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  • “Haverá muita luta e resistência”, diz José Dirceu sobre governo Bolsonaro

    “Haverá muita luta e resistência”, diz José Dirceu sobre governo Bolsonaro

    José Dirceu dispensa apresentações. Um dos mais conhecidos ativistas da esquerda brasileira desde a década de 1960, passou de líder estudantil secundarista a guerrilheiro, de preso político a exilado, de clandestino no Brasil a fundador do Partido dos Trabalhadores, de Ministro Chefe da Casa Civil a condenado sem provas no chamado “Mensalão”. Nem seus mais de 70 anos, uma virose “braba” que exigiu uma “bomba” de antibiótico, uma viagem de carro de Campo Grande a Cuiabá (“estou evitando viajar de avião”) e uma queda que lhe luxou uma das costelas foram o suficiente para se negar a uma maratona de compromissos na capital mato-grossense acima de 36 graus. Reunião com a Juventude do PT pela manhã, entrevistas à tarde, palestra para cerca de 200 pessoas no início da noite e autógrafos no seu novo livro, Zé Dirceu – Memórias, Volume 1 (Geração Editorial, 2018. De sua infância à cassação do mandato parlamentar), até as 23:00 provam que ele segue sendo uma potência política e uma voz fundamental na conjuntura atual.

    Em meio a tudo isso, pontualmente às 17:00 Dirceu atendeu por mais de 40 minutos os Jornalistas Livres. Veja abaixo, os principais trechos da entrevista (que pode ser ouvida na íntegra aqui). A autógrafos podem ser vistos aqui (o PT e a classe trabalhadora), aqui  (Preparação para a resistência e a necessidade do salto para a agroecologia), Aqui (Lula e a inserção do Brasil no Mundo e na América Latina), aqui (As riquezas do Brasil e as conquistas populares e sociais) e aqui (DIrceu, Guerreiro, do Povo Brasileiro).

    Áudio, fotos e vídeos: www.mediaquatro.com   Edição de Vídeos: Anna Clara Natividade

    Sobre a Ação Penal 470, o chamado “Mensalão”, e o ativismo jurídico:

    “O domínio de fato foi precedido por uma série de medidas que já demonstravam o ativismo político e a submissão à chamada ‘pressão popular’, ou seja, da mídia, no meu caso. Eu não poderia ser cassado porque eu era deputado licenciado e a jurisprudência do Supremo rezava que não podia. Então, por sete a quatro, o Supremo mudou, durante o meu indiciamento na Câmara, o entendimento e reviu a sua jurisprudência. Isso foi em 2005 ainda. Aí construíram a tese de que o parlamentar ‘carrega’ o decoro com ele, ‘carrega’ o mandato com ele. Depois o Supremo me condenou sem provas, mas o Congresso me cassou sem provas, na verdade, dizendo que cassou o Roberto Jefferson porque ele não provou que havia o ‘mensalão’, então ele tinha atacado a honra da Câmara, e me cassaram porque eu era o ‘chefe do mensalão’.

    […] O domínio de fato não tem nenhuma relação com a minha situação, porque o próprio jurista que definiu isso disse à Folha de São Paulo que na verdade essa instituição foi criada na Alemanha para diferenciar os autores de crimes de guerra, os participantes daqueles que tinham o domínio do fato, depois de condenados para diferenciar as sentenças. Não era base para condenação. A base para a condenação eram as provas materiais. O domínio de fato foi criado para diferenciar a pena de morte da prisão perpétua, da pena de 25 anos, de 15 anos, para os demais participantes do crime. […] aqui no Brasil foi usado pra dizer que eu tinha obrigação de saber o que estava acontecendo, porque antes exigia um ‘ato de ofício’. E mais, um ministro dizia que o ônus da prova cabia a mim, o Fux, e a Rosa Weber falou, está nos anais do Supremo, que não tinha prova mas a literatura jurídica permitia. Isso teve consequências graves, abriu caminho para tudo o que assistimos depois na Lava Jato. Infelizmente nós não aprendemos a lição e ainda votamos uma legislação na Câmara que tem sido utilizada de maneira abusiva além do que o texto dos artigos permitisse, como a Lei da Delação, a Lei da Organização Criminosa, Lavagem de Dinheiro, a Lei Antiterrorista… São legislações que têm de ser cercadas de cuidados para que não sejam usada politicamente. Por exemplo, como é que alguém pode ficar preso quatro anos e depois delatar? Como é que alguém pode delatar preso? Os procuradores dizendo na imprensa que iam condenar a 100 anos, prendendo familiares, bloqueando bens, processando familiares… Como é que essa delação pode ser digna, espontânea, à vontade própria? Então houve muita pressão psicológica, na família. […]

    Depois nós assistimos às ilegalidades, algumas que o Supremo já deteve, como é o caso das conduções coercitivas sem a recusa do investigado ou réu de se apresentar em juízo quando é intimado pela autoridade competente. Isso agora está proibido. As prisões preventivas, eu fiquei preso um ano e nove meses sem ser julgado na segunda instância. As antecipações de pena… E a situação está se agravando. Hoje não há sigilo bancário, fiscal, telemático, nenhum. O Ministério Público tem o poder de fazer investigações sigilosas, dizem que são administrativas, mas foi o Supremo que deu aquilo que a Constituinte negou. A Constituinte negou que o Ministério Público Federal, Estadual, fosse a polícia judiciária na União e nos Estados. O Supremo em 2016 deu o poder de investigação ao Ministério Público: quem investiga, acusa. Então nós estamos tendo não só o ativismo judicial”

     

     

    Foto: www.mediaquatro.com

    Sobre a Lei Antiterrorismo e os Movimentos Sociais

    “O mais grave é a tentativa de usar Lei Antiterrorismo contra os Movimentos Sociais como ele (Jair Bolsonaro) ameaçou, de classificar o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto de terroristas. Isso é gravíssimo! […] Os movimentos têm de atuar dentro da lei, defender a lei, recorrer à lei, ao Ministério Público, ao judiciário. Eles que fiquem com o ônus de compactuar (com as ilegalidades). Como foi o caso da cassação da candidatura do Lula. Nós não podíamos retirar a candidatura do Lula, o Lula desistir, indicar outro. O Lula tinha de ser registrado como candidato porque assim a Constituição reza, porque não foi condenado em última instância.

    Evidentemente que, no caso concreto, os movimentos têm todas as condições jurídicas de atuar dentro da lei. E nós temos que lutar para mudar as leis que nós consideramos injustas, faz parte. Lei é produto da sociedade, do movimento da sociedade, das lutas sociais, das lutas políticas, das transformações econômicas e sociais de um país”.

     

     

    Sobre seu papel hoje e o governo Bolsonaro

    “Fazer o que estou fazendo. Andar pelo país, ouvir, aprender, reler o país, que mudou muito nos últimos 15 anos, desde que o Lula foi eleito presidente, nos cinco anos em que eu estive ausente. Falar, contar a minha história, a história da minha geração. Defender o PT, defender o legado de Lula. Defender aquilo que mas propostas que estão sendo apresentadas pelo novo governo com relação a várias questões importantes para o país. Primeiro, a democracia. Realmente a defesa radical da democracia, das liberdades, das garantias individuais, que ele vive ameaçando. Fala em desconstituir os direitos difusos, do consumidor, da mulher, do negro, do índio, do meio-ambiente. Em outros momentos mistura Estado com religião, e isso é gravíssimo, só olhar os conflitos no mundo. Ameaça usar a violência contra os adversários, várias vezes, reiteradas vezes, ou antinacional, apesar de falar de Brasil, Brasil, Brasil. Mas as propostas dele, econômicas, essa submissão dele à política econômica externa do Trump, essa coisa quase inacreditável de colocar o Brasil nessa posição de satélite dos EUA. E principalmente a política econômica, a austeridade, corte de gastos, desconstituição de direitos sociais…

    Economia pelo lado do trabalhador, da saúde, da educação, da previdência, não do lado dos juros e da reforma tributária. Não da propriedade, da riqueza e da renda daqueles 10% de brasileiros que têm a metade da renda nacional. E sim dos 50% de brasileiros, 100 milhões, que só tem 10% (da renda). Muito menos do que aqueles 0,1% que têm quase 30% da renda nacional e que deviam pagar imposto sobre grandes fortunas, heranças, doações. Como aconteceu na Franca, agora, quando o clamor nacional foi taxar as grandes fortunas e não a gasolina”.

     

     

     

    E a conjuntura nacional em relação à internacional?

    “Vejam o que está acontecendo agora na França, na Argentina, na Hungria. Haverá resistência, haverá oposição, haverá luta. Haverá muita oposição às futuras medidas. Eu espero que o futuro governo se mantenha dentro da democracia e aceite as regras do jogo democrático, como nós aceitamos quando eles ocupavam as ruas do país, paravam o país, protestava, ocupavam Brasília, até chegar ao ponto de derrubar a presidenta através de um impeachment que todos nós sabemos que foi forjado. Uma inverdade de pedaladas, de uso de transferências de recursos complementares sem autorização constitucional, enquanto nós sabemos que nada disso era crime de responsabilidade”.

     

     

     

     

     

     

    A oposição terá poder para propor mudanças nas leis e resistir ao retrocesso político?

    “Nós temos experiência acumulada no Brasil para apresentar propostas de reforma da previdência, tributária, contrapondo a dele (Bolsonaro). Também de sistema bancário e de reforma política. E temos também como enfrentar. Porque o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, e os procuradores que estão em torno dele, podem apresentar uma série de propostas de reforma do Código de Processo Penal que, na verdade, como a prisão em segunda instância, são outra invasão da atribuição constitucional. Isso só o Congresso pode mudar a Constituição onde diz que alguém só pode ser considerado culpado quando o último recurso tramita julgado no Supremo ou no STJ. Tanto é que os procuradores tinham proposto fazer essas mudanças constitucionais, o Ministro Peluzzo, enquanto Presidente do Supremo, enviou uma proposta de PEC pro Congresso, mas não passou.

    Então acredito que nós temos condições, sim, de por exemplo debatermos mudanças no regime penal. O que quer o presidente eleito? Terminar com as progressões de penais, agravar as penas… Agora, com essa estrutura penitenciária que nós temos no país, enquanto toda a tendência no mundo é cada vez menos regime fechado, cada vez mais multas pecuniárias, perda de direitos e funções, trabalho alternativo, em último caso exigir regime fechado. Se você não dá condições para o preso trabalhar e estudar, se não dá pra ele condições mínimas de vida, lógico que ele não só reincide no crime, como passa a participar das organizações criminosas como o PCC porque eles têm estrutura para dar apoio e cobertura pra família dele e para ele, às vezes pra fugir, inclusive”.

