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  • Mobilização pede justiça para o caso de estupro de vulnerável em festa da Medicina da USP

    Mobilização pede justiça para o caso de estupro de vulnerável em festa da Medicina da USP

    Foi suspenso, mais uma vez, o julgamento em segunda instância no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) do médico Daniel Tarciso da Silva de Cardoso acusado de estupro de vulnerável quando aluno da Faculdade de Medicina da USP numa festa universitária. A decisão aconteceu nesta segunda-feira, 2.

    O colegiado de desembargadores, além de ter nas mãos um processo simbólico, à sombra de atitudes institucionais de “cumplicidade” com o acusado, se viu pressionado por coletivos feministas e movimentos de defesa dos direitos humanos, que ocuparam os corredores do tribunal pela segunda vez.

    O pedido de vista do processo pelo desembargador Geraldo Luis Wohlers Silveira foi considerado um VITÓRIA pelos coletivos e movimentos que ocuparam os corredores do TJ-SP, e que tem se mobilizado em atos, debates e espalhado informação pela rede sobre o caso.  O desembargador Maurício Henrique Guimarães  Pereira Filho, relator do processo pediu a absolvição do réu, e o processo corre em sigilo de justiça.

    Entenda mais sobre o caso 

    ALERTA: Médico da USP, acusado de estupro pode ficar impune e sobre o simbolismo da cultura do estupro nas universidades e na sociedade em  O que o caso de estupro na Faculdade de Medicina da USP revela sobre a nossa sociedade, ou ainda como o machismo e misôginia são atitudes frequêntes e até esperadas dentro das faculdades de medicina em  Estudantes de medicina baixam as calças sob os jalecos e ameaçam as mulheres. 

     

    Assista a cobertura feita hoje, 2,  ao vivo na saída do Tribunal:

    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/837678643022681/

     

    Assista, também transmissão feita ao vivo, no dia 19, da mobilização no tribunal no primeiro dia em que estava planejado o julgamento, mas que defesa pediu o adiamento. Importantes entrevistas esclarecem o andamento do caso, e as principais questões envolvidas.

     

    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/819266461530566/

     

    O simbolismo deste caso

    Apesar das denúncias a Faculdade permitiu que Daniel Tarciso da Silva de Cardoso se titula-se “à portas fechadas para não causar tumulto” e o réu conseguiu em 2017 o registro de médico no Conselho Regional de Medicina de Pernambuco e pretende especializar-se em ginecologia e obstetrícia.

    Em fevereiro de 2017 Daniel Tarciso da Silva de Cardoso foi inocentado pelo juiz Klaus Marouelli Arroyo, da 23ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo. Na sentença, Arroyo justifica sua decisão com base na “inconsistência das declarações da ofendida”.

    Em 2014, por iniciativa de Adriano Diogo, então deputado estadual, foi criada uma CPI na Assembleia Legislativa para averiguar violações de direitos humanos nas instituições universitárias, que ficou conhecida como CPI dos Trotes. A CPI documentou denúncias de racismo institucional e de uma cultura do estupro nas universidades. O relatório verificou que “112 estupros em 10 anos” teriam sido cometidos “no chamado ‘quadrilátero da saúde’ área da USP onde estão concentradas no Bairro de Pinheiros, na Capital paulista, as faculdades ligadas às Ciências Médicas”. 

    A CPI descobriu que havia pelo menos mais 5 casos de abuso envolvendo Danielo. Duas dessas vítimas se dispuseram a testemunhar¨ contando o mesmo modo de operação de Daniel, oferecer uma bebida adulterada e ter relações sexuais com a moça desacordada.

     

    A reação

    Nesse contexto de mobilização em prol da pauta de Direitos Humanos a Faculdade de Medicina da USP presenciou o surgimento de grupos auto-organizados que buscavam quebrar a cultura da omissão institucional e dar voz as vitimas dos diversos casos de violência que a universidade vivia. Grupos como o Coletivo Feminista Geni e a Rede Não Cala USP estão sendo fundamentais para acolher as alunas e atuar de forma a tornar a faculdade, aos poucos, um ambiente menos permissivo a violências.

