Jornalistas Livres

Tag: governo federal

  • O mundo encantado do Governo Federal e o coronavírus

    O mundo encantado do Governo Federal e o coronavírus

    O presidente eleito em novembro de 2018, Jair Bolsonaro, apresentava-se ao mercado como defensor do liberalismo econômico. Tão logo assumiu, implementou a contrarreforma da Previdência e fez avançar as privatizações. Essas e outras medidas no ano de 2019 levaram a desaceleração da economia brasileira que cresceu apenas 1,1%, contra 1,3%, em 2018, no governo Temer. O pior, considerando o crescimento populacional do período estimado em 0,8%, podemos concluir que a economia praticamente estagnou no ano passado.

    A crença na autorregulação do mercado do presidente Bolsonaro e seu ministro da economia, Paulo Guedes, estão promovendo estragos econômicos e sociais. A indústria continuou operando com ociosidade da sua capacidade produtiva próximo de 24%; milhares de empresas foram fechadas, a taxa de desemprego se manteve alta em 11,8% (2019), a informalidade bateu recorde, a renda média do trabalho principal foi de R$ 2.259,00, em 2019, contra R$ 2.283,00 em 2014.

    Esses foram os resultados da economia brasileira no ano de 2019 quando a economia mundial não sofreu com nenhuma grande crise e não tínhamos ainda a pandemia gerada pelo coronavírus. Agora, estamos diante de uma pandemia que já tem repercussão nas principais economias do mundo e que aponta para um processo recessivo nos próximos meses. A duração dessa crise econômica, a princípio, está vinculada a dimensão e duração da pandemia. Os estragos vão depender da reação da população e dos governos, o livre mercado nada fará.

    A cambaleante economia brasileira será atingida com mais fechamento de empresas e mais desempregados. O isolamento da população tende a ser maior nos próximos dias com implicações no consumo de bens e serviços. Apesar do que vem ocorrendo aqui e no mundo, o governo federal parece não reconhecer a gravidade do problema. O ministro da economia afirma que “o Brasil pode crescer entre 2,0% e 2,5% em 2020”, mesmo com a pandemia, pois “temos dinâmica própria”. Ele bate na mesma tecla desde 2018, privatizar e aprovar a contrarreforma, esse é o remédio.

    Continuando com os sinais de que eles não estão nesse mundo, no último domingo (15/03), o próprio presidente descumpria as recomendações do seu ministro da saúde e também não apresentava medidas enérgicas de combate e controle a disseminação do vírus, a não ser o fechamento da fronteira com a Venezuela. Sim, para eles o problema é a Venezuela e mais recentemente passou a ser a China. Enquanto isso, os EUA impedem a entrada das pessoas que tenham estado na Europa nos últimos 14 dias, exceto os seus cidadãos. Vários países adotam medidas de controle nos aeroportos como a medição da temperatura para detectar febre.

    Mais um sinal, esse vem da Bahia, aqui o governo federal, via Anvisa, não permite sequer que o governo baiano faça triagem dos passageiros no Aeroporto Internacional Dois de Julho. É inacreditável o que se passa no Brasil!

    Parece que o presidente e o seu ministro da economia vivem em outro mundo, talvez no país das maravilhas, talvez em Marte ou quem sabe em Wall Street. ‘Não, em Wall Street é impossível’, reclamará o cidadão estadunidense alegando que lá o governo Trump abandonou a ideia da autorregulação do mercado e decidiu adotar as políticas de intervenção estatal de tipo keynesianas. Sim, é isso mesmo, o presidente dos EUA, Donald Trump, não só anunciou intervenção na economia com a injeção de mais de um trilhão de dólares, como afirmou que pode enviar para casa do cidadão um voucher (cheque) de US$ 1.000,00 (mil dólares), valor equivalente a cinco mil reais. Isso porque entende que a economia vai desacelerar em função do avanço da pandemia.

    No mesmo sentido atuou o governo de Hong Kong. Na França, o presidente Macron falou que o país está em guerra contra o “coronavírus” e tomou medidas enérgicas como: fechamento de fronteiras; a suspensão da cobrança de alguns impostos para estimular a economia e manter os empregos; possibilidade de estatização de empresas; e a suspensão da cobrança de contas de água, gás e aluguéis.