     

     

    Como tem sido o cumprimento das sentenças de cadeia por você e pelo Presidente Lula?

    “Bom, falando sobre o Presidente Lula, muito bem, com altivez, dignidade, trabalhando, lendo, escrevendo, se relacionando com os companheiros e companheiras todos dos partidos, as lideranças, recebendo visitas. E ele está se defendendo através de seus advogados nas instâncias da justiça e denunciando quando há decisões que nós consideramos que atingem as garantias de direitos individuais e do devido processo legal, o contraditório, que o ônus da prova cabe ao acusador e mesmo quando determinados institutos jurídicos são deformados e utilizados contra nós.

    No meu caso, eu fiquei preso um ano e nove meses, já tinha ficado preso sete mesmo no fechado no chamado ‘mensalão’ e quatro meses no semiaberto e dez no aberto. Então eu cumpri a pena e fui indultado, o que é uma verdadeira mancha na história do Supremo Tribunal Federal. […] Eu cumpria pena e transformei um ano e oito meses que eu fiquei preso no Centro Médico Penitenciário de Pinhais no Paraná numa luta. Cuidei de uma biblioteca, reorganizei para atender os presos, sábado e domingo escrevi esse livro que agora estou divulgando pelo Brasil, cuidei da minha família e sou muito grato pela solidariedade e apoio que tive por todo o país.”

     

     

    Sobre as disputas com a Direita:

    “Nós temos que nos acostumar, porque até é um direito, que o MBL, ou as igrejas evangélicas, ou pastores, façam a disputa política conosco, seja pelos bairros das cidades, seja nas universidades e nos sindicatos, porque eles vão acabar trazendo a pluralidade sindical. Nós temos que lutar, porque nós temos do nosso lado os direitos dos trabalhadores e teremos apoio deles. É só olhar a Argentina, a França a Hungria e você vê isso.

    Haverá luta no Brasil, haverá resistência na tentativa de retirar direitos. Tem de tirar privilégios, isso nós vamos apoiar! Fazer Reforma da Previdência começa com militares e judiciário, não pelos trabalhadores rurais e pelos trabalhadores da iniciativa privada, que esses contribuem, empregado e empregado, em meio trilhão de reais na Previdência do INSS. Agora, os militares contribuem com R$ 2 bilhões e custam R$ 34, o funcionalismo público, principalmente o judiciário, não contribui nem com 20% dos benefícios que recebe. Então, haverá luta. A ditadura já tentou criar os Diretórios Acadêmicos pelegos, proibiu a UNE, os DCEs. Mas nós sobrevivemos. Em 1976, 77 a UNE já estava reconstruída. E nós mesmos enfrentamos a ditadura e reabrimos todos os centros acadêmicos ainda na década de 60. Agora, é preciso mudar os métodos de atuação dos partidos, do movimento social, das centrais sindicais, que já estão se reunindo para criar seminários e construir um Congresso das Classes Trabalhadoras para enfrentar as medidas do Bolsonaro”.

     

     

    E quanto às Comunicações?

    “O que nós assistimos na campanha foi que foi feita uma reforma eleitoral que deu direito ao candidato de autofinanciar sua campanha. Isso liberou o poder econômico, porque o Meirelles gasta R$ 40 milhões, mas os candidatos do PT, nenhum tinha mais de um milhão pra gastar e assim mesmo do fundo partidário. Segundo, eles diminuíram o tempo de rádio e televisão, nos dias e horários. Aís as televisões, os jornais e as rádios é que faziam a campanha. Terceiro, e é mais grave ainda, eles não combateram Fake News, não combateram o uso ilegal das redes, entendeu? E mais, não combateram a compra de votos! Porque houve uma compra de votos no país imensa. Nós temos que ter, já podíamos ter tido desde 2008, capacidade de responder nas redes. Porque em 2008, na eleição do Obama, já ficou evidente a importância das redes, e na do Trump nem se diga, dando até numa crise internacional. O problema do Brasil é que se precisa aplicar a Constituição. É isso! Porque agora eles começam a ter concorrência pela primeira vez, a Globo, a Record, SBT, Bandeirantes, a Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo, porque o El País tem um jornal na internet e a internet não exige capital nacional, onde só permite 33% de capital estrangeiro, então vão ao Supremo tentar impedir que o El País tenha uma página, um jornal aqui. Mas eles não têm como impedir que as plataformas da Amazon, Netflix, Fox, Warner, Disney, entrem no país. Uma coisa é taxar o Google, taxar os grandes grupos econômicos, grandes monopólios, agora, não tem como impedir que eles disputem publicidade. Então eles (a Grande Mídia nacional) vão ficar cada vez mais dependentes do sistema bancário, da indústria automobilística, farmacêutica, imobiliária e mais dependentes do governo, da publicidade governamental, que é uma grande força principalmente para as oligarquias políticas que dominam rádio e televisão nos estados, onde duas ou três famílias de políticos dominam o cenário. Nós para nos opormos a isso hoje, não precisamos de jornal impresso, nem de televisão, basta utilizar as redes. E o Bolsonaro mostrou isso na campanha. Lógico que isso desequilibra a luta democrática: poder econômico e oligarquias midiáticas fazendo campanha abertamente pra políticos tentando controlar a opinião pública nos estados.

    Hoje não há diversidade e pluralismo na Rede Globo, por exemplo, nem na GloboNews. E não há informação, há ‘formação’. Todo o tempo querendo convencer o país de um determinado rumo. É um direito deles fazer isso no editorial. Mas os debates, entrevistas, têm de ser plurais e diversificados porque a Constituição exige. Então o que nós precisamos fazer e não fizemos é aplicar a Constituição”.

     

    Patriotismo, religião e sexo:

    “Essa tentativa do Bolsonaro é a mais perigosa. A manipulação da fé do povo. Na verdade, ele usa o nacionalismo, a pátria, religião e a família, como aliás os militares usavam em 64. Era a Marcha da Família, com Deus pela Liberdade, como se o Brasil estivesse ameaçado pelo comunismo, pela União Soviética. Agora é a Venezuela, o PT, são os vermelhos. Há uma manipulação muito grande. E há uma intenção clara de reprimir a diversidade, o pluralismo, as diferentes orientações sexuais. Há um preconceito muito grande contra o pobre, o negro.

    Mas ele, até porque não foi tratado pela mídia como deveria ter sido tratado, a mídia foi conivente muitas vezes e omissa com as declarações que ele fazia como ‘matar 30 mil’, ‘vamos metralhar os petistas’, deixando claro o preconceito racial, no caso dos quilombolas, deixando claro o machismo dele, exacerbado, com relação às mulheres, quando acha natural que as mulheres ganhem um salário desigual ao dos homens, que a mulher seja do lar, recatada, essa história que a função da mulher é ser mãe, e tudo isso a humanidade, inclusive o país que ele usa como referência, os EUA, já superou. É um direito das pessoas não concordarem com isso, temos de respeitar. Agora, o governo tentar fazer disso uma escola sem partido? Daqui a pouco vai fazer teatro sem partido, música sem partido, literatura sem partido, imprensa sem partido, igreja sem partido, ou seja, uma coisa totalitária e isso nós temo de combater”.

     

    A questão das disputas e talvez conflitos na América Latina e no mundo.

    “Os EUA são um império em decadência e a China em ascensão. Não existe império que entra em decadência sem lutar. O Trump já é a expressão disso: uma tentativa de defender a América em primeiro lugar, de defender a economia e o emprego nos Estados Unidos. Tudo o contrário que o Bolsonaro está pregando no Brasil. O Bolsonaro devia aprender com o Trump a defesa dos interesses nacionais, do emprego brasileiro, da indústria brasileira, da tecnologia brasileira. A China, por outro lado, será a maior potência do mundo nos próximos anos. A questão da guerra comercial, no fundo, é uma cortina de fumaça pra isso. Na verdade, o Trump está esperneando para tentar evitar a decadência dos EUA.

    Com relação à América Latina, o Lopes Obrador acabou de ganhar a eleição no México. O Macri hoje perderia a eleição na Argentina. É verdade que o Piñera voltou ao poder, mas ele já perdeu pra Michele Bachelet e surgiu um partido novo forte agora no Chile. Então, são altos e baixos e luta da política e social. A Frente Farabundo Martí governa duas vezes El Salvador. Daniel Ortega já está há dois mandatos na Nicarágua. No Panamá é bem provável que vença uma frente progressista. Na República Dominicana tem um governo progressista. Em Honduras houve um golpe para interromper o governo Zelada. No Equador o Rafael Correa fez seu sucessor mas foi traído, mas ele continua com o respaldo que num plebiscito completamente manipulado ele teve 36% de votos. E o próprio Peronismo resiste, sobrevive e pode vencer novamente na Argentina.

    Sobre intervenção militar, conflito regional, se os americanos decidem fazer uma intervenção na Venezuela é evidente que haverá um conflito regional porque imediatamente 500 mil venezuelanos irão imigrar para o Brasil e um milhão para a Colômbia. E muitos colombianos irão imigrar para o Equador, como aconteceu em outros momentos. Vai ser uma desagregação da Amazônia e Colômbia, Equador e Brasil se verão envolvidos nesse conflito. Não adianta falar que não acontecerá. Tem de se opor à intervenção nos assuntos internos da Venezuela. […] Os militares brasileiros, a elite brasileira ficam sonhando com o guarda chuva americano, isso é uma ilusão”.

     

    Como está o Brasil hoje?

    “As riquezas que o Brasil tem, o pré-sal que estão entregando, a Amazônia, a água, as terras, o sol… O Brasil é o país mais rico do mundo, porque não tem inverno. Outros são ricos como o Brasil mas têm inverno, como a China, a Rússia, o Canadá. E o Brasil é o sexto país do mundo, quinto território, oitava economia… Industrializado, rico, mas tem desigualdade e pobreza. O principal problema do Brasil é a desigualdade, não é o déficit público, não é o problema do sem-terra ocupar terra, ou o sem-teto ocupar áreas abandonadas nas cidades.

    O problema do Brasil é a profunda desigualdade e o profundo egoísmo das elites e a vocação delas para o autoritarismo. A história do Brasil prova isso. Quando há ascensão social, cultural, política, de amplas massas do povo trabalhador, eles vêm e dão o golpe e colocam um governo de direita, muitas vezes com apoio de parcelas dos trabalhadores. Mas a verdade esse é o ciclo da vida histórica do Brasil”. 

