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  • Entre a esquerda e o uribismo, Colômbia elege novo presidente

    Entre a esquerda e o uribismo, Colômbia elege novo presidente

    Por Murilo Matias

    É melhor uma paz imperfeita a uma guerra perpétua. A ideia que representa em síntese a campanha progressista impulsionada pela Colômbia Humana de Gustavo Petro espalhou-se a ponto de o candidato chegar às vésperas do segundo turno com possibilidade de eleição na disputa contra Ivan Duque, representante do uribismo, movimento de extrema-direita liderado pelo ex-presidente Álvaro Uribe.

    O contaste entre os projetos estabeleceu uma polarização inédita na vida política do país, acostumado ao absoluto predomínio das forças conservadoras.

    A máxima de que no segundo turno começa uma nova eleição parece fazer sentido no terreno colombiano a partir das movimentações produzidas após o resultado inicial indicando a liderança do senador do Duque (Centro Democrático) ao somar 7,5 milhões de votos contra 5 milhões de Petro, ex-prefeito de Bogotá.

    “Voltei ao país há uma semana e me surpreendeu muito o momento que viemos com o alto nível do debate e a intensidade com que as pessoas falam sobre a eleição. Vejo favoritismo por Petro, sobretudo nos bairros populares, inclusive na minha família, um tio que é policial e bastante reacionário falou bem dele. Em nenhuma outra votação tive sensação parecida”, comenta o professor na Universidade Federal de Santa Maria, Byron Escallón, colombiano da capital.

    A vantagem que parecia consolidar mais uma vitória neoliberal na região começou a diluir-se desde o primeiro dia das três semanas que marcaram a arrancada das chamadas cidadanias livres, indivíduos, centrais sindicais, coletivos afros, indígenas, que aderiram à Colômbia Humana.

    “Pela primeira vez depois de 200 anos estamos mais perto de mudar as relações de poder que predominam no país. Nosso objetivo é que dez ou mais milhões participem da consolidação das bases da paz, da democratização e da justiça social”, expressa a Organização Nacional Indígena da Colômbia (ONIC) em conjunto com o Movimento Alternativo Indígena e Social (MAIS), principais representações relacionadas aos povos originários.

    A costura a partir do que definiu-se como acordo sobre o fundamental foi acompanhada pela garantia da não realização de uma Assembleia Constituinte e a manutenção da carta de 1991. A readequação no discurso permitiu a atração de lideranças partidárias e civis com destaque para a chegada de Andrea Mockus, ex-prefeito de Bogotá e senador eleito pelos Verdes e da ex-senadora Ingrid Betancourt, sequestrada pelas Forças Alternativas Revolucionárias Colombiana (FARC) quando concorria à presidência em 2002.

    Os mais de seis anos de cativeiro e o papel assumido posteriormente como porta voz das vítimas do conflito exigiam, de acordo com Betancourt, seu empenho para que “nenhum outro colombiano viva o mesmo”, razão que a fez viajar da França à Colômbia para perfilar-se junto a Petro depois de dez anos de afastamento do palco político.

    Outro apoio comemorado foi o da senadora e ativista pelos direitos da comunidade LGBT, Claudia Lopez, candidata a vice-presidenta na chapa liderada por Sérgio Fajardo, coalizão que somou 4,5 milhões de votos convertendo-se na fatia do eleitorado mais decisiva para determinar o próximo presidente.

    “Meu apoio não é a duas pessoas, mas a milhões que querem mudança aqui e agora, não temos mais o que esperar. Estamos a um voto de jubilar as maquinárias tradicionais, a toda a classe política, ao santismo, uribismo, gavirismo, vargasllerismo. É demasiado oportunidade”, cravou a parlamentar, em alguma medida compensando a declaração de voto em branco de Fajardo.

    Os políticos citados por Lopez jogam seu peso na candidatura de Duque, situação bem denotada pelo engajamento dos ex-presidentes Cesar Gaviria e Andres Pastrana e do candidato derrotado Vargas Lleras, ministro de habitação do presidente Juan Manuel Santos, desgastado no final do mandato. Quem também tenta influenciar a favor do uibismo é a maioria da imprensa, como o jornalão El Tiempo, pertencente a Luis Carlos Sarmiento Angulo, o homem mais rico da Colômbia.

