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  • Um brinde a 2018, com a experiência das mulheres e dos jovens

    Um brinde a 2018, com a experiência das mulheres e dos jovens

    Entre as expectativas de finais de ano, a escolha das palavras que marcaram os 365 dias da nossa jornada configura tradição que mobiliza expressivo pedaço do planeta. Desta feita, a bola da vez ficou albergada nos campos do feminismo e do youthquake, (em tradução livre, terremoto jovem). Escolhidas respectivamente pelos dicionários Merriam-Webster e Oxford, há algo de instrutivo nessas duas expressões, que se mostram como poderosas ferramentas para nos guiar em nossa labuta neste 2018 que irrompe topetudo, nos desafiando até não poder mais.

    O portal do Merriam-Webster arrolou alguns acontecimentos que favoreceram o aumento de 70% na busca pelo termo feminismo em 2017: a Marcha das Mulheres, em Washington, D.C., após a eleição de Donald Trump; a afirmação de Kellyanne Conway, diretora da campanha eleitoral de Trump, de que ela não se considera uma feminista no “sentido clássico”; a estreia do filme Mulher Maravilha, o lançamento da série O conto da Aia (que retrata uma distopia patriarcal em que mulheres são tratadas como reprodutoras), as denúncias de abuso sexual em Hollywood.

    Já o Oxford flagrou as mudanças culturais, políticas ou sociais promovidas pelos jovens, assinalando que youthquake representa o poder da chamada geração millennial. A palavra, cunhada há quase 50 anos por Diana Vreeland, então diretora da revista Vogue, tem sido usada para descrever fenômenos que incluem o crescimento do apoio dos jovens ao Partido Trabalhista britânico e a eleição de líderes com 30 e poucos anos na França e na Nova Zelândia. Mas tem mais…

     

    Ano novo, novas formas de imaginação

    Olhe-se para onde se olhe, sabemos que o ano novo exigirá de cada um de nós energia para uma gestão do comum: nada nos autoriza a pensar ou a dizer que o avanço neoliberal em nossas plagas recuará; nada, absolutamente nada, nos permite afirmar que o debate enviesado sobre moral e bons costumes arrefecerá; nenhum rastro de sanidade nos leva a supor que as incertezas da operação Lava Jato serão benéficas para o país…

    Saindo do nosso quintal, nenhuma avaliação nos anima a decretar o ocaso da direita na América Latina e da extrema-direita na Europa. Nem nos nossos melhores sonhos, avistamos uma solução definitiva para a crise na Venezuela. Enfim, podemos ter um 2018 tão cara de 2017. Mas também podemos conceber o mundo de outra forma.

    Como pensar e propor alternativas para um cenário assaz nebuloso? De que maneira acreditar que a vida pode ser gestada de outra maneira? Como produzir um inventário capaz de reunir as múltiplas inteligências, as passagens, os gestos, os pensamentos que poderiam favorecer a saída deste estado caótico?

    No pêndulo que pende para a ameaça, como apostar em uma mudança de movimento que se incline para a esperança?

    A filósofa Hanna Arendt costumava dizer que é preciso treinar a imaginação para sair em visita. Estou com ela. Não basta apenas entender o Brasil e o mundo (tarefa por si só difícil), mas é preciso imaginá-los, sair em visita, construir novas utopias, novas formas de pensamento, novos modos de organização política. É preciso escutar os rumores e murmúrios da vida. O bom e velho Marx já anunciara, em 1848: “uma nova revolução só será possível na sequência de uma nova crise. Mas aquela é tão certa como esta”. Insisto: das ruínas e escombros, é preciso (voltar) a imaginar o Brasil.

     

    A insurreição é feminista e jovem

    A luta das mulheres e dos jovens no mundo é uma tenaz experiência para fazer da insurreição e da luta uma via inescapável para alcançarmos tal propósito, para que imaginemos o Brasil e o mundo com as lentes da esperança e da renovação. A escolha do feminismo e do youthquake pelos dicionários americano e inglês nos leva a puxar um novelo de longo alcance histórico, que não começa e tampouco encerra sua proeminência no 2017 que acaba de findar.

