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  • Intelectuais brasileiros escrevem carta aberta contra intervenção na Venezuela

    Intelectuais brasileiros escrevem carta aberta contra intervenção na Venezuela

    Professores e intelectuais brasileiros ligados a universidades estaduais e federais divulgaram, neste sábado (23), uma carta aberta contra a intervenção dos Estados Unidos na Venezuela. O manifesto também pode ser assinado por outras pessoas (https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR110834).

    Está marcada para este fim de semana a chegada de comboios americanos ao país que, segundo o governo dos EUA e Juan Guaidó – opositor de Nicolás Maduro reconhecido como presidente interino da Venezuela por Brasil, EUA e outros países – traria comida e medicamentos.

    O governo de Caracas, no entanto, assim como China e Rússia, acreditam que o movimento seja um disfarce para uma intervenção estrangeira. “Trump só quer as riquezas de Venezuela, nosso petróleo, ouro e diamantes”, disse Maduro.
    Na quinta (21), Maduro ordenou o fechamento das fronteiras da Venezuela e, um dia depois, ao menos duas pessoas morreram em confronto com a polícia em Kumarakapay.

    Leia, abaixo, a carta na íntegra:

    Contra a intervenção na Venezuela

    Carta aberta à sociedade brasileira

    Cidadãos brasileiros assistimos, preocupados, a escalada de conflitos contra a vizinha Venezuela, a que, para nossa maior consternação, adere o Brasil governado por J.Bolsonaro.

    Trata-se de momento extremamente perigoso, em que a paz, tão duradoura no sub-continente, se encontra ameaçada pelo governo de D.Trump nos Estados Unidos. A intervenção norte-americana ora se traveste de ajuda humanitária, incluindo a linha seca Pacaraima/Santa Elena entre seus possíveis corredores. Não será demasiado lembrar que instituições concernidas e respeitáveis, tais como a Unesco e a Cruz Vermelha, se recusaram a participar de tal ajuda, apontando o fato básico de que ajuda humanitária se define, sempre, por sua neutralidade e desinteresse, aspectos inexistentes na presente iniciativa norte-americana. Houvesse um grão de verdade nas alegações intervencionistas quanto à crise humanitária na Venezuela, seria de se esperar que os Estados Unidos levantassem o embargo que impuseram àquele país – embargo que responde, em larga medida, à crise em pauta. Como apontam especialistas, sob o pretexto de defesa da democracia – jamais aplicado à Arábia Saudita e a outros aliados fornecedores de petróleo – , os Estados Unidos pretendem avançar sobre a região, em busca do controle de enormes reservas de petróleo.

    Não podemos nos calar diante desta violência, cujos efeitos serão catastróficos para a região. Todos aqueles que conhecem a fronteira Venezuela- Brasil podem testemunhar sua diversidade étnica, sua riqueza cultural, seu delicado ecossistema – feito do encontro único da floresta tropical com a savana –, declarado patrimônio da humanidade pela Unesco. A pequena cidade de Pacaraima, encravada na Terra Indígena São Marcos, é geminada à cidade venezuelana de Santa Elena do Uairén, constituindo um espaço integrado, de intensa mobilidade de pessoas e de circulação de bens – a população, indígena ou não, mantém estreitos vínculos de parentesco, trabalho e residência, de ambos os lados da fronteira. Não podemos permitir que tudo isso seja devastado pelo cálculo e pela arrogância de uma intervenção armada.

    Conclamamos, assim, as forças democráticas na sociedade brasileira a que, efetivamente, se manifestem contra a intervenção armada na Venezuela e, em particular, contra o envolvimento brasileiro nessa desventurada iniciativa, de modo a honrar a tradição pacifista e não-intervencionista do país, inscrita em sua Constituição.

