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  • O casamento real e os impasses das esquerdas

    O casamento real e os impasses das esquerdas

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na UFBA, com charge de Leo

     

    Hoje venho falar do evento do ano: o casamento real do príncipe Harry com a atriz norte-americana Megan Markle.

    Não analiso os trajes de gala dos convivas, nem estou interessado nos quitutes.

    Confesso, com alguma vergonha, que fiquei curioso e liguei a TV para ver a tal festa. É que toda a gente tava comentando. O buffet não me encheu os olhos. Gosto mesmo é de coxinha de frango e bolinha de queijo. Lembro que em algum momento da década de 1990, lá em Anchieta, o “cento” do salgado era 10 reais. Coisa boa, de qualidade, bem melhor do que aqueles biricuticos insossos e pálidos que foram servidos no Palácio de Kesington. A galera deve ter voltado pra casa com fome. Não vejo sentido em ir pra festa e voltar pra casa com fome.

    Enfim, o que quero dizer é que meu interesse está menos no casamento em si do que nos esforços discursivos de sua legitimação. Aqui, neste ensaio, tomo o casamento real como pretexto para discutir aquele que me parece ser o grande impasse das esquerdas contemporâneas.

    Mas como assim? O que a festa da realeza tem a ver com as esquerdas contemporâneas?

    No século XXI, nesses tempos tão confusos, de fronteiras tão porosas, até a realeza é capaz de se apropriar de algumas agendas das esquerdas contemporâneas. Se algumas agendas das esquerdas estão sendo apropriadas pela realeza, símbolo máximo do atraso, é porque precisamos discutir com cuidado a natureza dessas agendas. É isso que tento fazer aqui.

    “Feminista, negra, divorciada, mulher independente que rompendo com os protocolos da realeza britânica não jurou obediência ao marido”.

    Foi mais ou menos com essas palavras que o departamento de marketing da realeza britânica (deve ter um departamento de marketing na realeza britânica) chamou a atenção do público para o casamento real. Não dá pra negar que a estratégia deu certo, pois aqui, nesse nosso lado do Atlântico, em um país arrasado por uma grave crise civilizatória, houve quem festejasse a “representatividade”, considerando-a uma vitória de movimentos sociais e coletivos identitários.

    De forma alguma, quero desqualificar a importância das agendas políticas pautadas nas ideias de gênero e de raça. Quero apenas chamar atenção para o fato de que quando não estão associadas ao corte material que acompanha o velho e bom conceito de “classe social” essas pautas se tornam dóceis, algo conservadoras, a ponto de serem mobilizadas pela realeza, até mesmo pela realeza.

    Sem a premissa da classe social, as agendas de gênero e raça funcionam como uma espécie de calça jeans ideológica, que combina com quase todo tipo de camisa, que serve a quase todo tipo de regime de poder.

    Parece que em algum momento da segunda metade do século XX as esquerdas internacionais abandonaram, deliberadamente, o norte que as conduzia desde o final século XVIII, quando, no calor da Revolução Francesa, nasceu a “esquerda política”. Esse norte era dado pela convicção de que na modernidade burguesa a principal experiência de opressão é dada pela vulnerabilidade material, pela pobreza.

    Ou em outras palavras: durante quase 200 anos, na percepção das esquerdas internacionais, para reivindicar o estatuto de oprimido carecia, antes de tudo, de ser pobre.

    Essa convicção mudou, como já disse antes, na segunda metade do século XX, com os ecos de maio de 1968. Na verdade, as mudanças já estavam acontecendo desde meados da década de 1950, como resultado daquilo que já na época ficou conhecido como “processo de desestalinização”, marcado pelas denúncias dos crimes contra a humanidade cometidos pelo governo de Josef Stalin (1878-1953).

    Com essa crise simbólica do socialismo real, instaurou-se um clima de desilusão e crítica entre a militância, que passou a tentar explorar outras possibilidades de luta. A rejeição ao autoritarismo da burocracia comunista se desdobrou nas críticas ao conceito marxista de classe social, considerado insuficiente para a compreensão das demandas específicas dos sujeitos oprimidos.

