Jornalistas Livres

Tag: Julgamento de Lula

  • A razão jurídica e a paixão política

    A razão jurídica e a paixão política

    Por Ruy Samuel Espíndola
    advogado publicista e Professor de Direito Constitucional

    Precisamos retomar a racionalidade do direito e a sobriedade que nos deve fazer considerar, em debate público, todos os lados de uma controvérsia. Discordância jurídica não precisa ser repugnância política; objeção legal não precisa ser retaliação ideológica; contrariedade de julgamento não precisa ser subjugação do ponto de visto diverso. Um ponto de vista jurídico, sobre processos judiciais que envolvam pessoas de evidente importância na cena política nacional, não pode estar contaminado sobre as eventuais consequências que venha a ter sobre elas ou seus adversários no campo ideológico ou político-institucional.

    A razão, preponderantemente, deve presidir nossos julgamentos.

    E, no Direito, o critério da razão é a Constituição e as leis. E o direito posto não deve ser aplicado de acordo com a voz das ruas, das redes sociais, da opinião pública, da paixão política. Juiz não é mandatário do povo e sim da lei.

    A regra de direito não deve atender aos ventos da direita, do centro ou da esquerda. É supra ideológica em relação aos interesses envolvidos em cada uma dessas correntes de pensamento. Pode ter sido inspirada, quando de sua positivação pelas assembleias legislativas, mais à direita, mais à esquerda ou ao centro. Mas depois de promulgada dever ser cumprida pelo aplicador da lei sem quaisquer considerações de índole política, que possam favorecer ou desfavorecer instituições, pessoas, partidos ou programas ideológicos.

    Temas jurídicos, ainda que envolvidos com pessoas da mais alta densidade política, do mais alto aplauso ou repúdio da opinião pública, como são Moro e Lula, devem continuar sendo temas jurídicos, resolvíveis por critérios jurídicos, com a racionalidade do direito que inadmite juízo de conveniência e oportunidade, e sim exige juízo de legalidade. Em processos judiciais, absolver ou anular não é postura da esquerda e nem condenar é postura da direita. A regra, a prova, o juiz, o processo servem a todos os cidadãos e cidadãs, independentemente de suas colorações partidárias ou preferências políticas.

    Regras penais se aplicam à generalidade das pessoas imputáveis. Regras de suspeição e impedimento na atividade judicial ou ministerial aplicam-se a todos os juízes e membros do ministério público, sem qualquer exceção, ainda que diante dos mais fervorosos interesses em debate público.

    Processo justo, em uma democracia constitucional, é processo segundo as regras do jogo processual pré-estabelecido pela ordem jurídica. Se regras que estabelecem hipóteses de suspensão judicial forem transgredidas, cabe às autoridades judiciais avaliarem, com independência, sobriedade e justiça se será o caso de reconhecer-se ou não a suspeição de um juiz, diante do direito vigente e das provas apresentadas.

    Tema de suspeição de juiz não é tema de culpa ou inocência do acusado. A suspeição do juiz não leva necessariamente à absolvição do acusado. O acusado pode ser culpado, mas precisa ter um processo justo, diante de um juiz imparcial. E a imparcialidade do juiz é equidistância das partes, sem assumir o lado de quaisquer delas como sendo o seu próprio.

    Diálogo entre juízes, promotores e advogados é direito/dever de cada um desses atores, que se realiza na mutualidade de funções desempenhadas no processo judicial. E tudo isso é feito se não publicamente, nos autos de processo, mas republicanamente, sem qualquer tema que deva ou possa ficar segregado a apenas uma das partes e o juiz.

    No tema a ser solvido no dia de hoje pelo STF, Segunda Turma, em habeas corpus interposto pela defesa de Lula, no qual se busca o reconhecimento da suspeição do Juiz Moro e a consequente anulação de suas decisões tomadas em desfavor do ex-presidente, que prevaleça o direito e a análise isenta da prova e de sua valia para os fins próprios ao devido processo penal em uma Democracia clausulada com o Estado de Direito.

    Se houver suspeição, e esta for reconhecida no processo, haverá nulidade e a consequente liberdade do condenado. Se não for reconhecida a parcialidade judicial, tudo ficará como está.

    A impetração do habeas corpus foi muito antes do “The Intercept” ter levado ao conhecimento da opinião pública pretensos diálogos entre os membros da força tarefa da lava-jato e o juiz processante.