     

    Ao puxarmos esse novelo de longo alcance histórico, encontraremos diversos focos em que a luta feminista, individual ou coletiva, se insurge, imaginando e construindo outro mundo. Desses focos irradiam: a coragem de uma Maria Firmina dos Reis, mulher negra nascida em São Luís do Maranhão, que escreve em 1859 o primeiro romance brasileiro, Úrsula, em “gesto inédito em todo o território da lusofonia, como nos informa o pesquisador Eduardo de Assis Duarte. Maria Firmina é a primeira mulher a escrever no hemisfério Sul; a genialidade da africana Phillis Wheatley, que funda, em 1773, a escrita feminina negra na língua inglesa, ainda na condição de escravizada, com o livro Poems on various subjects; a bravura da afro-caribenha Mary Prince, nascida e escravizada nas Bermudas, escreve em Londres, após escapar do cativeiro, o livro The History of Mary Prince;  a firmeza de uma Nísia Floresta, reconhecida como uma das pioneiras do feminismo no Brasil, que condena a escravidão, toma a defesa dos indígenas.

    Dessa lista infinita, não podemos esquecer do protagonismo das mulheres na luta contra a escravidão, das quilombolas, das Dandaras, das Aqualtunes, das Terezas de Benguelas, das líderes indígenas, das mulheres do campo, que até hoje resistem bravamente; da resistência granítica das Yalorixás – guardiães das culturas subalternizadas, vilipendiadas. Inolvidável também o papel das mulheres engajadas na confrontação da exploração capitalista no final do século XIX e início do XX; a participação decisiva que tiveram nos momentos de ruptura, nas revoluções, tal como se sabe da Revolução Russa, para destacar um exemplo.

    Rosa Parks

    Incentiva-nos a força diamantina do gesto de Rosa Parks, que se recusou a levantar do espaço reservado para brancos nos EUA segregacionista, abrindo espaço para as reivindicações pelos direitos civis. Deve-se sempre pôr em destaque o avanço das conquistas do feminismo no século XX, considerado o movimento social mais exitoso de nosso tempo pelas mudanças de cenário em diversos âmbitos, em várias partes do mundo

    Não podemos subestimar as conquistas dos feminismos negros que, ao apontarem o laço indissolúvel entre gênero, raça e classe, reposicionaram o debate sobre exclusão, pobreza e  desigualdade numa chave imprescindível para dimensionarmos o que significa realmente a exploração capitalista. Sem nenhum exagero, adveio das mulheres negras um documento produzido, em 2015, por ocasião da “Marcha pelo Bem Viver e contra o Racismo” que nos leva a imaginar um outro Brasil, a alimentar as utopias, ao mesmo tempo em que aponta os limites e malogros da Política em curso.

    Da insurreição dos jovens, igualmente, são várias as lições que podemos tirar para começar este novo ano com impulso renovado. A história nos mostra como a juventude se colocou, ao longo do tempo, na vanguarda de várias lutas ao redor do mundo, enfrentando o sistema com o preço de sua própria vida. Das pautas específicas relacionadas às demandas juvenis, alargaram seu escopo de reivindicação, alcançando as estruturas mais profundas.

    O famoso Maio de 68 na França (não esqueçamos: a década de 60 do século XX foi um clarão na história da humanidade), as manifestações nos EUA na mesma década, a força da juventude brasileira contra a ditadura, as vozes contra a colonização em África, os movimentos de rua contra o aumento das passagens de ônibus em várias quadras da nossa história, a deposição de presidentes aqui e em vários lugares, as renovações das utopias, a persistência da juventude negra em querer viver…

    Toda essa herança poderá, inclusive, ser acionada neste momento para alimentar outros sonhos de uma parcela da juventude que espantosamente cerra fileiras para cultuar MBLs da vida, Bolsonaros… e, por isso, se torna menos sonhadora e mais raivosa. A organização das frentes populares de esquerda com ações articuladas para este ano é um alento, posto que sinalizam que podemos virar o jogo e refundar a Política com o combustível do inconformismo.

    Se, de fato, 2018 não será para o fracos, é preciso que nos espelhemos nesses exemplos que fizeram o mundo muito melhor. Das mulheres e dos jovens, desses que sonharam, imaginaram, ousaram, é preciso ter a coragem necessária para honrarmos o que fizeram por nós. A propósito, a famosa frase do maio de 68, uma bela expressão da utopia da juventude, um mantra para mim, serve-nos de enunciado indispensável para o início de ano:

    Sejamos realistas, peçamos o impossível: Um feliz 2018!

