Violência na infância é um retrocesso psicopedagógico!
O coletivo BRADO-NY expressa seu repudio à publicação do almanaque da Turma da Mônica sobre as Forças Armadas. Além de configurar apoio à farsa da intervenção militar no Rio de Janeiro, orquestrada pelo presidente ilegítimo e golpista, Michel Temer, entendemos ser lamentável o uso da tão querida figura da Mônica e de outros personagens que marcaram a infância de muitos brasileiros, que estão retratados segurando tanques de guerra, submarinos e outros objetos que podem, inadvertidamente, incentivar o uso de armas de brinquedo e de brincadeiras violentas, o que representa um retrocesso em relação à psicopedagogia infantil.
MILITARIZAÇÃO INFANTIL: AGORA A TURMA DA MÔNICA VAI INCENTIVAR CRIANÇAS A BRINCAREM COM TANQUES DE GUERRA ARMAS, BOMBAS? CRIANÇAS NÃO PODEM SER ALVO DE PROPAGANDA DA INTERVENÇÃO MILITAR E DO CONTROLE ABUSIVO DO ESTADO.
O eixo discursivo central da campanha eleitoral de Mauricio Macri para a presidência foi “voltar ao mundo”. Era hora de superar o atraso e o isolamento da era Kirchner, aproveitar o grande potencial humano e produtivo da Argentina e produzir reformas capazes de reinserir o país na economia mundial. Nas falas televisivas dos apoiadores do então candidato dizia-se com frequência que a Argentina precisava voltar a ser um país normal. E um país normal, para a elite argentina, bem como para parte significativa de sua classe média, é um país em que se pode comprar e vender dólares sem restrições.
Vencidas as eleições, o novo mandatário tratou de colocar em prática seu choque “modernizador”: abriu o país às importações, liberou o controle cambiário sobre o valor do dólar, derrogou tributos sobre a exportação do trigo, milho e soja e reduziu impostos sobre automóveis, motos e embarcações de luxo, quase sempre importados. Aproveitou a boa recepção à sua vitória nas economias do centro do capitalismo, que viram aí uma oportunidade de iniciar a virada no tabuleiro, com auspícios de uma derrocada em série dos governos populares da região, para alçar voos maiores. Em dezembro do ano passado, Buenos Aires sediou a 11ª Reunião Ministerial da Organização Mundial de Comércio (OMC). No final deste ano, presidirá a Cúpula do G20, a reunião das vinte economias mais ricas do planeta, que terá o tema “construindo consenso para um desenvolvimento equitativo e sustentável”.
Por debaixo desse véu modernizador, o mundo volta à Argentina sob outra forma, arcaica. No dia 8 de maio, diante da desvalorização galopante do peso argentino, da ineficácia da alta dos juros e da venda sucessiva de reservas para conter a subida do dólar, em pronunciamento oficial, o presidente declarou que decidiu iniciar diálogo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para “fortalecer este programa de crescimento e desenvolvimento”. A euforia dá lugar ao pesadelo, como no filme de terror Escape From Tomorow, em que um pai leva a família de viagem para a Disney sem revelar que foi demitido.
O outro lado do conto de fadas é um país empobrecido (ao menos para suas vastas maiorias) e que, desde que Macri assumiu, somente agudizou seus problemas estruturais. O setor exportador de soja e minérios aumentou consideravelmente a sua rentabilidade. O setor financeiro obteve ganhos fabulosos com o empréstimo de dinheiro ao Estado a juros exorbitantes. A bicicleta financeira consistente na compra e venda sucessiva das Letras do Banco Central (Lebac) já no ano passado atingia 26% de juros (El país, 23/06/2017). Para o setor produtivo industrial quase nada chegou neste contexto de plena abertura aos investidores. Já para a massa trabalhadora restou o aumento do desemprego, a desindustrialização, a redução do valor real dos salários e o aumento brutal das tarifas de serviços públicos.