    Declarando toda nossa solidariedade ao povo venezuelano, assinamos:

    Alfredo Clodomir Rolins de Souza, historiador
    Amanda Karoline Vinhort Alves, graduanda em História
    Amnéris Maroni, psicanalista
    André Augusto da Fonseca, historiador
    Andréia Galvão, cientista política
    Ângela Maria Cavalcante Souto, historiadora
    Armando Boito Jr, cientista político
    Associação Nacional de História (ANPUH), seção Roraima
    Bela Feldman-Bianco, antropóloga
    Carla Monteiro de Souza, historiadora
    Centro Acadêmico de História da UERR
    Centro Acadêmico de História da UFRR
    Cleane de Souza Feitosa Schwenck, assistente social
    Comitê Estadual em Defesa da Escola Pública de Roraima
    Cristhian Teófilo da Silva, antropólogo
    Eduardo Caetano da Silva, antropólogo
    Eduardo Gomes da Silva Filho, historiador
    Elaine Moreira, antropóloga
    Eliaquim Timóteo da Cunha, antropólogo
    Emanuel Rabelo, historiador
    Enzo Lauriola, economista
    Érica Marques, advogada
    Fabiano Galetti Faleiros, sociólogo
    Francisco Marcos Mendes Nogueira, historiador
    Gabriel Cambraia Neiva, crítico literário
    Geraldo Andrello, antropólogo
    Gilberto Azanha, antropólogo
    Giuliana Milena C.Araújo, publicitária
    Grupo de Estudos Migratórios na Amazônia (GEMA)
    Herika Fabíola Barros de Souza Oliveira do Valle, historiadora
    Hsteffany Pereira Muniz Araújo, historiadora
    Inara do Nascimento Tavares, antropóloga
    Ítala Maria Lofredo D’Ottaviano, matemática
    João Quartim de Moraes, filósofo
    Kézia da Costa Lima, historiadora
    Larissa Coelho, fundadora da Associação Bolsa de Valores Humanos
    Leila Maria Camargo, cientista social e pedagoga
    Leonardo Rossato Queiroz, cientista social
    Lisa Katharina Grund, antropóloga
    Lucas Endrigo Brunozi Avelar, historiador
    Luiz Maito Jr, historiador
    Luiz Marques Filho, historiador
    Marcelo Phaiffer, pedagogo
    Maria Elisa Ladeira, antropóloga
    Maria Inês Ladeira, antropóloga
    Mariana Castilho, geógrafa
    Mariza Barbosa Araújo, antropóloga
    Mauro William Barbosa de Almeida, antropólogo
    Michael Ganan, tradutor-intérprete
    Nádia Farage, antropóloga
    Paula Marcelino, socióloga
    Paulo Santilli, antropólogo
    Paulo Thadeu Franco das Neves, jornalista
    Raimundo Nonato Gomes dos Santos, historiador
    Sandra Moraes da Silva Cardozo, professora
    Sávio Cavalcante, sociólogo
    Sidney Chalhoub, historiador
    Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Fundações Públicas Federais de Geografia e Estatísticas (ASSIBGE) – Núcleo Sindical de Roraima
    Suely de Oliveira Marques, economista e pedagoga
    Volnei Garrafa, diretor da Cátedra Unesco em Bioética, UnB
  • MILITARIZAÇÃO INFANTIL: AGORA A TURMA DA MÔNICA VAI INCENTIVAR CRIANÇAS A BRINCAREM COM TANQUES DE GUERRA ARMAS, BOMBAS?

    MILITARIZAÇÃO INFANTIL: AGORA A TURMA DA MÔNICA VAI INCENTIVAR CRIANÇAS A BRINCAREM COM TANQUES DE GUERRA ARMAS, BOMBAS?

    Violência na infância é um retrocesso psicopedagógico!

    O coletivo BRADO-NY expressa seu repudio à publicação do almanaque da Turma da Mônica sobre as Forças Armadas. Além de configurar apoio à farsa da intervenção militar no Rio de Janeiro, orquestrada pelo presidente ilegítimo e golpista, Michel Temer, entendemos ser lamentável o uso da tão querida figura da Mônica e de outros personagens que marcaram a infância de muitos brasileiros, que estão retratados segurando tanques de guerra, submarinos e outros objetos que podem, inadvertidamente, incentivar o uso de armas de brinquedo e de brincadeiras violentas, o que representa um retrocesso em relação à psicopedagogia infantil.