    *Rosane Borges, 42 anos, é jornalista, professora universitária e autora de diversos livros, entre eles “Esboços de um tempo presente” (2016), “Mídia e racismo” (2012) e “Espelho infiel: o negro no jornalismo brasileiro” (2004).

     

     

     

     

     

     

     

     

     

  • Racismo: a casa grande ainda precisa ser derrubada

    Racismo: a casa grande ainda precisa ser derrubada

     Desde o final da década de 1970, o movimento negro brasileiro revindica o dia 20 de novembro como dia nacional da Consciência Negra, data que remonta à morte do líder Zumbi do Quilombo dos Palmares, símbolo de resistência contra o regime escravocrata e o racismo.
     
    Essa foi a forma encontrada para fazer um contraponto ao dia 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea que instituiu o fim da escravidão, mas que, para o movimento, simbolizou uma falsa abolição, ou uma abolição inconclusa, pois as negras e negros foram entregues a sua própria sorte.
    A chegada de mais um dia da Consciência Negra nos enche de orgulho. Somos herdeiras e herdeiros de guerreiras e guerreiros que dedicaram suas vidas na luta por liberdade, o que nos encoraja a seguir firme na nossa caminhada em busca de uma sociedade mais justa e nos faz refletir profundamente sobre os ataques brutais que continuamos sofrendo.
     
    O projeto que está em curso em nosso país impõe sacrifícios homéricos para o andar de baixo da pirâmide social brasileira. Sabemos que a democracia não chegou plenamente nas periferias, que o racismo ainda determina quem são os cidadãos de bem e os suspeitos-padrão, quem são protegidos e os que são assassinados pelo Estado, adolescentes com direitos e menores infratores.

     

    Projetos contra o povo negro

    Ataques à escola pública como o projeto de Escola Sem Partido, a reforma do ensino médio retirando disciplinas que provocam o pensamento crítico com objetivo de torná-la tecnicista e o congelamento dos gastos por vinte anos, são expressões do projeto da elite nacional que não tolera as conquistas do último período como, por exemplo, a educação como direito de todos e um dever do Estado. Sem contar o processo de sucateamento dos equipamentos públicos e completa desvalorização dos profissionais que sofrem perdas salariais há anos.
     
    Ter escolas públicas espalhadas pelos quatro cantos do país, principalmente nas periferias, formando jovens com o mínimo de pensamento crítico é uma armadilha para o sistema. O mínimo de inclusão permitiu que jovens negros e periféricos entrassem na universidade e se formassem professores, produziu uma geração de profissionais de educação que retornaram para as suas comunidades e deram um novo sentido para a educação, estreitou a relação professor, aluno, contribuiu para formação de uma geração de estudantes críticos que, alinhados com as novas tecnologias e a era da informação, protagonizaram importantes mobilizações populares como: contra o aumento da tarifa em junho de 2013; contra a reorganização escolar em 2015 e hoje há diversas escolas ocupadas contras as reformas no ensino.
    É fácil perceber como cresceu a identidade étnica, o aumento significativo de jovens assumindo sua negritude através da afirmação do seu cabelo, da sua estética. O avanço dos núcleos culturais de “periferia” dá a este termo novo contorno.
     
    Ser periférico torna-se sinônimo de identidade cultural, territorial, social e política. Pautas como o feminismo, identidade de gênero e orientação sexual, ganham mais espaço.
     
    Dentro de um país aristocrático, extremante conservador, concentrador de riqueza e patriarcal como o nosso, que tem o racismo e o machismo como base estrutural, o avanço da discussão racial e de gênero é uma ameaça à estrutura de poder vigente.
     
    Não por acaso, as Leis 10.639/2003 e 11. 645/2008 que instituíram a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura africana, afro-brasileira e indígena não conseguem avançar. Além das dificuldades estruturais do sistema educacional, também enfrentam barreiras e resistências ideológicas que perpassam desde o papel da grande mídia até o fundamentalismo religioso que criminaliza as manifestações tradicionais e religiosas de matriz africana, produzindo intolerância e perseguições. Tudo isso chega à formação dos professores e à sala de aula.
     

    Batalha das idéias

    Os ataques conservadores atuais não se restringem ao campo econômico, com perdas de direitos e perda da capacidade de consumo dos mais pobres, não se restringem ao campo social, onde também estamos assistindo a um avanço brutal da faxina étnica do nosso povo, mas o ataque também está no campo ideológico, na batalha das ideias, das narrativas, dos valores sociais e humanitários, por isso, nunca foi tão necessário falar de consciência negra, de resistência negra, de identidade negra.
     