    “El Tiempo neste editorial dá seu respaldo a Duque, cujo programa de governo é sério e representa uma esperança de moderação e câmbio generacional (…) Aparte de suas posturas que entram em contradição com os preceitos da democracia liberal que defendemos, é impossível esquecer da péssima qualidade da gestão de Petro à frente de Bogotá ao exacerbar os problemas apelando a uma retórica incendiária em apologia à luta de classes. Eleger-lo seria portanto um equívoco histórico”, critica o veículo, ignorando a redução da pobreza e a qualificação educacional experimentadas durante a administração do ex-prefeito.

    Das abelhas às touradas

    Saiu exatamente das páginas da imprensa uma das notícias mais absurdas envolvendo a acirrada campanha. Durante reunião realizada na Costa Atlântica entre Uribe, Duque e simpatizantes ocorreu um ataque de abelhas e vespas, denunciado pela direita como uma ameaça biológica premeditada pelos adversários. A afirmação da Polícia de que a investida dos insetos havia sido provocada pelo pouso dos próprios jatos e helicópteros dos presentes colocou no ridículo a tese de atentado.

    Das abellhas aos touros, os petristas aproveitaram a situação para criticar a relação do uribismo com os direitos dos animais e seu estímulo às touradas, que seguem prática corrente em várias regiões da nação.Petro proibiu os eventos quando foi prefeito de Bogotá, incomodando a casta de herdeiros da colonização espanhola, que utilizaram seus instrumentos de poder para reverter a decisão junto ao atual mandatário Enrique Peñalosa.

    As marcas da dominação das elites se reflete para além das arenas de touro, das cidades centrais e do interior. O campo colombiano explora seus campesinos e os espreme em meio a latifúndios improdutivos, o conflito armado e a falta de políticas voltadas aos agricultores em um cenário de concentração de terras e informalidade no patamar de 80%, de acordo com o Departamento Administrativo Nacional de Estatística.

    Petro propõe o modelo de compra de terras pelo Estado a caminho da reforma agrária e produtiva, plataforma apontada por Duque como mecanismo de expropriação que se implementará em caso de vitória da esquerda.

    Para além do desprezo ao campesinato, a maior ameaça às terras e ao meio ambiente vem da aposta exacerbada no extrativismo. A exploração do petróleo e da mineração, correspondente a 7% do Produto Interno Bruto, somada à ameaça de privatização de reservas – a de Santurban uma delas  -,  preocupa estudiosos do tema, em especial a prêmio Nobel de Meio Ambiente, Francia Márquez, defensora da manutenção dos recursos naturais na perspectiva de patrimônio dos povos, conjuntura que a faz a perfilar-se na Colômbia Humana.

    A proximidade com a paz e a distância da Venezuela

    País recordista no número de deslocados internos devido aos setenta anos de conflito amenizados significativamente com o tratado de paz firmado entre FARC e Estado, a Colômbia convive com um novo fenômeno migratório, a entrada de venezuelanos no território.

    O rechaço dos candidatos com relação ao processo conduzido por Nicolas Maduro na Venezuela aparece na tentativa de vincular Petro a Hugo Chavez de um lado e na comparação entre Maduro e o potencial ditatorial do uribismo, controlador da Justiça, forças armadas e congresso, na visão de outros.

    Se todos querem distância da Venezuela, ninguém quer se afastar da paz, embora os caminhos para alcançá-la divirjam, uma vez que Petro defende os termos pactuados enquanto o campo de Duque sinaliza o contrário. “Nossa postura é clara por revisar pontos do acordo: não pode haver impunidade para delitos de lesa humanidade, não concordamos que um Tribunal especial equipare as forças militares e os narcoterroristas.

    As FARC poderem fazer política e serem financiadas de forma estatal é um mal exemplo, eles não devolveram seu bens para ajudar no processo de reparação e, ao contrário, continuam no negócio do narcotráfico e com suas dissidências seguem extorquindo comunidades e assassinado policias e militares”, acusa a senadora Paola Olguin, reeleita pelo Centro Democrático.

    A postura beligerante remonta à época da mão pesada de Uribe contra movimentos sociais e a guerrilha, encarada pelo então governo não como um movimento político armado, mas um grupo narcoterrorista.

    Entre os resultados da repressão revelou-se o traumático caso dos falsos positivos, civis colombianos assassinados e falsamente denunciados como guerrilheiros por representantes do exército e da polícia, tempos em que os gastos com defesa superavam largamente os investimentos em educação ou saúde. “Disse a candidata Marta Lucía Ramírez que os jovens são para a guerra; nós propomos aos jovens e a suas famílias ir à universidade pública gratuita”, comparou a concorrente a vice-presidenta da Colômbia Humana, Angela María Robledo, referindo-se à vice de Duque.