    Muitos outros argumentos e respectivas comprovações e refutações estão deduzidas desde há muito, pela acusação e defesa. Os pretensos diálogos podem fortalecer argumentos da defesa do ex-presidente ou serem anódinos na opinião dos juízes do Supremo, pelo argumento da desvalia da fonte, não conhecimento do tema por supressão de instância, etc.

    Mas o que diz o direito processual penal sobre tudo isso? A doutrina dos juristas? A jurisprudência dos nossos tribunais? E a experiência daqueles que militam na advocacia criminal, na judicância penal, na acusação pública? Isso deve ser respondido com sobriedade e sem os impulsos passionais de torcidas de times de futebol.

    Eu apresentarei as minhas respostas, segundo os critérios do direito. Conheço apenas os pretensos diálogos e não os demais argumentos dos autos. Assim ela será incompleta, precária e sem concretude no estudo integral da causa. É resposta de republico preocupado com o futuro da racionalidade do direito em solo pátrio:

    • é corrente na doutrina e na jurisprudência brasileira, que mesmo provas ilícitas, obtidas de maneira ilegal ou imoral, caso beneficiem a posição jurídica de liberdade do réu (“favor rei”, “favor libertatis”), podem e devem ser reconhecidas válidas para efeito de produzir a nulidade do processo condenatório ou a inocência do acusado, condenado ou não;

    • independentemente da legalidade da forma em que foram obtidos os pretensos diálogos, se eles forem reconhecidos verdadeiros pelos juízes, eles não revelam “conversas normais”, entre juiz e acusação. Segundo o meu olhar e análise sobre tudo o que li, nos diálogos apresentados ao público, há orientação judicial à acusação, aconselhamento com vista a determinado resultado que em nada seria benéfico à defesa e somente privilegiaria a acusação. Se verdadeiros os seus teores, enfatizo, revelam caso patente de parcialidade judicial e suspeição ministerial.

    • há impugnação de parcialidade e suspeição no caso é antiga. As pretensas revelações são posteriores. São fatos velhos, mas “provas novas”, que a parte a quem poderia beneficiar tomou conhecimento somente agora. Esses fatos velhos, como provas novas, são “fatos supervenientes” e podem e devem ser conhecidos e julgados pelo juízo de impetração do habeas corpus.

    • caso haja reconhecimento da parcialidade do juiz, poderá ser reconhecido também a parcialidade do acusador, o que poderá levar a anulação completa do processo do triplex, até a propositura da denúncia seria afetada, atingindo, reflexa e logicamente, todas as decisões do processo, tanto a que condenou em primeiro grau, como as que a confirmaram no TRF4 e no STJ.

    • caso se vá tão fundo no reconhecimento da invalidade do processo, desde sua origem, isso não significa imunidade para o acusado, pois poderá voltar a responder ao processo por novo impulso do ministério público que suscitará novo julgamento do judiciário.

    • enfim: reconhecida a parcialidade, haverá nulificação do processo e libertação do condenado, mas não sua imunidade ou impunidade.

    Vale lembrarmos pensamento célebre do Justice William O. Douglass — quando do julgamento, pela Suprema Corte americana, do caso Brady v. Maryland: “A sociedade ganha não apenas quando os culpados são condenados, mas também quando os julgamentos criminais são justos. Nosso sistema de administração da justiça sofre quando um acusado é tratado com injustiça.”

    Sei que meu ponto de vista jurídico não é isolado e nem majoritário. Ouçamos então a resposta do STF e que seus juízes tenham a independência moral e intelectual, a equidistância das partes e da política, para decidirem segundo o direito e as provas constantes dos autos, sem receio do resultado de suas decisões perante a opinião pública insuflada pela paixão política.

  • Lula e o sítio de Atibaia: a saga da justiça seletiva continua

    Lula e o sítio de Atibaia: a saga da justiça seletiva continua

    Texto e fotos por Viviane Ávila, especial para o Jornalistas Livres

    Apesar de aparentemente tranquilo, o clima na manhã de 14 de novembro de 2018, uma quarta-feira cinzenta na porta da Polícia Federal em Curitiba, era de apreensão e resistência onde o ex-presidente Lula está preso desde o dia 7 de abril deste ano cumprindo pena de 12 anos referente ao “tríplex no Guarujá”. Em frente, a vigília Lula Livre, movimento que é a favor da justiça e da liberdade do ex-presidente desde o primeiro dia de sua prisão, protestava, cantava e vibrava energia positiva pelo companheiro e grande líder. Foi a primeira vez que ele saiu do prédio da Polícia Federal desde sua prisão. O motivo: prestar depoimento na Justiça Federal em mais uma ação de acusação, desta vez, se é dono ou não do “sítio em Atibaia” que frequentou no interior de São Paulo.

