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  • 15 de março de 2015, dia da mentira

    15 de março de 2015, dia da mentira

    Com 23 anos de repórter, jamais havia me defrontado com uma situação como essa. Como escrever um texto no qual meus 12 entrevistados mentiram? Poderia expô-los, relatando as mentiras, depois as incoerências e desinformações e, também, as verdades que me disseram. Mas sempre adotei como norma de repórter ignorar o depoimento de um personagem que tentava me enganar

    Por Eduardo Nunomura, do Farofafá


    O 15 de março de 2015 foi histórico, mas forjado na mentira. Ou em meias verdades, se preferir. Histórico porque pela primeira vez desde a redemocratização a elite paulistana saiu em massa para protestar nas ruas. Já o “histórico”, para os manifestantes, tinha outros sentidos: vociferar palavrões contra a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, culpar o PT por todos os problemas do Brasil, inclusive o 11 de setembro (nos Estados Unidos), chamar de “bundão” o prefeito paulistano Fernando Haddad, exigir intervenção militar, entre outros protestos difusos.

     
    Manifestante segura cartaz que revela seu alvo no protesto — Fotos: Eduardo Nunomura

    A primeira das minhas entrevistadas foi uma muher de 43 anos, comerciante da rua Augusta que vestia uma calça justa amarela e uma camisa azul de seda. Tinha joias que chamavam a atenção, mas podiam ser bijuterias. Dizia que só decidiu ir até a avenida Paulista depois que viu, na GloboNews, que o ato era pacífico. Sentiu-se feliz em ver que lá só havia “pessoas bonitas e honestas, trabalhadoras, e não um monte de vagabundos que podem protestar na sexta-feira”. Vou anotando tudo. Quando pergunto o que gostaria que acontecesse no país após essa manifestação, ela responde: “Que o Brasil fosse um país sem diferenças sociais.”

    Talvez não fosse exatamente uma mentira, mas a última frase dessa personagem me soou deslocada. Insisti com uma outra pergunta, mas ela voltou a chamar os apoiadores de Dilma, que na sexta-feira estiveram na mesma avenida Paulista para apoiar a presidenta, de “vagabundos”. Agradeci e risquei o nome dela — desde meus tempos de Folha de São Paulo, Veja e O Estado de São Paulo costumo fazer isso quando sinto que o personagem não diz a verdade.

    Ao contrário do que fiz na sexta-feira, decido não expor os nomes dos meus 12 personagens. De que adiantaria? Isso é o que costumam fazer os jornalistas que se escudam no mantra “liberdade de imprensa” para acabar com reputações alheias. Antes de falar em liberdade deveríamos nós, profissionais da comunicação, pensar no nosso dever de informar a verdade. E o que vi, antes mesmo de sair às ruas, é que a “verdade” já estava sendo fabricada no noticiário televisivo.

    A cobertura da TV e do rádio pela manhã é convocatória (leia aqui um relato sobre isso). Na rádio BandNews FM, o próprio locutor se espanta quando atualiza os números de participantes e afirma que saltara de 9 mil para 200 mil pessoas na avenida Paulista. O jornalista apenas reproduzia os dados da Polícia Militar de São Paulo, subordinada ao governador tucano Geraldo Alckmin, que depois de anunciar mais de 1 milhão de pessoas foi desmentida pelos 240 mil manifestantes aferidos pelo instituto Datafolha.

    O Hino Nacional é tocado mais uma vez na Paulista. Nos primeiros 30 minutos de apuração jornalística, é a quarta vez que eu o ouço — desisto de fazer essa contagem. Encontro uma mulher de 27 anos, que logo se identifica como “médica do SUS”. Ergue cartazes com dizeres como “Fora corruPTos” e “Dilma, vai tomar no cu”. Trabalha no Hospital do Tatuapé. Mas no meio da entrevista afirma que vai fechar a clínica particular, na Vila Nova Conceição, porque a presidente está acabando com a medicina privada. Os convênios estão pagando muito pouco…

