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  • Fui atrás do Secretário do Tesouro, o “homem dos cortes”. Adivinha o que achei?

    Fui atrás do Secretário do Tesouro, o “homem dos cortes”. Adivinha o que achei?

     

    Álvaro Nascimento*

     

    Vesti de novo minha roupa de repórter e fui atrás do currículo do atual Secretário do Tesouro do Brasil. Minha curiosidade foi despertada nessa segunda-feira, 2, quando a CBN deu amplo espaço ao atual Secretário do Tesouro Nacional, o economista Mansueto Facundo de Almeida Júnior, ou simplesmente Mansueto de Almeida, como é nominado na grande mídia. Apresentado como “especialista em contas públicas”, durante o espaço oferecido pela CBN (sempre sem o contraditório, claro), Mansueto deitou falação sobre como o País “gasta mais do que arrecada”, que “desde o final dos anos 80 criou-se despesas insuportáveis aos sofres públicos” (evitou criticar a Constituição que assegurou direitos, sinal de que não é bobo) e, claro, que o Brasil não conseguirá suportar seus gastos “se não for aprovada a Reforma da Previdência”.

    Lá fui eu atrás da carreira do moço que, no Ministério da Economia, hoje é o responsável, repito, por nada mais, nada menos, do que as contas do Tesouro Nacional. Mansueto Almeida se apresenta como cearense, formado em economia pela Universidade Federal do Ceará em 1989 e que um ano mais tarde realizou seu mestrado na USP. Em 1994, diz que concluiu sua especialização com ênfase em macroeconomia. Quatro anos mais tarde, em 1998, ele informa que foi fazer seu doutorado no Massachusetts Institute of Technology – MIT, nos Estados Unidos. Depois que voltou ao País, foi pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), órgão do Ministério da Economia.

    Com base nestas informações, constantes aqui e ali onde Mansueto se apresentou, assinou artigos em jornais, fez palestras, fui à Plataforma Lattes do CNPq verificar exatamente o que concluiu sua dissertação de Mestrado na área macroeconômica, as conclusões de sua Tese de Doutoramento nos EUA, por onde andou, quais os artigos publicados, os estudos de que participou, referências que todo Mestre e Doutor tem (ou deveria ter). E o que encontrei? Nada. Pus o nome completo dele, o “nome de guerra”, ele simplesmente não está no Lattes do CNPq, banco de dados onde todos, eu disse todos, mestres e doutores devem estar.

    Na ausência do Lattes, apelei ao Google e fiz busca pormenorizada de sua dissertação de mestrado na USP, que seria na área da macroeconomia. Nada. Fui atrás da Tese defendida em Massachusetts e … o que encontro? Que uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), realizada a pedido do MEC, pede que Mansueto Almeida simplesmente devolva R$ 847 mil aos cofres públicos, porque entre os anos de 1997 e 2001 ele recebeu US$ 169 mil (cento e sessenta e nove mil dólares!) dos cofres públicos brasileiros para fazer seu doutorado no Massachusetts Institute of Technology (MIT) mas NÃO CONCLUIU A SUA TESE! O TCU quer que ele devolva os valores de sua bolsa atualizados e também que pague uma multa.

    Em sua defesa, o então assessor do ministro Henrique Meirelles (sim, ele foi para o Ministério da Economia em 2016, na gestão Michel Temer) afirma que teve “problemas” que acabaram adiando o término e a defesa de sua tese: doença da orientadora (o que não se sustenta, já que quem vive o mundo acadêmico sabe que quando isso ocorre um outro orientador é indicado para seguir com a orientação) e excesso de trabalho no Ipea.

    Três observações:

    1. Mesmo sem ser Doutor pelo MIT de Massachusetts, é estranho que o atual Secretário do Tesouro, pela carreira acadêmica que cita quando se apresenta, não possua o Currículo Lattes do CNPq devidamente preenchido. Afinal, é a plataforma oficial do governo brasileiro utilizada por todos que expõe nela a sua produção acadêmica.

    2. Mansueto Almeida é conhecido por suas críticas aos gastos públicos, sendo que, no ano passado, defendeu ardorosamente a aprovação da PEC do teto de gastos, usando argumentos – entre outros – de que o Estado gasta muito e mal. É curioso alguém que custou o que ele custou aos cofres públicos ao ter seu Doutorado financiado e não terminado ter a cara de pau de criticar excesso de gastos.

    3. Também no caso de Mansueto, a exemplo de diversas “autoridades” do Governo Bolsonaro, tudo indica que vale a máxima relativa aos hipócritas segundo a qual “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”.

    (*) Jornalista, escritor, descendente de índios puri
  • A economia e o Manual da Redação da Folha

    A economia e o Manual da Redação da Folha

    O Manual da Redação da Folha presta um enorme desserviço para a disseminação do conhecimento básico de economia. São duas as principais impropriedades cometidas: o reforço do pensamento único e naturalização das elevadíssimas taxas de juros brasileiras.

    O pensamento econômico único

    O tema economia é desenvolvido no Manual de modo a reforçar o pensamento único, isto é, o texto dá ênfase à ideia de que, em economia, existe somente uma solução correta para os problemas de uma sociedade ou de um país.

    Veja como o Manual define o verbete Heterodoxia/Ortodoxia:

    “No contexto brasileiro, o termo ortodoxia refere-se à teoria econômica mais alinhada aos cânones internacionais. Associa-se a
    temas como austeridade fiscal, controle da inflação e maior abertura comercial. Ideias como essas em geral são combatidas pelos
    chamados heterodoxos, que costumam refletir uma mescla de marxismo e keynesianismo tradicional […]”

    Em outros termos, o Manual está afirmando que os ortodoxos são aqueles que seguem os padrões, os modelos, as normas e as regras internacionais. Os heterodoxos são uma mistura de marxistas com keynesianos favoráveis ao descontrole da inflação, ao descontrole nos gastos públicos e ao fechamento do comércio com outro países.

    Em resumo, os ortodoxos constituem a ala que prega a teoria econômica correta. E, portanto, não há necessidade de ouvir o outro lado, verbete muito caro ao Manual.

    O consultor sobre o tema economia foi Alexandre Schwartsman, economista bastante alinhado com as finanças nacionais e estrangeiras e ferrenho defensor das políticas neoliberais adotadas pelo atual governo: diminuição do tamanho do Estado, privatização, ampla abertura comercial, reforma da previdência, reforma trabalhista, entre outras.

    O Manual oculta o fato que raríssimos economistas desprezam, hoje, o controle da inflação ou o controle dos gastos públicos. A forma e o grau como esses controles são implantados são os pontos em desacordo. A austeridade, por exemplo, adotada de modo brutal e cego, como esse congelamento de gastos por 20 anos, produz um custo insustentável para os mais pobres, um custo muito superior a outras possibilidades de política econômica, que diluam no tempo a recuperação da sustentabilidade fiscal. Estudos de organismos internacionais de cunho conservador, como o FMI, já admitiram que os arrochos que impingiam às nações em dificuldades geravam custos altíssimos à sociedade e retardavam a recuperação.

    Entre os princípios editoriais elencado no Manual, destaca-se o da pluralidade:

    “Cultivar a pluralidade, seja ao divulgar um amplo espectro de opiniões, seja ao focalizar mais de um ângulo da notícia, sobretudo
    quando houver antagonismo entre as partes nela envolvidas; registrar com visibilidade compatível pontos de vista diversos
    implicados em toda questão controvertida ou inconclusa[.]” (p. 13/14)

    Ora, seria a teoria econômica um tema incontroverso e pacificado, sobre o qual não se precisaria “cultivar a pluralidade”? A Folha está certa em pedir orientação a um único economista para orientar seus jornalistas e editores? Bem, “o principal jornal do país”, como se autodenomina a Folha no subtítulo de seu Manual, continuará mostrando que há uma só solução para nossas questões econômicas, e, certamente, não será a solução de menor custo para os trabalhadores.

    A naturalização das taxas de juros elevadas

    As discussões sobre os gastos do governo nunca trazem à tona os gastos com juros. A impressão que se tem é que a taxa de juros é obra da natureza, como uma goiaba ou uma jabuticaba. Elas são altas no Brasil por conta de um pecado original sem similar nos outros países e nada há a se fazer.

    Imagine a diferença nos gastos públicos se a taxa Selic, amanhã, fosse reduzida de 6,65 % ao ano para 3,5 % ao ano. Essa redução incidiria, dentro de algum tempo, sobre R$ 3,4 trilhões. A economia com a reforma da previdência pareceria dinheiro de cachaça perto da economia com os juros.

    Veja como o Manual define o verbete Juro/Juros

    “A taxa de juros de curto prazo varia de acordo com a oferta de moeda no mercado […] Na prática, os Bancos Centrais determinam um meta para os juros de curto prazo e ajustam a oferta de moeda para manter a taxa próxima à meta.”

    Imaginar que existe um mercado que determina a taxa de juros de curto prazo conforme a oferta e demanda de recursos é uma impropriedade descomunal. O próprio texto do Manual se contradiz no verbete Copom:

    “Comitê de Política Monetária, formado pelo presidente e por diretores do Banco Central. Reúne-se a cada seis semanas para determinar a taxa Selic.”

    A verdade é que o Banco Central determina a taxa Selic, que é a base para a formação de todas as outras taxas praticadas na economia. É verdade também que a taxa Selic atinge diretamente os gastos do governo com juros, pois a taxa determinada pelo Copom incidirá sobre os trilhões de reais de dívida que o governo tem. Em outras palavras, o Banco Central tem um poder imensurável sobre os gastos do governo. Nos 12 meses terminados em janeiro de 2018, o governo gastou com juros o valor de R$ 393 bilhões, ou 6 % do PIB.

    Ao tornar natural que o Brasil tem a maior taxa de juros do mundo continuaremos direcionando, sem qualquer discussão, essa dinheirama para os bolsos daqueles que emprestam dinheiro para o governo. É assim que a Folha de São Paulo, como afirma em seus princípios editoriais, mantém “atitude apartidária, desatrelada de governos, oposições, doutrinas, conglomerados econômicos e grupos de pressão”?

    Notas
    1 As citações fazem parte do Manual da Redação: Folha de S. Paulo, 21. edição, São Paulo, Publifolha, 2018. 486 p.
    2 Para ver os gastos com juros e o montante da dívida mobiliária: http://www.bcb.gov.br/htms/notecon3-p.asp