    O candidato a presidência nas eleições pelo PT, Fernando Haddad, que passou a manhã com o ex-presidente para prestar solidariedade e saber se ele estava bem, afirmou que “ele tinha lido todos os depoimentos das testemunhas e estava muito tranquilo quanto ao que ia relatar para a juíza no seu depoimento. Achei ele muito preparado e tranquilo”.

    A polícia federal fez uma segurança ostensiva do prédio. Fotos: Viviane Ávila, especial para o Jornalistas Livres

    Lula chegou na Justiça Federal de carro da PF, escoltado por outros seis carros, mais cerca de 20 motocicletas, um caminhão do BOPE e um grupo de atiradores de elite, que ficaram do lado de fora fazendo a segurança do prédio. A audiência teve início às 14h, pela juíza Gabriela Hardt, substituta do juiz Sérgio Moro, responsável pela “Lava Jato”. Na ocasião, ele entrou de férias do cargo de juiz, mas já cumprindo agenda como Ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro em reuniões de transição com outros ministros e assessores em Brasília.

    Fotos: Viviane Ávila, especial para o Jornalistas Livres

    Segundo lideranças do PT, essa manobra é inconstitucional, e a distribuição do processo deveria ter sido feita por sorteio, e não por indicação e substituição. Na última sexta-feira, 16, dois dias depois do depoimento, Moro pediu a exoneração do magistrado no Judiciário. O PT já deu entrada em ação de anulação da exoneração.

    Do lado de fora, a militância se manifestava pacificamente em frente ao prédio da Justiça Federal, e era constantemente munida de informações sobre o processo, expectativas do depoimento, esperança e senso de justiça por lideranças do PT, como a presidenta do Partido dos Trabalhadores e senadora PT-PR Gleisi Hoffmann, que explicou que Moro deveria ter se exonerado do cargo assim que aceitou ser ministro, para que o processo de Lula fosse redistribuído sem indicação de magistrado. Moro tirou férias para que a amiga dele pudesse continuar o julgamento e seguir o seu roteiro que é condenar o presidente Lula”, afirmou.

    Questionada sobre a expectativa em relação à substituta, Gleisi declarou: “Nenhuma. Porque é uma juíza que é a sequência do que o juiz Sérgio Moro quer.” Mais tarde, ainda em frente à sede da Justiça Federal, ela questionou o processo e afirmou que Lula é inocente. “Qual é o crime que Lula cometeu? Corrupção passiva precisa de um ato de ofício. Lavagem de dinheiro também. Lavou dinheiro de quem e onde? O sítio não é dele, ele não sabia das reformas, não pediu as reformas, todas as testemunhas falaram que não tem nada a ver com recurso da Petrobrás e mesmo assim o juiz embarcou de novo na tese do Ministério Público sobre as convicções, dizendo que Lula deveria saber e tem responsabilidade”. Ela classificou o depoimento de hoje como “mais uma peça teatral desse processo”.

    Em pleno acordo com a presidenta do partido, Paulo Pimenta PT-RS explicou que “não existe, na legislação brasileira, a figura do juiz de férias que faz política. Juiz não faz política. Isso está no conselho federal, na lei orgânica da magistratura, isso está no código de ética. Esta figura, juiz de férias fazendo política, nunca existiu, porque ela é ilegal”, disse.

    O senador Lingbergh Farias PT-RJ também mandou seu recado à militância. “Nós temos a tarefa de resistir. Já que não tem mais a separação dos poderes, é uma farsa o que está acontecendo com o país. Daqui 30, 40 anos, vamos sentir muito orgulho de estar junto de Luiz Inácio Lula da Silva!”, disse, indignado, referindo-se ao fato de Moro estar ocupando dois cargos ao mesmo tempo, um do Poder Judiciário e outro do Poder Executivo, comprovando portanto, o golpe político que vem sendo denunciado desde 2015, do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, até a prisão de Lula.