    Dou mais uma chance à personagem. Ela explica que não adianta pedir o impeachment de Dilma, porque tem de tirar “todos os políticos que o PT colocou no Congresso”. Afirma que o Brasil só irá para frente quando a sociedade investir em valores éticos, assim como tornar prioridades a educação e a saúde. Tem o rosto pintado de verde-e-amarelo. Pergunto se é uma referência à época de Fernando Collor, o presidente deposto em 1992. “Claro, eu estava lá e erguia cartazes pedindo o PT no poder.” Confirmo a idade dela, 27 anos. Ela teria, portanto, apenas 4 anos de idade. Talvez estivesse acompanhando os pais, como tantas milhares de crianças estiveram neste domingo. “Não, eu estava lá, sim. Eu me lembro de tudo. O Collor não foi em 1992.”

    Na esquina da Paulista com a alameda Campinas, um caminhão de som anuncia a chegada do jogador de futebol Ronaldo. Um dia antes, ele conclamava os brasileiros a protestarem nas ruas, via Twitter: “Este domingo vamos todos pra rua mudar o Brasil! #movimentobrasillivre.” O locutor avisa que o pentacampeão mundial de futebol joga muito,mas fala pouco. Eis uma verdade:

    Estamos cansados. Estamos cansados de tanta corrupção, de tanta impunidade. Nós temos que mudar o Brasil, gente. Muda Brasil!

    O locutor socorre o jogador e lembra que Ronaldo é eleitor de Aécio Neves. A multidão vai ao delírio. Um engenheiro usa uma camiseta em que diz “A culpa não é minha, eu votei no Aécio”, a mesma que o atleta veste. Ele afirma que foi ao protesto por estar cansado de notícias de corrupção, inflação e desemprego. Afirma não defender o impeachment de Dilma, que o problema é a falta de credibilidade das instituições e que só uma reforma política seria a solução. Pergunto se é correta a estratégia do governo de querer caracterizar essa manifestação como sendo uma espécie de terceiro turno, composta em sua maioria de eleitores do senador tucano. “Não, eu nem votei nele.” E a camiseta? “Ganhei de um cara que estava passando.” Verdade?

    Poderia prosseguir nessa narrativa, mas as mentiras não merecem mais espaço. Pode ter sido apenas uma gigantesca falta de sorte. Um dia ruim. Uma conspiração contra alguém que, politicamente, não se identifica com o teor dos protestos. Ou outro motivo que não consigo enxergar agora.

    Como repórter, vi brasileiros revoltados contra a presidenta Dilma e se sentindo felizes por botar para fora, ao lado de tantas pessoas com pensamentos semelhantes, todos os impropérios possíveis contra ela e contra o ex-presidente Lula. É como se os uniformizados de camisetas da seleção tivessem feito do 15 de março de 2015 uma desforra da derrota de 7 a 1 contra a Alemanha, no dia 8 de julho de 2014 — será que havia alguma placa culpando Dilma pelos 7 a 1?

    Há, sim, pessoas de todas as classes sociais, embora seja visível a presença maciça da elite branca. É excepcional que os ricos tenham saído às ruas para participar de um ato público e não tenham criado camarotes VIPs para evitar se misturar com os manifestantes pobres. Ao mesmo tempo, é triste que tenham dado uma aula de mau comportamento a tantas crianças presentes ao protesto, com xingamentos dos mais variados tipos. Mas a cena que não sai da minha cabeça é o selfie de uma família que leva uma babá para o protesto. Eis uma mentira de que o Brasil-Colônia que prega menos corrupção e justiça social jamais se libertará.

     Babá chama atenção das crianças para que pai possa fazer selfie da família

  • Afinal, o que eles querem?

    Afinal, o que eles querem?

    Milhares foram às ruas em todo o Brasil pedindo Impeachment, a saída do PT e até intervenção militar. Em comum: a ausência de propostas

    O dia 15 foi marcado por manifestações contra o governo em 25 estados, no Distrito Federal e no exterior. Esta que vos fala acompanhou o ato em São Paulo. Conversei com dezenas de pessoas, homens e mulheres, brancos e negros (embora em expressiva minoria), a favor e contra a intervenção.