    O “trabalhador”, categoria universal definida pelo lugar o ocupado pelos sujeitos no processo produtivo, deu lugar a formas mais particularizadas de experimentação da opressão.

     “Trabalhador”, então, deixou de ser a substância fundamental na agenda das esquerdas internacionais para se tornar um substantivo que precisa de complemento.

    Qual trabalhador é mais oprimido? Qual é o gênero? A cor da sua pele?

    Já na época, esse clima de renovação foi interpretado em duas perspectivas distintas e rivais entre si.

    De um lado, estavam as lideranças mais velhas, que consideravam essas novas agendas como forças de desagregação e que, por isso, prestavam um desserviço ao projeto revolucionário.

    Do outro lado, estavam as lideranças mais jovens, cuja formação política havia se dado sob a desestalinização. Essas novas lideranças estavam menos preocupadas com a utopia revolucinária do que com a emancipação das subjetividades que elas consideravam silenciadas pela ortodoxia marxista.

    Essas novas lideranças não entendiam a “Classe Social” como uma meta-categoria universal, mas, sim, resultado de experiências concretas que envolviam não apenas o aspecto material da existência, mas também condições subjetivas, como gênero e raça.

    Falar sobre a classe deixou de ser um exercício teórico e especializado para dar lugar à auto-manifestação, o que conferiu legitimidade analítica ao testemunho dos oprimidos. Temos aqui o embrião daquelas que me parecem ser as duas principais características das esquerdas contemporâneas: o anti-intelectualismo e o culto à noção de “lugar de fala”.

    Na época, essas novas agendas tiveram conteúdo libertário profundo, na medida em que passaram a reivindicar não apenas a emancipação do trabalho, mas também a liberdade dos corpos, corpos de mulheres, de pretos e pretas e LGBTs.

    Nesse cenário, raça e gênero cumpriam a função de adjetivo e especificavam a contundência da exploração. Trabalhadora era mais explorada que trabalhador. Trabalhador preto era mais oprimido que trabalhador branco. Trabalhador LGBT sofria mais que trabalhador heteronormativo.

    Mesmo com toda a adjetivação, o substantivo era o mesmo, a experiência básica da exploração era dada pelo pertencimento ao mundo do trabalho, pela vulnerabilidade material, pela pobreza.

     Porém, algo aconteceu nos últimos 40 anos que parece ter emancipado a raça e o gênero, que hoje figuram como independentes da classe social.

    Hoje, “ser mulher”, “ser preto ou preta” e “ser LGBT” se tornaram a substância elementar da exploração, o que coloca as esquerdas internacionais diante de um impasse.

    O impasse pode ser resumido na seguinte questão:

    Como as esquerdas se diferenciam, no nível das práticas políticas, das forças mais dinâmicas e progressistas do capital?

    Mas como assim “forças dinâmicas e progressistas do capital”?

    Para entender o argumento, é necessário diferenciar com cuidado os diversos regimes estruturais de opressão que constituem a vida contemporânea. Vejo, pelo menos, dois regimes distintos, que se combinam, mas que estão em claro processo de diferenciação:

    • Chamo aqui de “regime do atraso” as práticas de opressão ligadas ao patriarcado e fundadas no princípio da desigualdade natural entre as pessoas. Aqui estão o machismo, o racismo e a homofobia. Aqui está o bolsonarismo.

    Nesse regime de opressão, mulheres, pessoas pretas e LGBTS serão sempre inferiores, mesmo que sejam ricos.

    Se uma atriz preta rica é barrada numa loja de grife, se um empresário preto rico é mal atendido no restaurante é porque esse regime do atraso ainda não foi plenamente superado. A força dessas práticas de opressão de tipo antigo é especialmente grande em um país como o Brasil. Porém, não me parece que no concerto geral do capitalismo internacional essas práticas sejam as mais poderosas e influentes. Acredito mesmo que elas estejam em processo de superação.

    É claro que esse processo de superação tem ritmos distintos que variam de país para país. Na Alemanha, na França ou no Chile esse ritmo parece estar mais adiantado. No Brasil, mais atrasado. Entretanto, nas duas margens do Atlântico está em marcha o derretimento do patriarcado, um derretimento que vem sendo pautado pelo próprio capital.