    Participaram também o deputado Enio Verri PT-PR, o presidente da CUT Nacional Vagner Freitas, Roberto Baggio, um dos coordenadores da Vigília Lula Livre e coordenador do MST-PR, e a candidata a vice-governadora nas últimas eleições pelo estado do Paraná, Ana Terra.   O advogado petista, Wadih Damous, advogado de Lula durante anos, principalmente na época da Ditadura, comparou as ações e constatou o mesmo erro: a falta de provas. “São dois processos diferentes do ponto de vista do objeto, mas são processos parecidos. Da mesma forma como no caso do tríplex, atribuiu-se a propriedade e a responsabilidade ao presidente Lula de um imóvel (o sítio) que não é dele”, afirmou Damous.

    Enquanto isso, na sala da (in) “Justiça”…

    Questionada por Lula se quem o acusa de ser dono do sítio em Atibaia havia conseguido juntar as provas, afinal, o ônus da prova é de quem acusa, a juíza foi incisiva ao calar o ex-presidente afirmando que somente ela poderia perguntar, e ele somente responder as perguntas que ela fizesse. Lula ainda tentou explicar que na audiência com Moro havia sido diferente, que apesar das acusações, o juiz o permitia perguntar quando havia dúvida sobre o processo ou sobre a pergunta, mas a juíza foi irredutível. Disse que não permitiria ser interrogada pelo ex-presidente. E prosseguiu com o interrogatório de 2 horas e 38 minutos, com interrupções em tom de censura e intimidação.

    Segundo a denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF) embora esteja em nome de amigos da família de Lula, ele seria o dono de fato do sítio e teria pedido que as empreiteiras OAS e Odebrecht realizassem melhorias avaliadas em cerca de R$ 700 mil. No total, entre a reforma e a aquisição de móveis e equipamentos, o petista teria recebido R$ 1,02 milhão em propina. Em troca, teria facilitado o acesso das empresas a contratos na Petrobras.

     

    Em depoimento, Lula contou que começou a frequentar o “sítio em Atibaia”, de propriedade de Jonas Suassuna e Fernando Bittar, filho de Jacob Bittar, em 15 de janeiro de 2011, quando ele já não era mais presidente. Chegava a ficar hospedado lá vários dias com sua família: dona Marisa, filhas e filhos, genros e noras, netas e netos, bisneto e seguranças, e com a família Bittar, de quem são amigos desde 1975. Os laços fortes de amizade e ideais foram construídos durante todos esses anos numa parceria de luta política com a fundação do PT, dos sindicatos, formação de base da militância, greves e campanhas juntos.

    Para Lula, tudo isso já seria suficiente para ambas as famílias terem a intimidade de passarem os finais de semana também juntos. A família Bittar dava carta branca para o amigo Lula frequentar o sítio, inclusive, o direito dele e família terem pertences pessoais no local, de dona Marisa presentear o sítio com lona de cobertura de piscina para proteção dos netos, e com barquinho e pedalinho para as horas de lazer no lago, já que eram uma grande família. Devido a um câncer na laringe, a partir de 27 de outubro daquele mesmo ano, 2011, Lula passou a ir com menos frequência ao sítio, onde já não dormia mais, nem jogava buraco e mexe-mexe com a família Bittar.

    Para o Ministério Público, desconfiado dessa amizade e intimidade, o ex-presidente vira réu mais uma vez por corrupção passiva e lavagem de dinheiro numa possível, mas não comprovada, compra do sítio de Atibaia. No interrogatório, Lula disse, ao falar sobre o sítio de Atibaia: “Eu na verdade pensei em comprar o sitio para agradar a Marisa em 2016. Eu tive pensando porque se eu quisesse comprar o sitio eu tinha dinheiro para comprar o sitio. Acontece que o Jacó Bittar não pensava em vender o sítio, o Jacob Bittar tinha aquilo como patrimônio”.

    Questionado pela juíza, de acordo com declaração de Bunlai, sobre dona Marisa ter feito a reforma da cozinha ou tenha interesse em comprar o sítio, Lula respondeu: “Não acredito que dona Marisa tenha feito nem a reforma na cozinha, nem a compra do sítio, porque não existe nenhum documento assinado por mim ou por ela que prove qualquer movimentação a compra do sítio. Simples assim”.