    MILITARIZAÇÃO INFANTIL: AGORA A TURMA DA MÔNICA VAI INCENTIVAR CRIANÇAS A BRINCAREM COM TANQUES DE GUERRA ARMAS, BOMBAS? CRIANÇAS NÃO PODEM SER ALVO DE PROPAGANDA DA INTERVENÇÃO MILITAR E DO CONTROLE ABUSIVO DO ESTADO.

     

  • Como a execução de Marielle se encaixa na crise

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com ilustração de Genildo

    Um dos maiores desafios para quem tentar interpretar a realidade no calor das circunstâncias é a compreensão do processo.

    Analisar um evento aqui e outro acolá não é exercício dos mais difíceis. A dificuldade está em conectá-los, em perceber relações de causa e consequência, em entender o “princípio orientador do processo”.

    Por exemplo, não é necessário ser um grande estudioso da política brasileira para saber que a execução da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), em 14 de março de 2018, foi um crime político motivado pela militância da parlamentar em defesa dos direitos humanos e pelas suas denúncias contra a violência policial.

    Mas qual é o lugar do assassinato de Marielle Franco na crise institucional que desde 2013 desestabiliza o sistema político brasileiro?

    Essa é a pergunta que tento responder neste ensaio e, para isso, reconstruo parte da história da crise brasileira, com o objetivo de destacar aquele que, na minha interpretação, é o seu aspecto mais elementar, o seu princípio orientador: a ofensiva do neoliberalismo contra o Estado.

    A quem deve servir o Estado? À sociedade civil ou aos interesses de uma elite financeira que descobriu ser mais lucrativo especular na Bolsa de Valores do que investir na cadeia produtiva?

    O mercado financeiro é instável, perigoso. Do dia para noite fortunas são acumuladas e perdidas. Quem coloca muito dinheiro nessa roleta russa precisa de segurança, de garantia. É por isso que o capital especulativo quer o Estado com contas públicas equilibradas, atuando como fiador da especulação. O rentismo é conservador, não gosta de correr riscos.

    Está aí o núcleo duro da crise, de uma crise que não é apenas brasileira, que é mundial.

    Ainda que a crise seja mundial, não tenho dúvidas de que o Brasil é o seu principal palco de manifestação. Hoje, o Brasil é um laboratório para o experimento neoliberal 3.0. Em nenhuma parte do mundo, os ataques do capital especulativo ao Estado foram tão violentos e chegaram tão longe como aqui.

    É por isso que a presidenta Dilma foi golpeada.

    É por isso que Lula foi condenado e, provavelmente, será preso.

    É por isso que Marielle foi executada.

    O golpe parlamentar que destituiu a presidenta Dilma, o rito jurídico viciado que condenou Lula e a execução de Marielle são partes de um mesmo processo. Não é possível tratá-los como eventos isolados.

    Começamos pelo golpe parlamentar travestido de impeachment.

    Muitas críticas podem ser feitas à presidenta Dilma Rousseff. A desonestidade e o envolvimento com práticas de corrupção não estão entre elas. Mas de nada serviu a conduta pública ilibada da presidenta, pois desde 2011 Dilma estava apostando muito alto.

    Ou, na feliz formulação de André Singer: Dilma “cutucou onças com vara curta”.

    Dilma provocou o sistema financeiro, onça raivosa, na famosa “batalha dos spreads”, quando mandou os bancos públicos reduzirem os juros operacionais.

    Resultado?

    Os bancos privados, para não perderem mercado, tiveram que competir com os bancos públicos e em meados de 2013 a economia brasileira tinha a menor taxa de juros em anos.

    Em setembro de 2013, Dilma sancionou a lei que destinava 75% dos royalties do petróleo para a educação e 25% para a saúde. O texto determinava ainda que 50% do Fundo Social do Pré-Sal seria direcionado para educação.