    Em paralelo à pacificação surge a discussão pelo controle às drogas, sobretudo da produção recorde mundial de cocaína, na qual os progressistas alertam para o fracasso da luta anti-drogas e sugerem centro regulados de consumo e abertura do debate para a descriminalização. Na contramão, Duque, que desistiu de participar do último debate presidencial, se aferra à violência no combate ao crime, apesar de suspeitas de corrupção ligarem Álvaro Uribe a paramilitares e traficantes em uma rede cooperação.

    “Nas eleições anteriores existia o conflito armado e a estratégia da direita de vincular os político de esquerda à guerrilha. Esse exercício de deslegitimação nunca permitiu aos esquerdistas deixarem de ser marginais, mas hoje esse argumento já não funciona tanto, o que existe é uma estafa com  os desvios”,observa a pesquisadora Sandra Borba.

    Poucas horas antes da decisão a expectativa é de bom comparecimento às urnas, mesmo com o voto opcional. A esperança advinda do progressismo pode esbarrar na força da direita e até mesmo na possibilidade de fraudes, já denunciadas no primeiro turno, mas a chance de uma nova era pode se transformar na próxima história a ser escrita pelos imprevisíveis colombianos.

    “Somos a geração da paz, mas acabar uma guerra não equivale a encontrar a paz, isso implica uma reforma em temas de terra, educação, saúde, aparato judicial e regime político. O estilo de governo que proponho é o pluralismo e um acordo sobre o fundamental. Não se governa a Colômbia individualmente, tampouco somente com governantes, mas sim junto às forças sociais do país”, discursou Gustavo Petro em uma das tantas praças que lotou durante seu percurso pelo país.

    Link original: https://www.cartacapital.com.br/internacional/entre-a-esquerda-e-o-uberismo-colombia-elege-novo-presidente

  • Presidente Temer e o tráfico de PCC, CV e a terra de Pablo Escobar

    Presidente Temer e o tráfico de PCC, CV e a terra de Pablo Escobar

    O governo do presidente Michel Temer (PMDB) ou não tem a confiança dos serviços de inteligência do Brasil – Forças Armadas, Polícia Federal (PF) e polícias militares – e, portanto, não está recebendo as informações corretas sobre a lógica que move a guerra das facções nas penitenciárias, ou não tem gente especializada para entender os dados que está recebendo.

    Esta é a leitura que se faz das declarações feitas por Temer de que teria sido um “acidente pavoroso” o enfrentamento entre o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e a facção Família do Norte (FDN), braço do Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, que resultou no massacre de 56 presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) de Manaus (AM).

    Também esta é a impressão que se tem da declaração feita, dias depois do massacre de Manaus, pelo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, referindo-se à morte de 33 presos na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC), em Boa Vista (RR):

    – Não é aparentemente uma retaliação do PCC em relação à Família do Norte.

    Os serviços de inteligência brasileiros sabem o que está acontecendo. Eles têm tradição e perfilam-se entre os melhores do mundo. Os dois últimos eventos que aconteceram no país – Copa do Mundo e as Olímpíadas – beneficiaram-nos com equipamentos, treinamentos e alianças com serviços de inteligência do mundo inteiro. O volume de informações que recebem diariamente sobre o que ocorre dentro dos presídios é enorme.

    Em cada Estado da União existe um sistema de coleta de informes dos servidores penitenciários que abastecem com informações preciosas todo o sistema de inteligência brasileiro. Mais ainda: a maioria dos telefones celulares que estão nas mãos dos presos é grampeada pela polícia.

    Há um fato que Temer e o ministro Moraes conhecem: o momento do sistema de segurança do Brasil é inédito devido ao atraso, ou parcelamento, dos salários de policiais e agentes penitenciários em vários Estados, como por exemplo no Rio de Janeiro, terra do CV e um dos maiores mercados consumidores de cocaína e maconha do país.

    As drogas entram pelas fronteiras do Paraguai, da Bolívia e da Colômbia – o maior e mais bem estruturado fornecedor de cocaína do mundo.

    A principal rota de entrada da droga colombiana no Brasil, o segundo mercado consumidor do mundo, é através de Boa Vista e Manaus, cidades estratégicas na geografia do tráfico.

    O que está acontecendo atualmente na Colômbia foi o combustível para as matanças em Manaus e Boa Vista envolvendo o PCC, o CV e seu aliado FDN. É o que indicam fontes nos serviços de inteligência e também informações obtidas com pessoas que moram nas fronteiras, por onde, nas últimas três décadas, pelo menos de dois em dois anos circulo fazendo reportagens e escrevendo livros.