Em termos macroeconômicos os desequilíbrios somente se acentuaram: a abertura econômica gerou mais dependência. O governo impulsionou forte processo de endividamento externo dando um passo atrás no caminho de redução da dívida ocorrido durante o período kirchnerista. O déficit de conta corrente alcançou 5% do PIB, superando os 2,8% de 2015 e os registros da década de 1990. A avalanche importadora, em um cenário de abertura comercial, provocou a elevação do déficit de comércio exterior para o nível mais elevado dos últimos 40 anos. Ao contrário dos tão sonhados investimentos produtivos incrementou-se a fuga de capitais, e ainda se tentou amenizar o déficit pelo aumento da dívida externa.
O macrismo e seu leque de aliados chamaram as reformas implementadas até agora de “gradualistas”. Avançaram com a reforma previdenciária, com uma reforma tributária com caráter regressivo e têm na agenda uma reforma trabalhista de propósito flexibilizador e precarizador. O remédio do ajuste, no entanto, nunca é suficiente. A morte iminente do paciente, em vez de colocar em questão o próprio tratamento, para os financistas de plantão é sempre uma oportunidade para legitimar um aumento da dose. Por isso, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central do Brasil sob a presidência de FHC, ao falar da crise argentina diz que “hoje as opções são fazer mais rápido este ajuste, que sempre esteve entre os objetivos do governo, ou ter problemas muito mais sérios” (Ámbito Financiero, 14/05/2015). O retorno ao FMI serve, portanto, para pôr fim ao “gradualismo” e substituí-lo pelo choque descarado, legitimando um incremento da austeridade.
Por outro lado, a consciência do significado do pedido de resgate na Argentina não é pequena. O FMI apoiou o programa econômico ortodoxo e regressivo da última ditadura militar. Foi protagonista direto dos planos massivos de privatização e desregulação da era Menem, na década de 1990, apoiando o programa de convertibilidade que estabeleceu a paridade entre o dólar e o peso. Programa este que culminou com a crise econômica e social sem precedentes de dezembro de 2001. No início de 2002, 25% dos argentinos estavam desempregados e o índice de pobreza chegava a quase 60%.
Agora, o FMI vem ao resgate de um governo neoliberal cujos altos postos são formados, sobretudo, por CEOs: ex-diretores executivos de grandes empresas, muitos deles oriundos do setor financeiro e bancário. A chamada “porta giratória” entre setor privado e setor público é, na atual gestão, mais vigente do que nunca. Os dirigentes, formados em sua maioria em universidades norte-americanas ou em universidades particulares de elite na Argentina, tem pouca conexão com seu próprio país. Mais do que isso: tem pouco do seu patrimônio pessoal nessas terras. O ministro da fazenda, Nicolas Dujovne, possui 88,25% dos seus bens declarados no exterior. O presidente do Banco Central, Federico Sturzenegger, 70,04% (La Nación, 22/08/2017). São eles, junto com o presidente Maurício Macri, envolvido no escândalo das offshores descobertas no caso Panamá Papers, que querem convencer a população de que um novo empréstimo com o fundo dará proteção ao país.
No entanto, um recente informe do Centro de Estudios de Opinión Pública (CEOP) aponta que 77% dos argentinos são contra o pedido de empréstimo ao FMI. Ao contrário do que gostariam alguns ideólogos do mercado e do governo, a população não esquece que o desastre de 2001 veio depois de anos de ingerência direta e de aplicação das políticas do FMI. Não por acaso, os colunistas econômicos do establishment não deixam de apontar para os riscos de uma nova explosão “populista”. E para mostrar que Macri não está sozinho neste processo de aprofundamento da inserção subordinada da Argentina na economia-mundo, Trump, Merkel y Rajoy não tardaram em deixar claro o apoio às medidas do governo.
O próprio Ministro da Fazenda argentino já admitiu que o país terá mais inflação e menos crescimento (La Nación, 14/05/2018). A última terça-feira (15) foi considerada o dia D, pois venciam 30 bilhões de dólares em Letras do Banco Central (Lebacs). O perigo imediato de forte desvalorização cambiária decorrente da não renovação das Lebacs e consequente corrida ao dólar pode ser controlado. O Banco Central Argentino, além de ofertar 5 bilhões de dólares pelo segundo dia consecutivo, emitiu dívida com a oferta de novos títulos do tesouro. Ainda que o governo tenha conseguido controlar o cenário, o problema de fundo permanece. “As Lebac são uma bola de neve que se chuta para frente” (Izquierda Diario, 15/05/2018). Cedo ou tarde, o caminho do endividamento, fracassa.