    Até que ponto a superação do patriarcado pelo capital deve ser objeto de comemoração é um debate muito difícil de ser feito, muito difícil mesmo.

    Mas que capital que mostra tanto empenho na superação do patriarcado?

    • Chamo de “capitalismo clean” as novas práticas de opressão que negam o princípio da desigualdade natural entre as pessoas. No Brasil, a grade de programação da Globo News traduz, com precisão, o projeto dessa “nova direita”, uma direita leve que rejeita o bolsonarismo com veemência.

    O bolsonarismo tensiona o sistema, tensiona com mulheres, com pretos e pretas, com LGBTs. O capitalismo clean, leve, quer restringir as tensões ao mínimo possível, apenas ao que não é possível negociar.

    Para essa nova direita, que tanto esforço faz para se diferenciar do bolsonarismo, o que importa é a igualdade natural, a igualdade como ponto de partida. A igualdade como horizonte, como ponto de chegada, é o ideal da utopia comunista, é algo indesejável para o capitalismo leve.

    Para essa nova direita, as pessoas são naturalmente iguais, sendo as desigualdades sociais interpretadas como o resultado do empenho, do trabalho e do mérito. Logo, cartão de crédito de preto rico, de mulher rica e de LGBT rico vale tanto quanto o cartão de crédito de branco rico.

    O capitalismo clean quer acolher o preto rico que sofre racismo, a mulher rica vítima de machismo, o LGBT rico que é alvo da homofobia. O capitalismo clean é elástico o bastante para se apropriar das agendas de gênero e raça, desde que elas sejam independentes de qualquer projeto de igualdade social.

    Se forem independentes de um projeto amplo de igualdade social que mire na distribuição riqueza, as agendas do gênero e da raça são dóceis e perfeitamente compatíveis com os interesses das forças mais dinâmicas e poderosas do capital.

    No capitalismo clean até a realeza britânica tenta levar a vida na leveza e laureia mulher preta rica com título de nobreza.

    Pra radicalizar na crítica ao capital, é necessário começar a luta pelo recorte da classe social.

    É necessário começar na classe, mas não pode acabar na classe, pois aí o risco seria não enxergar algo que é tão óbvio como a existência do sol: pior que ser pobre, é ser pobre preto e preta, é ser pobre LGBT.

    Óbvio, óbvio mesmo é que o capitalismo clean é sedutor, pois permite que, você, leitor e leitora, seja quem quiser ser. Só não seja pobre, pois aí você está “lenhad@”, como se costuma dizer aqui na Bahia.

     

     

     

  • Lula deu um nó nas forças do golpe neoliberal

    Lula deu um nó nas forças do golpe neoliberal

    Artigo de Rodrigo Perez  Oliveira, professor de Teoria da História na UFBA, com foto de Francisco Proner

    Que Lula há muito tempo deixou de ser homem e se tornou uma instituição é consenso à direita e à esquerda. O que está em jogo, em disputa, é o significado da instituição, o que ela representa.

    Lula é o maior corrupto da história do Brasil ou a principal liderança popular que esse país já teve?

    A disputa está ai. No atual estado da situação não sobrou muito espaço para meio termo. Ou é uma coisa ou é a outra. Cada um que escolha seu lado.

    Na condição de instituição, todo gesto de Lula tem dimensão simbólica, é lido e interpretado por todos, por detratores e admiradores. Lula pega o microfone e o país paralisa em frente à TV. Os admiradores choram. Os jornalistas a serviço da mídia hegemônica silenciam. Ninguém fica indiferente a uma instituição desse tamanho.

    Lula sabe perfeitamente que está sendo observado, conhece muito bem o tamanho que tem e explora com extrema habilidade sua capacidade de fabricar símbolos.

    Aqui neste ensaio, trato de uma parte muito pequena da biografia de Lula, mas que talvez seja, na perspectiva simbólica, a mais importante. Talvez seja até mais importante que os oito anos de seu governo.

    Falo das 34 horas em que Lula esteve no sindicato dos metalúrgicos, sob os olhares do mundo, construindo a narrativa de seu próprio martírio.

