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  • Golpe dentro do Golpe

    Golpe dentro do Golpe

    O Brasil amanhece com a notícia de que a Polícia Federal realiza mandados de busca e apreensão em mais de 40 endereços pelo país, especialmente em Brasília e no Rio de Janeiro. Dentre os alvos da operação, o Senador Aécio Neves. Envolvido, junto com o Presidente Michel Temer em uma denúncia publicada pelo Jornal O Globo, o Senador foi visto ao final da sessão de ontem a noite saindo discretamente, logo depois de ter sido fotografado lendo as notícias que já corriam pela internet.

    De fato, o furo do jornalista Lauro Jardim parece ter implodido a república brasileira nas últimas horas.

    Depois do impeachment de Dilma Rousseff, a revelação de que delatores da JBS (que representa a Friboi), GRAVARAM o presidente Michel Temer em negociações de propina para comprar o silêncio de Eduardo Cunha, parece ter conseguido o feito de unificar o país dividido de um ano atrás. Até líderes de movimentos como o MBL – um dos principais mobilizadores para a derrubada de Dilma – ocuparam as redes esta noite para pedir a renúncia de Michel Temer.

    A Globo (aberta) anunciou em seu plantão, pouco antes do Jornal Nacional ir ao ar, que o colunista havia publicado as revelações “ainda sem os áudios, mas com confirmação dos investigadores da Lava Jato”. No referido material, diálogos gravados pelos delatores supostamente comprovam que Temer sabia do esquema de pagamento de “mesadas” à Eduardo Cunha, preso e condenado, para que este “não falasse o que sabe”. Além disso, outros trechos indicam que o Senador Aécio Neves também estaria envolvido, tendo pedido $ 2 milhões aos empresários da JBS e ainda, aparentemente, sugerido o assassinato de um dos envolvidos “antes que ele delatasse” o esquema.

    Em meio a esse cenário, uma das coisas que chamou a atenção da opinião pública foi o claro “desembarque” da Globo do governo que a própria emissora ajudou a colocar no poder. Mas alguns fatores podem estar por trás desta atitude, como o interesse numa transição de governo capitaneada pela Ministra Carmem Lúcia do STF e a posterior convocação de eleições indiretas, ou seja, decidida pelo Congresso, que podem levar ao poder algum aliado do mercado financeiro.

    É bom lembrar que completado um ano de governo Temer, a economia ainda apresenta números negativos e o empresariado ( especialmente aqueles representados pela FIESP), vêm demonstrando insatisfação em relação ao tímido resultado apresentado. E dentro da linha sucessória, tanto Rodrigo Maia, presidente da Câmara, quanto Eunício Oliveira do Senado, estariam teoricamente impedidos de assumirem um “mandato tampão”, por serem investigados pela Operação Lava Jato. Um desdobramento em consequência da ação que destituiu Renan Calheiros da presidência do Senado pelo mesmo motivo.

    Essa linha de raciocínio explicaria o jantar do qual a Ministra participou há alguns dias, com FHC, empresários e até um membro da Família Marinho. Carmem Lúcia pode representar ainda uma possibilidade de suspensão do calendário de 2018, com o argumento de “estabilizar o país” e concluir a Operação Lava Jato. No entanto, isso também poderia ser visto como uma tentativa de impedir a eleição do ex-presidente Lula, que vem aparecendo em primeiro lugar nas intenções de voto em todos os cenários e por institutos de pesquisa diferentes.

    Figuras como o Senador Ronaldo Caiado pedindo abertamente a renúncia de Michel Temer também indicam que a aliança formada para derrubar a presidenta Dilma Rousseff, começou a se diluir assim que as revelações começaram a circular.

    O Planalto soltou uma nota, cerca de uma hora depois que as notícias foram divulgadas, em que afirma que o presidente Michel Temer “não participou de nenhuma conversa” com aquele teor. Também o Senador Aécio Neves nega qualquer participação na negociação. Ambos disseram por meio desses comunicados que “confiam nas investigações e aguardam que o judiciário se pronuncie”.

