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  • O “REI FRANCIS” DE CÁCERES

    O “REI FRANCIS” DE CÁCERES

    Cáceres se encontra na micro região do Alto Pantanal. Tem uma população de quase 95.000 habitantes, faz fronteira com a Bolívia e é a principal cidade abrangida, quer dizer envolta ou abraçada, pelo Pantanal.

    Agora imagine o abraço de um corpo em chamas e soltando fumaça.

    “EU VOU GANHAR ESSA ELEIÇÃO DE QUALQUER MANEIRA.”

    Francis Mariz Cruz.

    O prefeito de Cáceres é Francis Mariz Cruz tem um patrimônio de quase 50 milhões de reais declarados. Oficialmente apoia o candidato Paulo Donizete que é de seu partido e que vai concorrer contra a sua vice prefeita Eliene, mas Francis acredita que mesmo que o candidato apoiado por ele perca, sua vice ainda pertence à sua base aliada o que lhe garantiria mais regalias políticas no município como supõe no áudio vazado.

    Entrada daFazenda Cometa, de Francis Mariz Cruz, prefeito de Cárceres, micro região do Alto Pantanal, MT.

    O Francisco da Cometa é conhecido assim por ser dono de uma loja de venda de motos, a Cometa Moto Center. Apenas um de seus empreendimentos entre fazendas, aviões, imóveis rurais e prédios comerciais além das 17 empresas das quais é proprietário.

    Como todo milionário, o Rei de Cáceres, é arrogante. Em áudio obtido, que corre nos grupos de whatsapp da cidade, o candidato avisa que ganhará a disputa sem fazer esforço algum. “Essa eleição tá no papo!”

    https://youtu.be/vs6JBoCgww0

    Também não esconde o uso irregular de maquinário municipal utilizado exclusivamente para obras municipais de construção e transporte em benefício próprio como a reforma na Fazenda Cometa. 

    Maquinário municipal sendo utilizado em Fazenda do Prefeito de Cárceres.

    Fazendo o percurso da Transpantanal envolta em fumaça pela manhã, fotografo passando por mim pelo menos três caminhões da Prefeitura de Cáceres voltando da Fazenda Cometa do Pantanal, do Prefeito Francis. A fazenda está em reformas e o maquinário utilizado para as tais reformas são da prefeitura como é possível ver em fotos e vídeo.

    A Fazenda tem sua sede a 12 km de sua entrada. Modesta propriedade que vende touros, sêmen e matrizes. O prefeito aceita seu touro velho na compra de um Nelore Cometa.

    Na volta da Transpantanal passo por um foco de queimada recém iniciado à beira da estrada. Paro para observar em busca de alguma prova de crime ambiental, mas o tempo é curto e preciso voltar para o centro para me trocar. As roupas que estou usando estão pretas, sujas de terra, cinzas e fedem a fumaça. A sede e o calor de 45° também castigam e preciso me hidratar antes de voltar à tarde para continuar o trabalho.

    Foco de fogo à beira da estrada

    No retorno para a Transpantanal à tarde, aquele pequeno foco de fogo se transformou no Inferno abaixo. A fumaça escura tomou a ponte e o fogo pulou para o outro lado do rio se aproximando de casas, à beira do Rio Paraguai. 

    No local não há nenhum caminhão da prefeitura, ou do exército e nem corpo de bombeiros para tentar conter o fogo. Na verdade, desde que cheguei na cidade, não vi movimentação alguma dos bombeiros ou do exército o que surpreende de forma negativa já que a coluna de fumaça principal vem do centro da cidade cujo foco se encontra na mata que está no Rio Paraguai.

    Não existe esforço municipal na contenção das chamas que consomem a mata do outro lado do rio dia e noite. Um detalhe que chama ainda mais atenção é que a rua que fica na Praça da Sematur e que faz frente para o rio é também a rua onde mora o Prefeito.

    Francis Mariz Cruz não apoia nenhuma iniciativa de socorro a animais. A prefeitura não dá suporte a brigadistas voluntários e nem criou uma força tarefa em concomitância com exército ou marinha para combater os demais focos de queimadas espalhados nas várias áreas da cidade. Nada está sendo feito.

    Ao amanhecer, Cáceres desaparece sob a fumaça espessa que atravessa o rio e se instala no centro e entorno. Com o Sol forte ela deixa de aparecer com tanta nitidez, mas à noite é impressionante. E mais impressionante ainda é a apatia dos moradores que levam a vida como se nada estivesse acontecendo. Ao redor de Cáceres são incontáveis os focos de incêndio e é desumana e incompreensível administrativamente a ausência do combate ao fogo. 

    Talvez a explicação para essa apatia seja o fato de que a cidade se encontra no terceiro lockdown desde o início da Pandemia. Há toque de recolher, inclusive, às 20h. A despeito dos casos de covid19, crescentes assim como os óbitos, a cidade caminha como se nada estivesse acontecendo. Mas caminha lentamente já que é difícil enxergar com tanta fumaça nos olhos.