    Lula nunca se negou a prestar qualquer esclarecimento a nenhum órgão de Justiça, mas teve prisão coercitiva até a Polícia Federal do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, no caso do tríplex, para criar espetacularização. Na mesma semana, teve apreensão de mais de 40 computadores e documentos no Instituto Lula. E teve condenação por ser dono do apartamento no Guarujá também por meio de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Sem provas, nem escritura em nome de laranja, já que a propriedade nunca deixou de ser da construtora OAS.

    Nesse processo consta uma reforma de 1,2 milhão de reais que nunca ocorreu no apartamento, conforme o vídeo feito pelo Povo Sem Medo, em abril desse ano. Por essa condenação, Lula já está preso há sete meses. Com processo sem trânsito em julgado, sem cumprir seu direito por presunção de inocência até o julgamento em última instância, no STF, fato que ainda não ocorreu. Sobre este direito, o advogado de Lula, Cristiano Zanin, questionou a juíza Gabriela, que imediatamente concordou com ele. Basta saber quando e se será cumprido.

    Texto e fotos: Viviane Ávila, especial para o Jornalistas Livres

    Em nota, a defesa de Lula, representada pelo advogado Cristiano Zanin, disse que o seu cliente “jamais praticou qualquer ato na condição de Presidente da República para beneficiar empreiteiras e que Lula é vítima de “lawfare”, que é o mau uso e abuso das leis para fins de perseguição política”. Leia a nota na íntegra:

     

    “O ex-presidente Lula rebateu ponto a ponto as infundadas acusações do Ministério Público em seu depoimento, reforçando que durante seu governo foram tomadas inúmeras providências voltadas ao combate à corrupção e ao controle da gestão pública e que nenhum ato de corrupção ocorrido na Petrobras foi detectado e levado ao seu conhecimento. Embora o Ministério Público Federam tenha distribuído a ação penal à Lava Jato de Curitiba sob a afirmação de que 9 contratos específicos da Petrobras e subsidiárias teriam gerado vantagens indevidas, nenhuma pergunta foi dirigida a Lula pelos Procuradores da República presentes à audiência. A situação confirma que a referência a tais contratos da Petrobras na denúncia foi um reprovável pretexto criado pela Lava Jato para submeter Lula a processos arbitrários perante a Justiça Federal de Curitiba. O Supremo Tribunal Federal já definiu que somente os casos em que haja clara e comprovada vinculação com desvios na Petrobras podem ser direcionados à 13ª Vara Federal de Curitiba (Inq. 4.130/QO). Lula também apresentou em seu depoimento a perplexidade de estar sendo acusado pelo recebimento de reformas em um sítio situado em Atibaia que, na verdade, não tem qualquer vínculo com a Petrobras e que pertence de fato e de direito à família Bittar, conforme farta documentação constante no processo. O depoimento prestado pelo ex-presidente Lula também reforçou sua indignação por estar preso sem ter cometido qualquer crime e por estar sofrendo uma perseguição judicial por motivação política materializada em diversas acusações ofensivas e despropositadas para alguém que governou atendendo exclusivamente aos interesses do País.”

  • O Supremo e o resgate da dignidade constitucional do habeas corpus: o HC de Lula como oportunidade histórica

    Por Ruy Samuel Espíndola*

    Rui Barbosa escreveu uma frase, em seu tempo, muito significativa para os dias presentes: “Vulgar é o ler, raro o refletir.” (Oração aos Moços).

    Lula chega a prédio da Justiça em Curitiba para depor a Sérgio Moro (Leandro Taques/Jornalistas Livres)

    E em temas judiciais polêmicos, especialmente os julgamentos da Suprema Corte brasileira, ler, significa se debruçar atentamente, muitas vezes, sobre centenas de páginas, como é o caso do acórdão que decidiu pela constitucionalidade da lei ficha limpa, que tem 383 páginas (Adc´s 29 e 30).

    E se faz necessário, noutras vezes, longas assistências, quando há transmissões ao vivo das sessões de julgamento, que podem ser acompanhadas em tempo real ou depois, calmamente, no “conforto” de seu smartphone ou telinha doméstica ou laboral.

    O caso do HC de Lula, cujo julgamento iniciou no dia 22/03/17, durou mais de quatro horas, e é exemplar para verificarmos a transcendentalidade temporal da citação de Rui Barbosa.

    Assim, para se “ler” o julgamento referido, se faz necessário um paciencioso investimento temporal de mais de quatro horas. É o que fiz, por exigências de minha atuação criminal na advocacia e na docência em constitucional.