    Pouco antes de uma multidão tomar as ruas em frente ao Palácio do Planalto em Brasília, também na Avenida Paulista e em várias outras cidades, os Ministros do STF fizeram algo bastante incomum para os jornalistas acostumados a cobrir a Côrte. Foi solicitado que a imprensa se retirasse e em seguida, fecharam as portas do Supremo. Ali, acredita-se que o Ministro Edson Fachin tenha se reunido com seus pares, não só para avaliar o tamanho da crise, mas também pelo fato de que agora ele está sendo pressionado a revelar rapidamente o conteúdo das conversas citadas.

    O Ministro Edson Fachin assumiu a relatoria da Operação Lava Jato depois que o avião que levava o Ministro Teori Zavatscki caiu e onde morreram todos os ocupantes, um acidente que ainda está sob investigação. Por sinal, o filho do Ministro, Francisco Zavatscki, chegou a publicar em seu perfil nas redes sociais uma espécie de “desabafo” em que pergunta “se o PMDB teria coragem de matar o pai dele”. Com a repercussão, o post foi apagado, mas já havia se espalhado pela internet. Francisco menciona ainda o Ministro Teori, dizendo que pouco antes de morrer, o pai estava “preocupado com o PMDB”, que segundo ele “tentava parar a Operação Lava Jato”.

    Também chamou atenção da opinião pública nos minutos seguintes em que a cúpula do Governo Temer começava rapidamente a ruir com a notícia, o fato de que há poucos dias foi revelado que o Juiz Sérgio Moro, que conduz de Curitiba a 1ª instância da Operação Lava Jato, disse em despacho que negava um pedido da defesa de Eduardo Cunha porque este havia tentado “chantagear Michel Temer”. Fica a pergunta no ar: se Moro sabia da tentativa do PMDB de parar a Operação, porque tentou censurar o que Eduardo Cunha tinha a dizer? Será que foi esse o motivo que levou os irmãos da JBS à procurarem a PGR e não Sérgio Moro, para fechar o acordo de delação premiada?

    Não se sabe ao certo muitas respostas e nem o que vai acontecer nas próximas horas, mas uma coisa é certa: o grito ouvido nas ruas nesta quarta-feira e a reação na internet foi unificada: #RenunciaTemer e #DiretasJá. E é a primeira vez, desde o impeachment de Fernando Collor na década de 90, que aparentemente todo o país se uniu em torno de uma ideia em comum. Não é pouca coisa.

  • (Des)caminhos da cadeia industrial da carne

    (Des)caminhos da cadeia industrial da carne

    por Diana Aguiar (1)

    A deflagração da Operação Carne Fraca da Polícia Federal suscitou preocupações em relação à qualidade da carne comercializada cotidianamente no Brasil e exportada a partir daqui, resultando inclusive na suspensão da importação de carne brasileira por diversos países. Em pouco tempo, as redes sociais tornaram-se palco de um debate acalorado, que infelizmente, da mesma forma que a cobertura da mídia, passou ao largo das questões de fundo que envolvem a cadeia industrial da carne e as estratégias de enfrentamento que há muito vêm sendo construídas por organizações, movimentos sociais e sindicais do campo no Brasil e através de suas articulações nacionais, regionais e internacionais.

    Para termos um panorama destas questões de fundo, façamos o percurso ao longo dos caminhos da cadeia de produção da carne, imaginando-a como uma corrente que passa por diversos elos até chegar à prateleira dos supermercados. Já na parte inicial da cadeia produtiva, os monocultivos de soja e milho transgênicos – cujo principal destino é a produção de ração animal – despejam venenos que contaminam solos, rios e lençóis freáticos e promovem a erosão da diversidade das sementes e das culturas agrícolas e alimentares.

    No elo seguinte deste caminho, a criação de gado, encontramos uma atividade campeã em trabalho análogo à escravidão no país (2). Ainda neste elo, vemos que entre terras degradadas e atualmente utilizadas no Brasil para pastagem, a pecuária já ocupa 25% do território nacional e continua pressionando por expansão (3). Essa expansão acontece em grande medida por meio da grilagem de terras públicas e de ocupação tradicional, causando conflitos intensos com camponeses e camponesas, indígenas e outras comunidades tradicionais. Ainda em razão da contínua expansão, a pecuária é o principal vetor do desmatamento no país, promovendo o etnocídio de povos que construíram e constituem a diversidade biológica e cultural de territórios no Cerrado e na Amazônia, os dois biomas mais ameaçados pela expansão da carne. O caso do Cerrado é tão dramático que o próprio futuro do bioma está sob ameaça imediata (4). Mas, apesar disso, as tecnologias desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para a expansão da cadeia industrial da carne, e que foram implementadas ali ao longo das últimas décadas, servem como justificativa para que o Cerrado seja modelo para o avanço do agronegócio no norte de Moçambique (5) e em outros países.

