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  • Mídia 4P está órfão da sua grande inspiração, o Conversa Afiada

    Mídia 4P está órfão da sua grande inspiração, o Conversa Afiada

    O portal Mídia 4P, mídia independente lançado ano dia 2 de Julho de 2019 para servir à luta antirracista brasileira, central para a pauta nacional, está mais triste desde ontem. Nesta sexta-feira, 31 de julho, encerrou suas atividades a grande inspiração para nossa plataforma, o site Conversa Afiada, liderado até o ano passado pelo grande Paulo Henrique Amorim, pela jornalista Georgia Pinheiro e por uma equipe de guerreiros e guerreiras da mídia alternativa e progressista.

    Foi do CAF (como era carinhosamente chamado) e da inspiração no site e no seu capitão que surgiu este Mídia 4P, sempre incentivado das formas mais diversas por PHA, por Georgia e por todos. Entenda mais lendo esse texto aqui, lançado quando da morte irreparável dele, ironicamente poucos dias após o lançamento do nosso site.

    Também te convidamos a ler nossa homenagem ao completar um ano dessa grande dor, há poucos meses. Clique aqui para ler completo.

    Mas, principalmente, indicamos clicar para ver o texto de despedida do CAF, que lemos com o coração palpitante e os olhos marejados.

    Realmente, há pessoas que são insubstituíveis.

    O Mídia 4P está órfão da sua grande inspiração!

    Adeus e boa sorte! PHA vive!

  • Fênix da voz

    Fênix da voz

    Por: Anny Carvalho

    “Quando surgiu a televisão diziam que o rádio ia morrer, o rádio não morreu. Quando surgiu a FM diziam que o rádio ia morrer, e o rádio não morreu”. É assim que o radialista Antero Paes de Barros começa contando a visão dele sobre as transformações ocorridas no rádio. “A instantaneidade do rádio jamais vai permitir que ele morra. Eu acho que o rádio vai continuar sendo, sempre, um grande veículo de comunicação. Ele é muito útil e mais que útil, necessário. As pessoas têm a necessidade do rádio!”.

    Ele está certo. “Todo final de semana é rádio lá em casa. Eu ouço rádio desde quando eu era criança, quando eu ouvia com meus pais das 4h até 6h da manhã o programa do Zé Bettio da Record de São Paulo, uma emissora AM. Eu lembro que estava deitado e meus pais ouviam nesse horário para poder ir tirar o leite. A gente morava no sítio, aí gente ouvia”, conta, com um brilho nos olhos, Mário Máximo, que cresceu ouvindo programas radiofônicos no sítio na cidade de Poconé em Mato Grosso.

    Atualmente, Mário ouve o rádio aos finais de semana e quando está dirigindo. “Eu procuro no rádio as músicas que ouvia quando era criança. Eu passei a ouvir a emissora Vila Real FM 98.3 que vai ao encontro da musicalidade que eu ouvia antes nas rádios de antigamente”. Ele gosta de sertanejo raiz. “Hoje, nessa na estação 98.3, eu sempre ouço aos domingos ‘Seu ídolo não morreu’”. Assim como o rádio marcou sua infância marca também a vida de muitos outros brasileiros. 

    A diversidade de acesso

    Há na atualidade uma ampla variedade de alternativas de se ter acesso a esse meio de comunicação. Podemos escutá-lo em ondas médias, tropicais ou em frequência modulada. Além disso, por meio da TV por assinatura, via satélite, em uma modalidade paga ou gratuita ou mesmo via internet, o que permitiu o surgimento das estações online. Isso sem contar a variedade de receptores, como o próprio aparelho convencional, computadores, players de mp3, celulares.

    E essa pluralidade engloba outros fatores, como os  modos de processamento de sinal (analógico ou digital), definição da emissora (comercial, comunitária, pública, estatal ou educativa) e até mesmo o conteúdo (cultural, jornalístico, musical, religioso…). 

    A estudante Bianca de Jesus comenta que liga o rádio pela manhã e à noite  para ouvir músicas e notícias quando está indo para a escola e retornando para casa, via celular. “Eu ouço o rádio normalmente no ônibus e em casa para me manter informada das novas músicas e notícias do dia a dia. Não sei direito o nome dos programas, pois escuto diversas frequências”. Ela ressalta uma das particularidades que esse meio tem trazido aos ouvintes desde a sua criação: a divulgação de novos  hits. 

    Bianca enfatiza a importância que esse meio de comunicação trouxe à sociedade e a sua instantaneidade. “Apesar dos outros meios de comunicação, o radiodifusão é uma das melhores formas de ficar atento às mudanças do dia a dia. Quando acontece algum desvio em uma das  principais avenidas de Cuiabá, o primeiro meio de comunicação que eu vejo informando sempre é o rádio. Ele informa de  forma rápida”. Para ela, o rádio é hoje um dos meios mais acessíveis. “Eu

    acredito que quase todo aparelho de celular possui um aplicativo de rádio e não precisa ter conexão com a internet para ter acesso. Tem muita gente hoje no Brasil que não tem acesso a uma internet de qualidade, mas que pode encontrar no rádio uma maneira de se manter informado”.

    De forma parecida,  o seminarista Lucas Matheus ouve o rádio para se manter informado, mas o seu foco está na política e economia. “Eu escuto pelo celular quando estou indo para a faculdade, porque é o jeito que eu tenho de ouvir as notícias ou alguns comentários sobre política. Ele diz que gosta de se manter informado por meio de programas de áudio, semelhantes ao podcast, como formações religiosas.

    Já o estudante de engenharia Bruno Gondim  diz que ouve o rádio para fugir da bolha que encontra em outras mídias. “Eu prefiro porque traz uma seleção maior de músicas que não seguem um padrão. Quando você escolhe no youtube uma música sertaneja, por exemplo, o sistema só vai te indicar outros sertanejos”. Bruno conta que quando era mais novo tinha insônia durante as madrugadas e o rádio era um companheiro. “Nessa época o Band Coruja, que passava às 2h. Desde então eu comecei a ficar acordado esperando o

    programa começar. Eu gostava do quadro ‘Campeonato Brasileiro de Piadas’. Cansei de ir virado para a escola”. A experiência vivida pelo estudante demonstra como o rádio consegue envolver os ouvintes a ponto de fazê-los perder o horário. 