    Quem se beneficia dessa cegueira que o fogo e a fumaça trazem é o prefeito. Não que ele faça algum esforço para esconder algo.

    Leia mais sobre a cobertura dos incêndios no Pantanal

  • Incêndios criminosos queimam Pantanal e fumaça avança sobre cidades

    Incêndios criminosos queimam Pantanal e fumaça avança sobre cidades

    Por: Safira Soares, jornalista

    O Pantanal, considerado a maior planície interna inundável do mundo, tem encarado desde o começo do ano um período de intensas queimadas. Incêndios têm degradado milhares de hectares do bioma, ao passo que a fumaça causada por crimes ambientais avança sobre cidades inteiras como Corumbá, em Mato Grosso do Sul ou na capital Cuiabá, do vizinho Mato Grosso. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o aumento registrado já é de 206%, no comparativo entre janeiro e julho de 2020 com o mesmo período do ano anterior. 

    A soma de dois fatores tem contribuído de forma determinante para o crescimento observado: a falta de chuva e a ação humana. Dados do Inpe indicam que houve uma redução em torno de 50% no volume de precipitação nos sete primeiros meses do ano em relação à média histórica da região. O Rio Paraguai, o 8° maior da América do Sul e que corta o bioma, está atualmente no seu menor nível desde a década de 1960. O cenário mais seco possibilita que queimadas originadas em propriedades privadas se alastrem sem grandes dificuldades. 

    Imagem do Corpo de Bombeiros em 25 julho de 2020 mostra queimada de grandes proporções na região de Poconé, no Pantanal de Mato Grosso

    O Monitor de Queimadas criado pela organização ambiental Instituto Centro de Vida (ICV) mostra que a grande parte dos focos de calor no Pantanal mato-grossense acontece em imóveis rurais inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), o que indica que o fogo tem sido gerado para fins agropecuários, como explica Vinicius Silgueiro, engenheiro florestal coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV. 

    “Quando olhamos onde esse fogo está acontecendo, pelo menos no Pantanal mato-grossense, mais da metade é em imóveis rurais com CAR, para o uso agropecuário. Então, podemos fazer a inferência de que as queimadas foram iniciadas a partir de práticas para o uso agropecuário, seja para a limpeza de uma área desmatada para o pasto, seja fogo para a renovação da pastagem. Por estar com menos chuva, o fogo avança e toma proporções de incêndio”, afirma. 

    Depois dos imóveis rurais com CAR, a categoria fundiária que apresenta mais focos de calor são áreas sem cadastro. De 2018 a julho de 2020, esse tipo de área  registrou 809 focos, apenas em Mato Grosso. Em julho deste ano houve um aumento de 150% no número de queimadas em relação a julho de 2019 e de 100% em relação ao mesmo mês de 2018. No terceiro lugar do ranking de categorias fundiárias com mais ocorrência de focos estão Unidades de Conservação (UC) de proteção integral e domínio público. Nesse sentido, o Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense, administrado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), é o mais afetado. 

    O mais preocupante é que o período em que costuma acontecer o pico das queimadas na região ainda nem chegou. Em 2019, o aumento registrado entre julho e agosto foi de 253%, quando o número de focos de calor passou de 52 para 184. O crescimento entre agosto e setembro, mês em que a situação historicamente é mais crítica, chegou a 334%, quando o número saltou de 184 para 800. 

    Não se pode ver o céu azul em Cuiabá. Foto de Marcos Salesse, 25 de julho de 2020.

    Além da grande degradação ambiental, os incêndios criminosos causam nuvens de fumaça que contribuem para a promoção de diversas doenças respiratórias e cardíacas em seres humanos, que podem ser especialmente perigosas durante a atual pandemia do novo coronavírus. Entre os problemas causados pela inalação do ar poluído por elementos provenientes da queima estão dor e ardência na garganta, tosse seca, cansaço, falta de ar, dificuldade para respirar, dor de cabeça e em casos mais graves até  doença pulmonar obstrutiva crônica, rinite, pneumonia, asma e câncer de pulmão. 

    O necessário para evitar que se chegue a cenários tão alarmantes, explica Silgueiro, é a diminuição da sensação de impunidade a crimes ambientais. Ações de fiscalização e autuação são possíveis já que a maior parte das propriedades de onde vem o fogo estão inscritas no CAR, possibilitando a identificação do responsáveis. 

    “Quando observamos a sequência de imagens de satélite, conseguimos remontar a origem desse fogo e perceber que muitas vezes ele começa em uma fazenda e com o tempo seco dessa época, vai se alastrando. Então, é possível fazer essa identificação e essa responsabilização, que consideramos ações básicas. É necessário que aquele que esteja mal intencionado veja a reação que houve no ano anterior e não cometa o crime. É algo que precisa ser feito ano após ano. Além disso, toda a parte de sensibilização e de educação ambiental, apresentando outras práticas produtivas que tornam desnecessário o uso do fogo. Sem dúvidas, um conjunto de esforços”. 

    Cuiabá coberta de fumaça 25 de julho – Foto: Marcos Woelz