     

    NÃO PODEMOS ESQUECER:

    Do caso do (ex) médico Roger Abdelmassih, 73, condenado a 181 anos de prisão por abusar sexualmente de 56 pacientes em sua clínica de reprodução.Hoje ele está em prisão domiciliar, mas seus advogados ainda tentam a sua absolvição, junto ao STF. 

     

    O caso de Roger Abdelmassih, é tão absurdo, mas ele sinaliza como o cenário que compõe a narrativa da mídia sobre estupro no Brasil, pode ser um componente bastante estimulador da impunidade, e por tanto da perpetuação da injustiça.

    Em materia do Jornal da Usp  a jornalista Lieli Karine Vieira Loures fala de sua pesquisa, feita para Escola de Comunicações e Artes (ECA), em que analisou as reportagens do jornal Folha de S. Paulo sobre o caso Roger Abdelmassih, publicadas entre janeiro de 2009 e maio de 2015. De acordo com o estudo, o discurso jornalístico usado estava em desacordo com o discurso jurídico do Ministério Público Estadual (MP).

    “O jornal se referia às mulheres como acusadoras. Porém, quem estava acusando era o Ministério Público. A Folha de S. Paulo somente começou a chamá-las de vítimas após Abdelmassih ser condenado e fugir do Brasil”, conta a autora da pesquisa.

     

     

     

     

    A Pesquisa pode ser acessada no banco de teses da USP neste LINK

     

     

  • ALERTA: Médico da USP, acusado de estupro pode ficar impune

    ALERTA: Médico da USP, acusado de estupro pode ficar impune

    Nesta quinta-feira ¨dia 19 de Julho¨ poderá ser julgado em segunda instância no TJSP o médico Daniel Tarciso da Silva de Cardoso¨ acusado de estupro de vulnerável quando aluno da Faculdade de Medicina da USP numa festa universitária.

    Entidades e movimentos sociais se mobilizam para defender a vítima e falar novamente do assunto, para que ele não se “institucionalize” ainda mais caso o acusado seja absolvido em 2ª instância. A vítima foi perseguida e difamada pelos colegas e professores da faculdade ¨recebeu ameaças do réu¨ desenvolveu transtorno de estresse pós-traumático e abandonou o curso. Restou-lhe dedicar sua vida a obter justiça pela violência que sofreu.

    Este caso é emblemático e dos poucos que seguem como processo civil criminal, como não acontece com a maioria dos casos de estupro, apesar das inúmeras denúncias de abusos sexuais e todo tipo de violências que são cometidas nos “tradicionais” trotes que ocorrem em algumas instituições de ensino superior de São Paulo e de outros estados também.

    Em 2014, por iniciativa de Adriano Diogo, então deputado estadual, foi criada uma CPI na Assembleia Legislativa para averiguar violações de direitos humanos nas instituições universitárias, que ficou conhecida como CPI dos Trotes. A CPI documentou denúncias de racismo institucional e de uma cultura do estupro nas universidades. O relatório verificou que “112 estupros em 10 anos” teriam sido cometidos “no chamado ‘quadrilátero da saúde’ área da USP onde estão concentradas no Bairro de Pinheiros, na Capital paulista, as faculdades ligadas às Ciências Médicas”.

     

     

     

     

     

     

     

    AQUi NA  PLAYLIST  sobre o caso na página do YouTube de Adriano Diogo, é possível assistir a íntegra das audiências públicas feitas na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, matérias e depoimentos sobre o andamento da CPI, e também uma série de vídeos que documentam as práticas destas “festas” que representam “verdadeiras armadilhas” para os calouros e que não terminam no dia  “da libertação dos bixos”.