    Sobre isso, o radialista Elias Neto, que começou no rádio em 1979 como locutor noticiarista e animador de programas em Cáceres, comenta que há uma conexão entre o locutor e o ouvinte. “Existia uma vinheta na emissora Vila Real que era a seguinte: O jornal atinge a 40% dos brasileiros a televisão atinge a 80% dos brasileiros. O rádio atinge a todos os brasileiros. Ou você conhece alguém que não tenha rádio? Ela dizia tudo! Isso mudou um pouco, né? Porque hoje nós temos as novas mídias que concorrem com o rádio também. Mas o elo entre o ouvinte e locutor não mudou, pois o rádio toca muito ao coração das pessoas. Ele traz a notícia, mas também traz uma conversa agradável, traz uma música da sua preferência. Enfim são várias as formas de comunicação por esse meio”. Para o radialista, o meio envolve muito as pessoas porque permite quem está ouvindo “desenhar” o que está sendo narrado: o locutor fala diretamente com o ouvinte. “Eu acho que é essa sinergia que

    transforma o rádio. O rádio faz essa mágica”, conclui. 

    A imortalidade do Rádio

    O rádio ao longo do tempo conseguiu ultrapassar as barreiras das ondas hertzianas curtas para as longas e mais recentemente chegou à internet, por meios das emissoras online e podcasts. E é possível ver esse avanço nas histórias contadas acima. Mário conta que a transformação do AM para o FM foi primordial. “Antigamente era muita chiadeira, a frequência era baixa. Dependendo da localização chegava pouco sinal e o rádio começa a chiar. Agora não! Agora a voz sai limpa”.

    Sobre a modernização e a resistência desse veículo, o radialista Antero comenta: “Hoje o rádio se modernizou. Para ouvir você não precisa de um aparelho tradicional. Você  pode  ouvir no celular, no computador. Você ouve a informação sonora por meio de podcast quando você tem tempo. Enfim, a modernidade da informação sonora continua presente e resiste.”

    O doutor em comunicação Luãn Chagas, diz que hoje existe um novo termo utilizado em muitos estudos a respeito da imortalidade do rádio. “Na atualidade, nós preferimos dizer que temos o rádio expandido. Com esse conceito, temos uma

    reorganização sonora que pode ser utilizada tanto em AM e FM, como também no podcast, no rádio hipermidiático, na internet, na webrádio. Todas elas têm a mesma organização da linguagem sonora, ou seja, são várias as possibilidades que constituem o rádio.”O podcast vem ganhando cada vez mais ouvintes. De acordo com uma pesquisa feita pela plataforma de streaming Deezer, foi registrado um crescimento de 67% no consumo nacional só em 2019.  E isso se confirma com a fala do podcaster Fred Fagundes, que tem uma produtora  em Cuiabá. Segundo ele, as pessoas estão descobrindo esse novo formato de rádio. “A nova geração não está acostumada esperar para ouvir um programa numa determinada hora. O podcast oferece a opção on demand. Os mais velhos estão descobrindo um conteúdo ainda mais produzido e recheado de opções”.

    “Podcast é você ouvir o que você quer, na hora que você quer, do jeito que você quer. É um amigo imaginário que fala em voz alta. É sentir-se acompanhado o tempo todo. E, principalmente, se informar, emocionar, entreter e aprender durante atividades paralelas.”

    A estagiária  Luma Gomes, que ouvia rádio quando pequena, conta que começou a experimentar esse novo formato de rádio recentemente, porque queria estar atualizada quanto às notícias. “Sempre ouço no ônibus, porque como eu passo mais tempo no ônibus do que em qualquer outro lugar, eu aproveito esse tempo já para me manter informada.”. Ela encontrou nesse formato a liberdade de selecionar e personalizar  aquilo que queria ouvir e a comodidade de poder escolher o melhor horário pra isso.

    As fases do rádio no BrasilPrimeira fase (1922 – meados da década de 30: surgimento e implantação do veículo.Segunda fase (1935-55): época de ouro do rádio; programas de auditório, musicais, rádio novelas.Terceira fase (1955- anos 60): impacto da televisão, “morte decretada”; transforma-se em um “vitrolão”. Desenvolvimento do radiojornalismo. Transistor.Quarta fase (década de 70 e 80): incremento do jornalismo, prestação de serviços, segmentação, desenvolvimento das FMs. Consolidação do radiojornalismo nas AMs.Quinta fase, (atual): novas tecnologias, novas formas de acompanhar a programação, digital, webrádio. Informações do Blog Contraste.

    Glossário :

    Onda média 

    É uma faixa de rádio compreendida entre 530 kHz e 1700 kHz utilizada para radiodifusão sonora. A menção “AM” deve-se ao modo habitual de transmissão, a modulação em amplitude.

    Onda tropical

    É uma faixa do espectro eletromagnético correspondente às radiofrequências entre 2300 kHz e 5060 kHz (comprimentos de onda dos 120 m aos 60 m).

    FM

    É a sigla de Frequency Modulation que em português significa “Modulação em Frequência” e se refere à transmissão de ondas com variação da frequência, proporcionando boa qualidade de som

    Podcast

    Arquivo digital de áudio transmitido através da internet, cujo conteúdo pode ser variado, normalmente com o propósito de transmitir informações. Ele pode ser associado a uma determinada plataforma, por meio do código  RSS. 

    Telecomunicação

    O conceito de telecomunicação abarca todas as formas de comunicação à distância. A palavra inclui o prefixo grego tele, que significa “distância” ou “longe”. Como tal, a telecomunicação é uma técnica que consiste na transmissão de uma mensagem de um ponto para outro.