     

     

     

     

     

     

     

     

     

  • A Ópera dos Canalhas

    A Ópera dos Canalhas

     

    Il vino si fa con l’uva
    Ditado italiano

    O liberalismo conseguiu fazer conviver no Brasil o discurso liberal e a escravidão. O romantismo dos discursos liberais destoava da realidade da qual se falava. Todas as rebeliões dos liberais no Brasil nenhuma teve por fundamento a liberdade. Pura canalhice. Os liberais brasileiros no século XIX usaram e abusaram do discurso sobre a liberdade, justificando suas condutas de transformar pessoas em mercadoria. Enfim, o discurso liberal das oligarquias bacharelescas justificou no século XIX a escravidão.

    No Brasil do século XXI, magistrados da alta oligarquia bacharelesca do Judiciário se utilizam da teoria do domínio do fato para justificar a seu bel prazer o combate à corrupção [1]. Pura canalhice! O brio da Toga oculta um objetivo político inconfessável: destruir o PT e afirmar a desfaçatez persecutória ao ex-Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva. Em 2017, o caso exemplar da aplicação desvirtuada da teoria do domínio do fato é a sentença de um juiz da Vara Federal de Curitiba condenando o ex-presidente Lula a mais de nove anos de prisão. Paulo Nogueira Batista Jr. sintetizou o absurdo da sentença condenatória. Disse ele:

    “O ex-presidente foi condenado em primeira instância por crime de corrupção passiva. Ora, para caracterizar tal crime, parece que há pelo menos dois requisitos indispensáveis. Primeiro, comprovar o recebimento pelo corrupto de um favor ou benefício. No caso, o tríplex em Guarujá. Segundo, comprovar que o acusado se valeu de um cargo para prestar alguma contrapartida ao corruptor, no caso a OAS. Quanto ao primeiro aspecto, o juiz reconhece que não tem provas de que o tríplex pertence ou tenha pertencido a Lula. Alega, entretanto, que o ex-presidente era ‘proprietário de fato’. O juiz comprova a “propriedade de fato”? Comprovou-se o uso frequente do imóvel por Lula e seus familiares? Não. O que se alega simplesmente são uma ou duas visitas de Lula e dona Marisa ao tríplex. Uma, talvez duas visitas. Parece caricatura, mas não é. Quanto ao segundo aspecto, como o juiz comprova a contrapartida? Não precisa comprovar. A sentença alega: ‘Basta para a configuração que os pagamentos sejam realizados em razão do cargo ainda que em troca de atos de ofício indeterminados, a serem praticados assim que as oportunidades apareçam’. Atos de ofício indeterminados. A citação é literal”. (Paulo Nogueira Batista Jr., “Ponto Paragrafo”. In: https://oglobo.globo.com/opiniao/ponto-paragrafo-21613089, Acesso em 23/07/2017).

    O ativismo judicial a serviço da direita brasileira tornou-se protagonista da cena política brasileira pelo menos desde o dito “Escândalo do Mensalão” (2005). O Poder Judiciário brasileiro tem protagonizado pelo menos nos últimos 12 anos, o tenor da Ópera dos Canalhas que tomaram de assalta a República Federativa do Brasil. Como diria Lévy-Strauss: Tristes Trópicos.

    Um detalhe: utilizamos canalha não como ofensa pessoal, mas como característica de uma conduta moral atávica da classe dominante brasileira e seus aliados de “classe mélia” bacharéis e pseudoilustrados, que, de modo cínico, justificam seus interesses particularistas de serviçais históricos da oligarquia dominante dizendo combater pelo interesse geral. No Dicionário Houaiss existe uma longa (e precisa) definição do verbete “canalha”. Vejamos:

    Canalha. 1. relativo a ou próprio de pessoa vil, reles. 2 que ou aquele que é infame, vil, abjeto; velhaco • 3 conjunto de pessoas infames, abjetas, desprezíveis. Etimologicamente a palavra canalha deriva do italiano canaglia, tendo sido utilizado mesmo antes do ano de 1338. A palavra deriva. de cane ‘cão’ + suf. coletivo e depreciativo -aglia. Nesse caso, significa “conjunto de pessoas desprezíveis’ ou ainda, ‘pessoa malvada’. Como sinônimos e variações temos: abjeto, acanalhado, baixo, bocório, cafajeste, chulo, desbriado, desgraçado, desonroso, desprezível, escroto, espurco, feio, ignóbil, ignominioso, imundo, incorreto, indecoroso, indigno, infame, inominável, inqualificável, intolerável, mal-afamado, mariola, mesquinho, miserável, mísero, moleque, mucufa, obnóxio, odioso, ordinário, pangarave, patife, pífio, pulha, rebaixado, reles, ribaldo, sacana, sem-vergonha, soez, sórdido, sujo, terrulento, torpe, tratante, tratista, velhaco, vergonhoso, vil, vilão. Ver também como sinonímia de pulha, rale e súcia.

    Abertura

    Assistimos pelo menos nos últimos doze anos uma tremenda ofensiva de frações da burguesia neoliberal brasileira ligadas ao polo hegemônico do imperialismo norte-americano, o mesmo que apoiou a ditadura militar e os governos de direita na América do Sul. Ás vésperas da eleição de 2006, produziu-se nos laboratórios da media de direita o “Escândalo do Mensalão”. O objetivo latente da media neoliberal articulada com frações da oligarquia bacharelesca do alto Judiciário era criar um clima politico e social para derrotar Lula nas eleições de 2006 e impedir a sua reeleição. Era preciso inovar na fundamentação jurídica para condenar a cúpula do PT e o próprio Presidente Lula acusando-os de corrupção. Deste modo, utilizou-se com deturpada criatividade, a teoria do Domínio do Fato, adequando-o ao ativismo judicial da direita brasileira.

    No Brasil, fez-se uma mistura à brasileira da teoria do domínio do fato com a Razão Cínica, que não é novidade na cena brasileira, pelo menos desde o século XIX (a vanguarda do atraso civilizatório da terra brasilis deveria impressionar e fascinar, por exemplo, o filósofo alemão Peter Slotedijik, autor de “Crítica da Razão Cínica” que, se fosse brasileiro, teria incluído em seus cinismos cardinais, o cinismo judiciário).

    Entretanto, em 2006, o tiro saiu pela culatra: a articulação juridico-midiática do Escândalo do Mensalão fracassou no seu intento político, pois Lula foi reeleito, derrotando o candidato do PSDB, José Serra. Entretanto, a ofensiva juridico-midiática contra o PT e suas lideranças politicas prosseguiu, encarcerando importantes quadros da estratégia de poder petista (p. exemplo, o ex-ministro José Dirceu).

    Foi notável a habilidade política de Lula em lidar com o poder oligárquico brasileiro, dividindo-o e algumas vezes, confundindo-se com ele. A partir de 2007, após reeleger-se para a Presidência da República, Lula aproximou-se do PMDB de Michel Temer buscando criar uma maioria política capaz de avançar no projeto reformista do PT (o emblema do lulismo, “reformismo sem reformas” ou “reformismo fraco”, como diria André Singer). Imbuído de pragmatismo politico intrínseco à inteligência sindical de Lula, o lulismo “confundiu-se” com a banda fisiológica da oligarquia brasileira (o PMDB de Michel Temer) visando isolar a direita neoliberal aliada aos interesses do Departamento de Estado norte-americano.

    O governo Lula enfrentou com sucesso os impactos imediatos da crise financeira de 2008 no Brasil. O sucesso da economia brasileira e os programas sociais com transferência de renda, tal como o Bolsa Família, impulsionou sua popularidade. O Escândalo do Mensalão e a acusação de corrupção contra o PT, cruzada ideológica levada a cabo pela mídia neoliberal e a oligarquia bacharelesca liberal do alto Judiciário brasileiro, não impediu que Lula elegesse sua candidata a Presidência da República em 2010 – Dilma Rousseff pelo PT, tendo como vice-presidente Michel Temer, do PMDB. Lula cumpriu o acordo feito com o “cacique” peemedebista Michel Temer logo após as eleições de 2006, indicando-o como “sombra” de Dilma Rousseff. Entretanto, como iremos ver, o pragmatismo do lulismo levaria o PT a pagar um alto preço político mais tarde.

    O sucesso da empreitada do PT levada a cabo por Dilma Rousseff foi bruscamente interrompida com a conjuntura da economia mundial aberta pela crise do capitalismo global que chegou ao Brasil na primeira metade da década de 2010. A desaceleração da China (2013) e a queda dos preços das commodities (2014), além de erros pontuais na política macroeconômica conduzida pelo Ministro Mantega no primeiro governo Dilma Rousseff (2011-2014), contribuíram para uma das maiores crise da economia brasileira dos últimos tempos.

    O Ministro da Fazenda de Dilma errou ao manter a apreciação do real em detrimento da indústria nacional (embora a redução da inflação no começo do governo Dilma, tenha aberto espaço para que o câmbio fosse desvalorizado sem que isso implicasse rompimento da meta de inflação, a politica de desindustrialização se manteve); ao adotar uma politica de benefícios fiscais para o empresariado brasileiro iludindo-se com a perspectiva de que eles voltassem a investir (os benefícios fiscais concedidos pelo governo Dilma Rousseff, de 2011 até 2015, passaram de 408 bilhões de reais!); e ao conter preços das tarifas dos serviços públicos (por exemplo, petróleo e energia elétrica) como estratégia para manter a inflação na Meta. Além disso, a rendição em 2013 à politica do Banco Central, que diante da retomada inflacionária voltou a aumentar juros num cenário de flagrante desaceleração da economia. Entretanto, os erros de condução macroeconômica e a profunda inabilidade política de Dilma Rousseff diante do desmoronamento da arquitetura política do lulista (dissenções no PMDB e rompimento do PSB), indicavam algo mais profundo: os limites do neodesenvolvimentismo diante da crise estrutural do capitalismo brasileiro.

    Presto Agitato

    A luta de classes num cenário de avanço da crise da economia e inquietação social, polarizou esquerda e direita no seio da sociedade brasileira. A manipulação midiática da TV Globo e redes afins e a ofensiva jurídica com a nova operação “desmonta PT” – a Operação Lava Jato – iniciada em 2014, ano da eleição para a Presidência da República, criou um clima de guerra às vésperas da eleição de 2014.

