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  • Feminicídio no Uruguai e a luta sem treguas contra o machismo LatinoAmericano

    Feminicídio no Uruguai e a luta sem treguas contra o machismo LatinoAmericano

    Por Gastão Guedes, colaboração para os Jornalistas Livres

    Descíamos, eu e minha amiga Ana, a av. 18 de Julio em Montevidéu, por volta das 17hs. Atentos à cidade e seus acontecimentos, nos deparamos com uma pequena manifestação na Plaza de Cagancha, onde está a Columna de la Paz. Mulheres com faixas e cartazes manifestavam-se em protesto à violência contra a mulher, o “feminicidio” como é chamado na República Oriental do Uruguay.

    Apesar dos números oficiais contarem 22, ficamos sabendo que já se iam 34 mulheres assassinadas ao longo de 2015, um índice altíssimo em relação à população do país, calculada em 3,5 milhões de habitantes; ou, quatro vezes mais casos que o Chile, aponta Mariela Mazzotti, diretora do Instituto Nacional de Mulheres — INMUJERES, no Uruguai.

    A partir de 2012, a intendência de Montevidéu vem cuidando da violência contra as mulheres a partir do tratamento de homens violentos.

    Em 2013, o Ministério do Interior lançou o sistema de tornozeleiras, para controlar que o agressor não se aproxime da vítima; com isso, também um programa de ressocialização desses homens violentos, implantados nos departamentos de Montevidéu, Maldonado e Canelonoes. Porém, 80% dos homens que aderiram ao serviço abandonaram o tratamento! “O resultado é baixo”, afirma Mazzotti.

    Por um microfone, frases de protesto; cantaram, encenaram uma pequena peça e se lançaram caídas na av. 18 de Julho onde outras mulheres pintavam o contorno dos corpos, como quando se delimita espaço de um corpo falecido no chão para que a polícia científica faça seu trabalho investigativo.

    O trânsito parou! Porém, nenhum buzinaço, nenhum escândalo de motorista estressado, nada…

    Em minutos, policiais de trânsito organizaram todo o fluxo para que os veículos vindos dos dois lados da importante avenida continuassem seus trajetos pelas paralelas daquele quarteirão. E assim se fez, como numa mágica!!!

    Carros são os últimos em Montevidéu. Querendo atravessar qualquer rua ou avenida, basta colocar seu pezinho no local da faixa de travessia. Eles, os motoristas, esperam… Se você hesita (como foi o caso dos desconfiados paulistanos, eu e Ana), eles sinalizam de dentro dos carros com as mãos, num convincente gesto de “siga em frente!”.

    Fotografei as mulheres na praça e fomos embora. Ficamos sabendo que elas ainda iriam marchar em direção à Plaza Independência, onde se encontra uma estátua e os restos mortais do Gal. José Artigas… Combinamos, então, que passaríamos ali mais tarde para ver um pouco dessa marcha de umas 30 ou 40 mulheres…

    Saímos do Hotel minutos mais tarde, subimos a rua Convención e já avistamos a movimentação.

    Mas ao entramos na avenida 18 de Julho, o espanto!!! Uma fila enorme de pessoas, divididas em três colunas que avançava como num cortejo fúnebre, saindo da Plaza Independencia e subindo a grande avenida que traz a data da primeira constituição do país, retornando à Plaza de la Columna.

    Era um filme! Nenhuma bomba de gás lacrimogêneo, nenhum policial armado, nenhuma tropa de choque ou cavalaria “arrepiando” as pessoas que se manifestavam ou apenas assistiam aquela cena.

    E o mais incrível: o silêncio!!! Era brutal o silêncio… Os edifícios, as luzes do entardecer, as pessoas todas, tudo em silêncio! Mesmo quem chegasse naquele momento, saído do trabalho, das lojas e dos prédios ao redor, propagavam o silêncio, como cúmplices da causa. Uma causa que, no fundo, molestava a todos. Chamei Ana a 10 metros de mim, mas em voz baixa como se estivéssemos numa sala de cinema…

    “Vamos descendo”, sugeri. Eu precisava fotografar! A emoção era grande em presenciar tanto respeito mútuo e uma compreensão cívica nunca visto por mim em qualquer lugar que estive, nas breves ou longas viagens, quanto mais na minha grande e maltratada cidade de São Paulo. Aqui, como bem sabemos, as tais tropas de choque e bombas de gaz acabam sendo os elementos decorativos principais das fotografias nos jornais!

    Mulheres, homens, casais, crianças, idosos, todos como que ensaiados, centenas deles com camisetas e calças pretas…

    Para quem tem o vício da violência, no caso contra as mulheres, dificilmente haverá sensibilização. Para estes , o que pode realmente freá-los é a lei! E é disso que se tratava a manifestação em Montevidéu: uma lei para a tipificação da violência contra as mulheres!