  • A ciranda das mulheres que percorre o Brasil em podcast

    A ciranda das mulheres que percorre o Brasil em podcast

    Texto: Lucas Bois
    Revisão: Ágatha Azevedo

    Escutar notícias, ouvir uma narração e ser levado por uma trilha sonora… O que antes poderia ser um programa de rádio, hoje talvez seja um episódio de podcast. Esse fenômeno que invadiu a internet há poucos anos, continua em constante crescimento no número de ouvintes e se expande também na variedade de assuntos oferecidos. Atualmente, grande parte dos temas de podcasts estão relacionados à pandemia da COVID-19 ou ao contexto sócio-político decorrente do bom ou mau enfrentamento dos governos a essa crise mundial sanitária. No nosso país, a pandemia escancara as desigualdades ao evidenciar os problemas sociais que separam as classes econômicas da população.

    Diante desse contexto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez decidiram mergulhar no mundo do podcast para contar histórias de mulheres brasileiras que enfrentam a pandemia, além dos desafios diários vividos cotidianamente. “A gente tem certeza que as mulheres sempre tem as melhores soluções. Ao reunir essas histórias, trazemos muitas ideias e inspirações, formando uma grande ciranda. Daí veio o nome do podcast: Cirandeiras“, conta Joana.

    Para conhecer melhor esse espaço de webrádio e feminismo, os Jornalistas Livres fizeram um bate-papo com as jornalistas que contam sobre o processo de produção, a pandemia e a relação desse projeto com a democratização da comunicação.

    Como começou

    Raquel Baster e Joana Suarez já dividiam afinidades pelas pautas feministas e bastou apenas uma semana de quarentena para que colocassem o projeto do podcast em ação. Joana, que vem do jornalismo de redação, conta que já vinha se aproximando da rede de podcasts, refletindo sobre a acessibilidade do áudio e seu poder de democratizar: “A maioria dos textos que eu faço são textos enormes e tenho a certeza que muita gente não lê, principalmente as mulheres sobre quem eu falo. O áudio me atraía muito porque leva as pessoas a imaginarem, criar cenários e ir para outra dimensão. Agora na pandemia onde as pessoas estão confinadas, o podcast virou uma companhia, uma forma de sair de casa.”

    Já Raquel trouxe ao universo do podcast, sua experiência com a comunicação popular: “Eu sempre trabalhei muito com rádio comunitária e me interesso por essa forma de comunicação que está mais próxima das pessoas. Por mais que ainda seja um novo tipo de mídia, o podcast traz as características do rádio, como as histórias contadas através de uma narração.”

    Como é produzido

    Muitas vezes, quem escuta um podcast não imagina o que pode estar por trás de sua produção. Segundo as jornalistas, a primeira coisa a fazer é pensar no tema e escolher as mulheres para as entrevistas, por elas chamadas de “cirandeiras”.

    “Geralmente o episódio tem a ver com uma pauta que já trabalhamos anteriormente e assim, procuramos mulheres que já tivemos contato. Por coincidência, toda vez que decidimos uma pauta, acontece algo nacionalmente que se conecta ao programa.” Joana lembra que o episódio recente Pandemia na internet sobre segurança digital foi ao ar na mesma semana em que o Senado brasileiro discutia o projeto de lei que combate fake news, enquanto outra discussão acontecia nas redes sobre a exposição de dados pessoais dos usuários do aplicativo FaceApp.

    Após o primeiro contato, elas fazem uma pesquisa sobre a cirandeira, enviam as perguntas e dão algumas dicas à entrevistada de como fazer uma boa gravação utilizando o próprio WhatsApp. Como essa orientação, muitas vezes, não é suficiente, nem sempre os áudios tem a melhor qualidade, “mas na pandemia tá tudo justificado”, comenta Joana.

    Com as respostas da entrevistada, o roteiro chega a ter mais de 10 páginas e leva de 20 a 30 horas para sua elaboração. A cada episódio, uma delas toma à frente a função de escrever o roteiro, incluindo referências pessoais, e em seguida, a parceira acrescenta a sua parte. “A gente percebe que às vezes um tema muito comum para uma, pode ser muito complexo para a outra. A gente vai se complementando para facilitar o entendimento de quem escuta”, conta Raquel.

    Depois do roteiro, vem a hora da gravação que exige algumas preparações, como escolher um horário silencioso do dia para gravar, desligar a geladeira e armar um pequeno estúdio caseiro com edredons. “O legal do podcast é que é uma mídia barata. Basta ter um celular, internet e gambiarras”, conta Joana dando risadas.

    Retorno dos ouvintes

    As jornalistas contam que 75% das pessoas que ouvem o podcast são mulheres e pertencem ao grupo social que elas convivem. Além do desafio de expandir a rede de ouvintes, elas relatam que ainda é uma grande dificuldade fazer com que o podcast retorne às pessoas entrevistadas e a outras mulheres que não estão acostumadas a esse tipo de mídia.

    Raquel conta que a cirandeira Lia de Itamaracá, entrevistada no episódio Pandemia na Ilha, só pôde escutar o podcast após seu produtor viajar até a ilha onde mora para mostrá-la pessoalmente em seu celular. Lia é uma das mulheres brasileiras que ainda não fazem parte dessa grande rede de internet em 2020.

    Um infográfico produzido pelo site iinterativa utilizando as fontes do IBOPE, Spotify Newsroom e ABPod, mostra que cerca de 45% do público dos podcasts é formado por homens, do sudeste do país, que pertencem às classes A e B e tem entre 16 e 24 anos. Segundo a pesquisa feita em 2019, 32% dos entrevistados nem sabiam o que é um podcast.

    Se o podcast ainda é limitado a uma pequena parcela da população, o WhatsApp talvez possa ser um lugar mais democrático para a sua difusão. As jornalistas contam que decidiram fazer os episódios em formatos pequenos de até 30 minutos para conseguir enviar pelo aplicativo de mensagens e garantir que o podcast alcance o maior número de pessoas.