    Por um lado, a alta classe média hegemonizada pela mídia neoliberal de direita foi as ruas contra o governo Dilma. Desde 2013, o ano das jornadas de julho, a rebelião do precariado que se tornou a revolta da “classe média” coxinha, movimentos sociais – MBL, Vem Pra Rua, Revoltados On-Line – financiados pelo empresariado brasileiro – e provavelmente com dólares – aproveitaram a crise político-moral no País para instalar nas ruas a pauta da direita brasileira. A baixa “classe média” inquieta pela proletarização – parte dela sob inspiração de ideologias “esquerdistas” sedentas da luta de classes e pregando a luta pelo socialismo – também insurgiu-se como oposição contra o governo Dilma confundindo-se objetivamente com a demanda politica da direita reacionária.

    Apesar dos desvarios à direita e à esquerda da “classe média” brasileira, a nova classe trabalhadora (que Lula errou ao denominá-la “nova classe média”), a classe operária organizada e o subproletariado – beneficiários dos Programas Sociais – conseguiram reeleger por uma pequena margem de votos, Dilma Rousseff em 2014, derrotando o candidato do PSDB, Aécio Neves. Foi uma vitória de Pirro. Mais uma vez, Lula, cabo eleitoral de Dilma, demonstrou sua notável força política de líder popular. A nova derrota politica da direita brasileira – a terceira derrota eleitoral em pouco mais de dez anos! – seria inaceitável para o bloco no poder da oligarquia brasileira. O bloco de poder recomposto no Brasil não deixaria impune o atrevimento da esquerda petista.

    Presto Bruscamente

    A arquitetura política do lulismo construída em 2006 desmoronou-se mesmo antes da eleição de Dilma Rousseff. O projeto neodesenvolvimentista do PT estava condenado. Em 2014, Lula, Dilma e o PT ganharam no voto popular, mas perderam efetivamente na correlação de força no interior da sociedade política e do aparelho de Estado, incluindo Parlamento e os estamentos da Procuradoria-Geral da República, Ministério Público Federal, Polícia Federal e o alto Poder Judiciário (elite política de classe média de extração oligárquico-bacharelesca sob hegemonia liberal).

    O Congresso Nacional, eleito em 2014, tinha dentro de si uma composição-bomba, financiada pelo grande capital e articulada em bancadas para fechar com a pauta empresarial da direita conservadora. A conspiração efetiva pelo “desmonte do Brasil” vinha, pelo menos desde 2013. A burguesia brasileira de extração colonial-escravista, diante da crise profunda do capitalismo brasileiro, no calor do Golpe em processo, expressou-se em 2015 por meio do Programa do PMDB – “Ponte para o Futuro” – que sinalizava, logo após Dilma ser reeleita, para a necessidade de uma nova ofensiva neoliberal no Brasil. O Golpe era uma crônica de uma morte anunciada.

    Eleita em 2014, com o PT sob fogo cruzado da Operação Lava Jato e sem maioria política no Congresso Nacional (a arquitetura de alianças política do lulismo tinha implodido – a burguesia não queria mais o PT!), e diante do aprofundamento da crise da economia brasileira – caos da economia criada pelo empresariado nacional, capitaneado pela FIESP e CNI – Dilma cometeu erros cruciais na resistência politica: por exemplo, iludiu-se (?) indicando Joaquim Levy, homem do Bradesco, para o Ministério da Fazenda acreditando que pudesse acalmar a burguesia rentista que comanda o bloco no poder recomposto. Outro erro politico: manteve como Ministro da Justiça, o débil José Eduardo Cardoso que, com seu republicanismo venal, assistiu impassível movimentações do golpismo nas barbas da Polícia Federal; indicou para a Procuradoria-Geral da República, Rodrigo Janot, homem do corporativismo do Ministério Público Federal, outro articulador passivo do golpe de 2016; e manteve como articular politico o insosso Aluízio Mercadante. Enfim, contra canalhas o republicanismo, além de ineficaz, é burro. Em 31 de agosto de 2016, Dilma Rousseff seria destituída por impeachment num ritual macabro de venalidade parlamentar nunca antes visto na história desse país.

    Teoria do Domínio do Fato e a Razão Cínica

    A Operação Lava Jato, nascida em 2014, e que hoje acusa e condena o ex-Presidente Lula é personagem principal da Ópera dos Canalhas, o processo do Golpe de 2016 que propiciou que uma quadrilha de bandidos profissionais da política, tomassem de assalto o Parlamento brasileiro e o Palácio do Planalto. A Operação Lava Jato é o baixo-barítono que acompanha o alto Judiciário como barítono do Golpe parlamentar-juridico de 2016. Como tenores e contratenores temos o Congresso Nacional. O contralto, mezzo-soprano e soprano são compostos pelos postos-chaves do aparelho de Estado no Brasil (STF, Procuradoria-Geral da República, Polícia Federal, Mídia neoliberal hegemônica). Em 2017, após a canaglia destituir inconstitucionalmente a Presidenta Dilma Rousseff (PT) e empossar o Vice-presidente Michel Temer (PMDB) como Presidente da República, digladiam-se entre si para ver quem dá prosseguimento ao desmonte da Nação e a espoliação dos direitos do provo brasileiro.

    O exercício de memória história torna-se fundamental para nos fazer lembra que vinho é feito de uva, assim como a digna Justiça que condena Lula é a mesma que foi colaborou (e colabora) com os desdobramentos da Ópera dos Canalhas, utilizando com desfaçatez da Teoria do Domínio do Fato, artifício jurídico perigosíssimo nas mãos de oportunistas de plantão da alta estratégia política conspiratória credenciada pela CIA e Departamento de Estado norte-americano.

    No Brasil, a teoria do domínio de fato foi temperada no bom ecletismo culinário tupiniquim, pela Razão Cínica que crassa na pós-política da hipermadoria senil. O choque de capitalismo de FHC, Lula e Dilma produziram cidadãos reclusos em seu narcisismo, armados de cinismo até a alma.

    Os juristas da Toga oligárquica brasileira apenas expressam a cultura de “classe média” pós-ditadura militar. O medo do povo produz monstros. O advento da razão cínica na hipermodernidade senil anuncia um aprofundamento das mistificações constitutivas do sistema ideológico do capital – política e ideologia jurídica, impondo profundas limitações ao modo tradicional de operar o Estado democrático de direito. Como se sabe, tais mistificações apareciam como inerentes à realidade social burguesa, como condição necessária para que ela própria se reproduza.

    Contudo, como bem observou Slavov Zizek, a compreensão da ideologia nessa forma clássica pressupunha, segundo ele, que os agentes comprometidos diretamente na prática utilitária, assim como os analistas superficiais dos acontecimentos econômicos, desconhecessem os pressupostos objetivos de suas crenças. Disse ele que a melhor expressão dessa inocência por ignorância fora fornecida pelo próprio Marx quando declarara nas páginas de “O Capital”, sobre a redução do trabalho concreto ao abstrato, que ela ocorria realmente por meio das práticas sociais cotidianas dos agentes econômicos – e porque não, jurídico-políticos -, mas que “eles não sabem, mas o fazem”.” (ZIZEK, Slavov. “Eles não sabem o que fazem: O sublime objeto da ideologia”, Zahar Editores, 1992)

    Entretanto, Zizek concorda com Peter Sloterdijik (“Crítica da Razão Cínica”, Estação Liberdade, 2012) que o funcionamento da ideologia se tornara cínico. Segundo ele, “o sujeito cínico tem perfeita ciência da distância entre a máscara ideológica e a realidade social, mas, apesar disso, contínua a insistir na máscara”. [o grifo é nosso] Portanto, o filósofo Sloterdijk, num acesso de sinceridade cruel, propusera uma mudança na fórmula expressiva da ideologia: ao invés de afirmar que “eles não sabem, mas o fazem”, ter-se-ia de proferir que “eles sabem muito bem, mas fazem assim mesmo”. Enfim, a elite togada brasileira que utiliza a teoria do domínio do fato para perseguir lideranças políticas de esquerda, tal como o ex-Presidente Lula, sabe muito bem o que faz e faz assim mesmo.

    Voltemos à questão inicial do nosso artigo: a elite oligárquica bacharelesca do alto Poder Judiciário no Brasil possui impressa em seu DNA de extração colonial-escravista, medos e preconceitos atávicos contra o povo e seus representantes políticos. A burguesia canalha brasileira e sua “classe média” herdaram do passado lúgubre da formação histórica do Brasil, o estigma do sentido da colonização (vide Caio Prado Jr.). Isto não é nenhuma novidade. Desde 1964 vislumbramos os desvarios da miséria brasileira nos golpes nosso de cada dia (lembram da operação midiática da TV Globo contra Lula nas eleições para Presidência da República em 1989?). Os canalhas apostam no Alzheimer nacional: a doença degenerativa da memória pública que assola o povo brasileiro.

    A magistral “Ópera dos Canalhas” que se encena diante dos olhos perplexos da Inteligência brasileira prossegue fazendo a nova (e insana) revolução burguesa no Brasil – revolução e contrarrevolução. Os canalhas se digladiam entre si. Na politica da Triste República, a grotesca aliança pós-trágica entre mídia neoliberal, burguesia rentista, classe média imbecilizada e povo inquietamente sonolento (que o lulismo na sua era dourada embalou com o canto do consumo e meritocracia) parece levar o País para a convulsão social.

    2018 é a incógnita da Incógnita. Como ato grotesco da Ópera dos Canalhas, a condenação de Lula por uma sentença histriônica que o condena em provas, pois se utiliza, com sua Razão Cínica, do artifício jurídico da teoria do domínio do fato, apenas compõe mais um ato de desvario da elite barítona de Toga do pobre capitalismo brasileiro rumo ao abismo histórico.

    [1] A teoria do domínio do fato foi criada por Hans Welzel em 1939 e desenvolvida pelo jurista Claus Roxin, em sua obra Täterschaft und Tatherrschaft de 1963, fazendo com que ganhasse a projeção na Europa e na América Latina. Como desdobramento dessa teoria, entende-se que uma pessoa que tenha autoridade direta e imediata sobre um agente ou grupo de agentes que prática ilicitude, em situação ou contexto de que tenha conhecimento ou necessariamente devesse tê-lo, essa autoridade pode ser responsabilizada pela infração do mesmo modo que os autores imediatos. Tal entendimento se choca com o princípio da presunção da inocência, segundo o qual, todos são inocentes, até que se prove sua culpabilidade. Isto porque, segundo a teoria do domínio do fato, para que a autoria seja comprovada, basta a dedução lógica e a responsabilização objetiva, supervalorizando-se os indícios. Ela foi utilizada pela primeira vez no Brasil, no julgamento do “Escândalo do Mensalão”, para condenar José Dirceu, alegando-se que ele deveria ter conhecimento dos fatos criminosos devido ao alto cargo que ocupava no momento do escândalo, além de os crimes terem sido aparentemente perpetrados por subordinados diretos seus. Entretanto, conforme declarou o próprio jurista Claus Roxin, a decisão de praticar o crime “precisa ser provada, não basta que haja indícios de que ela possa ter ocorrido”.

