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  • “Degradação do Judiciário”, “Demolição progressiva do respeito pela Justiça”

    “Degradação do Judiciário”, “Demolição progressiva do respeito pela Justiça”

    “A comunidade jurídica sabe quem é o indicado [Gilmar Mendes] e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato [ao Supremo Tribunal Federal] pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou ‘ação entre amigos’. É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática.”

    Há 15 anos, o jurista e professor Dalmo de Abreu Dallari revelava, no artigo “Degradação do Judiciário”, publicado na Folha de São Paulo, seu temor quanto à indicação de Gilmar Mendes, feita por Fernando Henrique Cardoso, para a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal.

    Jânio de Freitas, em 15/junho/2017 no mesmo jornal, publicou a matéria “Gilmar Mendes promove a demolição progressiva do respeito pela Justiça”. O jornalista retoma a votação no TSE e o pedido de impeachment de Gilmar Mendes, formulado ao Supremo por Claudio Fontelles, ex-procurador-geral da República, e Marcelo Neves, professor de direito da Universidade de Brasília.

    “O Supremo está à porta do seu momento mais difícil.

    Seus últimos presidentes quiseram assim, preferindo curvar-se, omissos,

    aos desafios de Gilmar Mendes”, vaticina.

    Abaixo está a reprodução do artigo de Dallari, de 08 de maio de 2002.

    Degradação do Judiciário

    Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e civilizado se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome por parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para impedir arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os direitos consagrados nos dispositivos constitucionais.

    Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado da ética.

    Essas considerações, que apenas reproduzem e sintetizam o que tem sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático de Direito, são necessárias e oportunas em face da notícia de que o presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas,

    encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal,

    que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra

    do Poder Executivo federal

    ao Poder Judiciário, ao Ministério Público,

    à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica.

    Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. Por isso é necessário chamar a atenção para alguns fatos graves, a fim de que o povo e a imprensa fiquem vigilantes e exijam das autoridades o cumprimento rigoroso e honesto de suas atribuições constitucionais, com a firmeza e transparência indispensáveis num sistema democrático.

    Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa, estaria sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte. Além da estranha afoiteza do presidente -pois a indicação foi noticiada antes que se formalizasse a abertura da vaga-, o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país.

    É oportuno lembrar que o STF dá a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas e terá papel fundamental na promoção da responsabilidade do presidente da República pela prática de ilegalidades e corrupção.

    A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e

    não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha inadequada

    É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo especializou-se em “inventar” soluções jurídicas no interesse do governo. Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, “inventaram” uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações.

    Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso,

    recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais.

    Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e deram fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e tribunais, contra atos de autoridades federais.

    Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um “manicômio judiciário”.

    Obviamente isso ofendeu gravemente a todos os juízes brasileiros ciosos de sua dignidade, o que ficou claramente expresso em artigo publicado no “Informe”, veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (edição 107, dezembro de 2001). Num texto sereno e objetivo, significativamente intitulado “Manicômio Judiciário” e assinado pelo presidente daquele tribunal, observa-se que “não são decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo”.

    E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do dr. Gilmar Mendes,

    toda liminar concedida contra ato do governo federal

    é produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na “indústria de liminares”.

    A par desse desrespeito pelas instituições jurídicas, existe mais um problema ético. Revelou a revista “Época” (22/4/ 02, pág. 40) que a chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público -do qual o mesmo dr. Gilmar Mendes é um dos proprietários- para que seus subordinados lá fizessem cursos. Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na “reputação ilibada”, exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo.

    A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou “ação entre amigos”. É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática.

    Notas

    1 O artigo de Dallari está em:

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0805200209.htm

    2 O artigo de Jânio de Freitas está em: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2017/06/1893119-gilmar-mendes-promove-demolicao-progressiva-do-respeito-pela-justica.shtml

  • EDITORIAL: TemerCunha, um só coração

    EDITORIAL: TemerCunha, um só coração

    Pouco tempo antes da votação da admissibilidade do pedido de impeachment pela Câmara dos Deputados, cresce na sociedade a percepção negativa de que Temer e Cunha cheguem a ser os responsáveis pela gestão pública e pelos rumos do país no próximo período. Apesar da propalada discrição do Vice-Presidente e aspirante a presidente, Michel Temer, não é difícil confirmar que ele e Cunha são parceiros de longa data, nunca tiveram conflitos e, muito pelo contrário, em muitas situações se apoiaram mutuamente em busca de seus objetivos.