    O movimento negro brasileiro conseguiu desmistificar a balela da democracia racial, conseguiu abrir fissuras no sistema com a implementação de políticas de cotas nas universidades e serviços públicos, medidas que inclusive estão ameaçadas. O racismo nunca esteve tão escancarado como hoje. A construção de uma narrativa de resistência, um processo sistemático de conscientização e formação social, denunciar as armadilhas da meritocracia e das saídas individuais são tarefas urgentes que devem se somar à luta de sobrevivência do nosso povo. Quanto menos democracia, quanto menos escola pública crítica e de qualidade, quanto menos distribuição de riqueza, sobra repressão, violência e ação genocida do Estado.
     
    Continuemos resistindo! A Casa Grande ainda precisa ser derrubada!
     

    *Joselicio Junior, mais conhecido como Juninho, é jornalista, militante do movimento negro Círculo Palmarino e presidente estadual do PSOL-SP

     

    Leia Mais de Joselicio Junior, o Juninho:

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  • Em Munhoz Júnior, Osasco, a manifestação não teve cerveja

    Em Munhoz Júnior, Osasco, a manifestação não teve cerveja

     

    Uma marcha silenciosa e triste pedia segurança e justiça pela noite violenta que levou 18 vidas em poucos minutos, na maior chacina do estado desde o Massacre do Carandiru. As mulheres das periferias paulistas não param de velar seus jovens.


    No mesmo dia em que uma multidão lotou a avenida Paulista para um protesto animado e regado a muita cerveja contra o Governo Federal, cerca de 150 pessoas se reuniram no bairro Munhoz Júnior, periferia de Osasco, em um ato triste de solidariedade pelas mortes ocorridas na chacina que assustou o Brasil na noite da última quinta-feira — mas que parece não ter causado comoção em uma determinada parcela da população.

    Foto: UJS Osasco

    A execução de oito pessoas em um bar na rua Antônio Benedito Ferreira, que foi seguida por uma série de assassinatos em Osasco e em Barueri mobilizou o ato de luto, organizado pela UEO (União dos Estudantes de Osasco), com a participação de outros movimentos de estudantes e sociais. Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, o envolvimento de policiais na chacina não está descartado.

    “Acreditamos na união dos movimentos sociais para denunciar a opressão da PM. Mesmo que essa autoria não seja confirmada, sabemos dessa realidade contra a população pobre, preta e periférica”, explica Igor Gonçalves, presidente da UEO.

    Clima pesado

    O bar onde ocorreu a matança estava obviamente fechado. Em frente ao portão, velas, flores, fotos de outros jovens que foram vítimas da violência, além de faixas e bandeiras como a do movimento Mães de Maio. Algumas crianças que participavam da atividade cantavam em coro dizeres como “Justiça, justiça…”. O Coro de Carcarás, grupo de agitação cultural, empunhou suas baquetas e tocou até se fazer escutar.

    Os moradores da região ouviram, saíram de suas casas e assistiram à marcha da calçada. Alguns participaram e apoiaram a tese sobre a vingança de policiais. “Vejo o fato como uma omissão do Estado. O governo é policialesco e não trata a população simples como deveria. Se ele não traz para cá políticas públicas acaba gerando violência. A polícia trata a gente de forma diferente por aqui”, alerta Luiz, 57 anos, morador do bairro há 42.

    Para Luana Bezerra, representante da Coordenadoria da Mulher e Promoção da Igualdade Racial e Diversidade Sexual da Prefeitura de Osasco, o tratamento “diferenciado” é evidente. Ela aproveitou a ocasião para clamar por reação. “Nós, jovens da periferia, devemos buscar os nossos direitos, saber o que são os autos de resistência, fruto da ditadura militar no Brasil. Enquanto não cobrarmos isso da prefeitura, do governo federal e estadual, eles não virão aqui com pires na mão oferecer equipamento de cultura”, afirmou.

    Munhoz Júnior é um bairro humilde de Osasco. Para alguns, esse é o motivo da truculência frequente dos agentes da lei contra a população local. “Eles são folgados”, disse um dos jovens residentes na região. No entanto, boa parte das pessoas preferia não opinar sobre os responsáveis. Era o medo. O medo que cala as pessoas, que sufoca o sentimento de injustiça e aperta a garganta de quem protesta em luto.

