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Tag: Forças Armadas

  • NÃO É POSSÍVEL NEGOCIAR COM BOLSONARO!

    NÃO É POSSÍVEL NEGOCIAR COM BOLSONARO!

    ARTIGO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

    Dia 29 de junho, o presidente Jair Bolsonaro sanciona a “Lei Aldir Blanc”, que regulamenta auxílio financeiro para profissionais da cultura nesses tempos de pandemia. Essa é uma das dimensões mais tristes dessa doença maldita: a morte da arte. Não existe arte sem aglomeração. Tomara que passe logo. A vida humana não pode ser apenas fenômeno biológico.

    30 de junho, Carlos Alberto Decotelli se demite da chefia do Ministério da Educação depois de virem a público notícias de que ele fraudou currículo acadêmico. Doutorado falso na Argentina, trabalho docente na Fundação Getúlio Vargas desmentido pela instituição, plágio em dissertação de mestrado. Decotelli foi-se antes de chegar.

    Primeiro, Bolsonaro sanciona lei que ajuda profissionais da cultura, categoria que sempre desprezou, chamava de “vagabundos”, alimentando todo tipo de mentiras para jogar a população contra a Lei Rouanet. Depois, correu com um ministro que “apenas” mentiu no currículo.

    Vamos combinar, né? Num governo em que os ministros ameaçam prender juízes do STF, que dizem sem nenhum pudor que aproveitarão a pandemia para derrubar legislação ambiental, o que é mentir no currículo Lattes? O governo diz que procura um “técnico” para comandar a pasta da educação, o que sugere que o novo indicado não será alinhado à guerra cultural olavista.

    Algo está diferente. Já há umas duas semanas que o tigrão tá meio tchuchuca, com comportamento mais próximo do que se espera de um presidente da República, que por dever de ofício é obrigado a respeitar os ritos da democracia liberal.

    Por quê? O que está acontecendo?

    Em texto publicado na Folha de São Paulo em 15 de junho, Arthur Lyra, cacique do “Centrão”, disse que o governo está “amadurecendo”. Prova dessa maturidade seria a aproximação com o próprio Centrão, que ao tirar o governo de extrema-direita golpista e trazê-lo ao plano da sobriedade institucional estaria colaborando para a defesa da própria democracia brasileira.

    Conte outra!

    De centrão, o Centrão tem muito pouco. Historicamente quase sempre esteve inclinado à direita, ainda que por pragmatismo fisiológico tenha se mostrado capaz de apoiar agendas progressistas.

    Além do mais, carece de ser muito ingênuo para achar que a moderação no tom é resultado de amadurecimento. O problema do presidente nunca foi imaturidade, falta de experiência política. Bolsonaro passou quase 30 anos no Congresso Nacional. É impossível ficar tanto tempo no Parlamento e não aprender alguma coisa. Bolsonaro não é bobo. Tolo é quem continuar achando que ele é idiota.

    Bolsonaro é ideológico e está convencido de que lidera revolução destinada a sanear o Brasil e construir futuro melhor. Não é cortina de fumaça. Não é hipocrisia. É ideologia mesmo, sincera como toda ideologia.

    É crença. É utopia, o que torna Bolsonaro tipo político especialmente perigoso. Não há acordo possível com quem está convencido de que é responsável por acelerar a marcha da história rumo ao progresso.

    Na lógica da revolução bolsonarista, o contrato social da redemocratização formalizado na Constituição de 1988 é o antigo regime, o sistema corrupto que assaltou os cofres públicos e maculou os valores família cristã brasileira ao estimular na sociedade hábitos licenciosos.

    O futuro idealizado pelo bolsonarismo é uma sociedade dominada por proprietários armados e senhores da vida e da morte dentro de seus domínios, representados diretamente pelo chefe do Executivo, sem mediação institucional. Na utopia bolsonarista, o Estado é mínimo e a casa é grande.

    O bolsonarismo também opera com certo conceito de “democracia”, que é palavrinha elástica o suficiente para permitir os mais diversos usos. “Democracia” é conceito que está sempre sendo disputado. Parte da imprensa liberal comemorou a pesquisa DataFolha publicada em 29 de junho que aponta 75% da população brasileira se dizendo defensora da “democracia”. A comemoração é otimista demais. Cabe muita coisa no guarda-chuva da “democracia”. Por isso, o substantivo precisa tanto de adjetivo.

    Qual a democracia a sociedade brasileira apoia tanto?

    Não há tirano que se diga tirano. Acho mesmo que não há tirano que se considere tirano, que acorde pela manhã e pense “Hoje vou matar, torturar, reprimir só porque sou malvadão”. Os tiranos acreditam estar agindo em nome do “bem comum”, da “justiça”, do “progresso”, da “vontade de Deus”.

    Na auto-representação todos somos virtuosos, até mesmo os tiranos, até mesmo os fascistas.