Após reunião ministerial na segunda-feira (16), o chefe de gabinete, Marcos Peña, esclareceu a nova linha política: chegar a um grande acordo nacional com o objetivo de reduzir o déficit fiscal, sendo que o marco para tal acordo é o orçamento de 2019. Disse, ainda, que o caminho é o correto, mas é preciso acelerá-lo (La Nación, 15/05/2018).
O caminho já é conhecido e os resultados também: ajuste sobre o povo, aumento das desigualdades, desmonte do Estado e mais recessão. Economiza-se para diminuir o déficit e “honrar” os compromissos com o setor financeiro. A ação indutora do Estado como impulsor da atividade econômica vai às favas. A economia encolhe e a arrecadação tributária diminui. Resultado final: todo ajuste é insuficiente, demandando ainda mais ajuste. E o país navega na catástrofe social, que é narrada pelos cínicos de plantão como um mal necessário.
Resta saber por quanto tempo a narrativa vendida pela imprensa que apoia o governo vai sustentar o discurso que é desmentido no cotidiano da população argentina. Nesta quarta, pelo menos duas mobilizações contra o FMI estão convocadas, uma no Obelisco e, outra, no Ministério de Economia. Amanhã, várias organizações convocam uma manifestação na Praça de Maio. A pressão ao governo argentino aumenta e vem de todos os lados.
Matéria feito por Rodrigo de Novaes, do Jornal Empoderado
Na mesma linha das mudanças recentemente organizadas pelo governo federal, intransigentes e buscando retrocesso dos avanços duramente conquistados pela sociedade, foi aprovada a nova Política Nacional de Saúde Mental. A medida, há anos concebida em moldes gerais pela Associação Brasileira de Psiquiatria, tem viés puramente mercadológico. Busca concentrar as ações de saúde mental nas mãos dos psiquiatras e sinaliza para a volta dos manicômios. Distancia os outros profissionais de saúde do cuidado e, o que é mais grave, precariza os Centros de Atenção Psicossocial.
De todos os retrocessos encabeçados pelo governo Temer, este é talvez um dos maiores.
A reforma vai contra todo um movimento iniciado na Itália no século passado que visava mudar radicalmente a forma de se acompanhar a pessoa com problemas de saúde mental. Vale lembrar, Foucault e tantos outros escreveram sobre isso, que as sociedades ao longo da história da humanidade procuraram sempre segregar o paciente com problemas de saúde mental. O “ louco” ( termo leigo com o qual nos acostumamos) fora sempre apartado do convívio com os outros. Muitos morreram, acusados de heresia. Outros foram lançados em barcos pelos rios da Europa ( a famosa nau dos loucos). A maioria, entretanto, era confinada em lugares insalubres, segregada, tratada com o cuidado que se dá aos animais. A realidade, antes sob a forma de celeiros e depois nos lúgubres manicômios, perpetuou-se até a nossa história recente. Filmes como “ Bicho de sete cabeças” abordaram o tema no contexto do nosso país.
Este contexto começou a mudar no início do século passado a partir de modelos como o do psiquiatra italiano Basaglia, que vislumbrava uma linha de cuidado do paciente com doença mental que agregasse humanização e inserção na sociedade. Suas experiências foram rapidamente adotadas pelos maiores centros de referência e sua concepção é hoje a mais aceita pelos teóricos. No Brasil surgiram na cidade de Santos os NAPS ( Núcleos de Atenção Psicossocial) que mais tarde inspiraram a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), existente em todas as cidades do Brasil. Em consonância com as teorias mais recentes, nosso país viu médicos, psicólogos, sanitaristas e terapeutas ocupacionais entre outros encabeçarem a bem sucedida Reforma Psiquiátrica, que visava mudar radicalmente a forma como eram abordados as pessoas assistidas.
A nova Política Nacional de Saúde Mental pretende, entre outras coisas, reduzir drasticamente os investimentos em aparelhos humanizadores como os CAPS e endossar investimentos em enfermarias. É a trágica volta dos manicômios. Conseguimos, bizarramente, ir contra tudo o que se pensa em saúde mental na atualidade.
