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  • Reforma Trabalhista: Verdades, Meias Verdades e Mentiras

    Reforma Trabalhista: Verdades, Meias Verdades e Mentiras

    1 Meia verdade: A Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, tem 74 anos. Está ultrapassada, obsoleta.

    Verdade: A CLT foi instituída em 1943, mas não está congelada desde então. Ela sofreu 233 alterações até 2016.

    “Como aconteceu com outros conjuntos de leis (Código Civil, por exemplo), a CLT foi sendo alterada historicamente por meio de leis, decretos, emendas constitucionais e medidas provisórias.

    Foram promovidas 233 alterações até 2016, 75% das quais ocorreram pela via legislativa.”

    2 Mentira: Criaremos mais empregos com a desregulamentação, com a flexibilização, com a modernização da legislação trabalhista.

    Verdade: A experiência internacional e mesmo a experiência brasileira demonstram que não se criam mais empregos retirando direitos dos trabalhadores.

    “Apesar de reformas iguais ou similares terem provocado em outros países aumento do desemprego e da desigualdade, com efeitos nefastos à organização dos trabalhadores, os que a defendem continuam a insistir na “quebra” da alegada rigidez para que o emprego se amplie, apontando para o encontro das vontades individuais como espaço normativo privilegiado.”

    Dois estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2015, reforçam: “Os resultados confirmam: não há significância estatística na relação entre rigidez da legislação trabalhista e nível de emprego. Ao contrário: países onde a desregulamentação cresceu, o nível de desemprego aumentou no período; onde a regulamentação se intensificou, o desemprego caiu no longo prazo.”

    Sessão que aprovou a Reforma Trabalhista no Senado, 11/07/2017 – por Vinícius Borba

    3 Meia Verdade: As pessoas são livres e devem negociar sem a interferência do poder público.

    Verdade: O desenvolvimento dos direitos trabalhistas, desde o século XIX, é fruto da evidente desigualdade de poder entre empregado e empregador.

    “O idioma do trabalho livre foi instrumentalizado para impedir qualquer intromissão do poder público nas relações de trabalho, em nome da vontade dos contratantes, supostamente livres e iguais para celebrarem acordos de caráter privado, sem mediações estatais.”

    “Partindo da compreensão da desigualdade como elemento fundante da relação capital e trabalho, o direito do trabalho buscou limitar o arbítrio privado patronal e “civilizar o capital”, instituindo normas de ordem públicas irrenunciáveis e inafastáveis pela vontade individual das partes visando, assim, a compensar minimamente essa desigualdade.”

    4 Mentira: A Justiça do Trabalho promove insegurança jurídica inibindo o crescimento e o investimento.

    Verdade: O enfraquecimento da Justiça do Trabalho desequilibra o poder em favor do capital e sua acumulação.

    “Nos chamados conflitos individuais, a participação da Justiça do Trabalho é fundamental para acolher as demandas e garantir que a lei seja cumprida, mantendo um mínimo de equanimidade numa relação entre partes com forças sabidamente desiguais.”

    11/07/2017 Sindicalistas protestam contra a reforma trabalhista – Foto: José Cruz/Agência Brasil

    5 Meia verdade: Há um excesso de ações na Justiça do Trabalho.

    Verdade: Metade das ações na Justiça do Tralho tem origem no não pagamento dos direitos do trabalhador na sua demissão.

    “O excesso de demandas trabalhistas no Brasil é, na realidade, fruto do descumprimento sistemático de direitos essenciais dos trabalhadores brasileiros.”

    “Segundo dados do relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça-CNJ para 2016, 49,43% das demandas trabalhistas, computada toda a Justiça do Trabalho, decorrem do não pagamento das verbas rescisórias pelos empregadores quando das despedidas, seguidas dos pedidos de pagamento de horas extras prestadas e do reconhecimento do vínculo de emprego em relações burladas.”