    Foto: UJS Osasco

    “Moro há 47 anos aqui e nunca vi isso. Não tem o que falar, foi uma tragédia. Não posso falar que foi polícia, quem sou eu pra dizer. Mas quem morreu foi gente muito inocente, gente boa que eu conhecia desde pequeno. É triste. Já vi muita coisa aqui, mas não da forma como aconteceu”, conta Neide Braga, que apesar da insegurança se juntou à manifestação em nome do bairro. “Temos que tomar conta do que é nosso. Não podemos ter medo”.

    Sandra, 28 anos, estava descendo uma rua adjacente em direção ao local do crime no momento do tiroteio e voltou correndo pra casa ao ouvir os tiros. Ela conta que o clima da vizinhança mudou. “Está péssimo, à noite não fica ninguém na rua. Esse bairro é sempre tranquilo, todo mundo fica na rua até tarde, mas agora…” É o silêncio macabro que acompanha as ruas do bairro depois das 22h.

    A moradora conhecia as pessoas que morreram, reforça a inocência de alguns e concorda com os demais entrevistados quando o assunto é a atuação policial. “Tinha gente que estava de uniforme, chegando do serviço, que só parou para tomar uma cerveja. A relação com a polícia não é legal. Quando encostam é encrenca. Já vi vários abusos policiais aqui”, ressalta.

    Os comerciantes do local também estão preocupados. Sergio, dono de um dos estabelecimentos vizinhos lembrou as cenas de terror. “Tinha freguês aqui, eles correram para dentro. Tudo durou uns três minutos”, relembra. Quando questionado sobre como se sentia ao ter que continuar trabalhando no local, a resposta veio de esposa, Rosa: “tente você se colocar no lugar dele por um minuto para entender”.

    Mais uma mãe sem filho

    Um dos momentos mais emocionantes do encontro foi quando dona Zilda, mãe de Fernando Luiz de Paula (conhecido pelo apelido de Abuse), falou com os jornalistas presentes. Visivelmente abalada e com os olhos cheios de água, ela estava em casa quando avisaram que o filho havia sido baleado. “Bandido não foi, traficante não foi, pois eles cobram direto de quem está devendo, não ficam matando pai de família”, diz.

    Foto: UJS Osasco

    E como vai ser a vida da dona Zilda agora? Mãe de um único filho assassinado? “Não sei né… sei lá… tem muita… ainda não caiu a ficha. Ele era pintor… as coisas dele estão lá ainda, como deixou”, tentou concluir. Mesmo tomada pela dor, ela ainda teve forças de convocar uma missa, que deverá ser realizada na quarta (19/8) ou quinta-feira (20/8).

    Outros moradores pretendem realizar mais um ato de solidariedade e protesto no próximo fim de semana, que deverá ser definido nos próximos dias e informado pelos Jornalistas Livres.

    *A reportagem não identificou o nome completo das pessoas para preservar a segurança dos entrevistados

     

  • Ser negro: um motivo a mais para um jovem ser morto

    Ser negro: um motivo a mais para um jovem ser morto

    Para cada jovem branco morto, morrem três negros. Mais de 70 mil jovens negros morrem por ano. Tais dados comprovam que, em pleno século XXI, a cor da pele influência no destino dos jovens no país. Para debater o tema do extermínio da juventude negra no Brasil, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias em da Câmara dos Deputados em parceria com Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa-DF, por requerimento do deputado Paulo Pimenta, realizou nesta quarta feira (22) a audiência pública “Violência contra a juventude negra: a situação no DF e entorno”.

    A audiência foi realizada em conjunto com a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal e reuniu mais de 30 pessoas no plenário. Abrindo as falas, Hamilton Pereira, Secretário da Comissão de Direitos Humanos da Câmara do Distrito Federal, resgatou o histórico da relação de raças e gêneros no Brasil e a das forma do estado na condução das políticas públicas voltadas aos negros, herdeiros de uma herança escravocrata.