Muitos psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, sanitaristas e membros da sociedade organizada tem se posicionado contra o retrocesso. Cabe a todos nós, brasileiros e cidadãos, lutar por uma forma mais digna de abordar as pessoas em sofrimento mental.
No dia 13 de dezembro de 2016, a Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) vivia mais um dia tenso. Dezenas de estudantes secundaristas lotavam a galeria da Casa. Na mesa diretora, deputados liam o relatório da CPI da Merenda, que seria votado pelos demais membros do parlamento logo em seguida. À medida que a leitura transcorria, seu conteúdo revelava que políticos citados em supostos desvios da merenda escolar não seriam enquadrados dessa forma no documento. Os estudantes se exaltaram e os policiais militares entraram em ação. Novas cenas de repressão se iniciavam.
“Começamos a gritar palavra de ordem e a xingar alguns deputados. Foi quando os policiais partiram em nossa direção e um deles foi tentar levar o Anderson”, narra Gabriel Rodrigues dos Santos, 16 anos, estudante do 8° ano da Escola Estadual Dona Maria Alice Crissiuma Mesquita, situada em Carapicuíba, grande São Paulo. O outro estudante que, segundo ele, seria detido pela Polícia Militar chama-se Anderson Ribeiro, diretor da União Paulista dos Estudantes Secundaristas (UPES).
O que aconteceu em seguida é lembrado com detalhes pelo jovem. “Assim que um policial segurou o Anderson para levá-lo, eu reagi, puxando-o para tentar evitar. Outro policial me prendeu pelos braços e saiu me arrastando também”. As cenas seguintes são relatos de desproporcionalidade e uso excessivo de força. Gabriel – um garoto magro medindo 1,70 metro – foi enforcado pelo policial. Seu rosto já se avermelhara e lágrimas escorriam-lhe pelos olhos. “Ouvia gente gritando para me soltarem porque eu poderia morrer”. Arrastado até um elevador com mais policiais presentes, recebeu três socos na barriga e na costela, além de dois fortes tapas no rosto.
Gabriel foi levado para um Departamento Policial. Em sua companhia foram a deputada estadual Márcia Lia (PT) e um advogado da assessoria da sambista e também deputada estadual Leci Brandão (PCdoB). Na delegacia, policiais chegaram a fazer menção de que seu destino seria a Fundação Casa, um Centro de Atendimento Socioeducativo, mas a intervenção da deputada impediu. O estudante foi liberado após a chegada de sua mãe, Ana Rodrigues dos Santos, 43 anos.
Esses fatos encerraram um episódio marcante da política em São Paulo e que teve repercussão nacional. Ainda no primeiro semestre daquele ano, em 3 de maio, dezenas de estudantes ocuparam o plenário da ALESP. Movidos pela indignação com manchetes de jornais e telejornais, dando conta da existência de um esquema de fraude e desvio da merenda escolar na rede pública estadual de ensino, entraram ali dispostos a só saírem depois de os deputados se comprometerem a aprovar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar o caso.
As manchetes fartamente reproduzidas em todo país tratavam de um desdobramento da Operação Alba Branca, deflagrada em 19 de janeiro de 2016 pela Polícia Civil e pelo Ministério Público Estadual de São Paulo. De acordo com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Ribeirão Preto, entre 2013 e 2015 as fraudes chegaram a R$ 7 milhões. Entre os investigados estava Fernando Capez, deputado pelo PSDB e presidente do parlamento estadual.
Os estudantes cumpriram o que prometeram. Três dias depois, na tarde do dia 6 de maio, deixaram o local e, na parte externa, comemoraram a conquista das 10 assinaturas que ainda faltavam para a criação da CPI da Merenda Escolar.
Foi um feito e tanto.
Nos quatro anos anteriores, nada menos que 26 CPIs foram enterradas na ALESP. A base de apoio do governador Geraldo Alckmin (PSDB), com ampla maioria, sempre atuou de forma rápida para evitar que qualquer investigação sobre os atos do governo fosse aberta.