    As atitudes misóginas, machistas e homofóbicas, são muitas vezes premiadas por seus pares. Como pode ser visto nesta  matéria:

    Estudantes de medicina baixam as calças sob os jalecos e ameaçam as mulheres

     

    O tema também foi amplamente discutido pelos Jornalistas Livres aqui

    O que o caso de estupro na Faculdade de Medicina da USP revela sobre a nossa sociedade

     

    HISTÓRICO DO CASO

    Um dos casos foi o de Daniel Tarciso da Silva Cardoso. Ele foi acusado de dopar uma estudante para manter relações sexuais à força em 11 de fevereiro de 2012, depois de uma festa da USP na sede da Atlética de Medicina.

    A vítima procurou o Judiciário já em 2012, bem antes da CPI. No entanto, só depois da Comissão, onde o acusado nunca apareceu para explicar-se, apesar de convocado, é que ele acabou sendo suspenso pela faculdade por um ano e meio. As denúncias dos coletivos feministas da USP eram sumariamente ignoradas pela direção da Faculdade.

    Duas estudantes de Medicina da USP que também foram dopadas e sofreram abusos do acusado, foram testemunhas. Drauzio Varella, na época, escreveu e gravou vídeo contra a cultura de estupro na Faculdade de Medicina. No entanto, no fim de 2016, a Faculdade realizou secretamente a colação de grau, para evitar protestos e proteger o acusado.

    Em 7 de fevereiro de 2017, o juiz Klaus Marouelli Arroyo, da 23ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, absolveu-o ignorando não só laudos psicológicos e psiquiátricos que atestam que a vítima passou por abuso sexual, bem como exame médico que comprovou escoriações decorrentes de violência. A sentença invisibilizou a voz e o corpo da vítima.

    Em abril de 2017, Daniel Tarciso da Silva Cardoso conseguiu finalmente o registro de médico no Conselho Regional de Medicina de Pernambuco. Além disso, pretende especializar-se em ginecologia e obstetrícia.

    Não foi a primeira vez que o acusado enfrentou problemas com a Justiça: entre 2004 e 2008, ele foi policial militar e, já em seu primeiro ano de serviço, matou um homem com oito tiros durante briga em um bloco de carnaval. Condenado por homicídio culposo, o Tribunal de Justiça, acabou extinguindo sua pena em 2012 julgando recurso da defesa. Além de ignorar de forma grotesca as leis e tratados que exigem uma justiça eficaz, justa e responsável com vítimas de crimes tão graves.

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    Ao falar das violências e “tragédias” que estão no currículo do ritual e dos envolvidos institucionais, é impossível não lembrar da morte de um estudante Edson Tsung Chi Hsueh, de 22 anos que morreu afogado em uma piscina da Universidade da Medicina após um trote 1999. O Supremo Tribunal Federal acatou a decisão do STJ de absolver os 4 acusados pela morte do jovem calouro, mesmo sem que o caso tenha sido julgado pelo juiz de primeira instancia. Os ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Gilmar Mendes e Celso de Mello entenderam que o STJ poderia ter arquivado o processo por falta de provas.

    ESTUPRO NO TRIBUNAL

    texto de  FELIPE SCALISA OLIVEIRA¨ 26¨ aluno do 6º ano da FMUSP – Faculdade de Medicina da USP**foi depoente da CPI dos trotes em 2015.

    O réu foi inocentado em primeira instância¨ segundo o juiz Klauss Arroyo¨ por “falta de provas” por parte da acusação. O juiz alegou que precisava de certeza e que¨ in dubia pro reo ¨decidiu pela absolvição. Tal dúvida ¨entretanto¨ não eliminou o fato concreto do crime que aconteceu¨ tampouco o sofrimento da vítima.