    Com Dilma, o Estado brasileiro foi longe demais nas suas pretensões de tutelar o desenvolvimento nacional. Soma-se essa ousadia à insistência da presidenta em combater à corrupção da classe política e teremos a explicação para o golpe parlamentar de agosto de 2016.

    O motivo do impedimento foi falacioso, uma invenção, mas bem representativo dos interesses do neoliberalismo. Dilma foi criminalizada por fazer política econômica anticíclica, por preservar a função social e civilizatória do Estado em um momento de crise de acumulação.

    E Lula?

    Por que o golpe neoliberal o persegue tanto se ele foi bem mais tímido que Dilma no confronto aos interesses do neoliberalismo nacional e internacional? Não podemos esquecer que Henrique Meirelles, ministro da Fazenda do governo golpista e principal liderança do neoliberalismo brasileiro, foi presidente do Banco Central durante toda a “Era Lula”.

    A relativa aproximação de Lula com a agenda neoliberal pode ser interpretada de duas formas: como indício de “traição” ou como maturidade política.

    Ou Lula foi um traidor da classe trabalhadora ou foi uma liderança astuta o suficiente para perceber que melhor seria dar os anéis para preservar os dedos. Vale lembrar que Lula não foi golpeado, terminou dois mandatos e elegeu a sucessora.

    Que o leitor e a leitora tirem suas próprias conclusões.

    Mas, seja como for, se por estratégia de sobrevivência política ou se por traição à causa dos trabalhadores, fato mesmo é que nos últimos anos Lula se tornou símbolo de um dos valores fundacionais do imaginário político brasileiro: a definição do Estado como agente provedor de direitos sociais.

    É por isso que Lula é o principal alvo do golpe neoliberal, que com a adesão de parte do Judiciário brasileiro utiliza a narrativa do combate à corrupção como estratégia de perseguição política.

    Ao associar Lula à corrupção, a mídia hegemônica, fábrica de narrativas do golpe neoliberal, pretende vender a imagem de um Estado arcaico que é naturalmente corrupto e corruptor.

    Lula é representado como a personificação desse Estado.

    Se no imaginário popular Lula personifica o Estado provedor de Direitos, na narrativa elaborada pelo golpe neoliberal ele representa um Estado patrimonialista e corrupto.

    E a solução para o problema? Simples: prender Lula e desmontar o Estado, o que na prática significam dois objetivos de um mesmo projeto. Por isso, o golpe neoliberal não fecha sem a completa destruição política e simbólica de Lula.

    Já a execução de Marielle se deu num outro momento da cronologia da crise, quando o golpe neoliberal, nas vésperas das eleições (ao que tudo indica, teremos eleições), tenta ganhar alguma popularidade, visando sua legitimação eleitoral.

    A intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro é a última cartada do governo golpista visando a legitimação eleitoral do golpe neoliberal, que sendo uma conspiração palaciana, em nenhum momento teve a sanção popular, como mostram todas as pesquisas de opinião, segundo as quais a aprovação de Michel Temer é uma margem de erro, algo próximo a zero.

    A população brasileira, cujo imaginário político é atravessado pela ideia de que cabe ao Estado prover direitos, reprova as reformas neoliberais efetivada na marra pelo governo golpista.

    Por isso, a Reforma da Previdência não passou, nem sequer chegou perto disso. Os deputados não quiseram colocar suas assinaturas num projeto tão impopular nas vésperas de uma eleição. A resistência não ocorre apenas nas ruas, fazendo greve e fechando o trânsito. A resistência acontece também no plano do imaginário.

    Por outro lado, as mesmas pesquisas mostram que a “Segurança Pública” já é a principal preocupação dos brasileiros, dado que é mais do que relevante em ano de eleição. As pessoas estão assustadas, querendo respostas.

    Por isso, está acontecendo a tal intervenção federal no Rio de Janeiro. O governo golpista não quis ficar refém do fracasso da Reforma da Previdência, o que o tornaria um cadáver político apodrecendo em praça pública até janeiro de 2019, quando (espero) tomará posse o novo governo, um governo eleito.