    E aqui no Brasil? Só na última quarta-feira, 18, o governo anunciou medidas econômicas. Várias delas nos parecem inócuas e destoam daquelas adotadas por seus pares em diversos países. Isso porque o ministro da economia se encontra preso a uma camisa de força ideológica e não consegue desapegar do liberalismo econômico, da paixão ao mercado e do ódio a Venezuela. Em função disso, ele coloca no pacote das políticas de combate ao coronavírus a privatização da Eletrobrás. Sim, isso mesmo! Também acredita que as medidas que retiram direito dos assalariados vão ajudar a combater o vírus, como as reduções de jornada e salários. Se assim fizer, a tendência é que a crise se agrave. Como já vem sendo feito em alguns países, o governo deveria adotar um programa de renda mínima para a população, mesmo que temporário, como forma de combater a disseminação do vírus, amenizar a crise social e evitar a paralisia da economia.

    Depois de ser muito criticado, o governo federal resolveu apresentar um pacote de injeção de 147,3 bilhões de reais na economia, o equivalente a quase 29 bilhões dólares. Esse valor é 40 vezes menor que o anunciado pelo governo dos EUA para uma população que não chega a ser o dobro da brasileira. Também foi anunciado o voucher de R$ 200,00 por três meses para trabalhadores informais, valor este que certamente não será suficiente para os pagamentos de suas contas da farmácia, de alimentação, de água e energia. Vale destacar que dos 147 bilhões de reais, a maior parte é antecipação de receita.

    Para se ter ideia do tamanho da preocupação do governo, o orçamento da saúde para 2020 é de R$136,25 bilhões, montante esse inferior em  R$11 bilhões ao orçado para 2019;  e R$14 bilhões menor do planejado para saúde em 2015 (corrigido pela inflação do período), anos estes quando não se falava em pandemia. Além dos R$136 bilhões orçado, o governo anunciou mais R$5 bilhões oriundos de remanejamento e R$2 bilhões do DPVAT. Ainda assim, o recurso planejado para saúde é inferior ao orçado em anos anteriores. Tudo leva a crer que o governo federal continua apostando que o mercado resolverá os nossos problemas.

    Diante dos fatos, não é demais afirmar que os (as) brasileiros(as) tendem a sofrer com o avanço do coronavírus e com a forte crise econômica que se aproxima, estando no olho do furacão todos, especialmente os idosos, os mais pobres; os desempregados; os miseráveis; a população de rua; trabalhadores informais; os assalariados que precisam se submeter a transporte público superlotado; profissionais liberais e os microempresários que sofrerão com a queda na demanda. É certo que outras medidas além das anunciadas terão que ser tomadas pelo governo federal ou a crise se aprofundará, exceto para funerárias.

    Especial para o Jornalistas Livres

    Marcos Tavares é professor do curso de Economia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).

    Imagem de capa: Unsplash

  • Gestores estaduais assumem competências diante de incompetência do Governo Federal

    Gestores estaduais assumem competências diante de incompetência do Governo Federal

    Por Marcos Rezende*

    Proibição de transportes interestaduais e implementação de barreiras sanitárias relacionadas a vôos originários de países ou estados brasileiros com transmissão comunitária do COVID-19 foram algumas das medidas tomadas por governadores de estados como Bahia e Rio de Janeiro. Num momento de normalidade se poderia questionar se tais medidas extrapolam a competência dos gestores estaduais. Porém, no contexto de pandemia do COVID-19 e com o crescente número de pessoas que testam positivo para o vírus no Brasil, a pergunta é: diante da omissão e irresponsabilidade do presidente Jair Bolsonaro perante a crise do Coronavírus, o que os gestores estaduais devem fazer, senão assumir a competência de quem se demonstra incompetente?

    O mundo passa por uma situação de anormalidade. Um vírus destrói diversos países, matando milhares de pessoas e extrapolando todos os limites de capacidade de atendimento dos respectivos sistemas de saúde. Dos governos mais conservadores àqueles mais progressistas, todos entendem a dimensão da pandemia do COVID-19 e tentam, em alguma dimensão, se antecipar ao vírus para diminuir seus efeitos e/ou remedia-los da melhor forma possível, colocando a vida das pessoas em primeiro lugar. Somente Bolsonaro, seguindo tudo que vê Donald Trump fazer, como se fosse incapaz de tomar decisões da própria cabeça, entendeu diferente e defende que existe uma “histeria” na forma como se está tratando o COVID-19.

    Somente da comitiva que foi aos EUA com o Presidente Jair Bolsonaro, 22 pessoas estão com Coronavírus. No Brasil, há um ditado popular em alusão ao Santo Católico – São Tomé – que duvidou de seus companheiros, quando disseram ter visto Jesus ressuscitado, e só acreditou após ver com os próprios olhos, que diz: “Fulano é igual a São Tomé, precisa ver para crer”. Poderíamos dizer que Bolsonaro é igual a São Tomé, precisa ver para crer. Mas o problema é quando não se crer naquilo que se apresenta diante dos olhos. E é isso que tem acontecido na gestão de Bolsonaro em relação ao COVID-19. Mesmo que já se tenham mais de 1.000 casos confirmados no Brasil e ao menos 18 mortos, Bolsonaro trata a pandemia como histeria coletiva.

    Em todas as suas aparições, Bolsonaro demonstra uma única preocupação, a de não deixar a economia desandar. O que o presidente se esquece é que a economia é impulsionada por pessoas e que se não for garantida a vida destas pessoas, antes de qualquer outra coisa, não existe economia para se cuidar, não existe país, não existe nação. Enquanto todos os países do mundo que estão enfrentando a crise do Coronavírus apontam que o isolamento social é imprescindível para o controle do avanço do COVID-19, Bolsonaro brinca de controlar uma economia e parece não querer economizar defuntos.

    É necessário apontar os bons exemplos e ressaltar os esforços que o governador da Bahia e o prefeito de Salvador, apesar de adversários políticos, têm demonstrado. Rui Costa (PT) e ACM Neto (DEM) fecharam escolas, shoppings centers, proibiram circulação nas praias e reduziram transportes públicos. O governador ainda colocou barreiras sanitárias no Aeroporto de Salvador (apesar dos embargos presidenciais) e proibiu o trânsito entre alguns municípios e entre os estados com contaminação comunitária e a Bahia. Rui Costa, enquanto presidente do Consórcio dos Estados do Nordeste, ainda enviou carta aberta ao Embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, para pedir apoio com respiradores e para estruturar mais leitos de UTI, ao que recebeu o compromissos de esforços da Embaixada em relação ao pleito.

    Sem se importar com os brasileiros, Bolsonaro resolveu “brincar de casinha”, editando Medida Provisória (MP 926/2020) para mostrar o poder de império do governo federal e desfazer de algumas destas ações, o que continua a colocar a população em risco. Difunde fakenews sobre uma cura que, infelizmente, ainda não existe. Na contramão de outros líderes mundiais, inclusive da extrema-direita, Bolsonaro corta salário dos trabalhadores ao invés de apoiá-los em meio à pandemia mundial, desrespeita o isolamento necessário e faz papel de bobo da corte em meio a uma entrevista coletiva, enquanto o seu filho e um ministro desrespeitam o povo chinês, mesmo sendo a China a nossa maior parceira comercial e o primeiro país a enfrentar o Coronavírus no mundo, detendo, portanto, o maior número de informações sobre o vírus.

    É aí, diante desses fatos, que queremos que cada cidadão brasileiro responda ao questionamento que foi feito no início deste texto: o que os gestores estaduais devem fazer, senão assumir a competência de quem se demonstra incompetente? Será Bolsonaro, realmente, o “Messias” que a população brasileira merece? Das janelas de diversos estados do nosso país, as panelas que ecoaram nos últimos dias respondem a essa pergunta e conclamam uma nova ordem nacional? Com a palavra, o povo brasileiro.

     

    Marcos Rezende é historiador, mestre em Gestão e Desenvolvimento Social pela Faculdade de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ativista do movimento social negro brasileiro, sendo um dos fundadores do Coletivo de Entidades Negras (CEN)