    * Giovanni Alves (giovannialves@uol.com.br) é doutor em ciências sociais pela Unicamp, livre-docente em sociologia e professor da Unesp, campus de Marília. É pesquisador do CNPq com bolsa-produtividade em pesquisa e coordenador da RET (Rede de Estudos do Trabalho) – www.estudosdotrabalho.org ; e do Projeto Tela Crítica/CineTrabalho (www.telacritica.org).. É autor de vários livros e artigos sobre o tema trabalho e sociabilidade, entre os quais “O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo (Boitempo Editorial, 2000)”, “Trabalho e subjetividade: O espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório” (Boitempo Editorial, 2011), “Dimensões da Precarização do trabalho” (Ed. Praxis, 2013), “Trabalho e neodesenvolvimentismo” (Ed. Praxis, 2014) e “Labirintos do labor” (Ed. Praxis, 2017, no prelo). E-mail: giovanni.alves@uol.com.br. Home-page: www.giovannialves.org

    Notas

    1 Esse artigo do professor Giovanni Alves foi originalmente publicado em: http://editorapraxis.com.br/a-opera-dos-canalhas/

    2 Essa matéria recebeu o selo 019-2018 do Observatório do Judiciário.

    3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:

    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario

  • Quando corrigiremos as aberrações do Mensalão?

    Quando corrigiremos as aberrações do Mensalão?

    Reproduzimos a matéria “O papel da mídia” de Miguel do Rosário, de O Cafezinho, com introdução de César Locatelli, dos Jornalistas Livres.

    Introdução

    Passados alguns anos é hora de rever e corrigir as aberrações paridas pelo Supremo Tribunal Federal e pela Procuradoria Geral da República na Ação Penal 470, que ficou conhecida como “Mensalão”. Não há mais dúvidas que esse julgamento abriu a porteira para as ilegalidades e arbitrariedades cometidas no Brasil nesse último período. Da mesma forma, não hesitamos em atribuir categórico protagonismo às redes de televisão, rádios, jornais e revistas da mídia conservadora na ruptura democrática por qual passa o país.

    Comecemos pelo papel do sistema de justiça brasileiro.

    Não podemos mais dizer que o país vive em um Estado Democrático de Direito, se é que podemos dizer que um dia nele vivemos, dada a ausência de direitos que desde sempre aflige os pobres e os negros. A diferença é que, desde o Mensalão, os adversários políticos escolhidos pelas elites brasileiras passaram também a não ter direitos. São inúmeras as evidências de que a lei e a Constituição nunca regularam a convivência social e, agora, não mais regulam a convivência política.

    Relembremos a imaginosa versão dos fatos cantada em prosa e verso pelos meios de comunicação tradicionais brasileiros e aceita pelos ministros do STF:

    Henrique Pizzolato, na função de diretor de marketing do Banco do Brasil, desviou cerca de 74 milhões de reais do banco para a agência de publicidade DNA, de Marcos Valério. Pizzolato recebeu cerca de 300 mil reais desse montante e comprou um apartamento. Parte do dinheiro foi distribuído mensalmente a políticos, como os deputados do PTB capitaneados por Roberto Jefferson. Parte dos recursos foram para o PT via empréstimos falsos firmados com o Banco Rural. A estratégia elaborada por José Dirceu e outros membros do governo Lula tinha como objetivo comprar o apoio a projetos do governo como a reforma da Previdência. Delúbio Soares cuidava dos aspectos operacionais do esquema. O Supremo Tribunal Federal (STF), que tinha Joaquim Barbosa na função de relator do processo e presidente da casa, condenou cerca de 38 pessoas envolvidas com o que se apelidou de Mensalão.

    Assim é a versão dos fatos que está impregnada nas pessoas por todos os cantos do Brasil.

    A tragédia é que, nesse curto parágrafo acima, há 7 erros crassos cometidos pelo STF.

    1 Não havia dinheiro público

    Os 74 milhões não eram do Banco do Brasil, uma empresa pública, mas da Visanet, uma empresa privada. Se não há dinheiro público, não há peculato, ou seja, não há apropriação de dinheiro ou bens públicos por funcionário publico. A fantástica história teria morrido no nascedouro se os ministros do STF tivessem acatado esse fato.

    2 O diretor de marketing do Banco do Brasil não tinha gestão sobre os recursos

    O acordo do Banco do Brasil com a Visanet era que o banco determinava onde queria que os recursos fossem aplicados. A gestão financeira e a relação com as agências de propaganda eram de responsabilidade da Visanet. O banco sequer tinha contrato com a agência de publicidade. A agência de publicidade tinha que prestar contas à Visanet. No entanto, se inocentassem Henrique Pizzolato o caso todo desmoronaria.

    3 O dinheiro não foi desviado

    Há notas fiscais e documentos de transferência que comprovam que os 74 milhões foram efetivamente usados na promoção do cartão Ourocard Visa. Os recursos foram usados para patrocinar torneios de tênis, vôlei de praia, anúncios em aeroportos e muitos outros eventos de marketing. Foram feitos pagamentos inclusive para a TV Globo por campanhas de Dia dos Pais, Dia da Crianças e Natal. As comprovações de que não houve desvio dos 74 milhões foram, simplesmente, desconsideradas.

    4 Pizzolato tinha dinheiro declarado para comprar seu apartamento

    O exame do imposto de renda de Pizzolato não comprovou que os recursos, que o STF concluiu terem sido sua parte no desvio, foram usados na compra do apartamento. Pizzolato tinha poupado, ao longo de 20 anos de trabalho, um montante suficiente para a compra do apartamento.

    5 Nada foi comprovado contra José Dirceu

    Embora fossem quebrados os sigilos telefônico e bancário de José Dirceu, acusado de chefe do esquema, nada foi encontrado. Mesmo assim, ele foi condenado com base na teoria do domínio do fato: pelo alto cargo que ocupava no governo e no PT “era evidente” que José Dirceu tinha participação no desvio. A ministra Rosa Weber lançou mão da seguinte pérola ao condená-lo: “Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”.

    6 Não houve mensalão, não houve pagamentos mensais a congressistas

    A tímida reforma da Previdência feita durante o governo Lula contou com apoio dos políticos conservadores do Congresso que, embora fizessem oposição forte ao presidente, apoiaram a reforma. Além dessa evidência, o processo não comprova a tese de pagamentos mensais (mensalão) a congressistas.

    7 Os empréstimos do Banco Rural ao PT não eram falsos

    O Partido dos Trabalhadores pagou os empréstimos que tomou junto ao Banco Rural.

     

    Reproduzimos aqui a excelente matéria escrita por Miguel do Rosário, do blog O Cafezinho, publicada em 7 de junho de 2013.

    A conspiração

    O papel da mídia

    Uma das virtudes fundamentais no espírito de um jornalista é a ojeriza a teorias de conspiração. É uma virtude, no entanto, que beira um vício, porque o mesmo pensamento racional, a mesma objetividade, que nos aconselha a manter distância de discursos paranoicos e teorias de conspiração, nos obriga a aceitá-los quando estamos diante de documentos e provas irrefutáveis.

    A divulgação de milhares de documentos secretos da diplomacia norte-americana, pelo Wikileaks, consistiu, por exemplo, numa inesquecível vitória moral para milhares de pessoas que acusavam, há décadas, os EUA de promoverem golpes de Estado em países do terceiro mundo. Na época, um divertido argumento fez sucesso nas redes sociais: “sabe aqueles malucos que viviam culpando a CIA por tudo? Estavam certos.”

    A bem da verdade, não foi apenas o Wikileaks. Algumas leis que obrigam a divulgação de documentos do governo americano com mais de trinta ou quarenta anos, também ajudaram.

    Mas ser jornalista não é dizer a verdade. Essa é a função, talvez, de filósofos. Jornalistas divulgam documentos e fatos concretos, e a verdade que buscam é apenas aquela que podem comprovar com base neles. O uso da lógica, porém, não é vetado aos jornalistas. Nem a imaginação, desde que usada com parcimônia.

    No processo do mensalão, todavia, a imaginação se tornou a virtude fundamental do jornalismo político. Reportagens, colunas, análises, passaram a se descolar cada vez mais de qualquer prurido factual e inaugurou-se uma nova era quase psicodélica na imprensa brasileira. Teorias eram montadas e desmontadas sem qualquer escrúpulo. O fato de inúmeras denúncias serem desmentidas no dia seguinte não tinha mais importância. Um clima de total liberdade de expressão enfim se instalara nas redações nacionais.

    Quando os historiadores se debruçarem, daqui a alguns anos, sobre o mensalão, o tradicional rigor acadêmico possivelmente lhes obrigue a dividir o tema em várias seções: política, midiática, partidária, jurídica.

    Em meu modesto esforço para escrever sobre um caso ainda em curso, e portanto ainda influenciado pelo clima barra pesada, sufocante, de tribunal, eu vou tateando em todas as áreas, mas a corda que uso para não cair são documentos. Por isso tenho sido repetitivo quanto ao caso Pizzolato. É que me parece o caso mais surreal, kafkiano e… documentado. A sua inocência é documentada.

    Se a grande mídia fizesse uma ampla reportagem sobre os erros na condenação de Pizzolato, mostrando os documentos, apresentando-os a juristas conceituados e pedindo sua opinião, testemunharíamos uma sumária desmoralização da Ação Penal 470. Aliás nota-se hoje um barulhentíssimo silêncio nos grandes jornais e nas redes de TV sobre o debate tão aceso nas redes sociais e blogs, sobre os erros do STF. A ruptura da mídia com a sociedade se tornou completa. O artigo da Inês Nassif, por exemplo, abordando a suja história do Laudo 2828, que inocenta Pizzolato, tornou-se imediatamente o mais lido em todos os principais blogs políticos no país, mas o assunto é virtualmente proibido na grande imprensa. A mesma coisa vale para o erro crasso de Barbosa quanto a data da morte de José Martinez.