    Todavia, para se “refletir” detidamente sobre o que fora decidido em 22/03/18 no julgamento em curso – admissão ou não do trâmite da ação de habeas corpus e salvo conduto ao paciente até que se ultime o julgamento de mérito da referida ação – e verificar a riqueza dogmática dos debates em que os votos majoritários resgataram a dignidade da ação de habeas corpus, que vinha sofrendo “menos-valia” em alguns julgados do STF, é necessário uma experiência de leituras e práticas minimamente aprofundadas no uso e na compreensão da ação de habeas corpus.

    Leituras e práticas nem sempre aproximadas aos profissionais do direito que não lidam com o Direito e o Processo Penal ou o Direito Constitucional das Liberdades.

    Não obstante a triste diatribe havida na quarta-feira antecedente, entre dois ministros que trocaram, novamente, ácidas críticas entre si, e que produziu entre iniciados no direito e leigos uma ludibriante ideia de que a Corte Suprema teria se diminuído com o episódio, na quinta-feira imediata, o STF, com os debates realizados, especialmente os precisos e profundos argumentos trazidos pelos votos majoritários, resgatou a dignidade constitucional do habeas corpus e mostrou o seu valor como Corte Constitucional em matéria de liberdades. E afirmo pelas seguintes razões:

    a) exortou a doutrina brasileira do habeas corpus e o papel protagônico que Rui Barbosa teve no seu uso e extensão, assim como Pedro Lessa;
    b) a informalidade do instituto a destravar a burocracia judiciária diante das exigências da liberdade;
    c) a necessidade de tratá-lo como ação constitucional expedita e a mais importante de todas, segundo nossa tradição constitucional, a merecer exegese que lhe confira a máxima efetividade como direito fundamental ao habeas corpus;
    d) a crítica à jurisprudência defensiva que criou óbices jurisprudenciais incompatíveis com a envergadura constitucional e doutrinária do instituto;
    e) o incentivo do “uso generoso” do instituto e a crítica à “postura de filtro ilegítimo”, que injustamente se baseia na falaciosa ideia do “uso promíscuo” do HC;
    f) o resgate histórico do HC, como jurisdição constitucional das liberdades, que posicionou o STF como último bastião da legalidade e da liberdade – as tábuas da vocação da advocacia, como afirmara Rui;
    g) que é possível e mesmo necessário o uso do HC substitutivo de recurso ordinário, e que a negativa dessa possibilidade diminui a eficácia constitucional do instituto;
    h) que a possibilidade de concessão de ofício, do HC, como positivado desde nossos primeiros códigos de processo criminal, ao tempo do Brasil Império, demarca a instrumentalidade e a importância histórica do instituto que não pode ficar refém de doutrinas reacionárias, que apequenam o instituto e inibem, inconstitucionalmente, sua aplicabilidade;