    Os confrontos de Manaus e Boa Vista aconteceram porque o PCC e o CV estão envolvidos em uma corrida para ocupar o lugar no tráfico de cocaína das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que será desmantelada por conta da evolução do acordo de paz com governo colombiano. Hoje, todo produtor de cocaína e todo atacadista – aquele que vende a droga em grande quantidade – pagam pedágio para as Farc.

    Em um primeiro momento, o desmantelamento das Farc trará o caos, porque seus soldados perderão a proteção da organização. Hoje, no mundo do crime, ninguém ataca alguém protegido pelas Farc porque sabe que o poder de resposta é imediato e arrasador. Se a organização deixar de existir, será cada um por si. É neste momento que os brasileiros entram em cena, ocupando o vazio deixado pela Farc. Isso será feito recrutando ex-combatentes ou simplesmente substituindo-os por outros.

    As chances de as facções brasileiras serem aceitas pelos cartéis da Colômbia são boas porque elas representam o segundo maior mercado consumidor de cocaína do mundo. Isso diminuiria sensivelmente um dos maiores riscos do tráfico, que é o transporte da droga.

    A aliança do CV com a FDN lhe dá certa vantagem sobre o PCC nesta corrida. A FDN nasceu nos final dos anos 90 nas gangues de rua de Manaus e se consolidou nos presídios. Em 2015, a PF realizou a Operação Muralha contra a facção e apreendeu um software onde havia lista de participantes, manuais de normas de conduta e como havia sido feita aliança com o CV. Antes da aliança, a FDN tinha nas mãos as rotas da cocaína da Colômbia. Agora tem acesso a um dos grandes mercados de drogas, que é o Rio de Janeiro, casa da CV. Ao seu lado, o PCC tem a vantagem de ser mais organizado que o CV e deter o maior mercado consumidor de drogas da América do Sul: São Paulo.

    Se houver confronto com os colombianos pelo espólio das Farc, tanto o PCC quanto o CV têm estrutura e experiência de combate nas fronteiras, para onde, nos anos 90, levaram a guerra aos grupos de traficantes regionais. Uma das batalhas que ganhou notoriedade foi travada por Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, contra o seu protetor João Morel, líder de uma bem estruturada quadrilha em Capitán Bado, cidade paraguaia dividida por uma rua empoeirada de Coronel Sapucaia, pequeno município no Oeste do Mato Grosso do Sul.

    Nos anos 60, Morel se instalou na região e começou com o contrabando de café e depois estruturou o tráfico de maconha, cocaína e armas. Fugindo da polícia no Rio de Janeiro, Beira-Mar foi acolhido e protegido por Morel. Beira-Mar fez uma aliança com as Farc – trocando cocaína por remédios, munição e armas – e começou a fazer sombra para seu antigo protetor. Em janeiro de 2001, os dois se desentenderam e Beira-Mar mandou executar os dois filhos de Morel, Ramón e Mauro. Uma semana depois, mandou matar o próprio Morel. Três meses depois, Beira-Mar foi preso pelo Exército da Colômbia, aliado à Agência Anti-Drogas dos Estados Unidos (DEA), na selva colombiana. Atualmente, cumpre pena de 120 anos no Brasil.

    Nas fronteiras, o PCC e o CV não lutam por território o tempo todo. Eles também fazem alianças estratégias para defender interesses comuns. Um ruidoso caso que aconteceu no ano passado é apontado como exemplo: a execução do Rei da Fronteira, o brasileiro Jorge Rafaat, condenado por tráfico de drogas no Brasil, que vivia em Juan Pedro Caballero, cidade paraguaia separada por uma avenida da brasileira Ponta Porã, no oeste do Mato Grosso do Sul. A morte foi cinematográfica e o motivo da execução teria sido porque Rafaat decidiu aumentar o preço da maconha e da cocaína que vendia ao PCC e ao CV. Portanto, não é descartada uma aliança entre as duas facções para entrar na Colômbia, a terra de Pablo Escobar, poderoso traficante morto nos anos 90. Se acontecer a aliança, o CV massacra o FDN como Beira-Mar fez com Morel.

    * Carlos Wagner, 66 anos, formado pela Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul é autor de 17 livros, entre eles “País Bandido”. Foi repórter especial do jornal “Zero Hora” de 1983 a 2014. Atualmente, mantém o blog “Histórias Mal Contadas”, (carloswagner.jor.br)