    A nossa presidenta gosta de repetir o clichê supostamente pró-democrático, sobre preferir o barulho da imprensa ao silêncio da ditadura. É uma frase bonita, mas a verdade é que o único barulho que a imprensa quer ouvir, no caso do mensalão, é o da tampa de um caixão se fechando. A nossa mídia não é boba. O espaço à divergência se dá apenas em questões não estratégicas. E o mensalão é um assunto absolutamente estratégico para os grandes grupos de mídia, que se tornaram, assumidamente, o grande partido do conservadorismo brasileiro.

    Entretanto, mesmo durante o julgamento, quando o assunto ocupava, diariamente, várias páginas de jornal, e hegemonizava o noticiário televisivo, havia muitos mais fogos de artifício do que conteúdo. Não havia um debate sério sobre o tema. O tal “barulho da imprensa”, tão ao gosto da nossa chefe de Estado, era apenas um rufar histérico dos tambores da oposição. Os réus, porém, não eram só aqueles perfilados na denúncia da Ação Penal 470, mas toda a sociedade, incluindo os elementos raivosos que pagavam anúncios no Facebook para promover páginas repletas de indizível rancor. Todos são vítimas do maior processo de manipulação da informação de que temos notícia.

    O mensalão foi o canto do cisne da grande mídia brasileira. O escândalo é deflagrado exatamente no momento em que a internet ainda não havia sido “apropriada” pela sociedade. Os únicos blogs políticos estavam em mãos da grande mídia de oposição: Noblat e Reinaldo Azevedo. A imensa ágora pública, caótica e democrática em que se tornou a internet brasileira não havia se constituído nos anos de 2005 e 2006. A imprensa reinava sozinha. Se hoje ela ainda tem um poder descomunal para influenciar o espírito nacional, naquela época esse poder era quase absoluto.

    Uma das seções mais importantes no estudo do processo do mensalão, portanto, é o papel da mídia. É um papel que ainda está sendo desempenhado. Hoje, sexta-feira 07 de junho, uma notícia deixou inteiramente perplexa a grande nação de internautas: o único jornalista convidado pelo ministro Luiz Fux para dar uma “aula pública” aos ministros do STF sobre financiamento de campanha será Merval Pereira, colunista e membro do conselho editorial do jornal O Globo.

    A promiscuidade entre a grande mídia, em particular a Rede Globo, e o STF, parece não encontrar limites. Até mesmo os juízes mais resistentes à pressão da mídia, como Lewandowski, ligavam para Merval, no dia seguinte a sessões, para “explicar” seus votos. Joaquim Barbosa, por sua vez, liga regularmente para Merval para justificar seus destemperos.

    E Ayres Britto escreveu o prefácio do livro de Merval Pereira sobre o mensalão enquanto ainda era presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)!

    Se a mídia é um poder terrível em qualquer parte do mundo, uma concentração absoluta numa só empresa empresta-lhe um ar perigosamente antidemocrático.

    A maior parte da “pressão social” alardeada pela grande mídia, e usada pelos próprios ministros do STF como justificativa para a incrível criatividade com que se portaram no julgamento da Ação Penal 470, a ponto de ser qualificado, de maneira promissoramente corajosa pelo mais novo ministro, Luís Roberto Barroso, de “um ponto fora da curva”, veio da Rede Globo. Com toda certeza, os ministros se portavam no tribunal com um olho não na população brasileira, não na História, mas em como seriam caricaturizados no Globo no dia seguinte. As notinhas de Ancelmo Gois sobre Joaquim Barbosa, alardeando sessões de aplauso no metrô de Ipanema e shows da Marisa Monte, e mencionando, orgulhosamente, a criação de um site para lançar sua candidatura presidencial, parecem ter surtido um efeito narcótico poderoso no espírito de todos os juízes. Da mesma maneira, a mídia incitava agressões verbais ou mesmo físicas contra Lewandowvki, único ministro que ousou se contrapor, e mesmo assim timidamente, à agressividade inacreditável do relator.

    No início do texto, eu falava na ojeriza a teorias de conspiração como importante virtude jornalística. Mencionei também que esta virtude pode se tornar um vício se nos recusamos, mesmo diante de evidências, em aceitar a existência de uma conspiração. O que vimos no processo do mensalão nos traz esse dilema. Todos os fatos, documentos, ações, discursos e posturas, apontam para uma conspirata política. Uma conspirata da qual participaram os dois procuradores gerais da república, Joaquim Barbosa, a oposição, a mídia. O próprio governo, vergado, intimidado, aterrorizado com a possibilidade de um golpe, talvez tenha pactuado, em parte, com tudo isso, sacrificando seus próprios companheiros em prol da sobrevivência. Enfim, estamos diante de um jogo político extremamente barra-pesada.

    Mesmo com evidências, porém, este é um terreno que devemos trilhar com cuidado. Não podemos largar a corda que nos impede de cair no abismo. O mensalão ainda é uma história cheia de segredos, desagradáveis para todos os lados. É um processo e um julgamento ainda em curso. No próximo capítulo, faremos algumas incursões na seara propriamente política da nossa história, comentando seus desdobramentos presentes e futuros.

    Notas

    1 Para ler os outros textos de Miguel do Rosário, em O Cafezinho:

    Prefácio: Mensalão, a história de uma farsa

    Capítulo 1: Acusações contra Pizzolato lembram Dreyfus e Kafka

    Capítulo 2: O caso Visanet

    Capítulo 3: As bombas lá fora

    Capítulo 4: Tirem as crianças da sala

    Capítulo 5: As bombas aqui dentro

    Capítulo 6: A história não anda de avião

    Capítulo 7: O julgamento do povo

    Capítulo 8: O maior fiasco da história

    Capítulo 9: O papel da mídia

    2 Essa matéria recebeu o selo 018-2018 do Observatório do Judiciário.

    3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:

    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario

     

     

     

     

  • Zé Dirceu e o desejo improvável

    Zé Dirceu e o desejo improvável

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na UFBA, com ilustração de Humberto

    Sei bem que o foco está em Lula, como não poderia deixar de ser, mas peço licença ao leitor para falar um cadinho sobre Zé Dirceu, mais especificamente sobre sua última entrevista, publicada em 28 de abril na “Folha de São Paulo”.

    É que tenho a sensação que falamos pouco sobre Zé Dirceu, aquele que talvez seja o melhor quadro da história da esquerda brasileira.

    Falar pouco sobre Zé Dirceu é um erro gravíssimo, pois foi exatamente por isso que não demos a devida atenção ao que aconteceu na Ação Penal 470, no julgamento do “Mensalão”.

    Tudo começou ali: a criminalização da esquerda, a condenação seletiva de lideranças populares com base em indícios, o concubinato entre o Sistema de Justiça e a mídia hegemônica. O mensalão foi o ensaio geral do golpe. Mas não é disso que quero falar. Quero falar mesmo é da entrevista, pois temos ali uma aula de política.

    Mas como assim, “política”? O que é “política”?

    A definição mais antiga de política que sobreviveu ao tempo e chegou a nós foi desenvolvida por Aristóteles em algum momento no IV século a.c.

    O grego nos apresenta uma definição de “política” que me parece ser a chave ideal para a compreensão da trajetória pública de José Dirceu, algo que fica muito claro na entrevista que o ex-ministro concedeu à “Folha de São Paulo”.

    “EU NÃO POSSO BRIGAR COM A CADEIA.”

    Esse é o título, em letras garrafais, da entrevista.

    Sei que à primeira vista parece conformismo.

    Parece que Zé Dirceu é um velho fraco, entregue, passivo. Mas tão logo passamos pelo título essa sensação se dilui no ar. Não é fraqueza, não é fragilidade. É inteligência política. É inteligência política no sentido aristotélico.

    Vejamos como é possível esse salto da antiguidade grega ao Brasil contemporâneo, de Aristóteles a Zé Dirceu.

    No tratado “Ética a Nicômaco”, Aristóteles faz uma crítica à ética política platônica. Para Platão, a ética na política deveria ser fundada na ideia de “bem comum”. Ou seja, o político deveria agir conduzido por ideias universais, gerais, a respeito do bem e do mal.

    Aristóteles, antecipando em séculos o que seria formulado de maneira mais clara por autores como Tomás de Aquino e Maquiavel, diz que não é bem assim. Aristóteles diz que na política a ética precisa ser específica, que não pode deixar se levar por generalidades, pois cada evento político é único.

    Nas palavras do próprio Aristóteles:

    “Uma vez que a presente investigação não visa ao conhecimento teórico como as outras – porque não investigamos para saber o que é a virtude, mas a fim de nos tornarmos bons, do contrário o nosso estudo seria inútil -, devemos examinar agora a natureza dos atos, isto é, como devemos praticá-los; pois que, como dissemos, eles determinam a natureza dos estados de caráter que daí surgem. (ARISTÓTELES, 1991, p. 30)”.

    Sei que texto é meio truncado, confuso, mas o sentido é fácil, fácil de entender. O Grego tá falando que o objetivo do estudo político não é viajar em teorias, mas, sim, se debruçar sobre as especificidades dos fatos. Aristóteles chamou de “phronesis” essa ética circunstanciada, adequada aos eventos políticos.

    Caberia, então, ao homem político a atuação sempre contextualizada, levando em conta os limites das circunstâncias. Quando a realidade se apresenta na sua dimensão mais opressora, restaria ao político entendê-la, sabendo que somente é possível modificá-la parcialmente, dentro dos limites que já estão postos. O político seria, nesse sentido, o especialista nas possibilidades e não herói quixotesco que luta contra moinhos de vento como quem se debate com poderosos gigantes.

    Mas o que isso tudo tem a ver com Zé Dirceu?

    Para responder, voltamos ao título da entrevista.

    “EU NÃO POSSO BRIGAR COM A CADEIA”.

    Zé Dirceu sabe muito bem que o Estado é o objeto das disputas políticas. Na prática, o que as forças políticas fazem é disputar o Estado.

    Sempre que se envolvem em campanha eleitoral, sempre que fomentam um golpe ou sempre que trocam chumbo e pólvora em guerra civil, é o controle do Estado o objetivo dos grupos organizados politicamente.

    E o Estado é um latifúndio enorme, muito grande mesmo.

    Dificilmente, um grupo consegue ocupar sozinho todo o latifúndio do Estado. Por isso, as disputas pelo controle do Estado não se dão apenas fora dele, onde os grupos excluídos do poder tentam entrar. As disputas também acontecem dentro do próprio Estado, onde os grupos já estabelecidos disputam território, tentam aumentar o espaço do seu quinhão de poder e, por consequência, diminuir o tamanho do quinhão do grupo rival.