    A parte seguinte da cadeia produtiva é o abate de animais, um setor que conta com inúmeras denúncias de condições indignas de trabalho nos frigoríficos. A Operação Carne Fraca teve como alvo direto este elo e somente uma parte específica dos problemas relacionados a este: as brechas e corrupção na fiscalização da qualidade da carne comercializada a partir dos frigoríficos. É compreensível que a qualidade da carne seja a primeira preocupação da perspectiva do consumo, mas em um cenário tão complexo: como ignorar que a carne que comemos, vendida empacotada e com a aparência de total higienização, percorre um caminho tão tortuoso até chegar ali, deixando um rastro de devastação ambiental e social?

    foto Vermelho/reprod.

    Poucos campeões, muitos perdedores

    A cadeia produtiva da carne é ligada a algumas das mesmas oligarquias herdeiras do coronelismo no Brasil, compondo hoje a coalizão mais poderosa e reacionária do Congresso Nacional: a bancada ruralista. As continuidades históricas na governança agrária no país são trágicas, sobretudo por conta da eterna promessa não realizada da reforma agrária, que propicia a permanência de grandes latifúndios concentrados nas mãos de poucos.

    Como um espelho corporativo desta concentração de poder econômico, a cadeia industrial da carne em todo o mundo tem alguns de seus elos controlados por um pequeno conjunto de empresas transnacionais. Os insumos agrícolas para o monocultivo, como as sementes transgênicas e os agrotóxicos, são controlados por um pequeno conjunto de corporações. Este setor deve ficar ainda mais concentrado em razão de diversos processos de fusão em curso (Bayer com Monsanto, Dow com DuPont e ChemChina com Syngenta). Já a exportação da soja e do milho transgênicos para consumo animal, entre países onde se localizam os monocultivos e outros países produtores de carne, tem participação majoritária de gigantes corporativas como Bunge, Cargill, ADM e Louis Dreyfus Commodities.

    A política dos “Campeões Nacionais” do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) propiciou que um conjunto de empresas cujo capital tem origem no Brasil entrasse nesse time seleto e passasse a figurar entre as gigantes do setor de frigoríficos. Entre 2007 e 2013, período em que vigorou a política, o BNDES injetou R$ 18 bilhões em apenas cinco empresas (dentre elas os frigoríficos JBS e Marfrig). A JBS (que controla marcas como Friboi e Seara) recebeu o maior volume: R$ 10 bilhões. Além disso, entre 2005 e 2014, os frigoríficos JBS, Marfrig, Independência e Bertin receberam R$ 11 bilhões em participação acionária do banco via BNDESPar. O banco também estruturou o processo de fusão da Sadia com a Perdigão, resultando na criação da Brasil Foods. A política de campeões nacionais foi instrumental para que estas empresas adquirissem o poder de que hoje gozam: a JBS, atualmente a maior produtora e exportadora de carnes do mundo, não estava nem entre as 400 maiores empresas em operação no Brasil em 2002.

    Para se ter uma ideia da concentração de mercado resultante deste processo, em 2007, onze grandes exportadores representavam 70% das exportações do país, enquanto em 2015, apenas três empresas (JBS, Marfrig e Minerva) realizaram 80% das exportações.  Certamente tanta concentração de poder econômico aumenta a ascendência destas empresas sobre o sistema político, erodindo ainda mais os sentidos já tão degradados da democracia. Não surpreende que a JBS esteja entre as maiores doadoras de campanhas políticas no Brasil.