    A vítima¨ estudante da escola de enfermagem da USP não pode contar sozinha o que lhe aconteceu. Lembra-se apenas de tomar uma bebida oferecida por Tarciso durante uma festa e acordado horas depois no quarto do rapaz¨ nua¨ com o réu sobre ela praticando o ato sexual¨ e sentindo dores nas partes genitais e no ânus. Fez um exame de corpo de delito que comprovou a conjugação carnal e abriu um inquérito. Foi perseguida e difamada pelos colegas e professores da faculdade¨ recebeu ameaças do réu¨ desenvolveu transtorno de estresse pós-traumático e abandonou o curso. Restou-lhe dedicar sua vida a obter justiça pela violência que sofreu.

     

     

     

     

     

     

     

    Depôs na CPI dos trotes em 2015 junto a outras mulheres vítimas de violência sexual em universidades. Descobriu que junto a ela havia pelo menos mais 5 casos de abuso envolvendo o mesmo rapaz. Duas dessas vítimas se dispuseram a testemunhar¨ contando o mesmo modo de operação de Tarciso∫ oferecer uma bebida adulterada e ter relações sexuais com a moça desacordada.

    O réu tem antecedente. É ex-policial militar e foi condenado por homicídio com arma de fogo (10 disparos)¨ fora de serviço¨ contra um rapaz durante uma festa de carnaval.

    O TJSP¨ entretanto¨ reconheceu “legítima defesa” e impôs a pena de serviços comunitários por “excesso”. Após as denúncias de violência sexual¨ Tarciso obteve da FMUSP uma amistosa suspensão de 1 ano e 6 meses. Formou-se em fevereiro de 2017¨ obteve o registro médico de Pernambuco e exerce a profissão médica em São Paulo.

    O caso de Daniel Tarciso é o caso mais paradigmático da história de violência sexual nas universidades brasileiras. A “falta de provas” persegue as vítimas¨ que têm sua palavra desacreditada pelos amigos¨ pelo médico¨ pela polícia¨ pelo juiz e pela sociedade. A violência sexual no Brasil só é punida em casos extremos¨ envolvendo crianças e sequestros¨ onde se pune ou o incesto ou o sequestro¨ nunca o ataque à dignidade sexual.

    A diferença é que no caso de Tarciso há um conjunto de provas considerável¨ com pareceres psicológicos e psiquiátricos atestando o abuso e negando sinais de falso testemunho por parte da vítima¨ além de um conjunto significativo de testemunhas com narrativas consistentes dando fortes indícios de um comportamento padrão do réu. No entanto¨ bastou que o réu alegasse que o ato sexual foi consentido para o juiz decidir in dubio pro reo.

    O sistema de justiça brasileiro vive uma crise de legitimidade. De um lado narrativas criam jurisprudência para crimes materiais com ocultação de provas¨ como o crime de colarinho branco¨ afirmando que bastam fortes indícios para penalizar alguém¨ abdicando das “provas cabais”. De outro¨ o crime de violência sexual¨ em que a vítima de um crime hediondo muitas vezes tem apenas a própria palavra e – embora a jurisprudência torrencial diga que em casos de crime sexual a palavra da vítima tem especial relevância – é obrigada mesmo assim a conviver com o descrédito e o silêncio.

    O desembargador Mauricio Henrique Guimarães Pereira Filho tem um processo acelerado¨ que vai ocorrer em período de férias¨ entre uma copa do mundo e as eleições¨ e tem em suas mãos um réu acusado de crimes amparados pela cultura da sociedade¨ que culpabiliza vítimas de violência sexual. Tem também em suas mãos o futuro de uma moça que perdeu sua vida enfrentando todas as instâncias da Universidade e do Estado para não ser violentada consecutivamente. E finalmente tem em suas mãos o poder de romper um paradigma pros próximos casos de violência sexual¨ que seguem ocorrendo e sendo violentamente silenciados.