    Afinal, o que eles querem?

    Logo ao chegarmos à Paulista, por volta das 13h, pudemos sentir o clima da manifestação. A atmosfera era de final de copa do mundo, as pessoas chegavam em grandes grupos, vestindo camisas do Brasil, enrolados em bandeiras e munidos de suas vuvuzelas. “Contra a corrupção e com uma camiseta da CBF, amigo?” perguntei, em tom de brincadeira, ao advogado Alexandre. “Poxa, é verdade”, respondeu, sem graça.

    A ausência de coerência política foi uma constante. E, para além das milhares de camisetas da CBF, ela ficavam clara no discurso. Alexandre, por exemplo, não é a favor da intervenção militar. Ele acha que é na democracia que a crise institucional encontrará sua saída.

    Foto: Renato Stockler

    “A Dilma devia renunciar, mas, se ela não sair, sou a favor do impeachment”. Alexandre, no entanto, não conseguiu me responder o que deveríamos fazer após a saída de presidenta.

    A ala da Intervenção Militar do grande carnaval da democracia — pois, SIM foi uma manifestação democrática — não era majoritária. Mas soube fazer barulho. Paulo Baldi, aposentado, podia até passar despercebido. Ficava quieto em um canto da calçada, sem interagir muito, sem gritar as palavras de ordem. No pescoço, um cartaz com os dizeres: “Saudades da Ditadura. Democracia só para roubar…”. Ele é filiado ao PPS (?) e acha que não existe solução para a corrupção dentro da democracia.

    No carro de som S.O.S Forças Armadas, que liderava a trupe, gritavam “Novamente, na história do Brasil, São Paulo dá o exemplo”. José Edson, militar (tira, é melhor colocar funcionário público), também é a favor da intervenção militar. “No momento, o mais indicado é a intervenção militar. Ninguém pode fazer a verdadeira revolução que precisamos”. Ele tem 55 anos e diz se lembrar da ditadura militar “As pessoas de bem estavam nas ruas e os bandidos estavam presos, agora, é o contrário”. Pergunto se ele é a favor da separação de São Paulo do restante do país:

    “Não, acho que o progresso tem que chegar a todos os estados. São Paulo não pode mais levar o país nas costas. Os nordestinos tem que parar de precisar vir para São Paulo. Afinal, na nossa bandeira diz Ordem e Progresso. Cadê a ordem? Cadê o progresso?”, indaga. A intervenção seria para sempre? “Não, só até convocar novas eleições e estabelecer a ordem”. Também não conseguiu assegurar que uma nova eleição resolveria o problema da corrupção.

    No meio da multidão uma faixa me chamou a atenção “Grandes Companhias escolhem os Candidatos nos Partidos e mandam fortunas para os Partidos que Recebem x 100 pelas Obras Superfaturadas”. Pergunto ao rapaz que segurava a ponta esquerda da faixa: “Você é contra o financiamento privado de campanha? Defende alguma plataforma da reforma política?” “Na verdade moça, quem fez a faixa foi aquele moço da ponta. Acho melhor falar com ele”. Sigo até a ponta direita e faço a mesma pergunta. Giovani Zimovstic, gráfico, me responde: “Sim, sou a favor da reforma política” “E como essa reforma política deveria ser feita?” “Mudando as leis” “Mas quais leis?” “Moça, coloca aí: defendo que todos os políticos deveriam ter suas contas abertas”. Legal, eu também. Mas isso não é uma reforma política.

    Foto: Larissa Gould

    Ao fundo escuto uma voz masculina dizer em um megafone: “Essa é a marcha da Família Brasileira e dos cidadãos de bem”. Ao mesmo tempo, vejo passar uma faixa “Contra o Fanatismo e Populismo”, atrás da faixa uma multidão gritava “A Dilma morreu!”.