    Democratização da comunicação

    Para a jornalista Raquel Baster, é inevitável discutir o alcance dos podcasts sem pensar na democratização dos meios de comunicação no Brasil. Apesar do surgimento das novas mídias, grande parte das informações veiculadas é controlada por um conglomerado de grandes empresários que atendem os interesses privados dessa própria elite.

    Segundo ela, “não adianta inventar a roda do podcast, sem falar da estrutura da comunicação no Brasil. Para tornar (a comunicação) mais acessível, precisamos discutir a concentração midiática. A internet ainda não é acessível para grande parte da população brasileira. Precisamos que o maior número de pessoas tenham acesso, mas que possam também alcançar os meios de produção.”

    No episódio sobre trabalhadoras rurais, a entrevistada Verônica Santana fala sobre a dificuldade das agricultoras em conseguir se comunicar durante a pandemia, visto que o trabalho sempre foi presencial. “A gente tem muita dificuldade, tanto no domínio dessas ferramentas, como no desafio de que a internet não funciona na maioria dos nossos territórios rurais. No campo, a internet ainda não é uma realidade.”, diz Verônica.

    Segundo a pesquisa TIC Domicílios, apenas 50% da população rural tem acesso a internet e esses números podem diminuir ainda mais de acordo com o recorte social e econômico.

    Por outro lado, Joana revela seu otimismo no poder das novas mídias: “Acho que o podcast vai se democratizar como aconteceu com o Instagram. Quando a gente poderia imaginar ter acesso a sotaques das pessoas do sertão do Cariri?” Joana se refere ao podcast BUDEJO, de Juazeiro do Norte, e cita ainda o Radionovela produzido por alunos da UFPE em Caruaru, no agreste pernambucano, que narra em formato de radionovela O Alto da Compadecida em Tempos de Pandemia, adaptação da obra de Ariano Suassuna.

    Para onde vai essa Ciranda

    O podcast Cirandeiras teve início durante a pandemia, portanto grande parte dos seus episódios tem esse tema como contexto. No entanto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez pretendem continuar os episódios futuramente, indo a diferentes locais do Brasil para entrevistar de perto as mulheres que conduzem “as cirandas”.

    Os episódios das Cirandeiras estão disponíveis nas plataformas mais conhecidas de podcast e tem a cada quarta-feira um novo episódio. Também estão presentes no Instagram, onde ocorrem as lives com as outras mulheres dentro das temáticas dos programas.

  • Crianças em isolamento social é tema do Vida em Quarentena

    Crianças em isolamento social é tema do Vida em Quarentena

    Como as crianças estão vivendo a quarentena? E como é o cotidiano de uma mãe de quíntuplos? Com essas questões o quinto episódio do Vida em Quarentena aborda a educação, o cotidiano, a rotina e o consumo de mídia pelo público infantil no período de isolamento social. Essa é uma produção do Projeto de Extensão em Rádio e Podcast, Comunicast, da Universidade Federal de Mato Grosso realizada em casa por estudantes.

    Uma das fontes do episódio é a Anieli Kurpel que descobriu a gravidez natural de quíntuplos no ano passado. Hoje ela tem uma rotina movimentada com um filho de seis anos e os cinco recém-nascidos na cidade de Chopinzinho, no sudoeste do Paraná. Também é possível conhecer o Grupo de Pesquisa em Infância da Universidade Federal de Mato Grosso (Gpin) que debate como as crianças estão recebendo informações neste período.

    O episódio debate, ainda, a educação e o consumo de mídia pelas crianças com a professora do Programa de Pós Graduação em Comunicação e Poder da UFMT, Pâmela Craveiro. O podcast também está no Spotify, Deezer, Anchor, Mixcloud, Breaker, RadioPublic e Youtube. Agora, também é possível ouvir na aba de podcasts da página oficial sobre a Covid-19 da UFMT no endereço https://ufmt.br/covid.

    Vida em Quarentena

    Este é um podcast feito de dentro de casa, na quarentena. A divulgação de informações que atendam ao serviço público de combate ao Coronavírus é fundamental no período de quarentena, principalmente na região Centro-Oeste em que Mato Grosso se encontra dentro de um vazio noticioso. Segundo o Atlas da Notícia do Instituto Pró-Jornalismo, os vazios são ausências de veículos de informação de abrangência local ou regional. Por outro lado, dos 13.732 veículos mapeados em todo o Brasil, o rádio é mais presente, correspondendo 35,5% do total. Solidariedade, empatia, cuidados e precaução! Ouça agora em:

    Spotify: https://open.spotify.com/show/6yxyK5YK5fZIlsx4kjepwY?si=Kht5DydxR6mCRWm7L7dt-Q

    Deezer: https://www.deezer.com/br/show/993622?utm_source=deezer&utm_content=show-993622&utm_term=2206201488_1585425023&utm_medium=web



    Google Podcasts: https://podcasts.google.com/?feed=aHR0cHM6Ly9hbmNob3IuZm0vcy8xOTNmZDI0OC9wb2RjYXN0L3Jzcw

    Radiotube: https://www.radiotube.org.br/meuperfil-7636

    Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCbqsmP6Ng3FLO2YpbT0zB6Q

    Mixcloud – https://www.mixcloud.com/comunicastufmt/

    Anchor: https://anchor.fm/vidaemquarentena

    Breaker: https://www.breaker.audio/vida-em-quarentena

    RadioPublic: https://radiopublic.com/vida-em-quarentena-Wo0B9x

    Overcast: https://overcast.fm/itunes1505490353/vida-em-quarentena

    E veja também:

    UFMT lança chamada pública de captação de recursos para enfrentamento à Covid-19

    A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), por meio da Pró-reitoria de Cultura, Extensão e Vivência (Procev), lançou o edital 06/2020, referente a uma chamada pública para a doação de recursos, materiais/produtos, bens e/ou serviços para ações de extensão de enfrentamento ao Covid-19. A iniciativa conta com o apoio da Secretaria de Infraestrutura (Sinfra) da Universidade e da Fundação Uniselva.