Mas essa foi difícil conter. As principais emissoras de televisão, rádios e jornais cobriram amplamente os três dias de ocupação. Isso levou a uma grande mobilização de entidades da sociedade civil organizada, de artistas e intelectuais em solidariedade aos estudantes. Ainda na primeira noite, o cantor Chico César, conhecido pela música “Mama África” e dezenas de outros sucessos, compareceu ao local. Ele ouviu o relato dos jovens, manifestou seu apoio e cantou várias músicas para eles. Instantes após a sua saída, o Padre Júlio Lancellotti, responsável pela Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo, chegou com pães e chocolate quente feitos por moradores de rua sob sua coordenação. A doação era o gesto de apoio daquela pastoral à manifestação das meninas e meninos. Num breve e empolgante discurso, ele destacou que “em tempos de injustiça, praticar a desobediência civil é uma virtude”.
O relatório aprovado naquele 13 de dezembro listou 20 nomes envolvidos no caso. Nenhum de político com mandato. Os nomes de Luiz Roberto dos Santos, o “Moita”, ex-chefe de gabinete da Casa Civil na gestão de Alckmin, além de Jéter Rodrigues e José Merivaldo dos Santos, ex-assessores de Fernando Capez, foram os que mais se aproximaram daqueles com poder de decisão na administração pública.
Apesar da blindagem política que os mantém impunes, os principais suspeitos de liderar o esquema saíram com a reputação manchada. O engajamento de uma geração de estudantes secundaristas, que já tinham chamado a atenção do país inteiro após ocuparem mais de 200 escolas no final de 2015 contra a proposta de “reorganização” escolar que poderia levar ao fechamento de dezenas delas, era responsável por isso.
… Vendedor de amendoins
É meio dia. Na estação Barra Funda do metro de São Paulo, milhares de pessoas trafegam freneticamente. Integrada com outras duas linhas da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) e mais um terminal rodoviário, cotidianamente centenas de milhares de pessoas circulam pelo local. Todo dia, nesse horário, Gabriel também chega ali. Vindo da periférica Carapicuíba, cidade onde nasceu e reside até hoje, anda sempre com uma mochila carregada de doces. Até às 17h, alterna entre as linhas 8 e 9 vendendo amendoins, chicletes e balas. Antes de anoitecer, retorna para a casa e em seguida vai à escola.
Negro, com um bigode sutil de adolescente cujos hormônios começam a moldar um corpo de adulto, Gabriel é o sexto filho entre oito irmãos. Seus pais são separados há seis anos. Ele mora no bairro Vila Lourdes com a mãe e quatro irmãos: Gleice, 21 anos, Juliana (17) e os gêmeos João Victor e João Augusto (15). Liliane, 22, mudou-se para Curitiba há cinco anos e desde então não recebe notícias dela. Cláudio, 28, está preso há 4 anos, acusado de participação em tráfico de drogas. O mais velho, Eduardo, morreu em 2011 na linha 8 da CPTM. Deslocava-se para o trabalho de manhã cedo quando caiu na linha do trem, após ser empurrado pela multidão que todo dia aglomera-se nas estações. Até hoje a família não recebeu a indenização que requisitou à Justiça. Sobre o pai, só sabe que mora na capital. Não tem contato com desde que ele e sua mãe se separaram.
Todo dia o jovem que desafiou deputados e contribuiu para difundir na sociedade o escândalo sobre o desvio da merenda escolar de diversas crianças e adolescentes iguais a ele repete essa rotina. De 2014 para cá, entretanto, as atividades políticas passaram a alterar esse script. Atraído pela identidade construída pelo Partido dos Trabalhadores de atuação em favor das classes populares, reforçada pela imagem e atuação do ex-presidente Lula, Gabriel se envolveu na campanha de reeleição da então presidente Dilma Rousseff. Vinha duas vezes por semana para a capital e também nos fins de semana. Se informava sobre as atividades que a militância realizaria e, sem conhecer ninguém, se somava a elas. Distribuía panfletos em grandes pontos de concentração de pessoas (estações de metrô e avenidas principais), participava de caminhadas, carreatas e etc.