    Claudia e Felício Vital, um casal de senhores aposentados simpáticos, estava nesse momento. Eles são a favor do impeachment, mas não da intervenção militar. Também não são a favor de Michel Temer “mas se não tiver jeito, melhor que a Dilma”. Eles não souberam indicar qual a solução para a corrupção do Brasil.

    Quase que imediatamente Reginaldo Lopes, consultor de segurança, me aborda: “Você é jornalista?” “Sim” “Posso dar o meu depoimento?” “Claro”. Em seguida, Reginaldo dá o seu depoimento:

    “O Problema do Brasil é o Foro de São Paulo. Nos anos 90’ Lula e Fidel Castro criaram o Foro e o PSDB foi conivente. De 2 em 2 anos eles se encontram e junto com o Unasul querem criar um bloco da América Latina”. Ele não é a favor da intervenção militar. Na verdade acha que intervenção militar é coisa do PT “Já financiaram a guerra, agora chamam o exército do MST” e ironiza “O nosso professor de filosofia Olavo de Carvalho — conhece? — tinha razão! Exército? Eles vão nos atacar com picaretas e enxadas?”. E finaliza “Você vai usar a entrevista né? Essa é minha contribuição”. Vou, asseguro. Ele também não me apresentou propostas para depois do Impeachment.

    A verdade é que entre as dezenas de pessoas que falei, nenhuma delas conseguiu me dar uma proposta para a crise institucional. Elas estavam todas perdidas, insatisfeitas, mas perdidas. Talvez a pessoa mais sincera que eu tenha conversado tenha sido a Dona Rosa, que vendia churrasquinho enquanto as milhares de pessoas iam à Avenida Paulista pedir mais direitos. A moradora do Jd. Santa Margarida, extremo Zona Sul, contou que ficou sabendo da manifestação pela TV, no jornal, ela não sabia se era a favor ou contra. “Não sei moça, eu fico na dúvida” “Por quê?” “Eu acho que não importa quem entrar, não vai mudar” “A senhora não vê nenhuma saída?” “Não” “E a senhora votou em quem?” “Eu votei na Dilma”.

    Poderia contar outras muitas conversar e citar outros tantos cartazes. Mas a verdade é que a insatisfação é geral e legítima. No entanto, estão todos tão confusos quanto Dona Rosa. Ao mesmo tempo em que se vangloriam por não ter lideranças, não sabem que rumo tomar.

    Foram milhares nas ruas do Brasil. Eles podem até saber o que não querem, mas, definitivamente, não sabem o que querem.

     Foto: Renato Stockler

     

  • O que está por trás da contagem de pessoas nos protestos?

    O que está por trás da contagem de pessoas nos protestos?

     

    O número divulgado de participantes nas manifestações do fim de semana mostra quem é quem na fila do pão, mais conhecida como política

    Se depender dos resultados sobre o número de participantes nas manifestações que tomaram a Avenida Paulista na sexta-feira, 13, e no domingo, 15, deste mês de março de 2015, a situação da educação brasileira não poderia ser mais assustadora: somos os piores do mundo em matemática.

    Afinal, o que mais explicaria o fato de a Polícia Militar do Estado de São Paulo dizer que mais de um milhão de pessoas foram às ruas protestar neste domingo, enquanto o Instituto DataFolha estima não mais que 210 mil pessoas? Uma diferença superior a 450% na solução de uma mesma equação.

    Foto: Mauricio Lima para Jornalistas Livres

    Na sexta-feira foi ainda pior. Na manifestação a favor da democracia e em defesa da Petrobras, a PM fechou a conta em 12 mil pessoas, a organização (formada por movimentos sociais e sindicais) cravou 100 mil. O DataFolha chutou na coluna do meio: 41 mil. A discrepância entre um ponto e outro beira 1000%.


    Mesmo sem um diploma de exatas ousamos ponderar que em ambos os dias, a verdade numérica deve estar no meio desses extremos. O problema é que cada lado adota para si o que lhe é mais conveniente.