    A prisão de Queiroz coloca uma bomba no colo do presidente da República. É muito difícil imaginar que a mulher e as filhas de Queiroz, ou os outros funcionários dos gabinetes dos Bolsonaro, ficarão calados, que não vão assinar acordo de delação com o MP em algum momento.

    Para além dos generais palacianos, as Forças Armadas não responderam à convocação golpista. E vejam que Bolsonaro tentou, tentou muito.

    A construção de uma rede miliciana junto às PMs é operação complexa. Demanda tempo para doutrinar a tropa. Diante do cerco institucional liderado por Alexandre de Moraes e Celso de Melo, Bolsonaro se viu obrigado a recuar. O bolsonarismo sabe que ainda não está pronto para a batalha final.

    Que as instituições não se iludam achando que é possível disciplinar Bolsonaro. Não é. O recuo é tático e não ideológico.

    Um Bolsonaro “moderado” é ainda mais perigoso do que o Bolsonaro virulento. O Bolsonaro virulento tensiona, agita, nos obriga a ficar em constante vigilância. Um Bolsonaro “soft” que sanciona lei para ajudar artista, que procura “ministro técnico” para a educação, nos faz achar que a situação voltou à normalidade.

    Não voltou!

    Não devemos dormir tranquilos enquanto Bolsonaro for o presidente. Bolsonaro é a encarnação do caos. Não é o resultado do caos. É o caos em si.

    Pior do que o Bolsonaro agitador, ameaçando a nação com golpe de Estado, é o Bolsonaro “paz e amor”. Assim, ganha-se tempo para organizar o projeto golpista. A ruptura será sempre o horizonte do bolsonarismo.

    Bolsonaro se enxerga como revolucionário e não vai parar. Será sempre ameaça à democracia. Se for reeleito em 2022, indicará quatro ministros para o STF até 2026. É mais de 1/3 da corte.

    Ou a democracia derruba Bolsonaro ou Bolsonaro derrubará a democracia, nem que seja aos poucos, ocupando por dentro as instituições da República.

    Não é possível negociar com Bolsonaro. Não é possível conviver com Bolsonaro.

  • O BAIXO CLERO NO PODER

    O BAIXO CLERO NO PODER

     

    ARTIGO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

     

    Dezoito de junho de 2020, o dia em que Fabrício Queiroz, o personagem mais folclórico da crônica política brasileira contemporânea, foi preso, alimentando toda a sorte de memes e piadinhas. O brasileiro tem capacidade única de gracejar no caos. Deve ser uma qualidade.

    Queiroz é personagem social típico do Rio de Janeiro. Se Moacyr Luz estava certo quando disse que o Rio de Janeiro é a cara do Brasil, o retrato 3 X 4 que sintetiza o corpo nacional, poderíamos dizer que Queiroz é também um tipo ideal brasileiro que, diferente do weberiano, existe em carne e osso.

    Quem foi criado no subúrbio carioca, na Baixada Fluminense ou ali por São Gonçalo e Niterói, já conheceu pelo menos um Queiroz na vida. PM corrupto, violento, envolvido com milícias. Mas também carismático, com aparência de ser gente boa. Bom de churrasco, corrente de São Jorge no pescoço, safo na resenha futebolística, com ginga pra sacolejar bonitinho ao som de uma boa roda de samba. Sorriso largo. É perfeitamente possível simpatizar com Queiroz.

    Bandido de baixo clero, rouba no esqueminha, no rolo, no varejo. O Brasil, hoje, é governado por uma quadrilha de bandidos de baixo clero. Bolsonaro sempre foi corrupto, mas como era ladrão miúdo, passou batido pelo tribunal moral lava-jatista que pauta a política brasileira desde 2014. Bolsonaro roubava na rachadinha, superfaturando nota do posto de gasolina. Qual delegado da PF, qual procurador do MP tem interesse em investigar ladrão de galinha? Não dá capa de jornal, não dá mídia.

    Foi justamente essa mediocridade que permitiu a Bolsonaro performar o honesto no processo de radicalização da crise democrática. Até hoje, há quem considere os crimes da família Bolsonaro como sendo de menor potencial ofensivo. O brasileiro médio, cidadão de bem, não tolera o crime de colarinho branco, mas lida bem com o esqueminha, com o rolo. Uma questão de identidade mesmo. Bolsonaro e Queiroz representam muito bem o brasileiro médio.

    Queiroz ficou um ano encarcerado em Atibaia, norte de São Paulo. Não estava escondido não. Estava preso mesmo, sob controle. Era isso ou a vala. Mandar Queiroz para o plano espiritual não seria tão fácil. O cara era muito conhecido, não podia amanhecer morto assim, sem mais nem menos. Para dar fim em Queiroz teria que dar fim também na esposa e nas filhas. Operação complexa. Não excluo também o fato de os Bolsonaro gostarem mesmo de Queiroz, de existir vínculo afetivo sincero entre eles. Os brutos também amam.