  • A ignorância dos reacionários da internet que falam em “doutrinação feminista” no Enem

    A ignorância dos reacionários da internet que falam em “doutrinação feminista” no Enem

    Por Pedro Zambarda de Araújo, colaboração para os Jornalistas Livres

    Neste último final de semana ocorreu a prova do Enem para estudantes do ensino médio e interessados em ingressar em faculdades e universidades brasileiras. Além das pessoas que foram barradas por perder a hora e viraram pautas sensacionalistas, as redes sociais foram tomadas por uma onda de conservadorismo após a execução do exame.

    A avaliação incluiu uma pergunta sobre o livro “O Segundo Sexo”, da filósofa francesa Simone de Beauvoir, utilizando um dos trechos mais famosos da obra que é uma das referências no estudo do feminismo.

    O exame não utilizou apenas Simone como referência e também apresentou questões abordando o pensamento do educador de esquerda, Paulo Freire, o filósofo marxista Slavoj Žižek, entre outras perguntas com viés mais progressista.

    A inclusão dos autores foi suficiente para provocar uma convulsão dos reacionários na internet.

    No segundo dia de avaliação, veio o tema da redação: “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”. E a internet veio abaixo, com as feministas defendendo a ousadia da prova em finalmente avaliar questões de desigualdade de gênero.

    O primeiro site reacionário a vomitar besteiras foi o Spotniks. Seguindo a linha deles na imitação do liberalismo norte-americano de uma maneira mambembe, publicaram um texto em primeira pessoa de um estudante que está se transferindo de faculdade e precisava fazer o exame. “Quem lê a prova sai com a impressão de que a crise de 2008 segue um assunto mais relevante para a maioria dos estudantes do que a realidade atual do país”, diz o autor Felippe Hermes, que ignora a situação delicada da Europa e acha que tudo na esquerda se refere a Karl Marx.

    Para quem não lembra, o mesmo Spotniks que resolveu criticar a presença de Simone Beauvoir no começo do Enem é aquele site que defendeu que as mulheres usem armas de fogo para se defender de violência sexual. Seus autores estão mais preocupados em defender uma pauta pró-armas do que realmente em diminuir a desigualdade de gêneros.

    Os autores do site também desconhecem a própria esquerda que descrevem. Nem Simone ou seu marido Jean-Paul Sartre são herdeiros do marxismo. Na faculdade, ela estudou o racionalista alemão Gottfried Wilhelm Leibniz, herdeiro de Descartes, e também pesquisou o idealismo francês. Simone de Beauvoir só se tornou de esquerda na militância política, porque fez parte da resistência francesa contra o nazismo, que era composta por socialistas.

    Pensadores mais influenciados diretamente por Karl Marx vieram da tradição da crítica econômica e da dialética, temas que são caros para Sartre e Simone, mas jamais foram foco de seus estudos.

    É sim verdade que Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre apoiaram Che Guevara, Fidel Castro, Mao Tse-Tung e até a União Soviética, porque eles eram um casal de filósofos existencialistas alinhados com a esquerda da Segunda Guerra Mundial. Na época, esse pensamento era engajado e buscava se firmar por governos autoritários.

    No entanto, essa mesma Simone foi a que combateu o governo francês corrupto de Vichy, que se rendeu a Hitler, e apoiou Sartre na luta pela independência da Argélia, entre outros diversos países. A crítica dos reacionários ao Enem chega a ser infantil de tão pobre, por desconhecimento puro de história mundial.

    No entanto, a ignorância é um celeiro de oportunistas. Os religiosos e ultraconservadores políticos Marco Feliciano e Jair Bolsonaro já declararam que o Enem é “doutrinação ideológica do governo Dilma Rousseff”. Gritando que pensadores de esquerda apoiaram regimes autoritários, a nossa direita reacionária apela para a ignorância dos estudantes e quer mesmo que a escola funcione como uma censura ao gênero feminino e às minorias dos negros, da comunidade LGBT e de outros segmentos.

    A presidente da República se manifestou favorável às novas questões do Enem no fim do domingo (25). “A sociedade brasileira precisa combater a violência contra mulher”, disse Dilma através de sua assessoria de comunicação.

    Enquanto isso, nossos reacionários permanecem mergulhados numa grave ignorância intelectual, fruto de um antipetismo midiático e da falta de visão social. A gritaria contra o feminismo e contra o marxismo revela o machismo e a falta de leitura deles.

    Como disse uma amiga minha, no Facebook: “O lema ‘machistas não passarão’ está sendo literalmente aplicado agora. Quero ver eles escreverem na prova que feminismo é ‘falta de rola’ e que mulher deve ser estuprada. Merecem ser ridicularizados”.