     


    De acordo com o DataFolha, no auge da manifestação deste domingo por volta das 16 horas, havia 188 mil pessoas reunidas. Pouco antes, às 15h40, a Polícia Militar havia informado que o número passava de um milhão de manifestantes na Avenida Paulista e adjacências, protestando contra o governo da presidente Dilma Rousseff. Segundo a PM, o cálculo levou em conta a informação de que a cada dois minutos chegavam quatro mil pessoas pelo pela estações de metrô da região.

    Foto: Renato Stockler para Jornalistas Livres

    De acordo com o professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro, para caber tanta gente nos cerca de 2,6 quilômetros de extensão, com cerca de 30 metros de largura da avenida, ocupados pelos manifestantes, é necessário que haja de 15 a 17 pessoas por metro quadrado. “Nem naquela apresentação do circo chinês, onde os artistas de se equilibram um em cima do outro é assim”, ironiza. A PM rebate afirmando que usa imagens aéreas e tecnologia de ponta nos cálculos.

    Davi e Golias – O que está por trás da contagem de pessoas nos protestos?

    Para quem compareceu às manifestações, resta uma certeza: Nem de longe, a multidão que marchou por quilômetros da Paulista a Praça da República, embaixo de chuva torrencial (confira aqui) na sexta-feira, 13, era o Davi que sugere a polícia. Ao passo que nem o mais crédulo cidadão pode concordar que para o protesto contra a corrupção, a favor do impeachment, intervenção militar, e pelo menos mais meia dúzia de reinvindicações, mais de um milhão de pessoas saíram de casa neste domingo em direção a avenida mais famosa de São Paulo. Um Golias para metáfora bíblica nenhuma botar defeito.

    Policiais monitoram manifestação na Av. Paulista no Domingo, 15 de Março. Foto: Caio Palazzo para Jornalistas Livres

    A discrepância absurda merece análise, mas não para se discutir as operações básicas da matemática — que ao que parece ninguém sabe como funciona em São Paulo — e sim as motivações para tal. O governo paulista, a quem a polícia é subordinada, tem claro interesse de inflar o resultado de domingo e mitigar o de sexta, assim como o tratamento dado pela imprensa tradicional, que solenemente ignorou o ato da sexta, mas tratou o do domingo como um carnaval, já mostra onde estão depositados os seus interesses. O mesmo acontece com o perfil dos presentes nos dois dias.

    Sexta-feira, a cor e a cara dos manifestantes não escondia o cansaço e nem a origem dos mesmos, ao passo que domingo, a alegria, a camisa da seleção, e as babás uniformizadas também não. Isso deslegitima a maior parte das reinvindicações? Não, mas deixa claro as motivações de cada um.


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  • Globo promove um “Diretas-já às avessa” pra chamar paulistas pra rua: discurso na tela não batia com imagens nas ruas

    Globo promove um “Diretas-já às avessa” pra chamar paulistas pra rua: discurso na tela não batia com imagens nas ruas

     

    Essa a manifestação pela Democracia chamada pela Globo. Foto: Vio Mundo

    A tática foi muito clara: de manhã, manifestações fracas Brasil afora (com exceção de Belo Horizonte e Brasília) serviram pra Globo fazer o “esquenta” para a tarde.

    O que interessava era um “show” na tela, pra animar a paulistada a sair de casa. O Esporte Espetacular da Globo era interrompido a cada dez minutos para “giros de repórteres”. O âncora Alex Escobar (aquele que Dunga humilhou em 2010 — “tu és um cagão de merda”) tinha a frase pronta pra chamar as entradas ao vivo: “vamos acompanhar as manifestações pela Democracia, contra a corrupção e contra Dilma”.

    Diretas-já às avessa

    Nessa imagem, Globo viu 15 mil pessoas no Rio

    No Rio, três repórteres ao vivo. Conheço todos eles, devem estar envergonhados do que foram obrigados a fazer. Frases ensaiadas: “muitas famílias, protesto pacíficos, camisas amarelas, famílias inteiras.” Ops, mas atrás do repórter passa um rapaz com cara de ódio, e a foto do Bolsonaro estampada na camiseta. O câmera, esperto, desvia para um plano geral.

    Números no Rio. “Os manifestantes falam em cem mil pessoas, mas a PM diz que são 15 mil“. O diabo é que esqueceram de combinar com o diretor de TV, que tasca um plano aberto da avenida Atlântica. Eram 5 mil pessoas, no máximo. Entra matéria (excelente, por sinal) sobre Jairzinho e a Copa de 70. “Noventa milhões em ação…”.

    Como dizia Dunga…

    Mas Escobar chama a rua de 2015, de novo: outra repórter, agora do alto de um prédio na avenida Atlântica. Pior ainda: tá na cara que está vazio. E a jornalista comete ato falho glorioso: “muitos cartazes mostram Contentamento com Dilma”. Ops.

    Jornalistas da Globo estavam instruídos para chamar as manifestações como “ato pela Democracia”. O diabo são as imagens ao vivo, fora de controle. Ao fundo, um cartaz pede “intervenção militar já”.

    No Rio, apareceu uma suástica e cartazes pedindo “intervenção militar”. De Belo Horizonte, imagens de mais gente nas ruas. Mas parece que ali a Globo estava menos preparada.

    Repórter faz entrada sóbria, não precisa apelar. Discrição mineira.

    Brasília também: bastante gente. Mas não as “40 mil pessoas” que a Globo comprava como verdade. O Plano aberto desmentia a narrativa montada por Ali Kamel.

    Fora do circuito Rio-Brasilia, o Escobar sofria mais. Ele chama Aracaju, e a moça não percebe que já está a vivo. A repórter grita pra meia dúzia ali na frente: “canta o hino, canta o hino”. O aúdio vaza, o povo xinga Dilma. De repente, ela percebe a gafe, fala um pouco, e o povo obediente começa o hino.

    A Globo está no comando. Um cartaz erguido diz: “FFAA salvaram o Brasil em 64″. Parceria bonita essa!

    Fortaleza entra pela segunda vez e…. Surpresa: “os manifestantes já se dispersaram“, diz o repórter meio envergonhado. Rua vazia.

    Com essa imagem na tela, a repórter falou em “30 mil contra a corrupção” em Ribeirão Preto.

    O mais constrangedor: entrada de Ribeirão Preto. E a repórter: “muita gente nas ruas contra a corrupção, são 30 mil pessoas”. As imagens mostravam ruas quase vazias…

    Belém também: pouca gente.

    Volta pro Rio. A classe média chega ao fim de sua gloriosa marcha na manhã ensolarada. O local escolhido para o “gran finale”? Copacabana Palace — símbolo da aristocracia decadente carioca, símbolo das lilys e blochs com seu dinheiro escondidinho na Suíça.

    Ali Kamel passou a manhã tentando insuflar os números, encher a bola da manifestação.

    Nesta manhã de domingo, a Globo promoveu um “DiretasJá às avessas” (para os mais novos: em 1984, milhares foram as ruas pedir a volta à Democracia; no dia 25 de janeiro de 84, havia 300 mil na praça da Sé, e a Globo noticiou como ‘festividades pelo aniversário da capital paulista”; Ali Kamel escreve artigos até hoje para negar que Globo tenha manipulado 1984, assim como nega que haja racismo no Brasil).

    Aliás, nas imagens de Salvador (a Globo falou em 4 mil manifestantes no Farol da Barra, a imagem mostrava uns mil no máximo) chamava a atenção a ausência de negros. “Parecia Blumenau”, escreveu um internauta. Peraí: nas manifestações do Ali Kamel não há racismo. Esse é o Brasil branquinho que está nas ruas…

    E segue Escobar, mais entradas, mais vivos… A ideia era animar os paulistas de classe média — que acordam tarde e gostam de aumentar o barrigão em festins gastronômicos nas padarias, nas manhãs de domingo.

    Vendo as imagens na Globo, centenas botaram suas camisas amarelas e foram pra Paulista — onde certamente o ato seria grande.

    Na GloboNews, os comentaristas jogavam junto com os manifestantes. Mas havia dissonâncias. Um apresentador pergunta a Cristiana Lobo: ‘as manifestações contra Dilma no Nordeste foram só em bairros ricos — Boa Viagem no Recife, Farol da Barra -você acha que o PT vai explorar isso”. E a Cristiana: “veja bem…”

    Diretasjá às avessas, para insuflar São Paulo contra Dilma. O Brasil repete 1954 e 1964.

    Dilma, se ainda tiver um pingo de sangue brizolista nas veias, enfrenta a Globo agora. A Globo é o centro do golpe. Põe gente nas ruas, sim — especialmente em São Paulo, Brasília. No Rio, põe menos. A Globo tem força, mas o #globogolpista e o #famíliaMarinhonoHSBC comandando as redes sociais mostram que a direita não vai dar um passeio.

    (relato provisório, escrito antes da manifestação em São Paulo)


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  • O dia em que Reinaldo Azevedo me ameaçou no metrô

    O dia em que Reinaldo Azevedo me ameaçou no metrô

     

     

    Desde que eu saí da Folha, no passaralho de novembro passado, sigo cobrindo protestos, manifestações e outros eventos político-sociais por conta própria, para registrar um momento que de repente só passou na minha frente. E foi exatamente o que aconteceu hoje.

    Estava na linha vermelha do metrô em direção à República, e depois, à Paulista, para cobrir o protesto marcado para este 15/3, filmando as pessoas quase todas vestidas de verde e amarelo, quando de repente entra no vagão o bastião dos manifestantes no jornalismo brasileiro: Reinaldo Azevedo, blogueiro da Revista Veja e colunista da Folha de S. Paulo.

    Segui filmando e fotografando o vagão, desta vez, dando foco ao ilustre personagem. A gente toda o saudava e dizia coisas como “reinaldo, você nos representa”. A casualidade seria apenas cômica não fosse a ira de Azevedo, que passou a me fotografar. “Vou tirar fotos suas porque se você fizer alguma merda com a minha imagem, eu te processo” disse.

    Descemos na mesma estação para fazer baldeação e como as pessoas seguiam pedindo fotos, autógrafos e o bajulando de todas as maneiras possíveis, acreditei que aquele personagem poderia continuar rendendo e segui de perto o jornalista.

    Reinaldo Azevedo me ameaçou no metrô

    Incomodado com a minha presença, sempre a pelo menos dois metros de distância, Azevedo pediu que eu saísse da estação e respondi que não, afinal, sou cidadã, e que assim como ele (que também filmava e fotografava a movimentação das pessoas), tenho direito de usar o metrô e fazer registros respeitando limites.

    Quando descemos na estação Paulista, Reinaldo puxou meu braço até chegarmos perto dos seguranças do Metrô. Azevedo se queixou aos guardas, de que eu o estava perseguindo havia três horas, e eu respondi que apenas estava trabalhando e o havia encontrado há poucos minutos.

    Os seguranças me perguntaram se eu era jornalista e eu disse que sim. Me perguntaram para qual veículo eu trabalhava e respondi que agora sou freelancer, mas que havia trabalhado para a Folha até ano passado. Me liberaram, e seguiram escoltando Azevedo até a saída da estação, quando ele começou a me filmar, dizendo:

    – Vou filmar bem você e te colocar no meu blog. Isso não vai ficar assim!

    Já na esquina da Consolação com a Paulista, o jornalista pediu ajuda à polícia, fazendo a mesma queixa que havia feito aos seguranças do Metrô.

    Um policial tentou me impedir de seguir pela Paulista, mas não permiti, dizendo que não estava fazendo nada de errado e que eles não poderiam me impedir de seguir. Outro policial impediu que eu passasse e me pediu documento. Me fichou e disse que faria o mesmo com Azevedo. O que na verdade não aconteceu.

    Ao perceber que a ira do jornalista estava crescendo, perguntei se toda aquela animosidade se devia ao fato que eu estava usando uma camisetinha vermelha. Se fosse esse o problema, eu poderia trocar de roupa.

    Já na Avenida Paulista, o blogueiro começou a encontrar amigos e a apontar para mim, de longe. Senti que minha integridade física poderia entrar em risco, caso seguisse trabalhando à sua vista em meio àquela aglomeração de gente que sequer admitia que alguma peça de roupa atravessasse a manifestação. Ao caro colega de profissão, um recado: foi a ausência do ideal democrático que me assustou, não você.


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  • Os defensores do impeachment são brancos

    Os defensores do impeachment são brancos

     

    A população negra não foi aos atos de 15 de março. Entre os cerca de 1 milhão de manifestantes — segundo a PM, ou 210 mil, segundo o Datafolha — na avenida Paulista, em São Paulo, e os seis mil, na orla da Barra, em Salvador, havia pouquíssimos negros. Considerando que a grande maioria (76,3%) da população da Bahia é negra e que o estado de São Paulo concentra 34, 6% de negros, as manifestações contra a presidente Dilma não foram representativas. A explicação é evidente: as políticas associadas especificamente a essa parte de brasileiros — 51% da população do país — não estavam sequer consideradas.

    Foto: Mídia NINJA

    Os defensores do impeachment são brancos

    “O principal objetivo das manifestações do dia 15 de março não contempla os anseios da comunidade negra”, explica o sociólogo Marcelo Arouca, 34 anos, um dos fundadores do Núcleo de Estudantes Negros da Universidade Federal da Bahia. A pouca presença de negros nos protestos de domingo evidencia algo ainda mais grave. O que uniu tanta gente nas ruas é também reação às conquistas do movimento negro nos últimos 10 anos, como direitos trabalhistas das domésticas e adoção de cotas em universidades federais.

    “Essas políticas incomodam a elite branca. Os mesmos que estiveram reivindicando hoje são aqueles que enriqueceram à custa da escravidão negra e que não se conformam com o mínimo de reparação do Estado”, avalia Arouca.

    Para minimizar o desequilíbrio representativo entre os manifestantes de domingo, organizadores fizeram questão de posicionar os poucos negros que participaram do ato em destaque.

    Foto: Ana Menendes

    Seria uma forma de tentar maquiar o que ficou explícito: a demanda por combater a corrupção é uma pauta comum a qualquer um, mas não reflete os anseios das parcelas mais reprimidas e desfavorecidas da sociedade brasileira. Essas demandas continuarão fora da pauta se depender da motivação daqueles que protestaram neste domingo. “Como a população negra teve acesso aos bens de consumo, a elite — que sempre teve privilégios — reclamou o posto de elite”, afirma Jorge X, militante do movimento negro da Bahia e servidor da defensoria pública do estado. “Por outro lado, o que mais me espanta é que a vida é o bem mais precioso que existe. Mesmo assim, essas pessoas nunca foram às ruas para se manifestar pelo direito à vida”, completa Jorge, que é contra a corrupção e crítico ao governo atual.

    “Porque a vida ceifada, em sua grande maioria, é da população negra,
    o que não sensibiliza.”

    A dívida do Brasil com a comunidade negra ainda não começou a ser reparada. Seguiu como perseguição durante a ditadura e persiste na prática violenta contra os jovens negros, cerca de 70% das vítimas de homicídios no país. Prova disso é o relatório divulgado pela Comissão Estadual da Verdade de São Paulo na última quinta-feira, 12/03, que é taxativo: “A população pobre e negra é atingida até os dias de hoje com práticas instauradas no período da ditadura.” A CEV Rubens Paiva recomenda que “o Estado brasileiro reconheça e peça desculpas pela perseguição à população negra, não somente durante o período da ditadura no país, quanto pelos anos de escravidão e opressão até os dias atuais; que o Estado reconheça as práticas abusivas contra negros e as reprima como forma de garantia da igualdade e da democracia; que seja valorizada a memória da resistência da população negra contra a ditadura e que sejam homenageados seus militantes.”


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