     

    Esta matéria contém trechos de matéria da: Heloísa Buarque de Almeida (FFLCH), da Rede Quem Cala Consente

    Outros Links indicados por Heloisa: Catraca Livre: “Drauzio Varella faz vídeo arrebatador sobre estupros na USP” https://catracalivre.com.br/cidadania/drauzio-varella-faz-video-arrebatador-sobre-estupros-na-usp/ Renan Quinalha: “Cultura do estupro na USP”: https://revistacult.uol.com.br/home/cultura-do-estupro-na-usp/ Jornal do Campus: “Dois anos após CPI, casos de estupro não têm punição”: http://www.jornaldocampus.usp.br/index.php/2016/11/dois-anos-apos-cpi-casos-de-estupro-nao-tem-punicao/ Ponte Jornalismo: “Justiça de SP absolve estudante de Medicina da USP acusado de estupro” https://ponte.org/justica-de-sp-absolve-estudante-de-medicina-da-usp-acusado-de-estupro/ Ponte Jornalismo: “MP recorre de sentença que absolve aluno da USP acusado de estupro” https://ponte.org/mp-recorre-de-sentenca-que-absolve-aluno-da-usp-acusado-de-estupro/ Agência Brasil: “Ex-aluno da USP acusado de estupro obtém registro de médico em Pernambuco” http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-06/ex-aluno-da-usp-acusado-de-estupro-obtem-registro-de-medico-em-pernambuco

  • POR PRETOS, PARDOS E INDÍGENAS NA FACULDADE DE MEDICINA DA USP, SIM!

    POR PRETOS, PARDOS E INDÍGENAS NA FACULDADE DE MEDICINA DA USP, SIM!

     

    Depois da histórica vitória dos estudantes e movimentos negros na conquista das cotas raciais no vestibular da Universidade de Campinas (Unicamp), o Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (CAOC – Centro Acadêmico Oswaldo Cruz) fez uma provocação necessária nos corredores do “porão”, a área reservada ao convívio de estudantes do curso mais disputado do Brasil.

    Há uma semana, o local conta com um grafite de apoio à política de reserva de cotas para pretos, pardos e indígenas no ingresso à chamada “Casa de Arnaldo”, apelido do campus em São Paulo que faz referência ao médico Arnaldo Vieira de Carvalho, o fundador da faculdade de Medicina e, curiosamente, um dos principais entusiastas do movimento da eugenia no Brasil. Doutor Arnaldo foi defensor da teoria de “purificação das raças”, desenvolvida meramente para justificar o preconceito e o racismo, e também dá nome ao edifício de escadarias e colunas de mármore Carrara.

    Neste prédio imponente, tombado pelo Patrimônio Histórico, o grafiteiro Mauro Neri estampou uma galeria de semblantes em diferentes tons de pele e feições raciais. O grafite acompanha palavras como “acesso”, “cotas sim ou não”, “quando”, “divergente”, “veracidade”, “inclusão”, “igualdade”, “marginalizados”, “dívida histórica”. É um marco.

    Se falar de cotas afirmativas para toda a Universidade de São Paulo ainda é tabu, o tema é ainda mais abafado dentro da Faculdade de Medicina. No último vestibular, cada uma das 175 vagas do curso foi disputada por 75 candidatos no campus de Ribeirão Preto e 63 no da capital. “O curso de Medicina é tão resistente à adoção de políticas afirmativas que dos 42 cursos da USP é dos únicos, ao lado apenas do Instituto de Física, que sequer aderiu à possibilidade de incluir vagas de entrada na universidade pelo SISU, única via pela qual é possível instituir cotas na USP atualmente”, explica o estudante Deivid Déda Araújo Nunes, um dos diretores do CAOC.

    Hoje, a Medicina da USP aplica apenas seu concurso vestibular, a FUVEST (Fundação Universitária para o Vestibular), que é regionalista no conteúdo cobrado, só aplicado no Estado de São Paulo e não oferece cotas. “Há apenas um sistema de bonificação que já se mostrou insuficiente”, diz Gabriel Chicote Guimarães, também diretor da nova gestão do CAOC, da chapa Mosaico, que volta a ter um caráter declaradamente progressista depois de quase 10 anos de gestões desmobilizadas.