    Em 2003, quando Lula subiu a rampa, o campo popular ocupou um pedaço do Estado. um quinhão relevante e importante, mas apenas um lote. Os outros lotes, os pedações, sempre estiveram sob o controle das forças do atraso. Quem pensou diferente, quem achou que tendo apenas a Presidência da República seria possível revolucionar a sociedade brasileira foi ingênuo, muito ingênuo. Em política, a ingenuidade é o pior dos vícios.

    Zé Dirceu, que de ingênuo nunca teve nada, sabe muito bem que o Estado brasileiro está completamente ocupado pelas forças do atraso. Esse foi o resultado político mais nefasto do golpe. As forças do atraso, que já ocupavam o Legislativo e o Sistema de Justiça, agora estão também com o controle do Poder Executivo. Numa situação dessas, não sobra muito espaço para devaneios e esperanças tolas.

    “O país vive uma situação de insegurança e instabilidade, de violação dos direitos e garantias individuais. O aparato judicial policial se transformou em polícia política”.

    Zé Dirceu sabe que para sua própria saúde mental é importante não brigar com a cadeia. Ele sabe que precisa conviver amigavelmente com Eduardo Cunha, com Palocci e outros que estão por lá. Pouco importa se Cunha foi um dos principais artífices do golpe. Pouco importa se Palocci é o antigo companheiro desonrado. Dentro da cadeia são todos presos, dividem os mesmos metros quadrados. É bom que o convívio seja cordial.

    Não adianta brigar com uma realidade tão difícil, tão opressora. Não adianta evocar uma ideia abstrata de “justiça” segundo a qual inocentes não são presos e todos são iguais perante a lei. Não é isso que está acontecendo no Brasil, e já há algum tempo.

    Mas não confundam a agudeza de percepção com conformismo. Mesmo com todas as dificuldades, há algo a ser feito, e é disso que Zé Dirceu fala na entrevista. A entrevista tem, justamente, essa função. Zé Dirceu está falando para seus correligionários que a ação precisa ser calculada dentro das possibilidades abertas pela realidade.

    O campo popular não ocupou as Forças Armadas, não ocupou os aparelhos policiais do Estado. Não adianta acalentar o desejo de resistência pela força. Zé Dirceu já viveu muito, já passou por muita coisa, para saber que somente devemos usar a força quando temos alguma chance de vencer, quando temos algum poder de fogo. Não é esse o caso, não temos nenhum poder de fogo.

    Fazemos o que, então?

    Zé Dirceu explica, com didática de professor: “Como minha vida é o PT e o projeto que Lula lidera, eu tenho que me preparar para continuar fazendo política. Eu não posso me render ao fato de que vou ser preso.”

    O melhor a fazer, então, é se adaptar às circunstâncias continuar fazendo política. A agenda de José Dirceu está focada menos na sua liberdade pessoal e mais no seu direito de continuar fazendo política, mesmo que preso, ainda que de dentro da cadeia.

    Trata-se de Franciscanismo? De um sentimento nobre de abnegação? Zé Dirceu não deseja ser solto, ter o corpo livre, poder ir e vir sem constrangimentos?

    É claro que ele quer ser solto. Porém, ao olhar pra realidade, o cabra percebe que no atual estado das coisas, o desejo é improvável.

    Desejo improvável deve ser evitado.

    Desejo improvável inviabiliza a capacidade de desejar, pois quando desejamos o improvável, deixamos de desejar o possível.

    O possível, para José Dirceu, hoje, é continuar fazendo política, é continuar disputando o Estado, agora fora dele, completamente fora dele. Continuar fazendo política e esperando um momento político melhor, onde seja possível voltar a ocupar um quinhão do Estado.

    Pra isso, tem que investir na campanha eleitoral, tem que eleger senadores, deputados. Pra isso, é importante eleger um presidente que seja disputável. Zé Dirceu sabe que a candidatura de Lula é improvável, quase impossível.

    Zé Dirceu sabe que não existe um herdeiro claro e que já começarão as lutas fratricidas pelo legado de Lula. Por isso, o fundamental é evitar a eleição de um tucano puro sangue, de um candidato explicitamente vinculado aos interesses do mercado. A todo custo, o campo popular deve impedir a vitória de Geraldo Alckmin, que na prática significaria a lavagem eleitoral do golpe.

    Pra isso, diz Zé Dirceu, até mesmo a candidatura de Joaquim Barbosa pode ser importante, útil.

    Não custa lembrar que Joaquim Barbosa foi o principal algoz de José Dirceu.

    Dirceu, preso, cumprindo a pena que lhe foi imposta por Barbosa, afirma que a candidatura do seu carrasco pode ser cooptada pela esquerda. Na ausência de Lula, na ausência de um herdeiro viável, se só sobrar Joaquim Barbosa como adversário do candidato do golpe, o campo popular não deve hesitar em escolher um lado.

    Se o voto em Barbosa significar o veto a Alckmin, o campo popular não pode hesitar. O mesmo vale para Ciro Gomes, para Boulos ou para qualquer outra candidatura que seja minimamente disputável pela esquerda.

    Encerro com uma confissão pessoal.

    Aprendo sobre política sempre que leio Aristóteles. Aprendo sobre política sempre que leio e ouço Zé Dirceu. É que os dois estão dizendo algo muito parecido.

    Estão dizendo que, no limite, o homem político deve agir como Sancho, como o leal escudeiro que com alguma impaciência e com agudo senso de realidade diz a Quixote: “Moinhos de vento não são gigantes. Lide com isso e pare com os devaneios”.

     

  • TRF4 julga José Dirceu hoje (13/09)

    TRF4 julga José Dirceu hoje (13/09)

    O julgamento da apelação de José Dirceu, ao Tribunal Regional Federal 4a região será hoje (13/09). É importante lembrar que a Ação Penal 470, que ficou conhecida como o Mensalão, foi o início de todas as ilegalidades cometidas pelo Legislativo e pelo Judiciário no golpe de Estado em curso no Brasil.

    Como as investigações e quebras de todos os sigilos possíveis de José Dirceu não revelaram nenhuma ação ilegal, o ministro Joaquim Barbosa lançou mão do “Domínio do Fato” para condená-lo. “Como ele era o chefe tinha que saber o que estava sendo feito.” Não provaram, mas retiraram José Dirceu da vida pública e retiraram sua liberdade.

    As palavras da ministra Rosa Weber, assumindo a ausência de provas contra ele, foram “Não tenho prova cabal contra Dirceu, mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”.

    O texto que segue avalia o preço que pagamos por nosso silêncio.

     

     

    O preço do silêncio*

     

    Hoje percebemos o quão caro nos custou o silêncio e o abandono do companheiro Zé Dirceu e de todos os outros às “instituições” que – naquele momento e como agora – diziam estar em pleno funcionamento. Não percebíamos, então, a serviço de quem funcionavam.

    Quando nos deparamos com o espetáculo grotesco que foi o julgamento da AP 470, televisionado e comentado 24 horas por dia, com interpretações teratológicas da “Teoria do Domínio do Fato”, do absurdo de uma ministra da Suprema Corte condenar sem provas mas embasada “na literatura jurídica” um homem à perda da sua liberdade, privando-o do convívio com sua família, impondo o silêncio de suas ideias e de sua participação política no país. Chocadas, nos perguntamos onde estava o Direito, a Justiça e que tipo de instituição era aquela que expressamente condenava inocentes.

    Esperamos ouvir os gritos e protestos daqueles que se dizem operadores do Direito, das ditas instituições e organismos que falam em nome da defesa da lei e da Constituição. Nada escutamos, apenas o silêncio da omissão e da covardia. Poucos foram aqueles que se ergueram diante da tirania do Judiciário que cometeu um falso processo, deturpando conceitos jurídicos, negando provas de inocência e o direito de defesa .

    Iniciava-se na AP 470 – e no silêncio diante do arbítrio do Judiciário – o processo de mais um golpe de Estado no Brasil. Desta vez, porém, sem tanques de guerra contra a população, mas com os velhos aliados de togas da oligarquia predatória do país.

    Tentaram destruir o homem, que foi abandonado por muitos de seus companheiros. Mas a lealdade deste homem é ao povo brasileiro, à luta pela igualdade social e pelo desenvolvimento do país. Por isso, Zé Dirceu não se enverga, luta pela causa dos mais humildes, possui a honra e a dignidade que só os heróis têm.

    Poucos são os seres humanos como Zé Dirceu, desprovidos de egoísmos e pequenos sentimentos mesquinhos. Sua força na luta e altivez da sua honra são muitas vezes confundidas com arrogância: é o preço que tão nobre caráter paga por dedicar sua vida a lutar por um Brasil mais justo.

    Já nós, o povo brasileiro, pagamos um alto preço por nosso silêncio, por nossa omissão!

    Nosso país é surrupiado, nossas riquezas e futuro estão sendo roubados! Enquanto isso, continuamos a assistir o espetáculo grotesco desse Judiciário, que condena líderes valorosos sem prova e dá prêmios a homens criminosos.

    O resultado do silêncio diante dos arbítrios do Judiciário na AP 470 e na Lava-jato foi a instituição de uma ditadura disfarçada, na qual estamos todos sujeitos à tirania de inúmeras togas e, consequentemente, a uma insegurança jurídica jamais vista.

    Exigir que o TRF4 meramente aplique a lei ao julgar o recurso de Zé Dirceu se converte em ato revolucionário, diante da ditadura das togas que enclausuram nossas lideranças em falsos enredos jurídicos, em masmorras do silêncio e encarceram seus corpos.

    Por um ato revolucionário!

    Exige-se a aplicação correta da lei e da Constituição deste país para que seja declarada a absolvição de Zé Dirceu!

    • Texto de: Giselle Mathias, advogada, Brasília, Denise da Veiga Alves, advogada, Brasília; Cleide Martins, , Brasília; Andréa Matos, química, Rio de Janeiro; Vera Lúcia Santana Araújo, advogada, Brasilia; Maria Lúcia de Moura Iwanow, professora, Brasília
  • Zé Dirceu: “Vocês estão fazendo o que o PT deveria estar fazendo!”

    Zé Dirceu: “Vocês estão fazendo o que o PT deveria estar fazendo!”