    i) que havendo negativa de liminar de HC no STJ, e mesmo no mérito tendo sido denegada a ordem naquele tribunal, emendada a impetração no STF, pode o HC subsequente ser conhecido e processado;
    j) que o Direito Constitucional, a Constituição e o Constitucionalismo têm como núcleo central de suas preocupações ideológicas, normativas e doutrinais as liberdades, entre as quais, destacadamente, a liberdade de ir, vir e ficar;
    l) que o papel da Advocacia e do Advogado nas postulações supremas, na tribuna suprema e no STF são fundamentais para lembrar a Corte de suas tradições, de seu papel e de seu elevado mister em prol das liberdades, como foi exemplo destacado a atuação do ex-presidente da OAB nacional, Dr. Batochio;
    m) que um tribunal independente, livre de pressões externas, seja a das ruas ou da mídia, ou de atores processuais que atuam em seus feitos, é um grandioso penhor de garantia da democracia constitucional e de seus valores jurídicos fundamentais;
    n) que são infundadas as críticas feitas de que nomeação presidencial e independência de julgamento periclitam a higidez dos julgamentos do STF, pois Ministros Fachin, Barroso e Fux foram nomeados por Dilma (PT) e Celso de Melo por Sarney (PMDB), Marco Aurélio por Collor (PR) e Gilmar Mendes por FHC (PSDB).Quaisquer desses aspectos não foram ressaltados nas críticas, positivas ou negativas, que li (face, zap, jornais, etc) ou ouvi, do dia do julgamento até a data em que escrevo essas linhas.Talvez pelo fato de que muito dos opinantes, pró ou contra o resultado imediato – salvo conduto ao ex-presidente -, ou não “leram” quatro horas de julgamento, ou se leram, não pararam para “refletir”, racional, histórica e dogmaticamente sobre as razões judiciais da deferência em prol da liberdade do paciente, que é a liberdade de todos nós, brasileiros ou residentes em solo pátrio, tenhamos as cores que tivermos…Não quero de modo algum dizer que quem leu e refletiu chegará, inelutavelmente, as mesmas conclusões que expresso. Apenas sublinho que os pontos que referi não foram levados em conta nas críticas que tive oportunidade de ouvir/ler.Aliás, infelizmente, a maioria dessas críticas foram passionais, açodadas, obtemperadas com a paixão que açula as análises midiáticas dos temas criminais na atualidade.E isso assim prepondera, com certeza, pois a maioria esmagadora do que estão a opinar/criticar não investiram 4 horas de assistência para aquilatar a natureza dos argumentos que sumariamos.E os opinantes versados na seara jurídica que se dispuseram a comentar negativamente a posição do STF, e que estão a defender uma “insurgência” contra a Suprema Corte brasileira por que não julgou ou não denegou a ordem, para permitir a prisão do paciente que se tinha como certa para o dia 26.03.18, talvez precisem do tempo da experiência e da leitura com o processo penal e o direito constitucional das liberdades.O caso Lula-STF, cujo julgamento será concluído em 04.04.18, foi grande oportunidade para resgatar a dignidade constitucional da ação de HC. Infelizmente, como diz Lênio Streck, o Brasil virou um país de torcedores em temas jurídicos. A bondade ou a maldade das decisões judiciais não é avaliada pela legalidade, correspondência e congruência de seus argumentos às leis e às provas.

    Em causas cujos réus atraiam alta discussão política e atenção da mídia, a sua bondade é vista pela perspectiva pragmática e imediatista da ideologia punitivista vigente: só tem valor se condenou; se mandou prender; se exasperou a pena.

    O cumprimento da lei material penal ou processual que beneficie a liberdade ambulatória, como exigência do Estado de Direito, é desvalor para o movimento jacobino no Direito Penal brasileiro, que só enxerga lastro em condenações e prisões. E vislumbra desvalia nas defesas da liberdade ou na preservação de um julgamento justo, em que a parte não seja onerada pela demora com a prestação jurisdicional. Houve, inclusive, membro do ministério público que acirrou sua crítica no prosaico fato de os ministros terem salientado a qualidade da oração do advogado defesa na tribuna…

    Oxalá a leitura e a reflexão, sérias e desapaixonadas, sem visões preconceituosas e imediatistas, preponderem no cenário político e jurídico atual.

    E que atendamos ao conselho de Rui Barbosa: leiamos os temas jurídicos, mas não fiquemos na singeleza da leitura, reflitamos detidamente sobre o lido e o vivido.

    A razão, especialmente nos dias presentes, precisa preponderar sobre as paixões, se quisermos continuar nas trilhas da civilidade e distante dos caminhos da barbárie.

    * Advogado Publicista e militante no Direito Criminal.
    Membro vitalício da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, cadeira de n. 14, patrono Advogado criminalista Acácio Bernardes.
    Professor de Direito Constitucional e Mestre em Direto UFSC.
  • O triunfo da vontade, e a derrota do Estado de Direito.

    O triunfo da vontade, e a derrota do Estado de Direito.

    Por Luciano Morais, violonista, pesquisador e professor.

     

    A pessoa que pensa que ser artista é exercer a absoluta liberdade, e que liberdade é exercer a absoluta vontade, está completamente equivocada. Basta que exerçamos a “liberdade” de “querer fazer” um retrato de uma pessoa para entender que, em arte, o querer não basta. É preciso técnica, prática orientada, habilidade aperfeiçoada, referência, conhecimento e estudo. Todas as artes têm algo de liberdade e de responsabilidade com o material. Por isso há aulas de arte. Um cantor não pode cantar em qualquer tonalidade. Um violonista não pode tocar o que quiser – ele tem que praticar a técnica para fazer o que quer. A mistura de vontade e técnica é o que chamamos de arte.

    Será que o direito é uma arte? Não há uma vontade, um interesse, uma técnica? Não há uma habilidade envolvida no ato de interpretar fatos com base em um material – as leis e a constituição?