    Vale lembrar: o SISU (Sistema de Seleção Unificada) vale-se das notas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) para a entrada em universidades e é amplamente aceito em todo o país. A política do SISU possui duas modalidades de inscrição: por ampla concorrência (que vale todos os alunos indistintamente) e por reserva de vagas por cotas para alunos de escolas públicas, pessoas de baixa renda e estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Além disso, as universidades participantes do SISU podem oferecer vagas para suas próprias ações afirmativas, como por exemplo: pessoas com deficiência e quilombolas.

    “Na minha turma de 175 pessoas há no máximo 10 negros. Essa falta de representatividade também se reflete no hospital. São pouquíssimos médicos, professores ou assistentes”, diz Pedro Santana, aluno do quarto ano que faz parte do primeiro grupo organizado de estudantes negros do curso. Ele conta que até em comparação com outras faculdades de Medicina, tanto do Estado de São Paulo como no país, a porcentagem de negros na USP é menor.

    “É um obstáculo não se imaginar como aluna ou aluno dessa faculdade quando você está prestando vestibular. A imagem que temos de estudantes da FMUSP é de pessoas brancas”, diz a aluna de medicina Maira Mello de Carvalho. “No cursinho popular (Medensina) a porcentagem de alunos negros é absurdamente maior do que na graduação. Outro dia uma menina negra do Medensina veio falar comigo, pedir dicas e fez alusão ao fato de ambas sermos negras, aí eu relembrei que eu pensava o mesmo. Representatividade importa, sim. Se a gente não vê pessoas com quem nos parecemos em um lugar, tendemos a achar que não pertencemos a ele”, completa Maira.

    Diante disso, os dirigentes do CAOC pleitearam e conseguiram uma primeira vitória: acabam de aprovar na Comissão de Graduação, que é a primeira instância para implementação da adesão da FMUPS às cotas, o pedido de inclusão de quase 30% das vagas de ingresso na faculdade pelo SISU. Isso representa 50 vagas, 10 delas para ampla concorrência e 40 reservadas para cotas. Destas, 15 são para alunos pretos, pardos e indígenas e 25 para alunos vindos de escolas públicas.

    Passo importante. Mas só o primeiro. A proposta ainda vai passar pela Congregação da faculdade para ter êxito. A comissão é formada majoritariamente por professores. “É necessária uma pressão da sociedade para que se promova a inclusão social na USP. Essa problemática precisa urgentemente ser revista e reparada”, pontua Deivid.

    “Apenas 5% dos estudantes se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas na faculdade”, afirma Gabriel. “No Hospital das Clínicas, onde passamos boa parte da graduação, há uma concentração majoritária de pacientes pretos e pardos. Eles oferecem os seus corpos para que a gente aprenda Medicina mas não estão entre os aprendizes”. Gabriel lembra que, como um microcosmo do Brasil, na faculdade negros são os prestadores de serviços, pessoal da limpeza, atendentes do restaurante. “Não estão entre os formadores de conhecimento”.

    Foi ele quem convidou Mauro para fazer o grafite provocativo na instituição de excelência em ensino médico. “É uma contribuição a um público de maioria branca, com privilégios, que talvez não esteja habituado ou tratar dessas questões”, pontua o artista. “Essas imagens de negros e palavras que remetem à causa das cotas traz a esse cotidiano um repertório que é sabido mas é esquecido”. Ainda que o grafite não seja permanente e sua exposição seja efêmera, é impossível ser ignorado naquele corredor de acesso ao refeitório e sala de estudos do “porão” elitizado. “Foi muito bacana trazer a verdade para esse lugar”, diz Mauro. Que a Casa de Arnaldo receba, em breve, a devida visita dos ilustres brasileiros descendentes de escravos, mestiços e indígenas para dignificar ainda mais o exercício da Medicina.

     

    Por Flávia Martinelli/Jornalistas Livres

    Vídeo: Gustavo Aranda/Jornalistas Livres