    Por Santiago Gómez*, de Florianópolis

    O ex-Chefe da Casa Civil do governo Luiz Inácio Lula da Silva, José Zé Dirceu, respondeu numa folha de caderno escolar, uma carta que o grupo de militantes Unidos Contra o Golpe (UCG) enviou para ele na prisão. Dirceu afirma que é preciso organizar as bases, reconhece que o UCG está fazendo o que PT deveria estar fazendo. Compartilha o risco de se centrar na campanha eleitoral, lembrando que deram o golpe na Dilma enquanto o partido tinha a atenção nas campanhas municipais. Pergunta: “Por que não estamos nas ruas com abaixo-assinados pela constituinte e Eleições já, ou contra os juros escorchantes?”. Salienta que o tema central é avaliar a força real.

    Sem força real, social e política não vamos a lugar nenhum, repito. O PT realmente é forte, tem base social e eleitoral, Lula é Lula, mas a derrota somada à perda de apoio foi e é grande, agravada pela paralisia, em termos, natural, afinal”. Dirceu afirma que o PT tem que voltar ao governo: “para fazer reformas não só política e de renda, mas da riqueza, herança, fortuna, propriedade!”.

    Em agosto de 2015 privaram, preventivamente, Dirceu da sua liberdade no marco da operação Lava Jato. É a sua terceira detenção prolongada. A primeira foi durante a anterior ditadura, a civil-militar, quando ele era um dirigente estudantil universitário; trocaram a liberdade dele e de outros companheiros pela do embaixador dos Estados Unidos do momento, Charles Elbrick. Em 2012, o condenaram a passar quase onze anos na cadeia, tirando a possibilidade dele fazer política. Concederam a prisão domiciliar em 2014 e em agosto de 2015, aqueles que não gostam das provas, mas sim das convicções, mandaram tirá-lo mais uma vez da arena política.

    Dirceu respondeu uma carta enviada ao grupo Unidos Contra o Golpe, na sua maioria profissionais liberais, de esquerda, alguns do PT, outros do PCdoB, o PSOL e outros, que estão se organizando para articular força de base contra as forças golpistas, que pediram ao Dirceu uma avaliação e direção sobre o momento político do país e o plano de ação para o futuro. “Resistir e agir, denunciar e defender nosso legado, apresentar alternativas. Os exemplos citados são o caminho, as ocupações das escolas e o apoio real, concreto, dado por vocês! A ação da “Tocha Olímpica”. Essa é a luta que precisamos travar. Sem ela não vamos a lugar nenhum. (…) Temos apoio, vocês mesmos são testemunhas, 100 mil na Paulista, 40 mil no Recife, as pesquisas; agora é aprofundar as lutas, passar da resistência à ação direta, como no senado, nas vigílias, organizar o povo, seguir o exemplo dos secundaristas”.

    Ante a falta de direção do PT, que Lula já cobrou no plenário de organização do próximo Congresso em junho desse ano, Dirceu destacou a burocracia do partido que não conseguiu se encontrar após o golpe. “Concordo plenamente sobre os riscos, de novo, de nos iludirmos com as eleições. É um processo difícil, por um lado é um direito e um espaço político fundamental. Lula tem chances reais. Mas, por outro lado, é um risco maior e o impeachment de Dilma diz tudo”. É preciso lembrar, que o impeachment de Dilma aconteceu enquanto a direção do PT tinha a sua atenção voltada para a possibilidade de assegurar cargos, travando, vez por outra, lutas internas.

    É preciso cobrar do PT, encontrar no PT, por baixo, via horizontal, aliados, fugir da luta interna, concentrar-se na luta contra os golpistas e na mobilização, na ação, construir um programa alternativo. Ser uma força de oposição real e de pressão real entre nós, dentro de nós, “guerra aos castelos, paz nas choupanas”, salientou o dirigente, uma das pessoas que mais conhece sobre as facções do partido e as consequências das disputas internas.

    Guerra aos golpistas e paz entre nós, unidade na ação, na luta, sem ilusões, mas dispostos a retomar não só o governo com luta, mas o poder, para isso, acumular forças de baixo para cima, na luta, na rua, na organização de conselhos, assembleias, reuniões, que devemos organizar para reivindicar, cobrar, dirigir e administrar, começar já organizar o poder popular!” Escreveu ele.

    É bom lembrar que no último Plenário preparatório do Congresso do PT, Lula se diferenciou dos economistas do partido que consideram que o desenvolvimento é uma consequência do investimento privado e não o resultado das transferências de recursos desde o Estado aos setores populares para aumentar a demanda e movimentar o desenvolvimento.

    Qual empresário vai investir onde a população não tem para comprar?”, perguntou Lula. “Para financiar o Estado de Bem Estar é preciso tributar e por fim à transferência brutal de renda social para o capital financeiro bancário via dívida interna e juros reais de 32% as empresas e consumidores”, afirmou Dirceu, mais uma vez na mesma linha que Lula.

    Dirceu, fazendo uma comparação entre o golpe civil-militar e o golpe parlamentar-financeiro que estamos vivendo, afirmou: “Em 73-74, as greves recomeçaram e o MDB elegeu 16 senadores e uma bancada enorme de deputados, nem os líderes da oposição esperavam essa vitória, o povo simplesmente votou contra, como agora nas pesquisas, rejeitam Temer, querem eleições e a maioria que vota – quer Lula na Presidência”.

    A carta completa

    24/02/17

    Consuêlo, Nina, Lenin y Mário

    Minha gratidão pela presença solidária e companheira. Boas novas, saudações revolucionárias ao UCG, eu não poderia receber melhor notícia! Um grupo plural, de reflexão e ação, é tudo que necessitamos.

    Resistir e agir, denunciar e defender nosso legado, apresentar alternativas. Os exemplos citados são o caminho, as ocupações das escolas e o apoio real, concreto, dado por vocês! A ação da “Tocha Olímpica”. Essa é a luta que precisamos travar. Sem ela não vamos a lugar nenhum (sic). (Desculpe a separação errada).

    Não há nada a acrescentar, vocês estão fazendo o que o PT deveria estar fazendo!

    Por que não estamos nas ruas com abaixo-assinados pela constituinte e Eleições Já, ou contra os juros escorchantes?

    Concordo plenamente sobre os riscos, de novo, de nos iludirmos com as eleições. É um processo difícil, por um lado é um direito e um espaço político fundamental. Lula tem chances reais. Mas por outro lado é um risco maior e o impeachment de Dilma diz tudo. E vocês tocam no ponto principal sem “força real, social e política”…não vamos a lugar nenhum, repito. O PT realmente é forte, tem base social e eleitoral, Lula é Lula, mas a derrota e a perda de apoio foi, e, é grande, agravada pela paralisia, em termos, natural, afinal.

    Um ano sem conseguir fazer seu congresso e eleger uma nova direção. Fazer um balanço e definir a política para o novo período histórico que se abriu com o golpe e a regressão pós-neoliberal, e austeridade tardia, o desmonte do Estado e do bem-estar social.

    Assim, 18 é uma oportunidade e um risco; agora nosso centro, nossa luta é contra o golpe, por eleições já e constituinte. E a denúncia das contra reformas e da justiça de exceção, sumária e política.

    A cumplicidade, omissão, anuência do STF com o golpe e as ilegalidades do aparelho policial-judicial, são gritantes. A mídia retoma seu papel, articula, faz a narrativa, mobiliza e pressiona! Serve ao poder real, aos ricos, à propriedade!

    O golpe, por outro lado, tirou a legitimidade do discurso moralista dos MBL, VEM PRA RUA e associados, todos estão já nos “cargos” do governo Temer. A classe média que foi para as ruas, agora é apoiadora de Geddel, Padilha, Jucá, Moreira e cia. De Temer!

    Fica evidente a operação contenção da Lava Jato, um “basta” às ilegalidades para salvar o tucanato.

    O caráter golpista e anti-PT-Lula da operação não resiste à luz do dia, à verdade.

    As pesquisas e Raduan Nassar expressam o momento que vivemos, são extremos que precisam se unir, viver uma catarse!

    Isso mesmo. Em 73-74, as greves recomeçaram e o MDB elegeu 16 senadores e uma bancada enorme de deputados, nem os líderes da oposição esperavam essa vitória, o povo simplesmente votou contra, como agora nas pesquisas, rejeitam Temer, querem eleições e a maioria que vota – quer Lula na Presidência.

    Isso explica o ódio e o rancor dos procuradores e delegados, as contradições no STF, a postura da mídia: o medo da volta de Lula e da revolta popular.

    Mas voltar para o governo para quê, para além de fazer justiça, restabelecer a legalidade, a democracia? Aqui entra a força real, social e política, para fazer reformas não só política e de renda, mas da riqueza, herança, fortuna, propriedade! A tributária, urbana, bancária. No modo de produzir e viver. Na energia, nos transportes, na agricultura, para sobreviver ao risco ambiental da Humanidade. Um programa democrático revolucionário, de democracia política, participativa, comunitária, direta. Colocando sob controle social os serviços públicos, as Empresas públicas, democracia social e econômica, não só com uma tributação progressiva, mas com uma economia Estatal, mista, solidária, cooperativa e com a participação nas Empresas privadas.

    Para financiar o Estado de Bem Estar é preciso tributar e pôr fim à transferência brutal de renda social para o capital financeiro bancário via dívida interna e juros reais de 32% as empresas e consumidores.

    Já me alonguei demasiado e minha letra piora!

    Vocês estão no caminho certo, é preciso articular com outros grupos, vou ajudar!

    Tenho escrito análises e textos, vou fazer chegar a vocês.

    É preciso cobrar do PT, encontrar no PT, por baixo, via horizontal, aliados, fugir da luta interna, concentrar-se na luta contra os golpistas e na mobilização, na ação, construir um programa alternativo.

    Ser uma força de oposição real e de pressão real entre nós, dentro de nós, “guerra aos castelos, paz nas choupanas”.

    Guerra aos golpistas e paz entre nós, unidade na ação, na luta, sem ilusões, mas dispostos a retomar não só o governo com luta, mas o poder, para isso acumular forças de baixo para cima, na luta, na rua, na organização de conselhos, assembleias, reuniões, que devemos organizar para reivindicar, cobrar, dirigir e administrar, começar já organizar o poder popular!

    Temos apoio, vocês mesmos são testemunhas, 100 mil na Paulista, 40 mil no Recife, as pesquisas; agora é aprofundar as lutas, passar da resistência à ação direta, como no senado, nas vigílias, organizar o povo, seguir o exemplo dos secundaristas.

    Abraços Zé

    * Correspondente Agência Paco Urondo no Brasil