    O Projeto de Extensão em Rádio e Podcast – Comunicast também está na lista de projetos que atuam no enfrentamento à Covid-19. A lista de materiais que podem ser doados para a produção de informações voltadas a emissoras radiofônicas e podcasts está no link: https://www1.ufmt.br/codex/arquivos/3f99faa0d346e9c81f5d99b59b87586f.pdf.

     

     

  • “Jornalismo será peça-chave para a construção de um novo momento na democracia”

    “Jornalismo será peça-chave para a construção de um novo momento na democracia”

    Por: Safira Campos para o PNBonline

    Professor e pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Bruno Araújo é jornalista pela Universidade de Coimbra, onde também cursou Mestrado em Comunicação e é doutor pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente é coordenador do Programa de Pós-graduação em Comunicação, o primeiro programa da área em todo Mato Grosso. É também um dos organizadores do livro ‘(Des)construindo uma queda: a mídia e o impeachment de Dilma Rousseff’, em que discute a atuação e influência da imprensa no impedimento da presidente petista em 2016. 

    Com estudos voltados à crítica da mídia, o professor tem desenvolvido pesquisas sobre comunicação e política por meio da análise de coberturas de escândalos políticos, eleições, casos de corrupção e construção de personagens políticas. Na entrevista especial deste domingo (19), o PNBonline conversa com Bruno Araújo sobre o papel do Jornalismo na sociedade, como a profissão pode contribuir para o combate à cultura do ódio e sobre perspectivas da mídia para o futuro diante do cenário de ataque no presente. 

    PNBonline – Como o Jornalismo pode contribuir com a sociedade em um cenário de dicotomia entre o seu papel social de informar e a notícia como mercadoria?

    Bruno Araújo – Esta é uma questão bastante complexa. A notícia é encarada em muitos estudos da Comunicação em pelo menos duas perspectivas. Em primeiro lugar, a notícia como um produto social que visa esclarecer a opinião pública sobre temas que interessam a vida da sociedade. De outro lado, você tem estudos e análises que vão olhar a notícia dentro de algumas limitações em relação à essa primeira perspectiva. A notícia então é vista como um produto de uma empresa que, embora tenha um compromisso social – sendo este um dos valores do chamado Jornalismo liberal que se identifica como uma espécie de quarto poder – visa a obtenção de lucros.

    “Estamos falando da lógica capitalista que invade, como negócios que são, as empresas de comunicação”

    Essa dicotomia precisa ser levada em consideração até para nos alertar que o Jornalismo, apesar de prestar um papel relevantíssimo à sociedade, também é afetado por lógicas que estão muito para além da noção de interesse público. Estamos falando da lógica capitalista que invade, como negócios que são, as empresas de comunicação. Isso dá à notícia uma complexidade muito grande, que faz dela algo que esclarece a opinião pública, mas que também pode entrar em processos de manipulação.

    Essa dicotomia não nasceu hoje e existe desde sempre. O que é preciso considerar, é que independentemente de ser uma mercadoria ou não, a notícia e o Jornalismo como um todo são instâncias que estão sujeitas ao escrutínio, ou seja, à análise da sociedade. Esta é uma porta de oportunidade que não dá ao jornalista uma carta branca para fazer o que quiser. É por isso também que na academia, nós fazemos crítica de mídia e pesquisas das mais diversificadas para analisar o trabalho jornalístico. Nós temos que fazer com que o Jornalismo aperfeiçoe a sua prática para que ele possa ser cada vez mais um serviço público e que tenha uma função de esclarecimento das pessoas.

    PNBonline – Então como preparar estudantes de Jornalismo para um mercado de trabalho em que objetivos econômicos podem ultrapassar o interesse social?

    Bruno Araújo – Na universidade, nós temos um papel muito importante, que é dizer ao estudante que ele trabalhará em empresas de comunicação que são privadas, que têm sua linha editorial, valores e interesses, mas que eles não são obrigados a contar inverdades, a mentir. Ou seja, há certos valores éticos, e por isso fazemos uma discussão sobre ética jornalística, que são inalienáveis. Dizemos a eles que podem perfeitamente trabalhar em uma empresa jornalística, que têm objetivos de obtenção de lucro, e fazer um trabalho que vise o esclarecimento das pessoas, que traga outra múltiplas vozes para participar do debate público. Que a imprensa é uma instância de mediação imprescindível para a sociedade e que não pode ser secundarizada.

    A formação em Jornalismo é a ainda hoje cada vez mais importante, porque é fundamental que nós formemos estudantes que tenham a noção de que nós não somos inocentes na crise democrática que nós vivemos hoje, mas que o Jornalismo também será peça-chave para a construção de um novo momento na democracia.

    PNBonline – Enquanto é atacado, como o Jornalismo brasileiro pode combater a cultura do ódio tão presente atualmente e que tanto trabalha com a desinformação?

    Bruno Araújo – Esse afeto que destila contra o outro as piores energias que estão em nós, que visa não apenas confrontar esse outro, mas destruí-lo como sujeito e ser social, sempre existiu. A diferença agora, e que por isso se fala em uma cultura do ódio, é a força que esse tipo de sentimento tem no espaço público. Muitas vezes você vê o ódio como um afeto que pertence principalmente ao espaço privado, mas agora esse sentimento ganha o espaço público de uma maneira generalizada e exponenciada pela força das redes sociais.

    “O jornalismo não pode naturalizar discursos de ódio e ser um medidor silencioso, sem oferecer um contraponto necessário”

    O Jornalismo tem um papel fundamental mais uma vez. É claro que pedir ao Jornalismo para resolver a cultura do ódio é uma missão mais que impossível, no entanto, o Jornalismo pode sim atuar criando possibilidades de enfrentamento à essa cultura do ódio. Como por exemplo, quando ele produz reportagens que dão conta de crimes que são motivados pelo ódio como as narrativas sobre feminicídio. Elas devem ser feitas de uma maneira muito responsável, mostrando as razões estruturais que estão por trás dos crimes cometidos contra as mulheres por questões machistas. O mesmo para o racismo, que se pulveriza nas nossas relações sociais e não está apenas naquele demonstração mais evidente, mas pode estar escondido em certas expressões, tratamento dado a certos grupos, etc.