Contra o impeachment de Dilma Rousseff
Esse envolvimento iniciou-se em sua própria cidade, na eleição municipal de 2008. Ainda criança, pregou adesivos da campanha do então candidato a prefeito pelo PT Sérgio Ribeiro, que seria eleito e reeleito em 2012. Na reeleição de Ribeiro, dividiu seu tempo com vindas a São Paulo para participar também das atividades de campanha de Fernando Haddad, que numa arrancada surpreendente sairia de 7% das intenções de voto para se tornar prefeito da maior cidade da América do Sul. Gabriel driblava sua mãe dizendo que “ia bem ali”. Só retornava cinco ou seis horas depois.
“Nem sei como começou direito. Em 2008, era criança ainda e participava por participar. Mas em 2010 (na primeira eleição de Dilma), vi toda aquela discussão contra ela, por ser mulher e apoiada por Lula. Isso despertou minha atenção porque já tinha noção dessa ligação do Lula com as pessoas mais pobres e ser contra ele me incomodava por isso”, explica.
Após a eleição que reelegeu Dilma, o campo político que foi derrotado nas urnas, liderado pelo candidato Aécio Neves (PSDB), iniciou uma série de ações para reverter o resultado eleitoral. Todo esse processo culminaria no impeachment da presidente eleita no final de agosto de 2016. Mas entre uma data e outra, a polarização política na opinião pública e nas redes sociais ganhou as ruas.
No ano de 2015, um total de sete grandes manifestações foram realizadas em todo país. Três convocadas por organizações como Central Única dos Trabalhadores (CUT), União Nacional dos Estudantes (UNE) e Movimentos dos Sem Terra (MST) – em março, agosto e dezembro -, e quatro (em março, abril, agosto e dezembro) chamadas por organizações criadas para fazer oposição aos governos de Lula e Dilma, como “Vem Pra Rua”, “Revoltados On Line” e Movimento Brasil Livre (MBL). Gabriel participou de todas aquelas que os movimentos sociais realizaram.
Em 2016, as atividades realizadas contra o impeachment de Dilma e a favor da democracia multiplicaram-se exponencialmente. A condução coercitiva do ex-presidente Lula, em 4 de março daquele ano, foi recebida por muitos como um excesso do juiz Sergio Moro, no bojo da operação “Lava Jato”, conduzida a partir de Curitiba. Nos dias seguintes ao episódio, uma pesquisa de opinião simulando o cenário eleitoral para a Presidência da República indicava Lula liderando a corrida eleitoral pelo cargo que ocupou entre 2003 e 2011. Esse fato, somado a proximidade da primeira votação do impeachment na Câmara dos Deputados, que ocorreria em 17 de abril, suscitou centenas de atividades em todo o país.
Comitês pela democracia em dezenas de universidades, divulgação de manifestos assinados por artistas, intelectuais, juristas e políticos, vários debates nas redes sociais elevaram a temperatura da política no país. Do ponto de ônibus ao botequim, passando pela padaria e a igreja. Em todos os lugares alguém falava sobre o assunto.
Na capital paulista, Gabriel se tornou figura corriqueira nas principais atividades. Com um traquejo de garoto travesso e comunicativo, adquirido na lida diária da venda de doces, se aproximava das pessoas com facilidade. Inquieto, como é característico de adolescentes da sua idade, circulava entre os vários grupos presentes nas atividades. Com um tempo, percebeu ali também uma oportunidade de aumentar seus dividendos. Passou a revender broches com frases que ouvia serem pronunciadas nas palavras de ordens repetidas pelos manifestantes, como “não vai ter golpe” e “fora golpistas”.
Não demorou para Gabriel ser chamado pelo próprio nome nas atividades políticas. Isso também se refletia em seu perfil na rede social “Facebook”. Hoje tem 2.677 amigos, sendo a maioria filiados ao PT, PCdoB e PSOL. Seu álbum de fotos tem várias em que ele aparece junto de figuras conhecidas, como Lula e Gleisi Hoffmann, seus preferidos. Mas também Dilma Rousseff, Jandira Feghali, Vanessa Grazziotin e Lindbergh Farias.