    Não falo em “resistência”, pois desde a condenação no Tribunal da Quarta Região, em 24 de janeiro, que o destino de Lula já estava selado. Os advogados cumpriram sua função, recorrendo a todos as instâncias e tentando um habeas corpus, mas todos já sabiam que Lula seria preso.

    Por isso, seria ingênuo dizer que o que aconteceu em São Bernardo do Campo foi um ato de resistência. Lula é um político experiente demais para resistir em causa perdida.

    Alguns companheiros e companheiras, no auge da emoção, tentaram usar a força. Lula fugiu da custódia dos trabalhadores e se entregou à Polícia Federal, pois sabe que contra o braço armado do Estado ninguém pode. Lula sabe que aqueles que ali estavam eram trabalhadores e trabalhadoras, pais e mães de família. Não eram soldados. Não eram guerrilheiros. A resistência não era possível.

    Lula sabe que seria impossível sustentar aquela mobilização durante muito tempo e por isso não resistiu. Mas daí a se entregar resignado como boi manso para o abate a distância é grande, muito grande.

    Penso mesmo que Lula fez mais que resistir, já que a resistência seria quixotesca, irresponsável. Lula pautou a própria prisão, saiu da posição de simples condenado pela Justiça para se tornar o dono da narrativa. Lula foi sujeito do próprio encarceramento, deu um nó nas forças do golpe neoliberal.

    Muitos achavam que Lula deveria ter fugido para uma embaixada amiga e de lá partido para o exílio no exterior. Confesso que também pensei assim. Mas Lula é muito mais inteligente que todos nós juntos.

    Lula sabe que já viveu muito, sabe que não lhe sobra muito tempo de vida. O que resta agora é a consolidação da biografia, o retorno às origens, seu renascimento como ícone da esquerda brasileira, imagem que ficou um tanto maculada pelos oito anos em que governou o Brasil.

    É que no capitalismo não existem governos de esquerda. Governo de esquerda só com revolução e Lula nunca foi revolucionário, nunca prometeu uma revolução.

    Todo governo legitimado pelas instituições burguesas será sempre burguês. No máximo, no melhor dos cenários, será um governo de centro sensível às demandas populares. O lulismo foi exatamente isso: uma prática de governo de centro sensível às necessidades dos mais pobres. O lulismo transformou o Brasil pra melhor, com todos os seus limites, com todas as suas contradições.

    Mas para encerrar a vida em grande estilo carece de algo mais. Era necessária a canonização política. E só a esquerda canoniza líderes políticos. A direita é dura, cinza, sem poesia.

    O golpe neoliberal conseguiu reconciliar Lula com as esquerdas, o que há poucos anos parecia algo impossível de acontecer.

    É que pra ser canonizado pelas esquerdas nada melhor que ser perseguido pelo Poder Judiciário, habitat histórico das elites da terra. Basta lançar no Google os sobrenomes da maioria dos nossos juízes, procuradores e desembargadores e veremos os berços de jacarandá que embalaram os primeiros sonhos dos nossos magistrados.

    É claro que Lula não planejou a perseguição. É óbvio que ele não queria ser perseguido. Se pudesse escolher, estaria tendo um final de vida mais tranquilo, talvez afastado da política doméstica e atuando nas Nações Unidas. Mas já que a vida deu o limão, por que não espremer, misturar com açúcar, cachaça, mexer bem e mandar pra dentro?

    Lula fez exatamente isso: uma caipirinha com os limões azedos que seus adversários togados lhe deram.

    Primeiro, ele fez questão de esgotar todos os mecanismos legais. A sentença de Moro, os votos dos desembargadores, os votos dos ministros da Suprema Corte não são palavras ao vento. São “peças”, para falar em bom juridiquês, que ficarão arquivadas e disponíveis para a consulta, para análise.

    Imaginem só, leitor e leitora, os historiadores que no futuro, afastados da histeria e das disputas que hoje turvam nossos sentidos, examinarão a sentença de Sérgio Moro, verão que o juiz não foi capaz de determinar em quais “atos de ofício” Lula teria beneficiado a OAS para fazer por merecer o tal Triplex do Guarujá.

    É como se Moro estivesse falando: “Não sei como fez, mas que fez, ah, fez”.

    E o voto dos desembargadores do TRF-4, atravessados de juízos de valor, quase sem relar no mérito da sentença?

    E o voto de Rosa Weber? Por Deus, o que foi aquele voto de Rosa Weber?

    Sei que estou votando errado, mas vou continuar votando errado só porque a maioria votou errado. Uma maioria que só vai votar porque eu vou votar errado também.”

    Lula, ao se negar a fugir, obrigou cada um desses togados a deixar impressos na história os rastros da própria infâmia.

    Uma vez decretada a prisão, o que fez Lula?

    Deu um tiro no peito? Se entregou em São Paulo? Foi pra Curitiba? Fugiu?

    Não!

    Lula se aquartelou no sindicado mais simbólico da redemocratização brasileira, o sindicado que representa as expectativas que nos anos 1980 apontavam para um Brasil mais justo, mais solidário.

    No apogeu da crise que significa o colapso do regime político fundado na redemocratização, Lula decidiu encenar o seu martírio onde tudo começou.

    Naquele que talvez seja o último grande ato de sua vida pública, Lula voltou às origens.

    Protegido pela massa de trabalhadores, Lula não cumpriu o cronograma estipulado por Sérgio Moro. Cercado por uma multidão, o Presidente operário transformou o sindicato dos metalúrgicos numa embaixada trabalhista.

    A Polícia Federal, o braço armado do governo golpista, disse que não usaria a força. A Polícia Federal sabia que o povo resistiria, que sem negociação não tiraria Lula do sindicado sem deixar uma trilha de sangue.

    Lula negociou e, nos limites dados por sua posição de condenado pela Justiça, venceu e humilhou as instituições ocupadas pelo golpe neoliberal.

    Lula não estava foragido. O mundo inteiro sabia onde ele estava e mesmo assim o Estado brasileiro não foi capaz de prendê-lo no prazo determinado pela Justiça golpista. Durante um pouco mais de 30 horas, Lula foi um exilado dentro do Brasil, como se São Bernardo do Campo fosse um República independente, a “República Popular dos Trabalhadores”.

    Lula fez de uma missa em homenagem a Dona Marisa Letícia um ato político e aqui temos mais um lance simbólico do Presidente operário: restabeleceu as pontes entre a esquerda brasileira e a Igreja Católica, aliança que tão importante nos anos 1970, quando sob as bênçãos da Teologia da Libertação foi fundado o Partido dos Trabalhadores.

    No palanque, junto com o padre, estavam Lula e as futuras lideranças da esquerda brasileira. Lula dividiu seu espólio em vida, tomou pra si esse ato mórbido ao abençoar Boulos, Manuela e Fernando Haddad.

    Lula unificou em vida a esquerda brasileira. Não só unificou, mas pautou, apresentou o programa, cantou o caminho das pedras.

    Lula deixou claro que o povo mais pobre precisa comer melhor, precisa consumir, viajar de avião, estudar na universidade. Lula, o operário que durante a vida inteira foi humilhado por não ter diploma de ensino superior, foi o professor de milhões de brasileiros que sonham com um país melhor.

    É como se Lula estivesse dizendo: “Num país como o Brasil, a obrigação mais urgente da esquerda é transformar o Estado burguês em agente provedor de direitos sociais”.

    Lula discursou durante uma hora em rede nacional, se defendeu das acusações. Não foi uma defesa para a Justiça, mas sim para o tribunal moral da nação. Não foi um discurso para o presente. Foi um discurso para a história.

    Não, meus amigos, acuado pelas forças do atraso, Lula não deu um tiro no próprio peito.

    Lula mandou trazer cerveja e carne e fez um churrasco com seus companheiros e companheiras. Foi carregado pelos seus iguais, foi tocado, beijado. Saliva, suor, pele.

    Lula não deu um tiro no próprio peito.

    Getúlio é gigante, sem dúvida, mas também era herdeiro das oligarquias. Lula é o único trabalhador que, vindo da base da sociedade, conseguiu governar e transformar o Brasil. Lula já é maior que Getúlio.

    Diferente de Getúlio, Lula entrou pra história sem precisar sair da vida.