveis, e tendo em vista o perigo da demora, já que a medida está prevista para a data de hoje, defiro por ora a liminar, para que não sejam tomadas quaisquer medidas visando o fechamento da unidade ATENDE, localizado na Rua Helvétia, nº 57.
    Caso já tenha se iniciado o fechamento, as atividades deverão ser, por ora, reestabelecidas.
    Oficie-se.
    Após a vinda da contestação, a medida poderá ser revista.”

     

    Leia também:

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    O amor em tempos de crack

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