    Queiroz foi preso numa casa onde tinha um quadro velho do AI-5 e um bonequinho de Tony Montana, personagem vivido por Al Pacino em filme de máfia. O covil de Queiroz renderia um ensaio de interpretação do Brasil.

    Quem delatou Queiroz foi a filha do Olavo de Carvalho!!!! A filha do guru do bolsonarismo, rompida com o pai, delatou Queiroz. Que roteirista é esse?

    Queiroz foi encontrado na casa de Frederick Waseff, advogado da família Bolsonaro. Na década de 1990, Wassef era membro de seita satanista, chegou a ser acusado de ter matado criança num ritual macabro em Guaratuba, no Paraná. O cara é advogado da família do presidente da República!! Desse aí não tem como gostar não. Não deve ter sido fácil para o Queiroz conviver um ano com esse sujeito barra pesada.

    A prisão de Queiroz sugere o enfraquecimento político do presidente Jair Bolsonaro. Já há mais de um ano que o esquema das rachadinhas coordenado por Queiroz no gabinete de Flávio Bolsonaro é de conhecimento público. Durante esse tempo todo, a Justiça fez vista grossa, deixando o caso Queiroz em banho maria. Agora, exatamente quando as instituições da República dobram a aposta no confronto ao governo, Queiroz foi preso.

    Queiroz, seus filhos, sua esposa, os ex-funcionários de Flávio Bolsonaro nos tempos da ALERJ. Essas pontas não ficarão juntas por muito tempo. Em breve, alguém dará com a língua nos dentes. Flavio não é exceção, não é a ovelha negra da família. Flávio não inventou o esquema. Aprendeu com o pai. As investigações chegarão no gabinete do próprio Jair Bolsonaro. É tão óbvio quanto a existência do sol.

    Os generais palacianos sabem perfeitamente disso. Diferente do que vinha acontecendo já há algum tempo, eles não saíram em defesa do presidente Bolsonaro. Simplesmente silenciaram, num gesto que sugere constrangimento e inclinação ao desembarque. Ao ingressar no governo de Bolsonaro, as Forças Armadas se envolveram na pior encrenca de sua história. Sairão sujas dessa aventura, contaminadas pela corrupção rasteira do baixo clero bolsonarista, com mais de 200 mil mortos da covi1-19 nas costas. O Exército brasileiro é responsável direto pelo Ministério da Saúde. Em algum momento, essas pessoas serão responsabilizadas, moral e penalmente. Para a reputação dos militares, Bolsonaro será mais danoso do que foi a ditadura.

    A ditadura deixou algum legado de desenvolvimento e infraestrutura. Bolsonaro só deixará cinzas, corpos e escândalos de corrupção.

    O caso Queiroz praticamente sepulta a possibilidade de um autogolpe apoiado pelas Forças Armadas. É difícil imaginar que um número grande de oficiais da ativa apoiariam um golpe sem projeto, sem nenhum fundamento ideológico. Seria um golpe tão somente pretoriano com o único objetivo de salvar os parentes e amigos de Bolsonaro das garras da justiça.

    Por outro lado, é prudente não dar Inês como morta antes da hora. O golpe militar clássico apoiado pelas Forças Armadas não é a única carta que Bolsonaro tem na manga. Há também o projeto do golpe miliciano sustentado pelas PMs estaduais. Esse projeto está em curso. Enquanto escrevo este texto, enquanto o leitor me lê, há gente nos batalhões das PMs tentando doutrinar a tropa.

    A PM fluminense já é bolsonarista. São Paulo começa a perder o controle sobre a sua corporação. É difícil saber como está a situação nos outros estados. Fato é que a Presidência da República, hoje, é o único trunfo de Bolsonaro, é questão de sobrevivência. O tom ameno dos últimos dias não é uma trégua, tampouco intensão sincera de reconciliação com os outros poderes. É estratégia para ganhar tempo visando a mobilização e a formação ideológica das PMs estaduais.

    Assim que as condições políticas ficarem plenamente satisfatórias, as instituições da República precisam agir, de forma rápida e eficiente. O caso Queiroz tem potencial para ser a bala de prata já tantas vezes anunciada. Carece de saber usar.

    Seria irônico se Bolsonaro caísse por causa de Queiroz, bandido de baixo clero. Seria coerente também. São feitos do mesmo barro.

     

  • QUEM DARÁ O GOLPE NO BRASIL?

    QUEM DARÁ O GOLPE NO BRASIL?

    ARTIGO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

    Em 1962, no calor de uma grave crise institucional, Wanderley Guilherme dos Santos publicou o livro “Quem dará o golpe no Brasil?”. Texto de intervenção, rápido, atravessado por marcas de oralidade. O jovem cientista político, na época filiado ao Partido Comunista, verbalizou aquele ambiente de incerteza, deixando para nós o testemunho de uma geração que via o futuro se fechar diante de seus olhos.

    Wanderley Guilherme dos Santos não está mais entre nós. Morreu recentemente, deixando um vazio impreenchível na inteligência nacional. Sua pergunta é mais atual que nunca. Novamente, estamos vivendo situação de crise institucional. Outra vez, a possibilidade da ruptura está no horizonte. Mais uma vez, o futuro está sendo bloqueado.

    Quem dará o golpe no Brasil?

    Há mais de um projeto golpista.

    Nas últimas semanas, os generais palacianos foram com frequência às paginas da imprensa. Augusto Heleno e Eduardo Ramos ameaçaram explicitamente o país com golpe militar. Mourão defende o governo. Generais da reserva escrevem manifesto apoiando Bolsonaro.

    Militares da ativa ocupam o governo em centenas de cargos de segundo e terceiro escalões. Resta pouca dúvida de que os militares se tornaram os mais poderosos aliados do bolsonarismo.

    Mas esse casamento é recente. Nunca é demais lembrar que Mourão foi a última opção para a vaga de vice-presidente na chapa que venceu as eleições presidenciais de 2018. Bolsonaro tentou o centrão, tentou Janaína, tentou o sujeito que se diz príncipe. Tentou Magno Malta. Ninguém quis apostar. Ninguém levou fé em Bolsonaro. Magno Malta achou mais seguro tentar a reeleição para o Senado pelo Espírito Santo. Perdeu. Foi escanteado no governo. Se arrependimento matasse, o cabra já estaria morto e enterrado. Deve chorar em posição fetal todos os dias pela manhã.

    Ao longo do primeiro ano de governo, o núcleo ideológico foi hegemônico nas disputas internas e constantemente ofenderam e humilharam os generais. Chegaram mesmo a derrubar Santos Cruz, que comandava a pasta da Secretaria de Governo.

    Bolsonaro passou 2019 inteiro tentando tirar das Forças Armadas o controle sobre a comercialização de armas de fogo. O objetivo era claro: construir uma base armada miliciana que fosse capaz de sustentar um regime de força contra as instituições estabelecidas, incluindo aí as próprias Forças Armadas.

    O projeto golpista orgânico do bolsonarismo, portanto, é miliciano, é paramilitar. Ecoando a crítica da modernidade desenvolvida por Olavo de Carvalho na década de 1990, desde o primeiro dia de seu governo, Bolsonaro vem tentando armar suas milícias, construir sua tropa pessoal, encontrando nas PMs estaduais campo fértil para proselitismo ideológico. Isso fica muito claro na dinâmica dos protestos de rua que vêm acontecendo sempre aos domingos.

    As PMs são tchuchuca com os bolsominions e tigrão com os antifas.

    Mas nem tudo na vida acontece como o planejado. A ruptura com o PSL, a escalada crescente de reação por parte das instituições da República e o derretimento do apoio popular levaram o Bolsonaro a mudar a rota, não sem conflitos com o núcleo ideológico. O evento que marcou essa mudança de rumo foi a nomeação de Braga Netto para o comando do Ministério da Casa Civil, em fevereiro desse ano.

    Chegou-se a ventilar que Braga Netto seria o “presidente operacional” do Brasil, o que faria de Bolsonaro uma marionete manipulada pelos generais. Isso nunca aconteceu. Bolsonaro sempre foi o chefe do governo, e passou a fazer uso retórico da imagem das Forças Armadas, como quem diz “Não mexam comigo porque eles são meus amigos”.

    A crise com Sérgio Moro selou de vez a aproximação de Bolsonaro com os generais palacianos. Ao denunciar Bolsonaro, Moro colocou todos os ministros, incluindo os generais, no campo da prevaricação. Agora, mais do que nunca, Bolsonaro e os generais estão do mesmo lado, juntos contra o STF.

    Juntos irão até o fim. Se o fim vai ser a ruptura institucional, a derrocada, o sucesso eleitoral em 2022 é história ainda a ser escrita. Fato mesmo é que o governo se tornou um bunker onde Bolsonaro e seus generais resistem ao cerco institucional liderado por Celso de Melo, Rodrigo Maia e Alexandre de Moraes.

    As Forças Armadas não têm um projeto para o país. Foram reduzidas à constrangedora posição de guarda pretoriana de um governo formado por bandidos de baixo-clero. Com os generais montando guarda na porta do bunker, Bolsonaro tenta ganhar tempo para organizar suas milícias, mirando o golpe dos seus sonhos.

    Os generais da reserva, comandantes sem tropa, leões sem dentes, ameaçam a nação com um golpe porque estão até o pescoço atolados no esgoto bolsonarista.

    O bolsonarismo raiz vai construindo suas redes milicianas, apostando na sua agenda ideológica: transformar o Brasil num paraíso yankee tropical, com o Estado mínimo e a casa grande, com patriarcas armados, senhores da vida e da morte dentro de seus domínios, sem nenhum constrangimento institucional.

    Golpe miliciano e golpe militar-pretoriano. Dois projetos distintos. Bolsonaro está com um pé em cada barco.

    Em 1962, Wanderley Guilherme cravou: o golpe aconteceria, mas “por razões históricas” não seria um golpe militar, já que as Forças Armadas “jamais se projetaram como uma casta à frente da sociedade”. Na opinião do professor, seria um golpe civil liderado pelas elites entreguistas comandadas por Carlos Lacerda. No máximo, os militares escoltariam os golpistas civis, que seriam as mesmas elites que o PCB acreditava serem aliadas táticas no processo de modernização do Brasil.

    Como sabemos, Wanderley Guilherme errou na previsão. Acontece nas melhoras famílias.

    Hoje, parece claro que Bolsonaro tem duas cartas na manga, está investindo em dois projetos golpistas. Se vai dar certo não tem como saber. Golpe de Estado é operação complexa. A parte mais difícil de todo golpe de Estado é sempre o dia seguinte.

    Porém, a julgar pela radicalização dos conflitos entre o presidente e os outros poderes da República, acho improvável que não haja tentativa de golpe. Virou questão de sobrevivência para o bolsonarismo.

    Será golpe miliciano? Será golpe militar-pretoriano? A combinação entre ambos? Só o tempo dirá. É prudente evitar as previsões. Quase nunca a gente resiste à tentação.

     

     

  • QUESTÃO MILITAR

    QUESTÃO MILITAR

     

     

    ARTIGO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

    Charge de Netto

    Costuma ser imediata a associação de Jair Bolsonaro com a ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Faz todo sentido, pois Bolsonaro ficou quase 30 anos no Congresso nacional usando a tribuna parlamentar para elogiar a Ditadura. Todo 31 de março lá estava o deputado Bolsonaro a soltar rojões em comemoração ao golpe de 1964.

    Porém, se formos olhar com cuidado a trajetória política de Bolsonaro para além da retórica, perceberemos que seus vínculos com as forças armadas precisam ser relativizados. Bolsonaro foi expulso do Exército em condições até hoje nebulosas, não chegou às altas patentes, tinha fama de arruaceiro e indisciplinado. Passou mais tempo no Congresso nacional como deputado de baixo clero do que no Exército como capitão de artilharia.

    Bolsonaro nunca foi uma liderança militar envolvida na política institucional. Era um político profissional que, por acaso, tinha sido militar.

    Essa relação um tanto distanciada entre Bolsonaro e as Forças Armadas fica ainda mais clara se acompanharmos na lupa ampliada a crônica de seu governo.

    É verdade que os generais estão no governo desde o início, mas não eram o núcleo mais influente. Nem perto disso. É que um governo sempre é disputado por dentro, com vários núcleos competindo entre si o poder de influenciar o presidente.

    Durante o primeiro ano de governo, Bolsonaro esteve mais próximo do núcleo ideológico, operacionalizado pelo Carluxo, chefe do gabinete do ódio, e comandado a partir da Virgínia, pelo autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho. Também Eduardo Bolsonaro tem atuação destacada aqui. Em fevereiro de 2019, Steve Banon anunciou Eduardo como o líder sul-americano do “The Moviment”, movimento internacional de extrema direita.

    Desde a década de 1990 que Olavo de Carvalho dizia que a ditadura militar não tinha sido capaz de dar cabo do marxismo cultural no Brasil. A ditadura teria “prezado demais pela institucionalidade e não teve a coragem necessária para arrancar o mal pela raiz”, nas palavras do próprio Olavo em sua página do twitter.

    O núcleo ideológico nunca confiou no núcleo militar. Isso explica os constantes ataques do gabinete do ódio aos generais. Tudo sempre foi feito publicamente, sem nenhum pudor, e com o consentimento silencioso do próprio presidente.

    Carluxo, Eduardo e Olavo de Carvalho usavam suas contas no twitter para denunciar o que consideravam ser o pouco compromisso dos generais com o presidente. Não raro, falaram em traição, como no caso da tramitação da PLN04/2019, que propunha a liberação de 249 bilhões de reais em crédito suplementar para o governo. Carluxo ficou muito incomodado com o pouco envolvimento dos generais na causa.

    Hamilton Mourão era o principal alvo. Heleno também não passou imune. No primeiro semestre de 2019, os ataques foram ininterruptos, culminando com a demissão do general Santos Cruz da Secretaria de Governo, no final de junho.

    Se o deputado Bolsonaro era nostálgico, saudosista da Ditadura, o presidente Bolsonaro é outra coisa. É fundamental destacar as diferenças entre o deputado de baixo clero e o presidente carismático.

    O deputado é filho de março de 1964. O presidente é filho de junho de 2013.

    O presidente e seus conselheiros mais próximos nunca confiaram nas Forças Armadas. O objetivo inicial não era reeditar a ditadura nos moldes de 1964. Os objetivos eram outros.

    Primeiro, investir na constante polarização ideológica a ponto de fidelizar uma base social orgânica leal, disciplina e armada. Depois, organizar um regime de força fundado em milícias, mais fáceis de serem doutrinadas no compromisso com o projeto maior: “Destruir o globalismo cultural”, pra citar outra vez Olavo de Carvalho.

    Não à toa, em junho de 2019, o governo publicou quatro versões do “Decreto das armas”, liberando para comercialização ampla armamentos de uso exclusivo das Forças Armadas, sem consultar as Forças Armadas. Definitivamente, o presidente Bolsonaro não é um saudosista da Ditadura Militar.

    Mas como na política o mundo gira rápido, Bolsonaro foi obrigado a se reaproximar dos generais, levando, em fevereiro de 2020, Braga Netto para a chefia do ministério politicamente mais importante.

    Sem apoio no Congresso depois de ter rompido com o PSL (novembro de 2019), sob constante desconfiança do STF e com a derrota da revolta miliciana do Ceará (fevereiro de 2020), Bolsonaro precisou apelar para os generais. Não fez por ideologia, não fez por projeto. Fez porque estava acuado, isolado.

    Onde quero chegar?

    Quero dizer que as relações entre Bolsonaro e os generais sempre foram tensas e marcadas pela desconfiança recíproca. Até agora, eles nunca estiveram do mesmo lado.

    Até agora.

    Em 2 de maio, Sérgio Moro prestou depoimento na sede da Polícia Federal, lá em Curitiba. Disse que Bolsonaro falou abertamente em reunião ministerial que queria interferir na PF para proteger seus filhos. Todos os ministros estavam presentes. Todos, incluindo os generais Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno.

    Se Moro estiver falando a verdade, os generais presenciaram Bolsonaro cometendo um crime e não falaram nada. A omissão é crime de prevaricação. Na pessoa de Celso de Mello, o STF agiu, convocando os generais pra depor.

    O STF colocou três generais do Exército numa sala de depoimento, sendo interrogados pela Polícia Federal. Esse é daquele tipo de evento que sempre tem desdobramentos, nunca fica por isso mesmo. Na voz de Mourão, os generais reagiram. Mourão foi à imprensa criticar o STF, acusar a corte de “ultrapassar seus limites constitucionais”. Para os generais envolvidos na confusão, resta apenas defender Bolsonaro e se enlamear nas picaretagens envolvendo o clã presidencial. Caso contrário, assumem a prevaricação.

    Pela primeira vez, Bolsonaro e os generais estão do mesmo lado. Temos aqui um fato novo na dinâmica da crise. Um fato de primeiríssima importância, e da maior gravidade.

    “As Forças Armadas não apoiam nenhum tipo de golpe contra a democracia”, reza o mantra repetido pelas notas publicadas pelo Ministério da Defesa sempre que Bolsonaro ameaça os outros poderes da República.

    As Forças Amadas não apoiam golpe até o momento em que começam a apoiar, até o momento em que surge um motivo para apoiar, até o momento em que começa a existir uma questão militar.

     

  • O remédio amargo e necessário do impeachment

    O remédio amargo e necessário do impeachment

    Por Ruy Samuel Espíndola, advogado e professor de Direito Constitucional

     

    Entre os 178 Países que sofrem, atualmente, com a pandemia de covid-19, nenhum deles experimenta uma específica patogenia complementar: a ameaça real à integridade de suas instituições democráticas. O Brasil precisa agir rápido para evitar a eclosão de uma epidemia antidemocracia, tendo em conta o comportamento contaminador do presidente da República, Sr. Jair Bolsonaro.

    A democracia admite opiniões e proselitismos que lhe contrariem, o que a ditadura não permite, de modo algum, seja ela de direita ou de esquerda. Mas a Constituição, em um Estado de Direito, impõe o limite para que opiniões e proselitismo antidemocráticos não se transformem em ações e comportamentos concretos, que objetivem implodir a democracia, no ânimo de estatuir ditadura ou outra forma autocrática.

    Nossa Constituição prevê vários instrumentos para salvaguarda da normalidade democrática, sobressaindo, como última arma de defesa, o impeachment, quando o agressor for o Presidente da República e os demais diques não se mostrarem bastantes para conter os seus ímpetos inconstitucionais. O Congresso, o STF e a Imprensa Livre, compõem os elementos de contenção, todavia, se passam a ser ameaçados de agressão ou efetivamente agredidos, o uso da arma de maior calibre se mostra necessário.

    Na mesa do Presidente da Câmara dos Deputados aguardam despacho 26 petições  que pedem impedimento do presidente da República. Juntas compõem um minucioso relatório a dotar de justa causa um eventual impeachment. Entre as principais causas de pedir figuram: as recentes revelações pelo ex-ministro Sérgio Moro de (i) interferência política na Polícia Federal; (ii) a participação em vários atos pró-intervenção militar; (iii) disseminação de notícias falsas, ataques a jornalistas e a veículos de imprensa; e (iv) desobediência ao isolamento social exigido pela covid-19, ao promover aglomerações e estímulos para que cesse, mesmo diante do crescimento acentuado do número de contaminações e óbitos.

    Os acontecimentos de sábado e domingo (2 e 3 de maio), entrelaçados em causalidade, aprofundam a justa causa para impeachment.

    No sábado, após 8 horas de depoimento, o ex-ministro Moro trouxe novas provas sobre a alegada tentativa de interferência sobre a Polícia Federal. A depender do seu conteúdo e veracidade, poderão robustecer essa causa de pedir.

    Domingo, manifestações explícitas patentearam a real intenção delitiva do Presidente, ao dizer em transmissão pública que: “o povo está ao meu lado, e as Forças Armadas estão ao lado do Povo e do meu Governo”; “cheguei  ao meu limite”; que não tolerará, que não terá “mais paciência” contra atos dos demais poderes que venham a conter sua vontade de poder.

    Ao dizer tudo isso, justamente perante manifestação popular que pedia, expressamente, intervenção militar, fechamento do Congresso e do STF, Bolsonaro transgrediu a linha que separa a atuação governamental da consumação de crime de responsabilidade. E sua conduta durante a manifestação também transgrediu regras legais sanitárias; confrontou exigências médico-científicas e estimulou ações que agravam a crise pandêmica. Além do que, sob o seu olhar, ainda que por omissão, jornalistas foram fisicamente agredidos pelos manifestantes, que apenas refletiram, em atos físicos, repetidas manifestações presidenciais contra veículos de imprensa que lhe expressam opiniões desfavoráveis.

    Assim, os temas da “intervenção militar”, “da Covid-19” e “agressão à liberdade de imprensa”, ganharam robustez, pois ficaram patentes as condutas que os tipificam como crimes de responsabilidade: atos que atentaram contra o livre exercício do Congresso Nacional e do STF (artigos 4º, II c/c  6, item 1, 7º, itens 7 e 8 da Lei 1.079/50); atos que atentam contra o exercício do direito social à informação dada pela imprensa e contra o direito individual de jornalistas de realizarem seus trabalhos (artigo 4º, III c/c 7º, item 9); atentado ao direito social à saúde dos brasileiros (artigo 4º, III c/c 6º, itens 7 e 8, 8º, itens 4, 7 e 8); ato revelador da intenção de não cumprir decisões judiciárias que contrariem sua vontade de poder (4º, VIII c/c 6º, item 5, 12, item 2).

    Novo pedido de impeachment poderia ser apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil, conjuntamente com a Associação Brasileira de Imprensa, em proteção do livre exercício do Congresso Nacional, do STF e da Imprensa, como medida profilática a barrar o surto de antidemocracia derivado do patogênico comportamento presidencial. Que esses agentes sanitários da institucionalidade, apoiados pelas forças democráticas e progressistas que se encontram dentro e fora dos poderes constituídos, impeçam a eclosão de uma epidemia que pode tomar o País e afetar drasticamente a saúde da nossa liberdade. Epidemia que poderá levar a óbito ou aleijar de forma irrecuperável, por “síndrome aguda respiratória”, a nossa ameaçada democracia constitucional.

    Para a pandemia de Covid-19 ainda não há vacina, mas para se evitar à eclosão epidêmica da antidemocracia existe o remédio do impeachment.

     

    Ilha do Desterro, SC, 4 de maio de 2020

  • Pior que a ditadura militar, só a ditadura miliciana

    Pior que a ditadura militar, só a ditadura miliciana

     

    ARTIGO

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

     

    Já é lugar comum associar o governo de Jair Bolsonaro à ditadura militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Como se a história fosse cíclica, muitos afirmam que o atual governo seria a repetição da experiência política autoritária de antes. Isso pode ser ouvido na boca dos apoiadores e dos críticos de Bolsonaro. Os apoiadores elogiam porque têm uma visão positiva da ditadura militar. Os críticos rejeitam Bolsonaro porque tem uma visão negativa da ditadura militar.

    Bolsonaro seria, então, o retorno daquele passado.

    A associação rápida entre o governo de Bolsonaro e a ditadura militar inspira alguns cuidados. Ė necessário diferenciar o Bolsonaro deputado do Bolsonaro presidente.

    Jair Bolsonaro ficou quase 30 anos no Parlamento sem relatar projetos ou presidir comissões. A vida funcional do deputado se resumia, basicamente, a subir à tribuna para elogiar a ditadura e criticar a democracia. Como percebeu com astúcia o professor Daniel Pinha (do Departamento de História da UERJ), o deputado Bolsonaro era um outsider da democracia, ainda que fosse deputado eleito em exercício de mandato, legitimado pela própria democracia.

    Bolsonaro não fazia parte do jogo democrático. Era a fenda autoritária que trincava o chão da democracia brasileira. A rachadura era pequenininha, quase imperceptível. Ninguém deu importância.

    Não à toa, Bolsonaro passou a ter maior projeção quando a democracia começou a colapsar, em junho de 2013. Bolsonaro era um dos poucos políticos que conseguiam andar confortavelmente nas ruas conflagradas, exatamente porque podia bater no peito e dizer “Nunca fiz parte disso, sempre critiquei”. E tinha razão.

    O deputado Bolsonaro foi saudosista da ditadura. O presidente Bolsonaro não é, apesar dos elogios frequentes aos ditadores. O presidente Bolsonaro não pretende replicar a ditadura militar. Seus propósitos são ainda mais nefastos.

    Primeiro porque a relação de Bolsonaro com as Forças Armadas não é harmônica. Bolsonaro saiu do Exército em 1988 em condições ainda não esclarecidas. Na época, ele tinha 33 anos e contava apenas 15 anos de serviços militares prestados. Bolsonaro passou mais tempo no Congresso Nacional como deputado de baixo clero do que nos quartéis como capitão de artilharia.

    Militar de baixa patente com fama de arruaceiro e indisciplinado, sem vínculos de camaradagem com outros militares. Se tivesse que escolher alguém para liderar um governo militar puro sangue, o generalato não escolheria Bolsonaro. Escolheria Mourão, Santos Cruz, Flávio Macedo ou qualquer outro oficial de altíssima patente e mais identificado com as forças armadas.

    Mas como foi Bolsonaro o eleito, os generais embarcaram, achando que conseguiriam pautar o presidente. Deram com os burros n’água. No primeiro ano de governo, os generais com cargos no primeiro escalão foram constantemente humilhados pelos príncipes presidenciais e pelo guru Olavo de Carvalho.

    Santos Cruz, respeitadíssimo dentro do Exército, foi demitido em junho. Mourão tentou exercer algum protagonismo e foi abertamente escanteado. Apenas o aloprado Augusto Heleno, outro com reputação pra lá de questionável, parece circular com algum conforto pelo primeiro escalão do governo.

    Somente na quarta versão do decreto das armas e depois de muita pressão dos militares, Bolsonaro reconheceu a autoridade técnica das Forças Armadas em definir quais armamentos poderiam ou não ser comercializados para pessoas físicas. Por três versões, o texto do decreto liberava para porte privado armas consideradas de uso exclusivo das Forças Armadas sem prever consulta às Forças Armadas. É ofensa institucional gravíssima.

    Bolsonaro ignorou solenemente a orientação dos generais na ocasião da crise com a Venezuela.

    Bolsonaro não é presidente militar.

    Se nas últimas semanas, os militares ganharam mais espaço no governo com a nomeação de Walter Souza Braga Netto para o comando do Ministério da Casa Civil, não foi por gesto espontâneo do presidente. Bolsonaro está isolado institucionalmente, pressionado pelos outros poderes da República. Os generais ainda são aliados estratégicos, ainda.

    Mas se Bolsonaro não é presidente militar, é o quê?

    É presidente miliciano, o que é muito pior, muito pior mesmo, do que ser presidente militar.

    O projeto de médio prazo do bolsonarismo é infiltrar milicianos nas polícias militares estaduais, desestabilizando governos de oposição e construindo a base armada que sustentaria o golpe contra os outros poderes da República. A recente greve da PM cearense foi apenas ensaio.

    Se acontecer golpe no futuro próximo, não será exatamente golpe militar, como em 1964. Será golpe miliciano. Por isso, Bolsonaro insistiu tanto no decreto das armas. A justificativa de que se tratava de uma questão de segurança pública, de que o “cidadão de bem tem o direito de se proteger contra os bandidos”, é conversa pra boi dormir. O interesse é armar uma base social disposta a ir às últimas consequências para remover a resistência que as instituições democráticas ainda impõem ao projeto bolsonarista.

    Não à toa, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal derrubaram o decreto das armas. O Congresso derrubou na política. O STF declarou inconstitucionalidade. Não à toa, a malta fascista que irá às ruas em 15 de março exige o fechamento do STF e do Congresso.

    O que aconteceria se o decreto tivesse se tornado lei e essas pessoas estivessem armadas?

    Se a história do Brasil for novamente sangrada por uma ditadura, tudo indica que não será uma ditadura militar. Será uma ditadura miliciana, o que é muito pior, muito pior mesmo que uma ditadura militar. 

    Militar é submetido à hierarquia, a projetos institucionais. Traja farda com nome bordado no peito. 

    Longe de mim elogiar a ditadura militar, mas precisamos lembrar que grande parte da infraestrutura que o Brasil tem hoje (que está sendo destruída pelo atual governo), foi erguida pelos governos militares. O sistema universitário brasileiro (que está sendo destruído pelo atual governo) foi construído pelos governos militares. Em diversos aspectos, os militares deram continuidade ao projeto de desenvolvimento nacional idealizado na década de 1930 sob a liderança de Getúlio Vargas. 

    Já o miliciano é capanga vulgar, rasteiro, que sai às ruas mascarado ordenando que os comerciantes fechem as portas. É jagunço armado sem nenhum compromisso com nada além da vontade do seu patrão, daquele que contratou seus serviços. 

    Pior que a ditadura militar, só a ditadura miliciana.