    Quando confrontado sobre o polêmico aliado, Temer relativizou as críticas e declarou à “Revista Piauí” (edição 45, junho de 2010): “O Eduardo Cunha tem lá o jeito dele (…) Mas ele é competente, trabalhador, dedicado e tem uma inteligência privilegiada. Só recentemente descobri que ele não é advogado, e conhece o direito tanto quanto eu. Toda medida provisória, todo projeto importante o Eduardo Cunha conhece em detalhes”.

    O que deixa claro que além da parceria política e as alianças por resultados, a admiração entre eles vem mesmo de longa data. Cunha foi um dos principais artífices da eleição de Temer a Presidente da Câmara. No ano seguinte, quando Temer foi indicado para ser candidato a Vice-Presidente, a proximidade com o faminto-por-cargos-Cunha foi tema de resistências por parte do governo. Aliás, um dos motivos conhecidos do ódio de Eduardo Cunha pela Presidenta foi o desmonte de um esquema que ele mantinha em Furnas, órgão que esperava ter o controle por indicação de seu padrinho, Michel Temer.

    A chamada “chapa” Cunha-Temer ganhou corpo e materialidade com a proximidade da votação do dia 17 e com o anúncio recorrente pela mídia tradicional de que Temer já começa a discutir seu “futuro governo”. A pressa para anunciar a vitória dos favoráveis ao impeachment e o papel central de Cunha em cada passo do processo foi, portanto, catalisadora da reação negativa que a dupla enfrenta nesse momento. Diversos conteúdos na imprensa e nas redes sociais colaboraram para ressaltar isso.

    A matéria do “New York Times”, intensamente repercutida e replicada em redes sociais, que inclui a ambos numa lista de políticos corruptos que querem cassar uma Presidenta que não é acusada de corrupção foi talvez o principal deles, assim como um vídeo do ator Gregório Duvivier em que lança luz sobre a figura de Temer e diversos outros memes e textos na rede.

    A rejeição a Cunha, aliás, é um fato a parte nesse enredo. Ninguém no Brasil é tão rejeitado como ele, sua figura causa repulsa em grandes camadas da sociedade e poucos políticos hoje gostariam de associar sua imagem a dele. Temer precisa dele para ser presidente e por mais que tente “voar pra longe” está obrigado a tabelas com o parceiro. Os efeitos disso parecem ser inevitáveis: muitas pesquisas, públicas e feitas por parlamentares, apontam para a impopularidade cada vez mais alta de Michel Temer – e a soma das duas rejeições foi a força motriz que balançou o tabuleiro do jogo de xadrez da votação do impeachment.

    Ora, muitos deputados estão votando neste processo movidos pela pressão e pelo medo de serem identificados como apoiadores de um governo que é hoje muito impopular, mas se há poucas horas da votação eles percebem que o governo que pode assumir no lugar pode ser tão impopular ou mais e que tem muita gente nas ruas do país todo prometendo resistir ao golpe, a promessa do voto pelo “sim” começa a trazer menos bônus do que eles foram levados a acreditar.

    Isso abre espaço para dois caminhos: o mais simples, que é a negociação com o governo federal e com governadores de estados que não apoiam o golpe e, além disso, um movimento novo que foi relatado hoje na coluna de Monica Bergamo como “nem Dilma, nem Temer”, que levaria deputados de alguns partidos a se abster de votar.

    Portanto, a lembrança avassaladora de que Cunha e Temer podem estar prestes a assumir o país é uma “verdade inconveniente” para a maioria dos brasileiros. E a manutenção dos dois, aparecendo sempre juntos na narrativa dos que combatem o golpe, funciona como forte antídoto natural para o vírus do impeachment para uma parte mais sensível do parlamento.image

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    Texto: Fernando Stern