    6 Meia verdade: A reforma tem caráter econômico e busca o interesse dos trabalhadores e empregadores.

    Verdade: A reforma é uma disputa política, que contempla unicamente o interesse dos empregadores.

    “A bandeira da “modernização” das relações de trabalho oculta um passado que, mais uma vez, se ancora no presente. A primazia do negociado sobre o legislado, o desmonte da CLT e o ataque à Justiça do Trabalho voltam à agenda política em nome da defesa da segurança jurídica, do combate ao ativismo jurídico e em prol da justiça social. Trata-se de uma ideologia que precisa ser desvelada.”

    Sessão que aprovou a Sindicalistas protestam contra a Reforma Trabalhista no Senado, 11/07/2017 – por Vinícius Borba

    7 Meia verdade: Com menos leis e mais negociação é possível adaptar direitos às situações diferentes de mercado.

    Verdade: A reforma está sendo imposta pelo capital, sem discussão com os trabalhadores, e pretende, com supressão de leis, estabelecer contratos precários e rebaixar direitos.

    “[…] a reforma em curso desfere um golpe mortal no direito do trabalho pois, em vez de reconhecer a assimetria das relações entre capital e trabalho, supõe que o contrato de trabalho constitui um contrato entre “iguais”. Trata-se, desse modo, de criar as condições para prevalência do mercado na determinação da relação de emprego, submetendo os indivíduos ao assalariamento conforme a correlação de forças vigente em cada setor de atividade ou conjuntura. Ora, o mercado, como sabemos, é promotor de desigualdades e não de igualdade. Na ausência de proteção social, consagra-se a prevalência do mais forte, o que expõe os trabalhadores a uma série de riscos e inseguranças.”

    8 Mentira: o excesso de direitos de alguns implica ausência de direitos da maioria.

    Verdade: As reformas, que suprimem direitos dos trabalhadores, sempre provocam aumento do desemprego e da desigualdade.

    “Trata-se de um discurso perverso, que facilita a aceitação do combate aos direitos universais e dificulta a oposição às propostas neoliberais. Em primeiro lugar, ele traz implícita a tese de que a culpa pela desigualdade social, pelo desemprego e pela informalidade é dos trabalhadores protegidos pela legislação. Ora, cumpre esclarecer que contratos diferenciados colocam os trabalhadores em concorrência uns com os outros, degradam as condições de trabalho em vez de uniformizá-las, criam diferentes graus de cidadania. Em segundo lugar, ele contribui para jogar os trabalhadores uns contra os outros, minando sua solidariedade e enfraquecendo a resistência ao desmonte e ao rebaixamento de direitos.”

    11/07/2017- Sindicalistas no Congresso em protesto contra a reforma trabalhista – Foto: José Cruz/Agência Brasil

    9 Mentira: O aumento da produtividade só será alcançado se reduzindo os custos do trabalho.

    Verdade: A produtividade tem relação com investimentos, com pesquisa, com treinamento, com padrões sociais mais altos.

    “Não existe apenas um conceito de produtividade, mas vários. Ele pode ser compreendido como uma forma de maximizar o uso de recursos: equipamentos para expandir mercados, aumentar o emprego, ampliar os ganhos reais de salários e melhorar os padrões de vida da sociedade. Mas também pode ser visto como uma forma de assegurar ganhos imediatos, sem a introdução de mudanças mais sistêmicas. Essa concepção parte do pressuposto de que só a quantidade de trabalho está em condições de variar, portanto, a redução dos custos do trabalho constitui o principal objetivo a ser alcançado. Essa é a visão que predomina atualmente entre os empresários.”

    10 Mentira: Menor custo de mão de obra significará mais investimentos.

    Verdade: Reduções de salários provocam queda no consumo, queda na demanda e diminuem a atratividade dos investimentos.