    O secretário defendeu que a violência atualmente é institucionalizada, da mesma forma que na como a tradição do latinfúndio, onde o latifundiário ainda tem o poder de mobilizar a força policial para controlar e permear a desigualdade. “Esse quadro de violência ao qual que nós não conseguimos fazer frente, não apenas as políticas econôomicas e sociais de inclusão que farão o enfrentamento, mas sim o debate sobre a cultura e a batalha de valores que vão guiar o estado”, afirma o secretário.

    “Algumas pessoas são mais matáveis que outras, há vidas que importam menos” afirma Larissa Borges.

    Diretora do programa da Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Larissa Borges levantou dados em uma apresentação esclarecedora sobre as mortes de jovens negros na capital federal.

    No DF, em um total de 2,7 milhões de habitantes, 1,4 milhões são negros (contradizendo a tese de negros como a minoria no país), sendo 433,4 mil jovens negros. 85% do total de homicídios no Estado são de negros e apenas os outros 15% são brancos. São números como esses que comprovam a existência de um genocídio da juventude negra no país. Um dado alarmente, apresentado durante a audiência, mostrou a ineficiencia do modelo de sistema de segurança pública adotado pelo governo, em que polícia brasileira, em apenas 5 anos, matou o equivalente ao que a polícia norte-americana matou em há 30 anos de ações da polícia norte-americana.

    MAIORIDADE PENAL

    Além de dados e informações deixam comprovado que ser negro é um ponto a mais para ser alvo de violência, as experiências e as histórias, apresentadas na audiência, trouxeram a realidade de quem viveu e vive na exclusão social.

    Neemias MC, rapper do movimento negro que foi abandonado quando criança e viveu a maior parte da sua vida nas ruas e abrigos, esteve presente. “A gente não tinha condições e o governo não dava condições de ter um estudo, um caderno, não tinha roupa adequada e eu tinha que pular a cerca e cometer pequenos delitos. A gente vê um estado omisso, era pra ter uma assistência e não tinha.”

    “Quando formos falar da maioridade penal, bora falar primeiro da mídia e da educação básica que existem no país.”

    Em sua fala o rapper abordou sobre a redução da maioridade penal. “Falam muito sobre maioriade penal, onde ja sabemos que não é a solução para que o extermíno acabe, querem reduzir a maioridade penal, acabar com a luta que foi pra ter o ECA, e que hoje querer exterminar nosso povo dessa forma também”.

    Confira a fala realizada pelo rapper após a audiência pública:

    VIOLÊNCIA RELIGIOSA

    Um caso abordado na plenária chamou a atenção de todos ali presentes: Tatá Luangomina, sacerdote afro da comunidade de Caxutê, colocou em público a denúncia de uma violência ocorrida no Fórum Odilon, em Santo Amaro (BA). Na ocasião, ele foi retirado à força por policiais militares do Fórum por usar um adereço religioso nada cabeça, chamado de eketé, utilizado pelos homens que seguem as religiões afrobrasileiras de matriz africana.

    “Se fosse uma freira que estivesse com hábito, se fosse os judeus com o kipá, se fosse o papa com o mitra que entrassem no fórum, aqueles profissionais fariam a mesma coisa?” questiona Tata.

    Para finalizar a sessão, Jean Willys e Érika Kokai, deputados federais que participam da comissão de direitos humanos na câmara, realizaram falas a respeito do tema. Integrando atualmente a CPI da Violência contra Jovens Negros e Pobres, que tem levantado casos de violência pelo Brasil, os deputados afirmaram que apesar da criação da CPI ser um ganho na luta pelo extermíinio da juventude negra, há muita gente que ainda não vê o racismo como uma violação dos direitos humanos, para eles, esses precisam de anos de luta para se conscientizar. “Isso é uma disputa política, por leis, por políticas públicas, pelo poder executivo, mas antes disso tudo isso é uma disputa pelo imaginário. Precisamos transformar no imaginário das pessoas.” Afirmou Jean.

    Já Erika Kokai questiona “Nós estamos discutindo nos autos de resistência, investigar as mortes por policiais, na Comissão de Defesa dos Direitos Humanos queremos somente investigar e isso não nos está sendo permitido, tá cheirando a inquisição, por isso a importância de fazer esse discurso.”

    Esse debate, aparentemente bastante abordado e muito conscientizado dentro e fora da câmara legislativa ainda precisa dar um grande passo, não há avanço se ainda não há a compreensão de boa parte da população que racismo é crime e viola os direitos humanos. E o congresso nacional ainda será o ringue de muitas dessas batalhas.