    É preciso que as coberturas vão além das estatísticas, humanizando esses números. Dar a oportunidade para que as vítimas possam expressar sua voz no espaço midiático. O Jornalismo não pode abrir mão de ser o lugar da denúncia. Não é possível que se entreviste um candidato que vincula fake news, como o atual presidente na bancada do Jornal Nacional durante as eleições de 2018, sem que os jornalistas sejam capazes de denunciar as mentiras que estavam sendo ditas e que incentivam posições de ódio contra homossexuais, grupos progressistas ou outros candidatos. O Jornalismo não pode naturalizar discursos de ódio e ser um medidor silencioso, sem oferecer o contraponto necessário.

    “Não há nenhum tipo de linguagem desprovido de ideologia (…) O Jornalismo é uma atividade que comporta uma carga ideológica”

    PNBonline – Por que a imprensa brasileira insiste no mito da imparcialidade? 

    Bruno Araújo – No Brasil, nós somos muito influenciados pelo Jornalismo dos Estados Unidos. Essa influência trouxe uma noção chamada em literaturas liberais de ‘Jornalismo cão-de-guarda’. Evidente que em algumas situações isso é verdade, mas no Brasil nós temos uma situação híbrida. Em algumas situações nós temos uma imprensa que agiu como contra-poder, mas em geral a tendência brasileira é outra, em uma perspectiva de cobertura adversária. Nós temos como exemplo, toda a cobertura do impeachment da presidente Dilma Rousseff que não contemplou uma discussão sobre se houve mesmo crime de responsabilidade ou não. Quando houve essa crítica a colegas jornalistas, você ouvia “somos imparciais e objetivos, damos voz aos dois lados”.

    Em semiótica, nós estudamos o papel ideológico da linguagem. Não há nenhum tipo de linguagem desprovido de ideologia, pois como afirmam Bakhtin e Volochinov, toda palavra é ideológica. O Jornalismo é uma atividade que comporta uma carga ideológica. O que temos estudado há muito tempo é que os veículos estão muitas vezes  a cargo de certas faixas políticas, de certos grupos de pressão e não exatamente com o esclarecimento público. Portanto, o Jornalismo é parcial e tem lado, mas precisamos refletir que lado é esse.

    Nos Estados Unidos há também o hábito dos jornais assumirem durante as eleições, que candidatos apoiam. Mas isso não quer dizer que eles farão uma cobertura enviesada. Aqui no Brasil, os veículos têm seus próprios candidatos e vários estudos refletem sobre isso, mas não é algo assumido. Atualmente, um dos poucos veículos que dizem o candidato apoiado, é a Carta Capital.

    PNBonline – Como o Jornalismo enfrentará as constantes crises de credibilidade e os ataques à profissão?

    Bruno Araújo – Nós estamos vivendo hoje uma situação de grande crise nas mais diversas instâncias da sociedade e o Jornalismo não passa ao largo disso. A credibilidade jornalística é algo que vem sendo bastante contestada, sobretudo e cada vez mais por líderes políticos dos polos extremos, especialmente a extrema-direita que tem feito uma investida muito grande neste sentido. É importante perceber que a contestação do trabalho da imprensa não é feita apenas por forças políticas, mas também por camadas da sociedade.

    Este momento, que para alguns significaria o fim da imprensa ou a perda total de sua relevância, é um momento de extrema oportunidade para que a imprensa retome o seu papel de mediadora das questões sociais e de esclarecedora do debate público. Neste momento, ao mesmo tempo em que as pessoas criticam o trabalho da imprensa, uma camada importante da sociedade está atordoada sem saber muito bem em que narrativas ela deve confiar para entender o que está acontecendo. É reafirmando sua natureza que o Jornalismo enfrentará este momento.

    PNBonline – Como o Jornalismo local pode se fortalecer e se aproximar do seu público sem se prender a fatores econômicos e políticos?

    Bruno Araújo – Quanto mais regionalizado é o Jornalismo mais dependente ele pode ser de fatores econômicos e políticos. Não há uma resposta pronta para os caminhos a serem traçados para que o Jornalismo local se torne mais independente. Mas certamente ele passaria pelo fortalecimento dos laços com os leitores. É preciso que as pessoas entendam que elas são fundamentais também no financiamento do Jornalismo profissional. Hoje na internet nos parece que tudo é de graça e livre, mas o trabalho empenhado demanda recursos. Em uma perspectiva otimista, quanto mais o público estiver envolvido no financiamento da informação, mais ele tirará o peso desses fatores políticos e de grandes grupos econômicos.

    PNBonline – O professor e pesquisador João Carlos Correia (UBI) diz que o jornalismo precisa contribuir para formar leitores qualificados. Uma falsa democratização do acesso à informação só aumentaria o elitismo. O senhor concorda com esse pensamento?

    Bruno Araújo – Sim. Acho que de fato o Jornalismo tem uma função pedagógica para cumprir na sociedade. É uma função que passa pelo esclarecimento das questões, pela visibilidade de grupos sociais que são historicamente marginalizados e que têm coisas a dizer. No Jornalismo profissional, muitas vezes por conta das próprias rotinas de produção que valorizam as fontes oficiais e instituições consolidadas não damos espaço de voz para esses grupos, que produzem reflexões altamente sofisticadas e são os verdadeiros representantes da sociedade brasileira.

    Quando damos essa visibilidade disminuímos o déficit democrático que temos. Isso contribui para a formação de leitores mais críticos, com uma perspectiva mais aberta, mais aprofundado de temas sociais. Apesar de sermos um país plural, muitas vezes essa pluralidade não reflete no trabalho da imprensa. É preciso, portanto, que nós demos espaço a essa pluralidade para que tenhamos leitores mais críticos e qualificados.

    PNBonline – Quais as expectativas em relação ao Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFMT?

    Bruno Araújo – A aprovação do programa foi para nós um grande presente para nós da UFMT e para todo o estado de Mato Grosso, já que nós éramos o único estado da região Centro-Oeste sem uma pós-graduação stricto sensu em Comunicação. Será uma oportunidade de qualificação dos quadros que nós temos agora no mercado de trabalho e de todas as pessoas que se sentem motivadas a investigar na pesquisa e na carreira acadêmica. Teremos a oportunidade de produzir uma massa crítica sobre os fenômenos da Comunicação, principalmente contemplando os temas que são caros no âmbito regional. Com a pandemia, o processo seletivo que esteja em andamento para o mestrado foi interrompido, mas logo que as atividades forem retomadas pela UFMT, retomaremos o processo para dar início às aulas.

    Veja matéria original em: https://www.pnbonline.com.br/geral/a-jornalismo-sera-pea-a-chave-para-a-construa-a-o-de-um-novo-momento-na-democraciaa/65300

  • Desafios dos jornalistas na cobertura do Coronavírus em MT

    Desafios dos jornalistas na cobertura do Coronavírus em MT

    Estudantes de jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso fazem levantamento e análise da cobertura da pandemia de coronavírus em sites jornalísticos no estado
    Por: Beatriz Passos e Marcos Salesse

    Pela televisão, no rádio, celular ou em qualquer outro dispositivo é possível notar um crescimento considerável no número de notícias sobre o novo coronavírus. Desde 31 de dezembro de 2019, dia em que Wuhan, cidade chinesa considerada um dos epicentros da pandemia, registrou o seu primeiro caso todo o mundo voltou os olhos para esse que se tornaria o principal assunto diário.

    Ao passo que o vírus se espalhava rapidamente por diversas partes do globo, jornalistas presenciaram mudanças expressivas nas suas rotinas de trabalho, seja pelos telejornais mais longos, pela impossibilidade de fazer entrevistas presenciais, ou até mesmo nas dificuldades em conseguir informações oficiais precisas.

    Em Mato Grosso esta realidade não ficou distante, com redações menores e uma demanda por informação crescente, foi fácil encontrar relatos de profissionais de imprensa que tiveram dificuldades na hora de começar a cobrir o assunto no estado.

    Apesar do primeiro caso de Covid-19 ser confirmado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) em 20 de março, semanas antes já começavam a circular na imprensa possíveis casos subnotificados, ou seja, pacientes testados positivos, mas sem confirmação dos laboratórios credenciados pela Ministério da Saúde (MS).

    Entre a demora na apuração dos órgãos estaduais e as dificuldades no entendimento das informações extra-oficiais, surgia para o jornalista a dúvida sobre a real situação do estado frente ao avanço da pandemia, e também como isso seria transformado em notícia.

    Completando na próxima semana um mês desde a confirmação do primeiro caso do novo vírus no estado, já foram publicadas mais de mil matéria em quatro dos principais veículos digitais de Cuiabá, capital mato-grossense, dessas aproximadamente 55% refletem a realidade local.

    COBERTURA ONLINE

    Para a cobertura online existiram outros desafios para além da divulgação de informações, como a rapidez das publicações e descobertas das novidades. Por isso, em meio à atmosfera virtual, os jornalistas lidavam com a pressão de entender os dados e divulgá-los ao público no menor tempo possível.

    Segundo João, jornalista de um dos sites que cobrem política e cidadania em Mato Grosso, a necessidade de imediatismo compromete tanto o entendimento de como transmitir a notícia, quanto como as informações serão compreendidas pelo leitor.

    “É interessante fazer o recorte para o contexto do jornalismo online, no sentido de que nesta modalidade tem que se publicar notícias a todo momento. E nesse cenário de pandemia não foi diferente, porém era tudo novo, porque entre os jornalistas, como na população geral, não havia um entendimento muito claro sobre o assunto, o que causava um desencontro de discursos. Como foi o caso da maioria dos sites de Mato Grosso que cometeram alguns erros por falta de tempo de investigação dos dados”, explicou o jornalista.

    OS DESAFIOS DA COBERTURA

    “Vivemos em um paradoxo, se considerarmos totalmente confiáveis as fontes oficiais, corre o risco de sermos induzidos ao erro que eles querem que a gente cometa. Mas também se colocarmos tudo em suspensão, corremos o risco de ficarmos muito no escuro, sem muita base”, revelou Carlos, outro profissional de imprensa entrevistado pelo Com_Texto.

    A fala do jornalista demonstra um sentimento compartilhado por muitos, a incerteza na hora de cobrir um fato até então desconhecido. Em uma realidade distante do eixo sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais), onde o fluxo de informações acaba se concentrando, os profissionais mato-grossenses contaram que vivem entre um grande impasse: depender dos dados oficiais das secretarias governamentais ou ir em busca das subnotificações.

    Funcionário de um veículo digital, que faz parte de um grupo que possui também jornal impresso e canal de televisão, o jornalista afirmou que um dos maiores desafios na cobertura do novo coronavírus está na dependência que os profissionais possuem das assessorias de imprensa governamentais, tal fato é conhecido nos meios teóricos como “jornalismo declaratório”, ou seja, aquele que se faz apenas com informações dadas por fontes oficiais.

    Entretanto, outros profissionais analisaram como positiva a proximidade entre a assessoria da SES e os jornalistas, no atual cenário de pandemia.

    “Avaliei como positivas ações como a do Ministério Público, que restringiu a emissão de boletins epidemiológicos pelos hospitais em Mato Grosso. As informações são muito complexas, não sei o quão estamos preparados para acessá-las”, defendeu João.

    Outro ponto positivo levantado pelo jornalista está na organização proposta pela Secretaria, com transmissões ao vivo feitas diariamente nos canais oficiais do Governo do estado nas quais o atual secretário de Saúde, Gilberto Figueiredo, atualiza os números oficiais dos dados em Mato Grosso, e posteriormente abre para as perguntas feitas pelos jornalistas.

    Além disso, também é disponibilizado à imprensa um boletim epidemiológico com a atualização diária, contendo número de casos suspeitos e confirmados.

    “Eu diria que a comunicação do governo está sendo efetiva nesse sentido, não tá dando brecha para a gente ter desinformações e desencontros, eles estão se comportando de maneira muito aberta nesses dias”, concluiu João.

    Já para Carlos, a dinâmica feita pela Secretaria pode limitar o acesso dos profissionais a real situação do estado. Para ele, as transmissões ao vivo também podem ser uma forma de controlar o acesso dos jornalistas aos dados reais.

    “É muito bom para eles, porque nessas lives existe um domínio e filtragem das perguntas por parte da assessoria. Tem perguntas importantes que eles não respondem. Da mesma maneira que o governo federal edita a LAI (Lei de Acesso a Informação) para tornar as informações mais inacessível, o governo de Mato Grosso cria estratégias para enrijecer uma coletiva de imprensa e ao mesmo tempo silenciar alguns repórteres”, rebate.

    Apesar de posicionamentos distintos em relação às medidas adotadas pelos meios de comunicação do governo, os dois jornalistas dividem a mesma posição quando o assunto é a importância em acompanhar e noticiar as subnotificações.

    “Segundo o próprio secretário de Saúde, só serão testadas pessoas que apresentem sintomas graves. Esse tipo de postura coloca o estado em uma situação que foge do que foi implementado nos lugares que têm lidado bem com a doença. Nesse cenário, eu vejo importância sim em conhecer e acompanhar os casos suspeitos”, disse João.

    O PRIMEIRO MÊS DE COBERTURA EM DADOS

    Para esta reportagem foram monitorados quatro sites de notícias veiculados em Mato Grosso, além do portal oficial da SES. No período de 1 a 31 de março, contabilizamos um total de 1.193 publicações que citam a palavra “coronavírus”. Entre notícias próprias, reproduções de outros veículos e colunas de opinião, os sites mato-grossenses apresentaram um primeiro mês de cobertura com posturas similares.

    Dentro dos número levantados, o Com_Texto também observou que em comparação com o contingente de notícias publicadas pelos veículos regionais, mais da metade tratava-se de publicações de outros sites. Assim, no cenário de 1.193 notícias publicadas em um único mês, cerca de 649 tinham como autor um meio diferente daquele que as compartilhavam, trazendo pautas gerais sobre situações de enfoque nacional e cotidiano dos famosos.

    Esse número pode se justificar pela demora na confirmação oficial dos primeiros casos no estado, e também pela dificuldade encontrada pelos jornalistas no início da cobertura.

    “No início estávamos muito perdidos, no sentido de para quem a gente daria atenção. Se seria para o laboratório que emitia diariamente um boletim epidemiológico, se para a Secretária Municipal de Saúde ou se para a Secretária de Estado de Saúde. De todas as formas existiam desencontros de informações”, revelou João.

    As assessorias dos órgãos governamentais tiveram um papel decisivo no fluxo de informações que chegavam até a população durante esse período. E esse panorama fica mais evidente quando analisada a quantidade de releases disponibilizados pela Secretaria de Saúde de Mato Grosso em comparação com o volume de notícias publicadas pelo sites.

    Os dados acima correspondem aos números de postagens da Secretaria de Saúde de Mato Grosso e do site que mais publicou notícias em março. A projeção mostra que na primeira semana, quando o assunto ainda não era a principal pauta do órgão, o site também não produzia notícias relacionadas ao vírus em grande escala. Realidade que sofre mudança no segundo terço do mês, com o anúncio da confirmação do primeiro caso de Covid-19 no estado.

    Segundo Maria, jornalista de um dos principais sites de notícia do estado, sua preocupação com a pauta surgiu logo após a confirmação dos primeiros casos na China, entretanto, não tinha tanta abertura para abordar o tema no trabalho.

    “Foi difícil produzir matérias no início. Fiz uma sobre cancelamento de viagens e um dos entrevistados acusou os jornalistas de serem os causadores da crise, que estávamos superdimensionando o tema. Reconhece esse discurso?”, contou a jornalista.

    Após esse início conturbado de cobertura, os veículos passaram a se movimentar mais diante do assunto que ganhou todos os holofotes nas últimas semanas.

    Com isso, dois sites se destacaram na análise feita pelo Com_Texto, como apresentado no infográfico abaixo:

    De todos os sites analisados ficou na primeira posição do ranking o site I, com 380 matérias publicadas, já o site II ocupou o último lugar, com 170 postagens, por ter sido o que menos compartilhou notícias sobre o tema em março.

    Mesmo com a diferença na quantidade de postagens, as análises demonstram que o comportamento dos portais de notícias possuem algumas semelhanças, como a prioridade por produção de notícias produzidas pelos jornalistas de cada veículo; o uso de formatos variados de textos, nos casos de artigos de opinião e o hábito de replicarem notícias de outros veículos.

    Contudo, a diferença mais expressiva da análise é que o site que menos vezes tratou sobre o tema foi justamente o que mais se dedicou a produção autoral dos conteúdos.

    E mesmo com as diferenças, os desafios diante do avanço rápido da pandemia fizeram com que todos os profissionais de imprensa trilhassem a mesma caminhada, a da informação apurada e precisa. Do primeiro mês desenhado pelas incertezas que o tema impõe, o que ficou foi a necessidade da coletividade.

    “É um trabalho coletivo, porque a visão de credibilidade não depende só de um veículo, depende de todos os jornalistas trabalhando com alguma coerência”, concluiu Carlos.

    Para esta reportagem utilizamos nomes fictícios a fim de preservar os jornalistas entrevistados e também os veículos analisados.

    Reportagem original em: https://com-texto.wixsite.com/comtexto/post/fora-do-eixo-os-desafios-dos-jornalistas-na-cobertura-do-coronav%C3%ADrus-em-mato-grosso