    “O comportamento do mercado de trabalho influencia diretamente a própria demanda agregada, tendo consequências sobre a pobreza, a desigualdade e a distribuição de renda. A redução dos empregos formais amplia as inseguranças e a precariedade, produzindo um forte impacto sobre o mercado de consumo, pois os trabalhadores tendem a gastar o que ganham. O estreitamento do mercado de consumo pela ausência de demanda forçará, necessariamente, um processo de reconcentração de renda em mãos do capital, comprometendo o próprio desenvolvimento e aumentando os níveis de pobreza. Além disso, com a queda brutal do consumo, setores inteiros deixam de produzir internamente e migram para outros mercados mais rentáveis. Se não há mercado para os seus produtos, não haverá novos investimentos privados. Paradoxalmente, se todas as empresas seguirem o mesmo caminho, reduzindo direitos e salários a pretexto de impulsionar o mercado competitivo, o principal resultado será a perda de mercado interno para a recessão e a redução do poder de compra da maioria da população.”

    Nota

    Os parágrafos entre aspas fazem parte do Dossiê Reforma Trabalhista, do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho do Instituto de Economia da Unicamp. A íntegra está disponível em: http://www.cesit.net.br/dossie-reforma-trabalhista/

  • A “crise” da Previdência é mais uma balela

    A “crise” da Previdência é mais uma balela

    A maioria de nós, quando imagina o que é a Previdência Social, pensa em uma caixa ou em um fundo de investimentos, onde é guardado nosso dinheiro, que recolhemos enquanto estamos na ativa como trabalhadores, para quando estivermos mais velhos podermos recebê-lo de volta na forma de aposentadoria.

    Alguns também acreditam que a Previdência Social é como uma seguradora, em que muitos pagam para garantir o “seguro” ou a aposentadoria daqueles que já atingiram certo tempo de contribuição ou certa idade.

    Dentro dessas ideias está embutida a noção de que é preciso contribuir para formar uma “poupança” para ter direito a receber no futuro. Mais ainda, está implícito que se a “poupança” for insuficiente haverá uma “crise”, pois não será possível pagar de volta os trabalhadores que se aposentam. A não ser que o governo resolva assumir “deficits” astronômicos para sustentar os velhos.

    E cá estamos nós diante da “crise” que demanda uma reforma da previdência, não é mesmo?

    Bem, nessa altura é preciso saber que esses conceitos acima sobre a Previdência estão errados. A Previdência não é um fundo de investimentos, não guarda a contribuição dos trabalhadores, não é uma seguradora e não é uma poupança.

    Em certo momento da história do capitalismo, tomou-se a decisão política de proteger a velhice, de “transferir” alguma renda para aqueles que não podiam mais ser produtivos, que não conseguiam mais participar do mercado de trabalho.

    Essa transferência de renda precisava ser financiada de algum modo. Precisava ser criado um ou mais “impostos” para custear essa “transferência”. Ressaltemos, aqui, que é exatamente isso que a Previdência é: uma cobrança de impostos seguida de uma transferência para aqueles que a sociedade politicamente decidiu que tinham direito a recebê-la.

    Mas a Previdência não guarda meu dinheiro para quando eu me aposentar?

    Não. Sua contribuição é como qualquer imposto que entra no caixa do governo e sai para pagar as despesas, nesse caso as aposentadorias. E não é só a sua contribuição que compõe esse montante para pagar os aposentados. Além da contribuição dos trabalhadores que estão na ativa, agregam-se as contribuições das empresas e alguns impostos, como a COFINS, que é uma sigla para Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social e a CSLL, sigla da Contribuição Sobre Lucro Líquido.

    Aliás, a COFINS e a CSLL foram criadas porque houve a decisão política que o governo, na condição de empregador dos funcionários públicos, também deveria contribuir para que os brasileiros tivessem alguma renda na velhice.

    A Previdência tem deficits enormes que, no futuro, serão insustentáveis, não é verdade?

    Bem, essa questão do deficit da Previdência precisa ser entendida de uma vez: quando se soma as contribuições dos trabalhadores com a contribuição das empresas e os impostos (contribuições) criados para financiar a seguridade social não há deficit. Acontece que os sucessivos governos, desde Collor, resolveram chamar essa contribuição do governo, que é custeada pela Cofins, CSLL e outros impostos, de deficit.

    Há inúmeros economistas que reafirmam que o “deficit” divulgado pelo governo e pelos meios de comunicação não passam de um mecanismo para convencer a população a, não só não reivindicar mais benefícios, como aceitar cortes de direitos.

    Os próprios auditores fiscais, reunidos na ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal, concordam que o governo só considera as contribuições dos trabalhadores e das empresas para o cálculo do resultado da Previdência. Veja o que diz o presidente da ANFIP, Vílson Romero: “É preciso ser considerada também a arrecadação de outras contribuições sociais, como por exemplo a Contribuição Sobre Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins)”.

    Então a previdência não está e não estará em “crise” no futuro?

    “Uma vez aceita a verdadeira natureza previdenciária de cobrança, contemporânea, de imposto, e transferência via pagamento de benefício, a ideia de uma “quebra da previdência” perde seu sentido lógico. Afinal, isso só seria possível caso houvesse uma acumulação de ativos que deveria fazer frente a compromissos fixos de remuneração futura e uma incompatibilidade atuarial entre tais ativos e compromissos explicitaria tal ‘‘quebra’’,” apontam Bastos e Oliveira (2017).

    A verdade é que estamos sendo ameaçados por uma “crise” que só existe na cabeça de quem quer retirar direitos dos trabalhadores e voltar ao nível civilizatório de séculos passados. A expressão “crise” não é adequada para descrever uma decisão política, tomada pela sociedade, de tributar uma parcela da sociedade, empresas e trabalhadores na ativa, para transferir como renda para aposentados e pensionistas.

    O que se pode e se deve é rever essa decisão, de tempos em tempos, para adequar essa repartição. Para isso, é preciso levar em conta o perfil populacional, a maior longevidade da população como temos ouvido, mas também outras variáveis econômicas como a produção do país por habitante (produto per capita), o nível de emprego, o salário real, dentre outras.

    As decisões devem ser tomadas a partir do impacto social que terão entre aqueles que pagam e aqueles que recebem. Decisões tomadas às pressas, sob a espada de uma “crise” inexistente, não levarão em conta todos os aspectos necessários para alcançar maior justiça social.

    Não estamos retirando da sociedade recursos que poderiam virar investimentos?

    Aqui é preciso compreender que o mecanismo de tributação-transferência devolve os recursos para a sociedade. Os aposentados e pensionistas, ao receberem suas pensões, irão gastá-las, possivelmente a totalidade, em consumo para suas subsistências e de suas famílias.

    Nas palavras de Bastos e Oliveira, a redistribuição de renda tem o efeito de, ao aumentar o consumo, tornar os investimentos mais atraentes: “… a redistribuição de renda decorrente, possivelmente elevaria a propensão a consumir da economia, o que, tendo o PDE [Princípio da Demanda Efetiva] como válido, estimularia o investimento e, com isso, o emprego, o crescimento da produtividade e a renda per capita”.

    Em resumo

    “Se por um lado o envelhecimento populacional é um fato em diversos países, isso não implica que a contrapartida deva ser no sentido de restringir os benefícios previdenciários. A equação financeira do sistema pode e deve ser mantida pela perseguição de políticas de pleno emprego que garantam elevadas taxas de crescimento do produto, aumentando a base de tributação.” (Bastos e Oliveira)

    Notas

    1 Esse texto se apoiou no estudo A verdadeira natureza macroeconômica do sistema

    público de contribuição da previdência social, de Carlos Pinkusfeld Bastos e Bruno Rodas Oliveira, ambos do Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, disponível em: http://www.ie.ufrj.br/images/pesquisa/publicacoes/discussao/2017/tdie0152017bastosoliveira.pdf

    2 O site da ANFIP tem muitas informações e uma longa apresentação sobre a Previdência Social: www.anfip.org.br