    Se por “arte” entendermos essa ação complexa que reúne tudo o que pode ser exercido pelo cérebro – da vontade à coerção auto imposta pelo conhecimento da técnica – talvez a resposta seja: “Sim, exercer o direito é uma arte”. Se por “arte” entendemos essa ação desconexa, da mera vontade vaidosa que olha no espelho distorcido da auto-bajulação e se vê bonito, mesmo sem que tenha havido o mínimo empenho de aprendizado técnico… então a resposta tem que ser “não”.

    É que o direito tem o poder de destruir e salvar vidas. É nos debates sobre justiça que se decide se uma pessoa pode ter seu direito à liberdade – um direito básico inalienável – garantido ou cerceado. É no debate sobre o direito que se discute a possibilidade de uma pessoa desenvolver seu trabalho ou mofar na cadeia, manifestar sua opinião ou pagar indenização por calúnia; e onde há a pena capital, é no debate sobre justiça que se decide quem vive e quem morre.

    Se há uma linguagem na arte, há também no direito algo a que se tenha que reportar. Não basta a absoluta liberdade de proferir uma sentença e condenar. Não é suficiente, como fizeram os desembargadores do TRF4, dizer que as provas “são robustas”. É preciso demonstrar. Não é suficiente, para um artista, que ele mesmo afirme que seu desenho é bonito. “Tá igualzinho!”, exclama a criança ao pai quando faz suas lindas garatujas. Adulto, tem ele o direito de ter sua garatuja exposta na Pinacoteca de São Paulo? É suficiente, para um juiz, dizer que o crime de lavagem de dinheiro é difícil de provar mesmo, e a ausência de prova, prova que o réu ocultou a prova? É suficiente para um pianista dizer que é difícil fazer um som sair diferente do outro e que a dificuldade da peça mal tocada prova seu arrojo e ousadia?

    Outra – e importantíssima – semelhança entre a arte e o direito, é que os profissionais das duas artes são julgados em livre debate pela sociedade. O povo decide se os negros têm direitos iguais e se os homossexuais têm direito à união civil do mesmo modo como decide se Pollock é um gênio ou um só um doido mesmo. Por isso é legítimo discutir arte, como é legítimo e necessário discutir sentenças, especialmente as emitidas num clima de polarização política que toma conta dos próprios juízes. Hoje o Brasil acordou com pelo menos 4 juízes que, se artistas, não teriam espaço sequer na sala de provas de uma escola de música. Ficariam um tempo na sala de estudo, sob orientação de um professor, até que pudessem apresentar algo que se mostre belo por si, pela coerência interna no diálogo com uma linguagem. Se desenhistas, teriam que voltar a praticar linhas retas, até conseguirem fazer um traço distorcido não por falta de controle, mas por intenção em diálogo com uma tradição técnica (coisa que Pollock sabia fazer muito bem). Não vale usar a vontade descontrolada e desvairada – que nada mais é do que falta de técnica – como justificativa para aquele olho torto, para aquele som estridente. Os juízes que emitiram e confirmaram a sentença contra Lula combinaram duas formas de imbecilidade, o que me sugeriu essa comparação entre eles e – péssimos – estudantes de arte onde a arrogância e a vaidade suplantam a vontade de aprender: uma, a vontade de não ter que ver de novo o povo escolher o metalúrgico de Pernambuco como o presidente de nosso país; e a outra, a de supor que o direito não tem regra, não tem uma verdade material e factual à qual se reportar. Os juízos “lavou dinheiro sim, senhor” e “olha, o retrato tá igualzinho!”, tem em comum essa mistura de vaidade e arrogância do mau aprendiz de arte e do juiz que mistura sua visão política com a verdade factual sob a qual o direito precisa se reportar – isso sim! – coercitivamente.

    O povo que saiu às ruas ontem sabe que esse julgamento foi uma farsa. E na arte de julgar, não há jabá que retire desses juízes sua verdadeira face: meros cretinos a serem jogados na lata de lixo da história. Porque o direito não é a liberdade da vontade. O “Triunfo da Vontade” – título da obra de uma grande artista que não soube, ou não pôde relacionar seu trabalho com a política de seu tempo – é só isso que sabemos que foi: um caminho para a pior forma de autoritarismo de que temos exemplo na história.

     

    25/01/2018