    Mas o que o assassinato de Marielle tem a ver com isso?

    Tudo!

    A vereadora Marielle Franco seria a relatora de uma comissão parlamentar destinada a acompanhar os rumos da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro.

    Como socióloga especialista no tema, Marielle era uma crítica da intervenção, pois sabia perfeitamente que militares na rua só servem para aumentar a violência, sempre mais violenta nas comunidades carentes, sempre mais violenta com pessoas pobres e pretas.

    Como liderança política de esquerda, Marielle sabia perfeitamente o que estava em jogo com a tal intervenção.

    Por isso, Marielle foi morta, com quatro tiros na cabeça, sem nenhuma tentativa de dissimulação.

    Marielle foi silenciada, pois seria uma voz poderosa na denúncia do golpe, na denúncia da estratégia do golpe em utilizar a intervenção no Rio de Janeiro como palanque político, visando transformar Michel Temer num candidato viável ou, no mínimo em um cabo eleitoral influente.

    A morte de Marielle está sendo politizada por todos os lados, como não poderia deixar ser. Afinal, foi uma morte política.

    O golpe neoliberal tem uma narrativa para a morte de Marielle, que está sendo difundida pelo seu porta-voz, pelo departamento de jornalismo da Rede Globo: Marielle seria mais uma vítima da violência urbana no Rio de Janeiro, o que justifica a intervenção, o que confirma a necessidade da intervenção. Essa narrativa violenta a trajetória pública de Marielle Franco. É uma segunda execução. O cinismo golpista não tem limites.

    O campo progressista também tem suas narrativas: Marielle era mulher, negra, lgbt, socialista, favelada e, por isso, foi assassinada, executada, simplesmente executada. É como se os assassinos estivessem dando um recado para os iguais de Marielle: “Fiquem nos seus lugares e calados!”.

    A narrativa progressista está incompleta, pois falta a conexão do evento ao processo, da morte da Marielle ao movimento do golpe neoliberal.

    A narrativa progressista falha quando polariza com o bolsonarismo, quando trata o bolsonarismo como o grande inimigo da democracia brasileira.

    Segundo uma pesquisa da FGV, apenas 8% das postagens que na internet comentaram a morte de Marielle tiveram conteúdo ofensivo. Jair Bolsonaro não tem a adesão de 50% da população brasileira. Acredito mesmo que quando as urnas forem abertas, ele não terá mais do que 15% dos votos, o que em si já é um problema civilizacional gravíssimo, mas tá longe de ser uma situação de polarização eleitoral.

    De todos os sentimentos humanos, o ódio é o mais barulhento e, por isso, tendemos a superestimá-lo.

    A polarização é outra: de um lado estão aqueles que defendem o protagonismo do Estado na gerência do desenvolvimento nacional. Do outro lado, estão as forças motoras do golpe neoliberal, estão “os do Mercado”.

    Também não se trata de uma polarização eleitoral, pois a agenda neoliberal é rejeitada pela população brasileira. Hoje, nenhum candidato que defenda explicitamente as reformas neoliberais seria eleito. Disso todos têm certeza, com a exceção de Rodrigo Maia, Henrique Meirelles e Michel Temer, que parecem viver em uma realidade paralela.

    A polarização tem a forma de um conflito, de um conflito violentíssimo, pois o neoliberalismo controla as forças policiais, controla a grande imprensa, controla os três poderes da república. O neoliberalismo golpeia, condena sem provas e mata.

    O impedimento ilegal de Dilma, a condenação de Lula e a execução de Marielle representam o golpe neoliberal em movimento. O golpe neoliberal não é um evento. É um processo.

     

  • A espetacularização de Temer

    A espetacularização de Temer

    Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia*

    É sempre difícil escrever estando no olho do furacão. Li muitas opiniões sobre a tal intervenção no Rio de Janeiro. Opiniões de gente que respeito, de gente que não respeito tanto. Tem teoria de tudo quanto é tipo.

    Divido as opiniões mais correntes em três grupos:

    1) As que estão marcadas pelo trauma.