    Nesse sentido, ainda que existam prováveis motivações políticas por trás da investigação da Polícia Federal, são questionáveis os argumentos em torno de um complô imperialista por trás da Operação Carne Fraca. Este tipo de argumento parte da mesma premissa que justificou a política de “Campeões Nacionais”: a de que a economia nacional é mais forte se empresas cujo capital tem origem no Brasil se inserem de forma competitiva no mercado internacional. É uma premissa falida ao menos em três aspectos. Por um lado, ela entende que o coração de um suposto “interesse nacional soberano” é o crescimento econômico e que as exportações são um fim em si mesmo, e não um meio para a justiça social. Pior, ela entende que existe algo que se possa chamar “interesse nacional”, apagando toda a diversidade e assimetrias sociais contidas no território brasileiro e a dura realidade de que há sempre os poucos que ganham e os muitos que perdem com o incentivo a uma cadeia produtiva concentrada e devastadora como é a da carne.

    Em terceiro lugar, essa premissa escolhe ignorar que as empresas transnacionais não têm fidelidade nacional. Elas migrarão suas operações produtivas e financeiras de acordo com as perspectivas de ganho. Por exemplo, a dificuldade do Brasil em cumprir os requisitos sanitários para exportar a muitos países levou a JBS a uma estratégia de comprar frigoríficos nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Alemanha, Argentina, Uruguai, Paraguai, Itália, África do Sul e China. Em 2016, 90% dos rendimentos da empresa já eram gerados fora do Brasil e, já em 2011, 60% de seus funcionários também se localizavam fora daqui. No primeiro semestre de 2016, a JBS anunciou a intenção de mover sua sede para Irlanda, um paraíso fiscal. O BNDES, importante acionista da empresa via BNDESPar, vetou a mudança, mas não há garantias que uma correlação de forças diferente no banco público no futuro não permita a concretização deste intento.

    foto AN Paraná

    Cadeia produtiva globalizada

    A JBS e a BRFoods são empresas com cadeia de produção globalizada e foram alçadas a tal patamar com injeção vultosa de recursos públicos. Advém daí a pergunta de ouro: se este setor é tão competitivo, por que precisa ser continuamente incentivado? E mais importante: se esta mesma soma de recursos públicos tivesse, diferentemente, sido direcionada para a agricultura familiar, incentivando a produção agroecológica e os mercados institucionais, imaginemos a revolução produtiva e social que teríamos em curso. Ao contrário deste cenário, a situação da agricultura familiar e camponesa em um contexto de contínuos incentivos públicos ao agronegócio é de crescente confinamento.

    Por outro lado, o distanciamento das populações urbanas com a realidade da produção daquilo que consomem só dificulta a pensar para além do imediato. Há uma tendência crescente de preocupação com a saúde na alimentação nos centros urbanos, mas é fundamental enfatizar que mudanças através do consumo têm limites. A maioria das pessoas come o que pode. Dentre as poucas pessoas que podem escolher quais alimentos consumir, menos ainda fazem essas escolhas por motivações sociais ou ambientais. E mesmo quando esse é o caso: quem consegue ter total controle sobre as cadeias produtivas daquilo que come?

    Diante dessa situação, uma primeira ação pode ser a de nos somarmos a iniciativas que aprofundem o tema e não diluam falsamente a complexidade do desafio que temos diante de nós. Há diversas articulações construídas coletivamente no Brasil, como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e a Campanha em Defesa do Cerrado, que dialogam diretamente com a ideia-chave “Comida de verdade no campo e na cidade”. Um pressuposto básico é de que devemos reivindicar reformas estruturais, como a reforma agrária, e programas e políticas públicas de potencial emancipatório para a agricultura familiar. Entender o tamanho do problema envolvido na cadeia industrial da carne deve ser motor de mobilização coletiva e convergência entre as bandeiras de luta no campo e na cidade.

    [1] Integra o Grupo Nacional de Assessoria (GNA) da FASE.

    [2] André Campos (Repórter Brasil). Relações de trabalho e a saúde do trabalhador. Em: Cadeia Industrial da Carne

    [3] Sérgio Schlesinger (FASE). Poucos campeões, muitos perdedores:concentração e internacionalização da indústria brasileira de carnes.

    [4] A transposição e a morte do rio São Francisco (Instituto Humanitas Unisinos).

    [5] A cooperação sul-sul dos povos do Brasil e de Moçambique (FASE).

    [6] Sergio Schlesinger. A cadeia produtiva de carnes no Brasil. Em: Cadeia Industrial da Carne.

    Texto publicado originalmente no site da FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional