O jovem Heverton Enrique Siqueira, 20 anos, está preso desde o dia dez de outubro, após ter sido reconhecido, como um dos assaltantes do roubo de um carro na região de Sapopemba, zona leste de São Paulo. A família do jovem presenciou a prisão e denuncia o erro de reconhecimento, por isso, luta para provar a inocência de Heverton.
O advogado de defesa de Heverton, Dr. Ricardo André de Souza, recebeu da vítima um testemunho, registrado em cartório, no qual, consta a informação que os policiais da ocorrência teriam forçado a vítima a testemunhar e reconhecer o jovem na delegacia.
A vítima escreveu uma carta onde relata que foi ao 69° DP (onde foi registrada a ocorrência), em 11 de outubro, mas chegando lá, soube que só poderia fazer a retificação do Boletim de Ocorrência com o mesmo delegado que conduziu o registro do documento, o senhor Daniel Bruno F. Colombini.
Na carta, consta ainda o pedido claro de retificação: “venho por esta carta me retificar pelo ocorrido no dia 10-10-2019, como foi tudo muito rápido entre o roubo e a elucidação do caso, coisa de 30 a 40 minutos, eu ainda me encontrava muito abalado e nervoso” e a vítima ainda completa: “posso afirmar com certeza que Heverton e [seu amigo menor de idade] não são autores desse delito”.
Carta na qual a vítima explica erro no reconhecimento / Foto: reprodução
Carta na qual a vítima explica erro no reconhecimento / Foto: reprodução
No dia da prisão, o reconhecimento foi positivo somente após Heverton colocar o capuz, uma exigência dos policiais, ação que contraria a normativa que rege a forma como deve ser feito o reconhecimento: a vítima tem que reconhecer o suspeito após descrevê-lo e “se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la”, ou seja, sem fatores que influenciem para o reconhecimento de alguém em específico.
Heverron está no terceiro ano do ensino médio e pode se formar este ano. Seu principal plano para o futuro é ir morar com a namorada em uma casa que estão reformando e que ganharam dos pais da jovem. Mas agora tudo depende de desfazer essa terrível injustiça e provar que ele não participou de crime. Nos últimos meses Heverton, além de ir à escola, entregava currículos em busca de emprego e revendia roupas com um amigo.
Heverton Foto: arquivo pessoal
Mais sobre o caso
Segundo informações captadas no Boletim de Ocorrência, na manhã do dia 10 de outubro, a vítima do roubo, que trabalha como motorista, chegou na casa da mãe e após estacionar, saindo do carro, foi surpreendido por dois homens que saíram de trás de um veículo escolar. Daí consta no B.O “ao olhar um dos indivíduos achou que [era] seu amigo, por ser muito parecido com um conhecido, e quando foi cumprimentá-lo este anunciou o roubo. Subtraíram três telefones celulares, um de uso pessoal, um que usa para trabalhar com aplicativos e outro obsoleto que estava dentro do carro. A vítima afirma que os criminosos entraram no veículo, determinaram que andasse até o fim da rua e foram embora. A vítima andou até o fim da rua, depois retornou e na casa da mãe e ligou para a Policia Militar”.
O carro foi encontrado cerca de trinta minutos, abandonado aproximadamente a 400 metros de onde ocorreu o roubo e devolvido para a vítima.
A irmã do jovem, Layliane Cristina Siqueira, conta que Heverton acordou cedo no dia e seguiu com sua rotina normal, se banhou e tomou café. Por volta das 08h09 ele realizou uma vídeo-chamada com a namorada e os três permaneceram algum tempo conversando pelo celular. Mais tarde, por volta das 09:30h, ele saiu para fumar um cigarro, em uma praça próxima de casa, onde encontrou um amigo, ficando ali até serem abordados pela polícia.
Conversa de heverton com a namorada logo antes dele sair
Conversa de heverton com a namorada logo antes dele sair
Segundo o depoimento dos policiais do caso, a procura era por “um negro aparentando ser adolescente com camisa azul e amarela, e outro também jovem pardo com blusa clara”. Na praça, encontraram Heverton e seu amigo, que é menor de idade, e os abordaram “questionaram ambos, que afirmaram que estavam na praça e iriam para a escola, porém não estavam com nenhum material escolar”.
Em depoimento Heverton apontou que “não sabe o motivo pelo qual foi reconhecido, o que aconteceu? e qual relação isso teve com estar de laranja?”
O menor evidentemente foi apreendido. Em depoimento contou que “saiu de casa para ir à escola e que não levou nenhum material escolar porque teria festa no local e que chegou na escola e não tinha ninguém.” De lá seguiu para casa da avó e depois foi até a praça onde ficou “conversando com seu amigo Heverton, que mora perto de casa”. A escola onde estudam os dois, a E.E. Professor Arthur Chagas Junior, confirmou que naquele dia houve uma festa, em comemoração ao Dia das Crianças.
A abordagem foi presenciada pela irmã, que tentou explicar aos policiais que Heverton esteve em casa durante a manhã. Mas bastou o racismo estrutural incutido do Oiapoque ao Chuí do Brasil, para que a cor da pele, a raça, a classe, batesse com a descrição inicial da vítima e assim, serem levados para averiguação na 69º D.P, de lá para cá, Heverton não saiu mais detrás das grades.
Nem mesmo os celulares roubados estavam com eles ou foram encontrados. Heverton segue encarcerado, tendo a vida dilacerada e ainda assim, resistindo e aguardando o julgamento. Até quando?
Procuradores da força-tarefa da Lava Jato usaram vazamentos com o objetivo de manipular suspeitos, fazendo-os acreditar que sua denúncia era inevitável, mesmo quando não era. O intuito, eles disseram explicitamente em chats do Telegram, era intimidar seus alvos para que eles fizessem delações.
Além de eticamente questionável, esse tipo de vazamento prova que o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, mentiu ao público ao negar categoricamente que agentes públicos passassem informações da operação. Dallagnol participou de grupos nos quais os vazamentos foram planejados, discutidos e realizados. Em um deles, o próprio coordenador efetuou o tipo exato de vazamento que ele negou publicamente que partisse da força-tarefa.
Um exemplo ilustrativo desse método ocorreu relativamente cedo nas operações. Em 21 de junho de 2015, o procurador da Lava Jato Orlando Martello enviou a seguinte pergunta ao colega Carlos Fernando Santos Lima, no grupo FT MPF Curitiba 2, que reúne membros da força-tarefa: “qual foi a estratégia de revelar os próximos passos na Eletrobrás etc?”. Santos Lima disse não saber do que Martello estava falando, mas, com escancarada franqueza, afirmou: “meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração.”
Pela lei das organizações criminosas (que estipulou regras para as delações premiadas), o acordo só pode ser aceito caso a pessoa tenha colaborado “efetiva e voluntariamente”. Mas o procurador confessou aos colegas que usava a imprensa para forjar um ambiente hostil e, com isso, conseguir delações por meio de manipulação — o que interfere em seu caráter voluntário.
21 de junho de 2015 – Grupo FT MPF Curitiba 2
Orlando Martello – 09:03:04 –CF(leaks) qual foi a estratégia de revelar os próximos passos na Eletrobrás etc?
Santos Lima – 09:12:21 – Nem sei do que está falando, mas meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração.
Santos Lima – 09:15:37 – Li a notícia do Flores na outra lista. Apenas noticia requentada.
Santos Lima – 09:18:16 – Aliás, o Moro me disse que vai ter que usar esta semana o termo do Avancini sobre Angra
Martello – 09:25:33 – CFleaks, não queremos fazer baem Angra e Eletrobrás? Pq alertou para este fato na coletiva?
Martello – 09:26:00 – Para não perder o costume?
A conversa ocorreu dois dias depois da 14ª fase da Lava Jato (voltada às empreiteiras Odebrecht e Andrade Gutierrez). Os procuradores estavam debatendo estratégias para conseguir um acordo de delação com Bernardo Freiburghaus, apontado como operador de propinas da Odebrecht. Freiburghaus escapou da operação, porque havia se mudado para a Suíça em 2014 e já havia contra ele uma ordem de prisão preventiva com alerta da Interpol.
No chat, Santos Lima assume, sem qualquer constrangimento, que vazava informações para a imprensa. Além disso, o seu próprio comentário, insinua que se tratava de uma prática habitual, dado que ele se refere aos vazamentos no plural — “meus vazamentos”. E o procurador afirma com aparente orgulho e convicção que agia assim com objetivos bem definidos: induzir os suspeitos a agirem de acordo com seus interesses.
Carlos Fernando dos Santos Lima, quando era membro da Lava Jato: ‘meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração’.
Foto: Adriano Vizoni/Folhapress
É relevante ressaltar que o comentário do procurador não suscitou qualquer manifestação dos outros membros da Lava Jato. No decorrer das conversas, os demais membros do grupo permaneceram calados.
No mesmo dia, Deltan e Orlando anunciaram no chat terem vazado a informação de que os Estados Unidos iriam ajudar a investigar Bernardo para repórteres do Estadão, como forma de pressionar o investigado. Eles estavam antecipando a um jornalista uma movimentação da investigação. Foi Dallagnol o responsável pelo vazamento, como mostra sua conversa como o repórter do jornal.
21 de junho de 2015 – Chat privado
Deltan Dallagnol – 11:43:49 – O operador da Odebrecht era o Bernardo, que está na Suíça. Os EUA atuarão a nosso pedido, porque as transações passaram pelos EUA. Já até fizemos um pedido de cooperação pros EUA relacionado aos depósitos recebidos por PRC. Isso é novidade. Vc tem interesse de publicar isso hoje ou amanhã,SUPRIMIDO, mantendo meu nome em off? Pode falar fonte no MPF. Na coletiva, o Igor disse que há difusão vermelha para prendê-lo, e há mesmo. Pode ser preso em qualquer lugar do mundo. Agora com os EUA em ação, o que é novidade, vamos ver se conseguimos fazer como caso FIFA com o Bernardo, o que nos inspirou.
A conversa prossegue, e o repórter avisa que a matéria sobre a ajuda dos americanos no caso Odebrecht (que não estava formalizada à época) seria manchete do Estadão no dia seguinte.
De volta ao grupo FT MPF Curitiba 2, uma conversa entre os dias 21 e 22 detalha as intenções da força-tarefa em relação a Bernardo:
21 de junho de 2015 – Grupo FT MPF Curitiba 2
Deltan Dallagnol – 20:33:52 – Amanhã cooperação com EUA pro Bernardo é manchete do Estadão
Dallagnol – 20:34:00 – Confirmado
Carlos Fernando dos Santos Lima – 20:55:16 – Tentei ler, mas não deu. Amanhã vejo. Vamos controlar a mídia de perto. Tenho um espaço na FSP, quem sabe possamos usar se precisar.
A informação vazada pela força-tarefa de fato virou manchete do jornal, e os métodos de pressão sobre o delator são retomados pouco depois, no mesmo chat:
22 de junho de 2015 – Grupo FT MPF Curitiba 2
Deltan Dallagnol – 01:56:40 – Acho que temos que aditar para bloquear os bens dele na Suíça
Dallagnol – 01:56:48 – Conta, Imóvel e outros ativos
Dallagnol – 01:57:00 – Ir lá e dizer que ele perderá tudo
Dallagnol – 01:57:20 – Colocar ele de joelhos e oferecer redenção. Não tem como ele não pegar
Capa do jornal Estado de S. Paulo em 22 de junho de 2015.
No fim das contas, a estratégia fracassou, e Bernardo Freiburghaus não delatou.
O que faz disso ainda mais relevante é que Dallagnol tem negado publicamente que os membros da Lava Jato tenham feito qualquer vazamento. Numa entrevista para a BBC Brasil, após um discurso que ele proferiu em Harvard, em abril de 2017, Dallagnol “disse que agentes públicos não vazam informações — a brecha estaria no acesso inevitável a dados secretos por réus e seus defensores”. Quando perguntado diretamente se a força-tarefa havia cometido vazamentos, o procurador respondeu: “Nos casos em que apenas os agentes públicos tinham acesso aos dados, as informações não vazaram”.
A assessoria de imprensa da Lava Jato negou que os procuradores tenham vazado informações no caso do Estadão, dizendo ao Intercept que a força-tarefa “jamais vazou informações sigilosas para a imprensa, ao contrário do que sugere o questionamento recebido”. Para justificar essa negativa, a força-tarefa argumenta que uma informação passada à imprensa deve ser ilegal ou violar uma ordem judicial para ser caracterizada como “vazamento”. Nesse sentido, a força-tarefa argumenta que o material enviado por Dallagnol ao Estadão não violou, na sua visão, nem a lei nem ordem judicial, e que por isso não pode ser considerado vazamento.
Entretanto, essa reportagem não alega nem sugere que Dallagnol ou Santos Lima tenham cometido o crime de violação do sigilo funcional ou desobedecido ordens judiciais ao vazar para a imprensa informações que não eram de conhecimento público. O argumento da reportagem é que eles fizeram exatamente o que Dallagnol afirmou à BBC que nunca faziam: vazaram informações privilegiadas sobre as investigações que o público e a mídia desconheciam para atingir seus objetivos.
‘Alguma chance de soltarmos a notícia da GOL?’
Para defender Dallagnol das evidências claras de que ele mentiu, a força-tarefa está tentando inventar uma nova definição de “vazamento”, um significado que só considera vazamento o que envolve uma violação da lei ou de uma ordem judicial. Mas não é isso que a maioria das pessoas entende como vazamento. Em sua entrevista à BBC Brasil, Dallagnol não negou que a força-tarefa realizasse vazamentos ilegais: ele negou que a força-tarefa tenha realizado quaisquer vazamentos: “agentes públicos não vazam informações”, ele disse, completando: “Nos casos em que apenas os agentes públicos tinham acesso aos dados, as informações não vazaram”.
A insistência da força-tarefa de que nunca realizou nenhum vazamento é especialmente bizarra tendo em vista que o próprio Santos Lima alardeou ter feito exatamente isso, usando a justamente palavra vazamento: “meus vazamentos objetivam sempre fazer com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar a colaboração”, escreveu, o que demonstra que nem os próprios procuradores entendem a palavra “vazamento” da forma que eles agora definem. Além disso, em sua conversa com o repórter do Estadão, Dallagnol descreveu a informação que ele estava enviando, sobre a proposta de colaboração com os EUA, como “novidade”, e por essa razão insistiu que a informação que ele enviou só poderia ser publicada “mantendo meu nome em off”. Se a informação já era pública, como defende a Lava Jato por meio de sua assessoria, por que pedir off?
Além disso, a própria nota enviada ao Intercept admite que os procuradores adiantaram uma ação da investigação ao Estadão – uma informação privilegiada, portanto, ainda que não protegida por sigilo judicial formalizado. “O único caso mencionado na consulta à força-tarefa se refere a uma reportagem do Estadão que combinava dados disponíveis em processos públicos e uma informação nova, igualmente sem sigilo, sobre possíveis estratégias que se cogitavam adotar no futuro, em relação à formulação de pedido de cooperação a ser enviado, o que não caracteriza vazamento”, diz a nota. De fato, a colaboração com a Suíça citada na reportagem era pública, mas a “informação nova” (o pedido de ajuda aos EUA que foi a manchete do jornal) não era pública porque nem sequer havia sido formalizada até a publicação do texto.
Dessa forma, a negativa da força-tarefa de que os procuradores fizeram exatamente o que Deltan falsamente insistiu que nunca fizeram — vazar para a mídia informações que não eram de conhecimento público — é desmentida pelas próprias palavras dos procuradores, conforme publicadas no chat acima, em que eles mesmos descrevem suas ações como “vazamentos”. É também desmentida pela insistência de Dallagnol ao repórter que as informações passadas ao Estadão não fossem atribuídas a ele. É desmentida ainda pelos repetidos episódios em que os procuradores admitem ter vazado à mídia informações sobre as investigações, quase sempre usando especificamente a palavra “vazamentos” que eles agora buscam redefinir. E é desmentida, por fim, pela nota enviada ao Intercept.
VAZAMENTO SELETIVO
Deltan Dallagnol à BBC: ‘Nos casos em que apenas os agentes públicos tinham acesso aos dados, as informações não vazaram’.
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
ESSES VAZAMENTOS NÃO ERAM casos isolados. Em 2016, procuradores da Lava Jato falavam abertamente sobre o uso de “vazamento seletivo” para mídia com a intenção de influenciar e manipular um suposto pedido de liberdade para o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha:
12 de dezembro de 2016 – Grupo Filhos do Januario 1
Carlos Fernando dos Santos Lima – 18:45:31 – Recebi do russo : Off recebi uma notícia que não sei se é verdadeira que haveria uma articulação no STF para soltura do Cunha amanhã
Roberson Pozzobon – 18:51:49 – Essa info está circulando aqui a PGR tb
Santos Lima –19:00:58 – Alguma chance de soltarmos a notícia da GOL?
Costa – 19:01:35 – vazamento seletivo …
Os diálogos provam que ele mentiu à BBC. A negativa aconteceu depois de Dallagnol ter participado de várias conversas nas quais seus colegas de força-tarefa discutiram explicitamente fazer aquilo que ele negava publicamente. Isto é, promover vazamentos e usar a mídia para seus próprios interesses. Ironicamente, o próprio Dallagnol observou à BBC o quão complexa é a tarefa de provar que houve vazamentos, pois, segundo ele, os envolvidos sempre negam: “É muito difícil identificar qual é o ponto (de origem do vazamento), porque se você ouvir essas pessoas, elas vão negar”, afirmou.
As conversas fazem parte de um pacote de mensagens que o Intercept começou a revelar em 9 de junho — série conhecida como Vaza Jato. Os arquivos reúnem chats, fotos, áudios e documentos de procuradores da Lava Jato compartilhados em vários grupos e chats privados do aplicativo Telegram. A declaração conjunta dos editores do The Intercept e do Intercept Brasil (clique para ler o texto completo) explica os critérios editoriais usados para publicar esses materiais.
Aqui estamos diante de mais um enredo repetido de prisão injusta, e nem mesmo a liberdade provisória foi concedida. Essa é a realidade de duas famílias que lutam para provar a inocência de seus filhos. Marcos e Pedro são os novos presos que protagonizam mais uma história cotidiana de gente que sofre com as injustiças do Sistema de “Justiça” Brasileiro. Ambos são motoboys e foram detidos dentro da pizzaria em que trabalham, no Jardim São Jorge, Zona Oeste de São Paulo, em 23 de julho.
A acusação: roubo de 1 celular. O fato: o aparelho foi recuperado na pizzaria em que Marcos Mykael Silva dos Santos, 20 anos, e Pedro Justino de Amorim Jr, 32 anos, também detido, trabalham. Marcos achou o celular enquanto voltava de uma entrega e deixou com chefe para que o proprietário buscasse. A policia é quem buscou o celular. E levou os dois presos.
Para a mãe não existiria motivo para que Marcos roubasse: “ele tem o que ele quer, é independente, tem moto e celular: tudo pago com seu próprio trabalho O celular estava em péssimas condições, então me diga, para que Marcos iria querer um celular todo quebrado? Ainda por cima, mantendo o chip no aparelho. A primeira coisa que quem rouba é tirar o chip e desativar o rastreador”.
O julgamento do caso será em Outubro.
O caso
Segundo informações do inquérito policial, Marcos e Pedro foram presos por volta das 23h40, em flagrante, em 23/07 enquanto estavam na Pizzaria, da Rua Doutor Erício Alvares de Azevedo Gonzaga.
Segunda a família de Marcos, o jovem havia passado a noite realizando entregas. Às 21h encontrou um celular na esquina da Av. Joaquim de Santana x R. Gen. Asdrúbal Da Cunha. Em seguida chegou na pizzaria onde mostrou o aparelho para o chefe e seguiu fazendo entregas guardou o celular consigo. Horas depois a Polícia localizou o celular (pelo rastreador), daí então a razão de terem ido à pizzaria efetuar as prisões.
O dono da pizzaria acompanhou os dois, após a prisão e confirmou o relato no boletim de ocorrência“estava em seu local de trabalho, momento em que o entregador de pizza Marcos, ao retornar de uma entrega lhe mostrou um aparelho celular e informou que encontrou referido aparelho caído na rua e que o referido aparelho estava bloqueado, que na sequência a polícia compareceu ao local e deteve dois funcionários”.
Segundo o depoimento da vítima no BO o crime aconteceu as 20h, quando “estava no banco do passageiro do veículo conduzido por sua genitora, momento em que uma motocicleta de cor roxa, ocupada por dois indivíduos se aproximou e tais pessoas anunciaram o assalto, que os dois indivíduos, tanto o piloto, quanto o garupa portavam armas. Exigiram os pertences pessoais, aparelho celular e a chave do veículo e que após o assalto os roubadores se evadiram. Que através do rastreador do celular conseguiu identificar onde o aparelho estava” e “informou ao delegado de polícia as características físicas dos roubadores, tais como compleição corporal, cor de pele e detalhes como barba, bigode e cavanhaque, bem como características das vestimentas. Que informou ainda que os assaltantes estavam com os capacetes apenas na parte de cima da cabeça, ou seja, os capacetes não cobriam a face” e por final, “apontou com absoluta certeza as pessoas de Marcos Mycael Silva dos Santos e Pedro Justino de amorim Junior como sendo os roubadores”.
Os métodos policiais
Ainda conforme informações do Boletim de Ocorrência foi per meio do rastreador do celular que a polícia chegou até a pizzaria. Lá a policial Alessandra Fernandes da Silva que fez as prisões contou que “localizaram os indivíduos Marcos e Pedro na pizzaria e questionou de quem era uma motocicleta, na cor roxa, que estava estacionada do lado de fora do estabelecimento? Pedro disse que era sua e questionado sobre o referido roubo disse que não sabia de nada” e com eles “nenhuma arma de fogo foi localizada”. De lá foram levados para a 89° Delegacia de Polícia (DP), sem resistência, mesmo tendo negado qualquer envolvimento com o crime em questão.
As mentiras da polícia
A mãe de Marcos foi avisada sobre a prisão e seguiu para a delegacia.
Ao chegar no 89° DP, do Jardim Taboão, soube que “quem forneceu os detalhes da ocorrência para o texto do boletim foi a policial militar, Alessandra Fernandes da Silva” que “ficou aguardando a chegada da vítima. Alessandra conversou com a vítima, descreveu Marcos e Pedro dizendo – “vai lá e fala que foram eles. Já estão aqui. O celular estava nas mãos deles, então foi eles”.
As busca por justiça
Logo após as prisões, uma intensa mobilização tirou o sono das famílias: a busca diária por formas de provar que Marcos e Pedro são inocentes não tem intervalo, por isso as famílias acessaram a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio – que atua em apoio às famílias e vítimas de violência policial. A Rede já tinha atuado em um caso similar, no mesmo bairro, no começo do ano.
Ao mesmo tempo que procuravam a Rede as famílias recorreram aos tribunais para pedir a liberdade e apresentar a versão de Marcos e Pedro. Na última sexta, 16, as famílias e a Rede realizaram um ato pelas ruas da região contando sobre o caso e denunciando o risco que comunidades periféricas estão sujeitas diante da violência do Estado.
Ato pela liberdade de Marcos e Pedro, 16/08
Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Ato pela liberdade de Marcos e Pedro, 16/08
Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Ato pela liberdade de Marcos e Pedro, 16/08
Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
O ato faz parte é uma das ações rotineiras da Rede. Além de procurar conscientizar as pessoas sobre seus direitos, o apoio em denunciar violações é a principal linha de atuação adotada.
Por todo trajeto, que durou cerca de uma hora, o caso ecoou pelas ruas.
Uma mãe fala de seu filho
A mãe de Marcos tem procurado reunir provas que indicam a inocência de seu filho: além de levar o dono da pizzaria para testemunhar a favor, as imagens das câmeras da região também são alvo da pedido judicial. Ela conta que a moto de Pedro, apontada como a utilizada para cometer o crime, não é roxa, é azul. Com base no GPS da motocicleta, ela apresentou ainda, o itinerário que Marcos fez durante a noite, enquanto realizava entregas. O aparelho indica que ele passou a noite toda realizando entregas e que na hora do roubo, como indicado no boletim estava na Pizzaria.
Comandas de pedidos de pizza entregues por Pedro e Marcos mostram que eles estavam na pizzaria aguardando para realizarem pedidos diferentes durante o horário do roubo. Outra inconsistência apresentada pela mãe é o local do roubo ser o mesmo do endereço da pizzaria.
Marcos tinha planos para o futuro, pensava em abrir seu próprio negócio: abrir uma tabacaria. A mãe segue nessa luta. A mãe é uma mulher desesperada para ver o fim de uma tragédia que nunca imaginou que poderia viver, especialmente, envolvendo o filho.
Por Lucas Martins, Katia Passos e Emílio Lopez, dos Jornalistas Livres
Na última terça-feira, 16/07, Y e A, dois adolescentes de 16 e 17 anos, respectivamente, foram presos em São Paulo, acusados de roubar um carro, na Praça General Porto Carrero, bairro do Jaguaré, zona oeste. Mas a história não é tão simples e clara assim. Os garotos e suas famílias negam veementemente a autoria do crime. Será mais um capítulo de injustiça contra pobres?
Por isso, na segunda (22), moradores, professores, familiares dos meninos, amigos e o coletivo Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio organizaram um ato nas ruas da favela São Remo, local onde os jovens nasceram e cresceram. O objetivo da manifestação foi denunciar mais essas duas prisões, sem crimes, sem provas, de pessoas pobres que não têm e nunca tiveram envolvimento com nenhum ato ilícito em suas vidas. Pelo contrário, um dos meninos é inclusive um atleta participante da Taça das Favelas e foi recentemente entrevistado na televisão, pela rede Globo. Mas, infelizmente, histórias com esse enredo não causam o mesmo interesses aos veículos da mídia tradicional. Por isso, coletivos organizados por equipes voluntárias e a sociedade civil, têm importância fundamental na visibilidade de situações de genocídio, violência e de injustiça como é o caso dessa. A Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, presente nesses territórios, consegue ter uma importantíssima atuação contra o silenciamento de diversos casos, no apoio às famílias vítimas e claramente apavoradas com essas atrocidades, temendo retaliação por parte da própria Polícia dos territórios onde habitam, e sobretudo, no acompanhamento diário, do começo ao fim da história, até o desfecho e in loco.
Marisa Fefferman, da Rede pontua: “a insegurança e o medo perpassam essas comunidades e isso aumenta cada vez mais. Existe sim um alvo. A metodologia da rede de proteção é andar pela favela, ver quem são os parceiros, é mostrar uma mãe falando pela comunidade que isso não acontece só com o filho dela”. Ainda sobre a institucionalização dessas histórias de injustiça e violência, Marisa explica: “a Rede tem um grupo de trabalho com o Ministério Público para discutir o controle interno das Polícias, com representantes da Secretaria de Segurança Pública, da Ouvidoria e da Defensoria. É um canal aberto e o nosso caminho para a tratativa desses casos é formaliza-los no MP.”
Manifestantes carregam flores durante ato, na comunidade São Remo, na zona oeste de São Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Sobre o destino atual de Y e A, a rede tem acompanhado, junto com as meninas, a internação dos meninos na Fundação Casa, unidade Brás, na capital paulista. O caso foi apresentado ao Ministério Público na última quinta (18) e a partir dessa data, o órgão tem até 45 dias para apresentar o caso a um juiz.
Entenda os detalhes do caso
Em depoimento ao advogado de defesa, os jovens saíram de casa para encontrar a namorada de um deles. A moça também reside na região.
Em mensagens trocadas entre o casal, pelo aplicativo Whatsapp, a moça justifica o pedido para que o amigo do namorado o acompanhasse:
20h35 – “se ele tiver pede pra ele vim com vc amor, pra minha amiga da uns bjs nele pra ele dá uma atenção pra ela ela ta mal”.
Na continuação:
20h44 – mensagem do namorado, um dos jovens apreendidos: – “veremos isso na hora que eu chegar ai”.
Chegaram. Segundo depoimento ao advogado que os defende, em frente a casa da jovem, por volta das 21h38. Dois minutos depois foram apreendidos pela polícia.
Os adolescentes A e Y se declaram inocentes e apresentam outra versão que contradiz completamente o texto do Boletim de Ocorrência (BO) realizado pela vítima por detalhes importantes de logística, temporalidade e um aparelho celular. Segundo o documento, a vítima, uma Policial Militar, estacionou o carro na Praça, e logo após descer foi “abordada por dois indivíduos” que a colocaram no carro e partiram. É relatado, ainda, que, na Av. Presidente Altino uma viatura perseguiu o carro, mas não conseguiu alcançá-lo, perdendo-o na Av. Dracena. Segundo a vítima ela conseguiu fugir do carro após um dos assaltantes, que estava no banco traseiro, sair do veículo.
Ainda no Boletim de Ocorrência, consta que, após sair do veículo, “correu em direção a um carro da Yellow, pedindo auxílio, sendo que neste momento o motorista do carro da Yellow abriu a porta e a vítima entrou”. No documento está registrado, também, que na “Rua Onófrio Mileno, Jaguaré, localizaram o veículo parado e próximo havia três indivíduos (…) que saíram correndo empreendendo fuga, sendo dois dos indivíduos alcançados”, isso teria ocorrido, segundo o BO, às 21:40h.
Já na 91° DP a vítima reconheceu A e Y e recuperou o carro. Consta no relato que foi encontrada a chave do veículo com o jovem de 16 anos, mas não o celular, que também foi roubado.
A defesa
O advogado dos jovens confronta a versão policial com a geolocalização dos dois quando foram abordados.
Segundo o registro do celular eles estariam na Rua Três, há mais de 200 metros de onde a versão policial os coloca e também questiona o paradeiro do celular da vítima, que, até agora, não foi localizado. Segundo a defesa, a pesquisa em imagens de câmeras existentes pelo trajeto pelo qual os jovens passaram, será realizada, ação que poderá elucidar e trazer liberdade aos meninos.
A mobilização
Logo após a prisão, as famílias e conhecidos começaram a se mobilizar para provar a inocência dos jovens. O professor de futebol Lula Santos, do Projeto Social Escolinha de Futebol do Catumbi, e que mora na São Remo junto com as famílias e a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, que atua em casos de violação de Direitos Humanos em São Paulo, organizaram um ato nesta segunda, 22, que circulou pelas ruas onde os dois jovens moram.
O professor deixa claro o que acha que motivou a prisão “estamos sem voz e estão prendendo pessoas inocentes pelo tom da pele”. Y, o jovem de 16 anos, também é negro.
O professor Lula Santos Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Y e A nasceram na favela São Remo, que fica ao lado da Cidade Universitária, em uma região valorizada da capital. Mesmo estando ao lado da Universidade de São Paulo, a USP, maior do país, as condições da comunidade são precárias.
A manifestação
O ato começou em frente à casa do jovem Y, por volta das 10h30. Um dos presentes foi Marcelo Dias também preso injustamente ano passado. Emocionado, chorou e contou brevemente sua história: “acordei cedo para vim, em solidariedade a essa família, essas duas famílias. Minha mãe também passou por isso e eu sei a dor que a família está passando nesse momento. A importância, gente, de nos estarmos aqui é muito grande. Essa comunidade precisa sair daí. Precisa vir para a luta junto com essa família”.
Uma luta que não se restringe ao tema do encarceramento em massa no país. A luta de quem vive em territórios hostis como o da favela São Remo é dura, é preciso apelar, gritar e apelar muito por direitos básicos, para se ter uma vida minimamente decente.
Antes do ato caminhar pelas ruas da favela, Iracema, mãe de A, mostrou a casa onde mora com o marido e o filho. Três cômodos: um quarto, um banheiro e a sala que também é cozinha. Separados do filho por oito dias, contam como era a vida como educam A, a partir da própria realidade de suas vidas. Arlindo, pai de A, sofreu um AVC e tem mobilidade reduzida, por isso, o filho sempre está presente para ajuda-lo: “nunca é fácil, mas agora tá pior. Acordar e não ver ele. Quem fazia comida para mim, esquentava. Agora não faz mais. Sempre foi caseiro”.
Iracema, veio de Pernambuco para São Paulo com 14 anos. Trabalha desde os 16 anos na mesma casa, como empregada doméstica: “trabalho em casa de família. Não deixo faltar nada, dentro das minhas condições. Tudo vem do suor do trabalho de diarista, e falo para ele: seja assim igual a sua mãe”. Enquanto conta sua história, Iracema mostra a chave da casa dos patrões como símbolo da confiança.
Iracema, mãe de A mostras foto do filho
Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Iracema, mãe de A mostras a camisa do Santos, time do filho
Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Quando as pessoas começaram a caminhar no ato quem puxava as palavras de ordem era o professor Lula, que convidava as pessoas para se somarem à passeata.
Depois de alguns minutos de trajeto as pessoas pararam de andar para que discursos em tom de denúncia pudessem ser feitos. Lula explicou a situação “não é justo o que estão fazendo com os nossos meninos. No geral, com todas a comunidades. Todas as comunidades, o que estão fazendo? Oprimindo todas as comunidades, as favelas ao nosso redor. Peço um minutinho de vocês, de atenção. Venham um pouquinho para a rua. Vamos somar aqui, mostrar para as pessoas que temos voz. A favela tem voz”.
Manifestantes carregam flores durante ato, na comunidade São Remo, na zona oeste de São
Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Manifestntes em ato pela liberdade dos jovens, na comunidade São Remo, na zona oeste de São Paulo
Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Amigos dos jovens durante ato
Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Manifestantes carregam flores durante ato, na comunidade São Remo, na zona oeste de São Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Mãe de Y, Maria Invone
Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Manifestante chora durante ato Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Em seguida Leandro, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Butantã alertou: “nos vemos casos como esse em todas as periferias, pessoas sendo presas injustamente e hoje a AOB e a comissão de direitos humanos se solidarizam com esses meninos que foram presos injustamente. Vemos que o processo hoje não tem as duas versões, só existe a versão da polícia”.
O ato seguiu até o campo de futebol da comunidade. Uma escolha simbólica para contrastar os sonhos dos meninos com o pesadelo que vivem.
Os dois jogam e amam por futebol. Iracema conta, enquanto mostra as chuteiras furadas de tanto uso, que o filho, além de ser um Santista roxo, tem o futebol como sua maior paixão.
Y e A treinam com Lula no campo da comunidade. Ali o menino Y tornou possível um dos seus maiores desejos, jogar no Pacaembu. Os dois participaram de testes para jogar na Taça das Favelas São Paulo, torneio que reuniu 32 times masculinos e 16 femininos de várias favelas da cidade. A não conseguiu jogar por questões médicas, mas Y passou e realizou o sonho de entrar no estádio, não como torcedor, mas como atacante.
Iracema, mãe de A mostras as chuterias do filho Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Maria Ivone entrou em campo, como o filho, mas para defendê-lo: “tem muito jovem injustiçado, somente porque mora em comunidade. Somente porque não tiveram a oportunidade estar fora deste lugar. Mas também quero pedir que as mães, os pais que estiverem vendo essa passeata se comovam. Botem a mão no coração, porque hoje sou eu, mãe, que estou aqui, hoje, clamando e pedindo ajuda. Amanhã pode ser você, nenhum dos nossos filhos estão sendo respeitados. Nós não estamos aqui somente para chamar atenção porque é meu filho. É porque são da comunidade São Remo”.
Manifestantes no campo Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
O ato seguiu para a área externa do campo e prosseguiu entre as palavras de ordem e uma trilha sonora que também servia como apelo por justiça: Racistas Otários, dos Racionais MC’s, e Eu só quero é ser feliz, de Cidinho E Doca.
A manifestação foi encerrada em frente a porta da casa de A. Aluta pela liberdade dos meninos não para por aqui, por isso, uma reunião que discutirá os próximos passos, já está agendada para a próxima sexta (26/07) e terá a presença de membros da comunidade, advogados e coletivos contra o genocídio da população pobre preta e periférica.
A juíza Gabriela Hardt, da 13ª Justiça Federal de Curitiba, condenou nesta quarta-feira, 6, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a 12 anos e 11 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, referentes a obras realizadas por empreiteiras em um sítio em Atibaia (SP), no processo da Operação Lava Jato. Lula ainda foi condenado ao pagamento de R$ 423.152,00, equivalente a 212 dias-multa no valor de 2 salários mínimos por dia, e proibido de exercer cargo público ou integrar a direção de empresas pelos próximos 24 anos e 2 meses. Outros 10 réus também foram condenados.
Em nota, o advogado de Defesa do ex-presidente, Cristiano Zanin, afirmou que a decisão é totalmente arbitrária, e só reforça, mais uma vez, o uso perverso das leis e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política, prática reputada como “lawfare”. E disse ainda que vai levar, mais uma vez, ao conhecimento do Comitê de Direitos Humanos da ONU em Genebra, na Suíça, que poderá julgar o comunicado ainda neste ano — e eventualmente auxiliar o país a restabelecer os direitos de Lula. Como ele vem fazendo desde 2016.
Segundo Zanin, a sentença segue a mesma linha proferida pelo ex-juiz Sérgio Moro, que condenou Lula por convicção e delação premiada, sem ele ter praticado qualquer ato de ofício vinculado ao recebimento de vantagens indevidas, ou seja, sem ter praticado o crime de corrupção que lhe foi imputado. “Novamente, a Justiça Federal de Curitiba atribuiu responsabilidade criminal ao ex-presidente tendo por base uma acusação que envolve um imóvel do qual ele não é o proprietário, um “caixa geral” e outras acusasões referenciadas apenas por delatores generosamente beneficiados”.
O advogado explica que a decisão, mais uma vez desconsiderou as provas de inocência apresentadas pela defesa de Lula nas 1.643 páginas das alegações finais protocoladas há menos de um mês, no dia sete de janeiro desse ano, — com exaustivo exame dos 101 depoimentos prestados no curso da ação penal, laudos técnicos e documentos anexados aos autos. “Chega-se ao ponto de a sentença rebater genericamente a argumentação da defesa de Lula fazendo referência a “depoimentos prestados por colaboradores e co-réus Leo Pinheiro e José Adelmário” (p. 114), como se fossem pessoas diferentes, o que evidencia o distanciamento dos fundamentos apresentados na sentença da realidade”, cita em outro trecho da nota.
O fato de Lula ter sido condenado “pelo recebimento de R$ 700 mil em vantagens indevidas da Odebrecht” mesmo a defesa tendo comprovado, por meio de laudo pericial elaborado a partir da análise do próprio sistema de contabilidade paralelo da Odebrecht, que tal valor foi sacado em proveito de um dos principais executivos do grupo, o presidente do Conselho de Administração, é um absurdo para Zanin. “Esse documento técnico foi elaborado por auditor e perito com responsabilidade legal sobre o seu conteúdo, e comprovado por documentos do próprio sistema da Odebrecht, mas foi descartado sob o censurável fundamento de que “esta é uma análise contratada por parte da ação penal, buscando corroborar a tese defensiva” — como se toda demonstração técnica apresentada no processo pela defesa não tivesse valor probatório”. Ou seja, não valesse como prova.
Em outro trecho da nota, Zanin diz que Lula foi condenado pelo crime de corrupção passiva por afirmado “recebimento de R$ 170 mil em vantagens indevidas da OAS” no ano de 2014, quando ele não exercia qualquer função pública, e que a despeito do reconhecimento já exposto, não foi identificado pela sentença qualquer ato de ofício praticado pelo ex-presidente em benefício das empreiteiras envolvidas no processo. “Foi aplicada a Lula uma pena fora de qualquer parâmetro das penas já aplicadas no âmbito da própria Operação Lava Jato — que segundo julgamento do TRF4 realizado em 2016, não precisa seguir as “regras gerais” — mediante fundamentação retórica e sem a observância dos padrões legalmente estabelecidos” finaliza.
No mesmo dia em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é capa no jornal francês L’Humanité como um possível candidato ao Nobel da Paz, na terça-feira 29, ele é terminantemente proibido pela Justiça Federal de ir ao velório de seu irmão mais velho Genival Inácio da Silva, 79 anos, carinhosamente chamado de Vavá, que morreu devido a um câncer. No dia seguinte, quarta 30, quando o ministro do STF Dias Toffoli liberou a ida de Lula à São Bernardo, já era tarde demais: Vavá já estava sendo sepultado e enterrado.
Nem quando Lula foi preso por 24 dias durante a Ditadura Militar, em 1980, por liderar uma greve no ABC Paulista, ele deixou de ter este mesmo direito garantido, e foi liberado a comparecer ao velório de sua mãe, Eurídice Ferreira, conhecida também carinhosamente como “Dona Lindu”, pelo diretor-geral do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), Romeu Tuma.
Vítima de perseguição política desde suas primeiras atuações como metalúrgico sindicalista, o lawfarecom Lula se intensifica após o período de seu mandato presidencial, culminando em sua prisão e, mais uma vez, em um direito gravemente cerceado que acomete não só ao ex-presidente, mas ao Estado de Direito, aos Direitos Humanos e à Democracia brasileira. Sobre isso, o advogado de defesa de Lula, Cristiano Zanin, concedeu entrevista exclusiva aos Jornalistas Livres, nesta matéria.
Pela Lei de Execução Penal 7210/84, Lula deveria ter seu direito assegurado desde o primeiro pedido de sua assessoria de defesa jurídica para o superintendente da Polícia Federal do Paraná em Curitiba, conforme parágrafo único, imediatamente após a morte de Vavá. O artigo 120 da Lei, que consta na petição, é claro:
“Os condenados que cumprem pena em regime fechado ou semi-aberto e os presos provisórios poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes fatos:
I – falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão;
Parágrafo único. A permissão de saída será concedida pelo diretor do estabelecimento onde se encontra o preso.”
Ainda de acordo com a petição dos advogados de Lula, “a Lei de Execução Penal é ancorada na proteção constitucional dada à família (CF/88, art. 2262) e em aspectos humanitários, tornando imperioso, e com o devido respeito, o acolhimento do pedido ora formulado”.
Ou seja, não haveria a necessidade de uma ação judicial para além da PF, submetida ao Ministério da Justiça, na qual Sérgio Moro, o mesmo ex-juiz que prendeu o ex-presidente e que dizia publicamente que nunca seria político, é o ministro. Para a presidenta do PT e deputada federal Gleisi Hoffman, Moro deve explicações à sociedade brasileira sobre a declaração de incompetência da PF para levar Lula ao velório e enterro de seu irmão Vavá. E complementa: “Eu fico pensando qual é a estrutura da Polícia Federal para combater o crime organizado nesse país, se a mesma polícia não tem condições de prover a segurança pra que uma pessoa vá ao velório e enterro de seu irmão”.
Visto que o tempo era curto e a Polícia Federal não se manifestava, a defesa de Lula entrou imediatamente com pedido de liberação também na 12ª Vara Criminal em Curitiba, mas a juíza Carolina Lebbos expediu intimação para o Ministério Público Federal se manifestar, antes da apreciação judicial. O MPF, por sua vez, pediu para a PF se manifestar com prazo de um dia. A defesa peticionou nos autos chamando a atenção para a ausência de necessidade de manifestação do MPF, no caso, e para o quanto a demora significa perigo de perecimento do direito.
Na madrugada de quarta, Carolina Lebbos negou o requerimento de Lula. No despacho, ela afirma que a decisão final cabe à Polícia Federal, que alegou dificuldades logísticas para fazer a viagem. Além de “indisponibilidade de transporte aéreo em tempo hábil”, pois os helicópteros estariam todos em Brumadinho (MG), atuando na tragédia anunciada da Vale, o delegado Luciano Flores de Lima alegou “ausência de policiais disponíveis para assegurar a ordem pública” e “perturbações à tranquilidade da cerimônia fúnebre pelo aparato necessário para levar Lula”.
A defesa recorreu, mas, com o mesmo argumento, o desembargador de plantão do TRF-4, Leandro Paulsen, manteve a proibição, pois considerou haver possibilidade de confronto entre apoiadores e opositores do ex-presidente. O pedido chegou até o Supremo Tribunal Federal, nas mãos de Tóffoli, que liberou a ida de Lula a São Bernardo para encontrar exclusivamente com os seus familiares, em uma Unidade Militar, somente quando Vavá já estava sendo sepultado e enterrado, o que parece um tanto sádico.