    Sempre que os militares entram no jogo vem à tona os traumas de 1964. É natural, pois 21 anos de ditadura marcam qualquer sociedade. Mas insisto que são duas conjunturas completamente diferentes. Na década de 1960, as Forças Armadas tinham agenda própria, representada pela Doutrina da Segurança Nacional, que na bipolaridade da Guerra Fria era cultivada no Exército brasileiro desde o final da Segunda Guerra Mundial, com a fundação da Escola Superior de Guerra.

    Hoje, não existe agenda específica para os militares, a não ser, talvez, a manutenção dos seus privilégios previdenciários, o que não creio ser o suficiente para justificar a adoção de um papel protagonista na dinâmica da crise. Isso não quer dizer, é claro, que não seja possível a militarização da crise. Mas se isso acontecer (talvez já esteja acontecendo) será com o Exército assumindo a posição de guarda pretoriana dos interesses neoliberais.

    Não é possível ler 2018 com as lentes de 1964.

    2) As que apresentam entusiasmo com a “resistência carioca”.

    Há os que acreditam que o governo golpista resolveu intervir no Rio de Janeiro por conta de desfile de escola de samba e da faixa que na porta da Rocinha dizia que se Lula fosse preso a “favela ia descer”. Esta tese apresenta o Rio de Janeiro como um reduto da resistência ao golpe, algo que acho, no mínimo, exagerado, pra não dizer que é uma total viagem. Eu queria muito acreditar nesta explicação, muito mesmo, mas acho completamente irreal. Analista responsável não pode brigar com a realidade, não pode projetar seus desejos na realidade.

    O Rio de Janeiro é o Estado do bolsonarismo, é a capital que elegeu Marcelo Crivella como prefeito, a terra de Eduardo Cunha e Rodrigo Maia. O desfile da Paraíso do Tuiuti foi lindo, catártico, mas é apenas um refresco, um acalanto, com potencial reduzidíssimo (pra não dizer nulo) de desestabilização do golpe.

    Para que uma faixa esteja em algum lugar basta que alguém a tenha colocado lá. Duvido muito que a favela esteja disposta a descer pra ação direta em defesa de Lula. Muitas dessas pessoas até votariam em Lula, mas descer pro asfalto e levar porrada da PM são outros quinhentos. O próprio lulismo, diferentemente do que fez o chavismo na Venezuela, não fomentou esse tipo de sentimento.

    3) As que associam a intervenção à reforma da previdência.

    Alguns afirmam que o governo golpista está querendo fazer fumaça para mascarar a derrota na votação da reforma da previdência. Essa é uma hipótese mais plausível, mas não sei se faz muito sentido também. No que ajudaria essa fumaça no caso da não aprovação da reforma? O fato objetivo de que a reforma não foi aprovada não mudaria. O que o governo ganharia com isso?

    Na mesma linha de raciocínio, outros acreditam que se trata de uma tentativa de modificar o calendário eleitoral, visando, justamente, a aprovação da reforma da previdência. É que os parlamentares não querem colocar suas assinaturas num projeto tão impopular nas vésperas da eleição. Aqui consigo ver mais lógica, pois essa seria a única chance real de aprovação da reforma. Com as eleições agendadas para o ano que vem, talvez, os parlamentares ficassem mais encorajados, contando que a propaganda do governo e o tempo os salvassem da ira dos eleitores.

    Mas aí o argumento também parece não fechar: o calendário eleitoral seria modificado por conta de um crise localizada no Rio de Janeiro? Seria o bastante para catalizar uma articulação dessa natureza? Quando o Jucá disse que tava tudo combinado, com o Supremo e com tudo num grande “acordo nacional”, ele estava se referindo à destituição de Dima. Esse grande acordo ainda estaria valendo?

    Minha interpretação:

    Michel Temer e seus aliados mais leais perceberam que o golpe não conseguiu encontrar um candidato viável; ao que parece a candidatura de Huck não decolou, morreu antes de nascer, as velhas raposas do PSDB estão queimadas, Dória mostrou-se instável e imprevisível, o passado petista de Marina Silva pode atrapalhar. Existe aqui um espaço a ser ocupado.