Os contatos não se limitam ao momento das fotos. Como vai às principais atividades e já é reconhecido nelas, tem contato com os ativistas via WhatsApp também. Gabriel integra vários grupos, onde se informa sobre fatos e opiniões dos acontecimentos da política. Durante a entrevista, por vezes inverteu o papel perguntando sobre a maior possibilidade da saída de Temer: via impeachment no Congresso Nacional ou cassação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
…Aniversário com Lula
No aniversário de Lula e Gabriel, os dois celebraram juntos
“Nasci em 27 de outubro de 2000. É o mesmo dia em que Lula faz aniversário”, frisa. A coincidência da data o levou a comemorar seu último aniversário junto com o ex-presidente e seu maior ídolo. “Alguns militantes decidiram fazer uma surpresa para o Lula e foram até o Instituto (Lula). Eu fui junto. Passei o dia lá, esperando para dar os parabéns para ele. Quando acabou uma reunião em que ele estava com a bancada do PT em Brasília, o encontramos e pude cumprimentá-lo”, descreve.
O mais recente encontro entre eles ocorreu dia 31 de maio. Marcaram, inclusive, a próxima data em que vão se ver. No dia 10 de junho, durante a posse da direção estadual do diretório PT paulista, Lula combinou de receber sua filiação e anunciá-la publicamente.
Engana-se quem acha que o ato de se filiar é mero capricho do garoto. “Quero ser candidato a vereador em Carapicuíba, em 2020”. Quando perguntado se esse é o maior objetivo da sua vida, ele responde que sim. “Já pensei em estudar Direito também, mas a maior coisa que eu penso mesmo é ser candidato”.
As limitações materiais da sua família fizeram com que ele assumisse responsabilidade cedo. Mas isso também foi uma opção sua. Sua mãe trabalha como vendedora numa loja no endinheirado Shopping Iguatemi, em Pinheiros. Com a renda desse trabalho, ela arca com as despesas da família. Os irmãos que moram com que ele não trabalham. No bairro, divertem-se todos os dias na quadra de esportes. “No esporte sou meio coxinha”, ele diz abrindo um sorriso inocente. Pergunto se o esporte dele é ganhar dinheiro. “Quem não gosta, né?”, responde rindo novamente.
Com o dinheiro que ganha com as vendas de doces, costuma comprar roupas e ir ao cinema. Assiste a maioria dos lançamentos. Prefere as salas do shopping JK. Sua mãe, segundo ele, diz que não é preciso ajudar em casa. Em momentos de maior restrição, vai ao supermercado e compra alguns alimentos. “Mas só às vezes mesmo”, diz.
A desenvoltura que tem em conversar e fazer brincadeira com as pessoas não é a mesma diante de circunstâncias que animam muitos garotos de sua idade. “Você namora, Gabriel? Tem alguma gatinha?”, pergunto. O rosto muda de feição. Fica com uma expressão nitidamente envergonhada, faz alguns segundos de silêncio e responde sorrindo novamente, só que com a voz mais baixa: “Sou de Deus”.
Saímos dos bancos situados na parte externa da biblioteca Mário de Andrade, na rua São Luís, centro de São Paulo, onde fizemos a entrevista, em direção à estação república do metrô. Descemos as escadas e, no sentido contrário, uma mulher branca, maquiada, de cabelos pretos subia pela escada rolante. “Olha ela”, fala em voz alta. A moça olha assustada e Gabriel ri alto. A cena indica que suas tardes de trabalho estão repletas de descontrações como essa.
Momentos depois nos despedimos. Lá iria Gabriel, com a sua alegria juvenil e acanhada, mesclada ao encantamento com a política e o sentimento de que, ao participar dela, podemos mudar a vida das pessoas para melhor.
Por: Maria Eugênia Sá – www.mediaquatro.com – Especial para os Jornalistas Livres
Para quem esteve nas ruas em Brasília nesse 24 de maio não foi difícil testemunhar atos de violência gratuita por parte da polícia. Filmar e fotografar de perto, no entanto, era mais complicado.
Fui abordada em diversas ocasiões, por três vezes alvo de jatos de spray de pimenta mesmo claramente identificada como imprensa, impedida de tomar imagens por policiais por outras três e ameaçada de detenção mais uma.
Ainda assim, foi possível filmar uma agressão totalmente desnecessária a uma jovem que estava apenas comendo um lanche na rodoviária da cidade. A detenção violenta e sem motivo de outro rapaz também foi registrada em vídeo.
Mais uma senhora que não conseguia parar de chorar após apanhar e ter ameaças de prisão, mesmo não tendo quebrado coisa alguma ou portar qualquer objeto perigoso, foi fotografada nos braços de um amigo.
Tudo isso aconteceu depois de terminados os protestos, já longe do Congresso e ainda em meio a nuvens de lacrimogêneo que atingiam manifestantes e brasilienses que somente queriam voltar para casa.
O gramado com a cavalaria avançando sobre o povo e bombas caindo de helicópteros nem é mais preciso mostrar para comprovar. Para quem ainda não percebeu, o Brasil já vive em estado de exceção.
Infelizmente, a tendência parece ser o aumento da repressão sobre todo o conjunto da população. E é o trabalhador comum, o mais pobre, aquele que perdeu mesmo o sapato furado correndo dos cassetetes, quem vai pagar mais caro por isso.
Manhã de quarta-feira, Belo Horizonte, 09h44, e o rosto trabalhador que diz essa frase ao vento, sem destinatário, mas de certo modo endereçada à mim, já está na metade de sua jornada. Tanto hoje como no carnaval, ele teve que madrugar para servir de cobrador no trajeto que vai do bairro Xangrilá à estação Pampulha. Dormiu pouco, mas menos do que muitos outros cujas linhas iniciam mais cedo, essa tem seu primeiro horário pouco antes das 06h da manhã.
No carnaval, nosso sujeito passível de análise também despertou no mesmo horário, e enquanto todos iam para as festas, ele nos arrancava os R$2,85 como quem tira doce de criança. Prazer sórdido? Não, falta de diálogo. Agora, este mesmo sujeito, que está na base de nossa sociedade trabalhadora, serve aos interesses de quem quer que ele se aposente mais tarde, e tenha apenas seis meses de expectativa de vida após pendurar o uniforme.
Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres
“Se a gente não lutar, a aposentadoria vai acabar!”
Essa é a frase mais falada do ato que começou na Praça da Estação e foi até a Praça da Assembleia em Belo Horizonte. Porém, o trocador não grita, nem ele e nem muitos outros trabalhadores. Nos quatro cantos do país, os movimentos sociais, estudantes, professores, sindicatos e trabalhadores a repetem como um mantra que escancara uma verdade: a de que o governo Temer não terá piedade nem de nós, que protestamos, quiçá dos trabalhadores que estão na base da sociedade.
Nosso carnaval, símbolo deste povo que resiste, do corpo que performa desejo negado, foi a maior demonstração de que a política se faz nas ruas, com a ocupação do espaço público. Como diz Cristal Lopes, musa do carnabelô: “a política tem que aprender muito com o carnaval”.
Foto: Maxwell Vilela/ Jornalistas Livres
Fomos de Fora Temer em Fora Temer, negando o assédio estrutural que insiste em violar os corpos das nossas mulheres, dizendo sim ao funk e à voz da periferia, fazendo poética e festa com nossas próprias mãos e provando o que já foi dito pelo companheiro carnavalesco José Guilherme: “nosso carnaval foi conquistado.”
Dentre os reajustes propostos para a previdência, está o caso do nosso amigo de todos os dias, o trocador. Hoje, 4 milhões de idosos de baixa renda, com mais de 65 anos, recebem um salário mínimo. Se a reforma passar a idade mínima será de 70 anos. Nós, mulheres, que trabalhávamos até 55 anos, iremos até os 65, junto com os homens, que iam somente até os 60. Isso sem contar os 25 anos obrigatórios de contribuição, um aumento de 10 anos da exploração de nossos corpos trabalhadores, que não tem nem o direito de festejar o carnaval.
Diante desse cenário, me vem à cabeça a palavra de ordem dos nossos companheiros argentinos, que traduzida, fica mais ou menos assim:
“Vamos à luta companheiros, vamos em frente, que isso nos pede toda gente.”