E, assim como em tantas outras situações que o ex-presidente vem sendo extorquido de seus direitos, como por exemplo estar preso sem trânsito em julgado por causa da ação do “Tríplex no Guarujá”, ter tido sua candidatura à presidência, legal, impugnada pelo TSE mesmo após intervenção da ONU, conceder entrevistas à imprensa, ter visitas religiosas e de Fernando Haddad na condição de advogado, Lula não pôde se despedir de seu ente querido na qual mantinha laços afetivos paternais por ser seu irmão mais velho e muito presente em sua vida.
“O Lula hoje é mais que um preso político. Lula hoje é um refém de uma lógica perversa que impõe ao tratamento que é dado a ele uma forma de sinalização pra tentar intimidar todos e todas deste país que tem coragem de insurgir. Se Lula quisesse ter fugido, ele teria fugido antes de se entregar, em abril do ano passado. Mas Lula não fugiu e nunca teve essa intenção porque acredita que poderá provar sua inocência”, disse o líder do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Pimenta, em ato de protesto pela proibição da ida do ex-presidente ao velório do irmão.
EXCLUSIVA com ZANIN
Sobre as decisões que claramente ferem princípio de dignidade humana do ex-presidente e o lawfare que ele vem sofrendo, o advogado de Lula, Cristiano Zanin, concede ENTREVISTA EXCLUSIVA para o Jornalistas Livres.
1. Qual a gravidade desse cerceamento do direito do ex-presidente Lula de ir ao velório do irmão?
Cristiano Zanin: Impedir Lula de participar do funeral do irmão é uma conduta muito grave por parte do Estado porque negou ao ex-presidente um direito expressamente previsto na lei e que está lastreado em razões humanitárias. Lula está sendo tratado como uma pessoa sem qualquer direito. Para um conjunto de autoridades no país, ele pode ser processado sem justa causa; pode ser condenado sem ter praticado um crime; pode ser encarcerado mesmo não havendo decisão definitiva transitada em julgado, como prevê a Constituição Federal; pode ser impedido de ter qualquer contato com o mundo exterior. Estão deturpando as leis e os procedimentos jurídicos para promover uma verdadeira cruzada contra o ex-Presidente Lula, para persegui-lo enquanto inimigo político. Isso configura um fenômeno denominado “lawfare” que eu e a Valeska Martins (também advogada de defesa de Lula) apresentamos aqui no Brasil em 2016 para designar o que estava ocorrendo com Lula já naquele momento.
2. Por qual motivo vocês acham que a PF negou duas vezes? CZ: Respeito os policiais federais, mas não é possível concordar com esse posicionamento. Primeiro, porque quando o Estado decidiu realizar atos de persecução penal contra Lula foi possível constatar que tinham todo o aparado necessário, como ocorreu na condução coercitiva realizada em março de 2016. Segundo, porque não foi apontada qualquer situação concreta que pudesse efetivamente mostrar que a ida de Lula ao enterro do irmão poderia causar riscos à sua segurança ou à segurança das outras pessoas presentes. Terceiro e mais importante, porque o Estado não pode alegar suas eventuais deficiências para retirar direito dos cidadãos. É sempre importante lembrar, ainda, que apresentamos às autoridades, em última análise, se necessário, a possibilidade de terceiros relacionados ao ex-presidente suportarem os custos relativos ao frete ou do combustível da aeronave necessária para transportá-lo até São Bernardo do Campo. Isso foi recusado. Diante desse cenário, não temos dúvida de que o veto imposto à ida de Lula ao enterro do irmão é uma prática de lawfare.
3. No primeiro pedido conforme a lei de execução penal não precisaria ter sido encaminhado para a Carolina Lebbos, e nem ela ao MPF, correto? CZ: A Lei de Execução Penal diz no seu artigo 120, parágrafo único, que cabe ao diretor do estabelecimento onde a pessoa está presa autorizar a sua saída para ir ao enterro do familiar. Fizemos esse pedido perante a Superintendência da Polícia Federal do Paraná por volta das 15 horas dia 29, assim que tomamos conhecimento do falecimento do irmão do ex-Presidente Lula. Como havia urgência na medida e não foi tomada nenhuma decisão administrativa de imediato, levamos o caso também à Vara de Execuções Penais, na expectativa de que o pedido fosse prontamente acolhido diante da clareza do direito alegado. Mas o que ocorreu foi que a partir daí o pedido ficou “girando em falso”: foi aberta vista do processo ao MPF, que, por seu turno, disse que somente iria se manifestar depois de ouvir a Polícia. Apenas por volta de uma hora da manhã, quando o velório do irmão do ex-Presidente já estava bastante avançado, é que tivemos uma decisão da primeira instância e foi negativa. Durante a madrugada fomos ao plantão do TRF4 e às 5 horas tivemos outra decisão, também negativa. Também fizemos requerimentos ao STJ e ao STF ao longo da madrugada. Do falecimento de Vavá até a decisão do Ministro Dias Toffoli, por volta das 13 horas do dia 30, protocolamos 19 petições nas mais diversas instâncias administrativas e judiciais para que Lula pudesse exercer um direito expressamente previsto em lei. Além de mostrar um trabalho hercúleo, esse número também mostra que algo que deveria ser simples, quando é para Lula, ganha uma complexidade singular.
4. Existe alguma medida internacional de Direitos Humanos a qual possa ser apelada com relação às decisões e ao lawfare? Alguma denúncia a algum órgão que possa intervir internacionalmente juridicamente?
CZ: Em 2016, eu, Valeska Martins e o Geoffrey Robertson, uma referência mundial na advocacia de direitos humanos, levamos ao Comitê de Direitos Humanos da ONU um comunicado mostrando àquele órgão internacional que Lula está sendo vítima de grosseiras violações às suas garantias fundamentais. Foi o primeiro comunicado feito àquele órgão internacional por um cidadão brasileiro. Desde então fizemos diversas atualizações naquele comunicado. Fomos instados pelo Comitê a apresentar uma nova manifestação no início de fevereiro e nessa oportunidade levaremos ao conhecimento do Comitê esses últimos fatos, pois eles reforçam todas as violações que são tratadas no comunicado. A partir dessa nova manifestação que iremos apresentar, em tese, o Comitê poderá julgar o mérito do comunicado a qualquer momento. E se o julgamento for favorável a Lula, como acreditamos, poderá ajudar o Brasil a restabelecer os direitos do ex-presidente e até mesmo a fazer mudanças legislativas necessárias para se adequar aos padrões internacionais de direitos humanos.
Valeska Martins e Cristiano Zanin Martins, na sede da ONU em Genebra, na Suiça. Foto: Filipe Araújo