    Temer decidiu, então, catapultar o próprio nome, apresentando a si mesmo como o candidato do golpe ou como cabo eleitoral influente. Pra isso, nada melhor do que criar uma agenda positiva, espetacularizando aquele que hoje, na visão da maior parte da população brasileira, é o grande problema da nação: a segurança pública. Pra esse espetáculo, por razões óbvias, nenhum palco é melhor que o Rio de Janeiro.

    (*) Com charge de Nicolielo

  • Nota de esclarecimento a população sobre a intervenção militar

    Nota de esclarecimento a população sobre a intervenção militar

    A Federação de Favelas do Rio é uma instituição sem fins lucrativos fundada em 1963 para lutar contra as remoções do governo Lacerda e a implantação da ditadura militar no Brasil em 1964. Dessa forma, alertamos que essa nova intervenção militar não começou ontem, anteriormente tivemos as UPP’s (unidades de policia pacificadora), as operações respaldadas sob a GLO ( Garantia da lei e da ordem) e PLC 464/2016 que passa para a justiça militar a responsabilidade de julgar as violações cometidas pelos integrantes das forças armadas em suas intervenções.

    Essas mesmas forças intervencionistas estiveram recentemente em missões de paz no Haiti e favela da Maré onde podemos observar que grande parte das ações foram marcadas por violação de direitos humanos.

    Nesse processo vale salientar que os investimentos em militarização superam os investimentos em políticas sociais. A ocupação da Maré custou 1,7 milhões de reais por dia perdurando por 14 meses envolvendo 2500 militares, tanques de guerra, helicópteros, viaturas, sem apresentar resultados efetivos tanto para as comunidades quanto para o país. Em contra partida nos últimos 6 anos só foram investidos apenas 300 milhões de reais em políticas públicas voltadas para o desenvolvimento social.

    Apesar de todo esse aporte financeiro investido na intervenção militar na Maré podemos observar que essa ação foi totalmente ineficaz, pois lá as facções criminosas ainda lutam pelo controle da região oprimindo os trabalhadores e trabalhadoras que lá vivem.

    O que a favela precisa na verdade é de uma intervenção social, que inclusive contaria com a participação das forças armadas. Precisamos de escolas e creches, hospitais, projetos de geração de emprego e renda e políticas sociais voltadas principalmente para juventude. Precisamos de uma intervenção que nos traga a vida e não a morte. O exército é uma tropa treinada para matar e atuar em tempos de guerra. As favelas nunca declararam guerra a ninguém.

    A favela nunca foi e nem jamais será uma área hostil. Somos compostos de homens e mulheres trabalhadoras que com muita garra e dignidade lutam pelo pão de cada dia. Somos a força de trabalho que move a cidade e o país. A ocupação de uma parcela das comunidades por marginais ocorre justamente pela ausência do estado em políticas públicas que possam garantir o desenvolvimento de nossas favelas.

    Nos últimos 54 anos a FAFERJ vem lutando por democracia nas favelas do Rio. Lá a ditadura ainda não acabou. Ainda vemos a polícia invadindo residências sem mandados, pessoas sendo presas arbitrariamente ou até mesmo casos de desaparecimento como o caso Amarildo que repercutiu mundialmente.

    Para finalizar gostaríamos de reafirmar que as intervenções militares são caras, longas, e ineficazes até mesmo do ponto de vista da segurança pública. Sugerimos que essas tropas sejam movimentadas para patrulharem as fronteiras do Brasil, pois é de conhecimento notório que é de lá que chegam as armas e as drogas que alimentam o comercio varejistas de entorpecentes nas comunidades cariocas. Sugerimos também que se faça uma grande intervenção social nas favelas do Rio de Janeiro. Precisamos apenas de uma oportunidade para provar que somos a solução que o Brasil tanto precisa para se desenvolver e tornar-se um país mais justo para todos e todas.
    Favela é potência! Favela é resistência!

    Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro.