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  • Lula, eu não desisti de você.

    Lula, eu não desisti de você.

    lula,

    sou filha de nordestinos que migraram pra são paulo sem diploma por melhores ventos como você. em 2002, papai e mamãe me vestiram tua camiseta vermelha no quintal da nossa casinha alugada com aqueles dizeres; a esperança venceu o medo. preocupados com o porvir, não me deixaram ir comemorar tua vitória com eles nas ruas. hoje, ainda angustiados, eles sabem como é difícil me arrancarem delas. eu era uma menina de 10 anos com aquela blusa. não entendia. mas sentia.

    ainda menina, mas já com meus 20, escrevi numa madrugada em claro a carta de motivação que me selecionou pro meu intercâmbio. enquanto assistia repetidas vezes teu discurso lá onde eu queria chegar. no instituto de estudos políticos de paris. que te deu o título de doutor honoris causa sem precisar ser doutor. e que também me deixou adentrar aqueles portões mais tarde. lula, você foi a maior inspiração pública que tive pra estudar política e trabalhar com ela. meu sincero muito obrigada.

    sei que demorei pra te escrever. porque confesso que me afastei de você. mas estou desnorteada ao ver te tombarem. lula, quero falar com luiz inácio. você. de carne e osso. aí dentro. mais matéria que mito. com todas suas contradições. com todas tuas dores e prazeres. todas tuas proezas e destroços. todas tuas palmas e vaias. sem endeusamento ou satanização. sem maniqueísmos que abatem e abreviam a realidade. você. antes do primeiro presidente operário do país, um menino de garanhuns do agreste pernambucano. do sertão do brasil. você.

    do pau de arara ao palácio da alvorada. você. quem passou fome nos rincões e lutou para erradicá-la no país. do sindicato dos metalúrgicos ao banco dos emergentes dos brics. você. do sofá de frei beto onde lhe bateram a porta para sua prisão à época de uma ditadura declaradamente vil. você. aos braços do povo que há pouco te carregou de onde você começou. como nessa foto de um garoto de 18 anos. antes de ser preso uma vez mais por uma manta totalitária trajada de democracia quiçá ainda mais torpe por sua ardilosidade nesses tempos agoniantes.

    você, luiz inácio. de um país que te venera e te despela. que aconteceu? quando te vi pela primeira vez na minha universidade, vi também a maior chance do brasil diante da minha voz rouca, minhas pernas trêmulas e meus olhos lacrimejados. vi o maior aumento do salário mínimo, a menor taxa de desemprego, o menor índice de analfabetismo e de pobreza da história brasileira em forma de gente. louvei a aprovação de 10% do pib para educação, as políticas do bolsa família, prouni, mais médicos, ciências sem fronteiras e o minha casa minha vida.

    gritei pela destinação de 75% dos royalties do pré-sal para a educação e 25% para a saúde. bradei pela comissão da verdade. apoiei a emancipação da nossa diplomacia para que deixássemos o quintal do capitalismo com uma política externa livre das amarras da periferização. briguei com quem brindava o teu luto na perda de dona marisa. quem nasceu filha de agricultores em uma casa de pau-a-pique. quem começou a trabalhar como babá aos 9 anos de idade. quem liderou uma marcha em protesto contra as prisões políticas de sindicalistas. quem foi tua companheira.

    mas senti que você foi me perdendo conforme eu crescia e me indagava. diminuir a miséria não era necessariamente questionar a desigualdade que nos abisma. e os de cima, luiz inácio? por que os esqueceu? aliança pra quem? que eram os conchaves? que dita governabilidade foi aquela? por que ascensão pelo consumo? como conciliar classes antagônicas? como harmonizar dominantes e dominados? como pacificar um país historicamente dilacerado? luiz inácio, você não lutou pelo imposto sobre grandes fortunas. não tolheu a financeirização da economia, das políticas públicas ou a maximização dos lucros dos bancos.

    não afrontou o agronegócio pela reforma agrária. não repensou a segurança pública pela antimilitarização. não regulamentou a mídia que te queima pra democratizá-la pra população. não reestruturou a máquina pública para que se desamarrasse de relações escusas com construturas. não disputou o poder judiciário que você lá colocou e votou pela privação da tua própria liberdade. luiz inácio, você não fala de trabalho de base ou de luta de classes. não questionou o capital produtivo ou o financeiro. não se despersonificou no partido dos trabalhadores. mas te vendo padecer, penso: e daí, clarisse? acorda. ele é um homem. de virtudes e vícios. é grande, mas não um deus onipotente.

    abandonemos essa fragmentação que nos descomunica. a quem interessa sermos sectários? enquanto nos chicoteamos, o autoritarismo se unifica. como bem disse laura carvalho, se os poderosos forjam o que forjam com um mediador que quis dar o mínimo de dignidade para uma massa de miseráveis, quem quis dar aos de baixo sem incomodar os de cima, imaginem o que fazem com um revolucionário? marighella assasinado. e você encarcerado. se a utopia pela ruptura se perder no horizonte do futuro, e as dores do hoje?

    como conciliar com quem nos aprisiona, aniquila ou anestesia? te quero forte pra que a crítica te arme. pra não acomodar o o que te esfola. pra não apertar a mão de quem te explora. te quero livre, luiz inácio. mas não só livre da cela. te quero livre do que te prende. de quem te acorrenta. livre do sujo, triste e velho ódio de classe.

    não ceda por nós. não desisti de você, lula.

    à luta,

    clarisse de almeida.

    #LulaLivre

    brasil, 2018.

  • A gente tem lado – Um relato pessoal

    A gente tem lado – Um relato pessoal

    Amanheci a sexta-feira em dúvida ainda cercado de compromissos. Pairava sobre a cabeça uma nuvem de angústia, já faziam algumas noites que eu não dormia bem, me sentindo desterrado da realidade. É uma face oculta do golpe, que não toma apenas o poder político mas a própria percepção do possível e do absurdo. A hegemonia nefasta que Globo, Veja, Folha, Estadão e afins geram é tão opaca que nos faz parecer loucos aos olhos de amigos de infância, parentes, pessoas por quem muitas vezes não deixamos de ter afeto mas que hoje não se limitam a discordar de nossas opiniões, vão além: julgam que nossas opiniões são impossíveis. É uma negação total da política, que se movimenta na divergência, mas também uma negação da nossa capacidade de pensar e em suma, da nossa própria humanidade. É uma agressão e é muito doloroso de sentir.

    Eis que um amigo me chama pra ir pra São Bernardo. Depois outro. E outro. Mais um e eu cancelei tudo que tinha e fui. Nos encontramos um pouco perdidos no terminal Sacomã e uma mulher de uns 50 anos, negra, boné da CUT, estrela vermelha na camiseta, nos disse “Vocês vão pro sindicato né? É esse ônibus aqui mesmo.” Neste ônibus não cabia mais ninguém, mas nós entramos, a porta fechou logo atrás de mim e fiquei espremido contra ela. No aperto já se via mais vermelho, bandeiras, um boné com a bandeira de Cuba, um senhor com uma camiseta da campanha de 89. Era visível ali a solidez das bases que tem o PT no meio do povo, que a mídia não é capaz de destruir. Eu há alguns anos não me dizia petista, mas quanto mais essa corja podre ataca o PT mais eu fico petista; quanto mais a Globo fala mal de Lula, mais eu gosto de Lula – e mais eu detesto a Globo. O ônibus atravessava a Anchieta e as pessoas, ainda um pouco tímidas na conversa, iam jogando algumas opiniões e posicionamentos pra testar se ali já estávamos mesmo entre os nossos. Estávamos. E eu, como criança em viagem de família, perguntava a cada 5 minutos se já estava chegando.

    “Olê! Olê olê olá! Lulá! Lulá!”, descemos no ponto do pé da ladeira cantando. Na subida já encontramos mais amigos, uns que eu já conhecia, outros que eram meus amigos apenas porque estavam ali. Contei no céu 5 helicópteros. Entre as falas das lideranças políticas no trio elétrico e as canções de ordem, já circulavam boatos de que a Tropa de Choque estava chegando, mas ninguém arregou um dedo por causa disso. De repente uma vibração mais forte. Lula aparece na janela do sindicato e cumprimenta as milhares de pessoas que estavam ali. Choro pela primeira vez, por ele e pelo amor que dali emanava, pelos olhares de gratidão, solidariedade e disposição. Estávamos juntos e o nosso compromisso ali estava claro. A nuvem havia se dissipado, a angústia havia se transformado em força. Lula é meu amigo: mexeu com ele, mexeu comigo.

    O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC estava de portas abertas e nós, com os corações palpitando, entramos neste templo sagrado da esquerda brasileira, ou melhor, da humanidade. O prédio teve o abastecimento de água cortado desde a manhã sem nenhuma explicação pública, mesmo assim o sindicato providenciou água de carros-pipa, manteve os banheiros funcionando e acolheu a todos, sem ninguém que nos dissesse o que podia e o que não podia fazer, onde entrar e onde não entrar, total liberdade e responsabilidade. No terceiro andar, uma grande roda de samba, no quarto andar o bar servia cerveja, cachaça e porções de calabresa. Não era de graça, sinto a absurda obrigação de deixar isso claro, mas sim, tinha samba e tinha cerveja, tinha alegria. Porque lado a lado a gente se fortalece, cantando a gente se une e resiste à dor da violência que nos é imputada. É uma ofensa para os nossos adversários que nós estejamos alegres, pois então nós vamos cantar bem alto. Já há algum tempo venho percebendo alguns afetos do povo brasileiro que são simplesmente ingolpeáveis. A alegria da esquerda, nosso amor, nenhum golpe pode fazer diminuir.

    Soubemos então que Lula não falaria naquele dia, também que a polícia não viria. No dia seguinte, aniversário de dona Marisa, haveria uma missa aberta a todos. Lula estaria presente e só depois possivelmente se entregaria. Estava então decidido: passaríamos a noite lá. Nesse momento falei com minha mãe, sabia que ela ficaria apreensiva. Não tinha saído de casa preparado pra ficar, não me lembrava nem se tinha fechado as janelas direito, mas era simplesmente inconcebível para mim sair dali e passar a acompanhar os acontecimentos pela TV. A História estava acontecendo ali e nós éramos sujeitos ativos daquela construção, cada cabeça que se contava era importante. Eu não tinha um cobertor, mãe, mas tinha o acolhimento dos meus. O mais importante: eu estava feliz.

    Claro que não consegui dormir muito. Some-se aí mais uma noite com o sono prejudicado, mas o espírito estava pleno de energia. De manhã, dois sindicalistas me pediram pra fotografá-los diante de uma faixa com uma imagem de Lula que cobria os quatro andares do prédio. Me disseram que lembrava as faixas do primeiro de maio em Havana, pra onde eles foram numa excursão do sindicato, não pude imaginar a honra! Tiramos uma foto ali também, dá até pra ver nossos olhos cansados e incomodados. O sol matinal é inclemente com quem perde a noite, mas a essa hora já chegavam novos amigos e companheiros para a missa, trazendo uma nova vitalidade, e mesmo os que chegavam com expressões tristes logo se ambientavam no clima de acolhimento que se havia construído à noite.

    A missa começou no que havia se transformado no Vaticano da militância. Quando consegui dar a volta no trio elétrico, olhei pra cima, vi Lula abraçado com Dilma e chorei pela segunda vez. A partir daí as lágrimas não pararam mais. Entre homenagens à dona Marisa, canções, estas escolhidas pelo próprio Lula – Lulapalooza, um dos músicos brincou -, e orações como a carta de Paulo aos Coríntios e a de São Francisco de Assis – esta lida por Dilma, que saudade, Dilma! -, se lembrou sobretudo da importância do amor, do nosso dever um para com o outro naquele momento. Era evidente que estávamos ali processando um luto. Um luto necessário. Um momento para fazer as contas do que perdemos nos últimos anos, aceitar que nossos adversários políticos nos tomaram diversas trincheiras e isso culminaria no final daquele dia com a prisão do maior líder da nossa esquerda. Isso não dependia das tantas estratégias disponíveis, das tantas análises de conjuntura possíveis, nem de elaborações como esta aqui. Quem tem algum compromisso com a esquerda neste país, em presença ou em intenção, se deu as mãos naquela ladeira e rezou aquele pai nosso que encerrou a celebração.

    O que Lula falou em seguida já está sendo reproduzido e traduzido em todos os cantos da terra. O que nos atravessou, porém, não se pode reproduzir ou traduzir. Todos ali concordariam que Lula é o maior orador da história da humanidade. A sua generosidade ao apresentar todos os companheiros de luta que estavam no trio elétrico e ao apoiar as candidaturas de Manuela e Boulos, a força do seu compromisso com o povo brasileiro, esta já expressa nas suas realizações, a firmeza de sua ideologia democrática, de respeito às instituições – que justifica inclusive a sua opção por não resistir à prisão -, tudo isso foi conduzido pelo nossos corpos, que na multidão se tocavam, se apoiavam. Até os que, minutos antes, gritavam com toda a força que ele não deveria se entregar, no final entenderam e respeitaram a escolha de um homem que, convenhamos, tem mais sabedoria que nós pra decidir o que fazer naquele momento. E ele nos disse pra continuar, porque as suas idéias não podem ser presas e caminharão pelas nossas pernas, falarão pela nossa voz e baterão em nossos corações.

    “Um abraço, companheiros. E até a vitória.” Lula encerrou seu discurso como vem fazendo, dizendo que provará sua inocência e logo retornará à luta, com a expressão tranquila de quem dorme o sono dos justos. Desceu do trio elétrico e foi carregado até a entrada do sindicato, cercado pelas flores que o povo erguia, apertando as mãos das pessoas, sorrindo e chorando. As imagens disso também o mundo inteiro já viu. A comoção em que ficamos do lado de fora não tem nome. O som continuava tocando “Apesar de Você”, mas na verdade estávamos todos em silêncio. Não vi um que não chorasse, não vi um que negasse um abraço, nem um que não estivesse precisando desesperadamente de um abraço. Até agora eu choro enquanto lembro, enquanto escrevo, quando vejo uma foto, quando lembro de alguém que abracei naquela hora. Todas aquelas pessoas estão marcadas no meu coração pra sempre.

    Foi a coisa mais emocionante que eu já vivi.

    Lembro da prisão de Cunha, que não foi acompanhado nem pela esposa. Apesar da tristeza de perceber a neurose coletiva que tomou de assalto o Brasil, de termos que testemunhar absurdos completos golpeando o cotidiano enquanto se impõe a aparência de normalidade, apesar da perspectiva de tempos sombrios, ali estávamos milhares no mesmo abraço, onde tudo começou e preparados para recomeçar. Talvez a entrega de Lula sirva para nos tirar do estado de suspensão e negação em que nos encontrávamos desde o começo dos movimentos do golpe e nos leve a dar os passos além. “A gente tem lado”, ele disse em seu discurso, porque só quem é livre pode escolher de que lado está. Eu tenho lado e está claro: é com os trabalhadores que pegaram aquele ônibus comigo, com quem acenou junto quando Lula apareceu na janela, com quem tocou aquele surdo e brindou uma cerveja no terraço do sindicato, com quem dormiu naquele chão, com quem chorou junto a manhã inteira, com quem ficou sentado em frente ao portão pra não deixar Lula ir embora, com quem está disposto a seguir no compromisso de lutar. Uma certeza dessas é rara de se ter na vida.

  • Desde o século XIX que “intervenção militar” é prática frequente no Brasil

    Desde o século XIX que “intervenção militar” é prática frequente no Brasil

    Ensaio de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

    Aqui neste ensaio, quero apresentar uma síntese das intervenções militares que ao longo da história republicana desestabilizaram o sistema político brasileiro. Meu objetivo principal é utilizar este exercício de história comparada para mostrar as especificidades da atual intervenção, dessa que está acontecendo no Rio de Janeiro. O conhecimento histórico é sempre útil à vida.

    Bom, começo meu exercício de síntese histórica em 1889, com a proclamação da República.

    A intervenção militar liderada pelo Marechal Deodoro da Fonseca que em 15 de novembro de 1889 destituiu o gabinete ministerial chefiado pelo Visconde de Ouro Preto a princípio não era um golpe militar republicano. A intervenção somente se tornou um golpe militar republicano no dia seguinte, quando o Imperador D. Pedro II convidou o político gaúcho Silveira Martins para ser o novo chefe de governo.

    Ao que parece, Silveira Martins era um desafeto pessoal de Deodoro da Fonseca, que, contrariado, cedeu ao assédio de republicanos civis como Quintino Bocaiuva. De republicano, Deodoro não tinha nada, muito pelo contrário, pois ele devotava grande respeito ao velho Imperador. O que aconteceu naquela tarde de 15 de novembro foi o desfecho de uma década de conflitos.

    Parte do oficialato do Exército e os políticos civis brigaram durante toda a década de 1880, num ciclo de conflitos que costumamos chamar de “questão militar”. Os militares se achavam moralmente superiores aos políticos civis, já que poucos anos antes tinham “salvado a pátria” na Guerra do Paraguai. Já os políticos civis, como sempre acontece, tinham medo dos militares, pois sabem como é, né? Mílico quando se mete a fazer política sempre vem armado.

    É importante destacar que nesse período o Exército tinha duas agendas corporativas: a busca por mais prestígio institucional, e, pra isso, os militares frequentemente evocavam memórias da Guerra do Paraguai, representando a si mesmos como messias da nação. A outra agenda consistia num projeto político inspirado na filosofia positivista, que seduzia uma parcela mais jovem dos oficiais do Exército, liderados por um sujeito chamado Benjamin Constant.

    Saltamos trinta anos, chegamos na década de 1920 e encontramos mais uma vez os militares em conflito com os políticos civis, novamente atuando como um ator de desestabilização do sistema político.

    Temos aqui o movimento que aprendemos a chamar de Tenentismo.

    A bibliografia especializada já desmatou uma Amazônia inteira problematizando a natureza do movimento e a origem social dos militares envolvidos, quase todos jovens oficiais, chamados na época de “tenentes”. Fundamental para o argumento que estou desenvolvendo é que os tenentes afirmavam que o sistema político da época (a Primeira República) era corrupto e se diziam os moralizadores da nação.

    Acabou que em 1929 aconteceu uma racha no pacto oligárquico que então governava o Brasil e os tenentes emprestaram suas armas ao movimento político que ficou conhecido como “Aliança Liberal”. Era um movimento bastante plural. Vários grupos reunidos.

    O que reunia essa gente toda era a existência de um inimigo em comum: o Partido Republicano Paulista, a principal força política da Primeira República.

    Foi assim que a aliança liberal apresentou a candidatura de Getúlio Vargas às eleições de 1930. Na época a eleição era toda zoada, não tinha justiça eleitoral, os votos eram abertos. Getúlio acabou perdendo, mas não aceitou a derrota e a aliança liberal tomou o poder na marra, contando com o apoio de parte dos tenentes.

    Mais um salto e pousamos em meados da década de 1960, em mais uma intervenção militar na política.

    Desde 1949 existia no Brasil uma instituição chamada Escola Superior de Guerra, dedicada aos “altos estudos políticos e estratégicos” que funcionava como centro de formulação de uma doutrina político-militar. Numa cena internacional marcada pela polarização ideológica da Guerra Fria, essa doutrina ganhou contornos anticomunistas.

    Isso fez com que ao longo da década de 1950, uma parte considerável do oficialato militar tenha se aproximado da UDN. É que nesse momento, a UDN, sob a liderança do político fluminense Carlos Lacerda, tornou-se a principal porta-voz do anticomunismo no sistema político-partidário brasileiro.

    Desde o final do Estado Novo, em 1945, a UDN construía sua identidade política em oposição ao trabalhismo getulista, que no começo tinha uma relação muito conflituosa com os comunistas. Porém, quando, já nos anos 1950, ficou claro que João Goulart herdaria o capital político de Getúlio, aconteceu uma importante mudança na ideologia trabalhista, que passou a ter vínculos mais estreitos com os comunistas.

    Basta lembrar que na época o PCB estava na ilegalidade e o PTB contribuía para a “lavagem ideológica” dos políticos comunistas, que disputavam as eleições pela legenda trabalhista, mas na prática representavam os interesses do partido comunista. Isso não quer dizer que Jango e o PTB fossem comunistas. Quer dizer apenas que mantiveram uma relação de intenso diálogo com o comunismo brasileiro. Brigaram muito também.

    Nos anos 1950, portanto, a UDN tornou-se a representação do anticomunismo e do anti-trabalhismo, o que atraiu quadros importantes do oficialato das forças armadas, que estavam sendo formados na ESG, numa doutrina anticomunista.

    Quando o governo do Presidente João Goulart propôs o programa das “reformas de base”, a ação foi considerada ousada demais por essa aliança UDN/Militares e interpretada como um prelúdio para revolução comunista no Brasil. O golpe civil-militar de 1964, então, teve o saneamento ideológico do sistema político como primeiro objetivo, o que na prática significava tirar lideranças trabalhistas e comunistas do jogo.

    Depois do golpe, a aliança entre a UDN e os militares fez água e o próprio Carlos Lacerda sentiu o coturno dos milicos no lombo. Pra utilizar as palavras de Dom Casmurro: “Que a terra lhe seja leve”.

    Resumindo o que foi dito até aqui:

    Tivemos três intervenções militares efetivas na política brasileira ao longo da história republicana: a intervenção que proclamou a República nos anos 1880, a intervenção que ajudou a derrubar a Primeira República na década de 1920 e a intervenção que golpeou a República Popular em meados dos anos 1960. Cada uma dessas intervenções possui suas singularidades, mas acho que não é loucura afirmar a existência de um certo padrão, caracterizado por três aspectos: a presença de uma doutrina militar inspirando os milicos, a presença de um projeto específico para as forças armadas e a intervenção sendo efetivada contra o governo instituído.

    Nenhum destes três elementos podem ser encontrados na atual intervenção do governo federal na segurança pública do Rio de Janeiro, porque, simplesmente, não se trata de uma intervenção militar. Isso não quer dizer que a ação do governo golpista seja legítima, pois nada que um governo golpista faça pode ser considerado legítimo.

    É natural que 21 anos de ditadura traumatizem uma sociedade, mas precisamos parar de ler 2018 com a lente de 1964. São duas experiências completamente diferentes. O Brasil não está sob intervenção militar, tampouco vive uma ditadura militar. Trata-se de uma intervenção organizada pelo poder instituído, que convocou os militares, que não possuem doutrina e nem projeto corporativo.

    Não, definitivamente não; não temos no Brasil de hoje uma intervenção militar, para o desgosto das viúvas da ditadura e para a desilusão da esquerda romântica, que idealizando a “resistência” parece sonhar com uma ditadura para chamar de sua. É que nos últimos trinta anos a vida foi muito chata, monótona.

    Fato mesmo é que o Brasil vive sob o governo de um presidente golpista que usurpou o poder num golpe de Estado efetivado pela aliança entre parte do sistema político, setores do Judiciário e a mídia hegemônica, com o apoio, é claro, do neoliberalismo internacional.

    Desde que chegou ao poder, Michel Temer só fez se defender das denúncias de corrupção e atacar o Estado brasileiro, que há oitenta anos é um agente provedor de direitos sociais para os setores mais vulneráveis da nossa população.

    É certo que não aconteceram grandes mobilizações contra o golpe e contra o governo ilegítimo de Temer, mas todas as pesquisas de opinião mostram o golpista como o presidente mais impopular e odiado da história do Brasil. Isso é um sinal de que as pessoas estão reagindo ao golpe, à sua maneira, mas estão reagindo.

    Sem apoio popular, com seu capital político desgastado após as duas denúncias apresentadas por Rodrigo Janot, Michel Temer se agarrou à agenda da reforma da previdência, que é a menina dos olhos do neoliberalismo nacional e internacional.

    Conforme o tempo foi passando e as eleições se aproximando, a aprovação da reforma da previdência foi se tornando um projeto cada vez mais improvável, eu diria até mesmo impossível. Aposentadoria e seguridade social são elementos sagrados no imaginário do povo brasileiro. Nenhum parlamentar quer colocar sua assinatura num projeto tão impopular nas vésperas das eleições.

    Temer se tornou, com isso, um cadáver político, apodrecendo em praça pública. A intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro foi uma ousada cartada de Michel Temer, buscando uma agenda positiva que vitaminasse seu final de governo. Como a segurança pública é percebida por parte considerável da sociedade brasileira como o grande o problema da nação, o faro político de Temer identificou facilmente o tema com mais potencial para a tal agenda positiva.

    Como o Rio de Janeiro é a capital mais famosa do país, o “tambor do Brasil”, as terras fluminenses foram escolhidas como palco para a encenação política, ainda que quando comparadas com outros Estados não apresentem os piores índices de segurança pública.

    É que o interesse do governo golpista não é resolver o problema da segurança pública. O objetivo é fortalecer Michel Temer para as eleições, visando uma candidatura com alguma viabilidade ou, no mínimo, transformá-lo num cabo eleitoral relevante. Não acredito que a farsa da intervenção terá o efeito desejado. O tempo é curto e a impopularidade de Temer é muito alta.

    Pra concluir, o que estou querendo dizer é:

    É mais importante para o campo progressista brasileiro pensar com cuidado os impactos políticos dessa intervenção federal no Rio de Janeiro do que ficar remoendo antigos traumas, falando em intervenção militar e em ditadura militar.

    Talvez estejamos diante do tema mais espinhoso dos últimos anos. Não precisa ser um gênio pra saber que a intervenção é uma farsa e que não resolverá o problema. Mas ainda assim, com todas essas ressalvas, não podemos ignorar que a população está assustada, acuada, desesperada e que tanques e homens de verde armados nas ruas aumentam a sensação de segurança. Não estou falando que essa sensação seja correta. Só estou dizendo que ela existe e que não podemos desconsiderar o que as pessoas pensam e sentem. Não se faz política sem povo.

    Não dá pra, simplesmente, sair por aí dizendo “somos contra a intervenção”. Esse debate precisa ser feito com muito cuidado. Por isso, é importante entender, à luz da história do Brasil, que não se trata de uma intervenção militar, que não vivemos uma ditadura militar. Hoje, temos outros problemas, tão graves quanto. Hoje, estamos vivendo sob um golpe de Estado que está tentando se reinventar para as eleições. É isso que precisamos mostrar pra nossa gente. É esse lobo em pele de cordeiro que precisamos desnudar.

     Desde o século XIX que “intervenção militar” é prática frequente na história do Brasil.
  • “A Hora é Agora”: os desafios da esquerda

    “A Hora é Agora”: os desafios da esquerda

     

     

    Foto-legenda da capa da “Folha de S.Paulo”, edição de 13 de dezembro de 2017

    “A imprensa toda brasileira, sem exceção, está apoiando [a reforma da previdência], então a hora é agora”.

     

    A legenda da foto principal da capa da “Folha” de hoje (13/12) é uma confissão de culpa. A frase, alinhavada de maneira canhestra, como é típico do autor do livro “Anônima Intimidade” (Michel Temer), revela o óbvio. Temer, com seus 3% de popularidade (a mais baixa de toda a história pós-Ditadura Militar), tem a seu lado, como sempre em notável antagonismo ao povo brasileiro, a totalidade da imprensa corporativa do Brasil –leia-se Globo, Folha, Abril, Estadão e parceiros menores.

     

    Junte-se a isso o apoio da Fiesp, do latifúndio e dos bancos, aliados ao Congresso mais reacionário de que se tem notícia na história. Bem, todo esse monstro repugnante levantou-se como um titã cruel para esmagar os velhos, os doentes, os aleijados, os deficientes de todas as ordens, os loucos, os mais frágeis –a camada sofrida que precisa, como condição existencial, da Previdência pública.

    Trata-se de um embate interessante. De um lado, os que tudo podem. Que podem matar, que podem legislar, que podem corromper e ser corrompidos, que prendem, que exploram, que destroem. Os que podem quase tudo, porque a Justiça, afinal, está aí para proteger os apetites mais sanguinários desses poderosos. De outro lado, uma farândola de miseráveis.

    Então, como é possível que essa Reforma da Previdência não passe nem a pau? E que Temer, esse ridículo fantoche, tenha de rastejar pra pedir aos ricos e aos boçais que se engajem na aprovação do projeto antipovo que é acabar com as aposentadorias?

    A “greve geral” do dia 5 de dezembro, depois transformada em “paralisação”, que depois se tornou “dia de luta”, e que foi fraquinha –reconheçamos–, não ajuda a entender essa lengalenga na aprovação da Reforma da Previdência.

    Aliás, uma greve geral que sangra sem combate deveria antes açular os ânimos das hienas. Mas não é isso o que se vê. Ao contrário, as hienas parecem perdidas.

    Desde antes do golpe que derrubou a presidenta Dilma, e face à fraqueza e hesitação da direção petista, sempre na defensiva diante dos ataques dos “Justiceiros” do TRF-4 e da Lava Jato, novos guerreiros vêm se colocando à disposição para a luta contra os retrocessos.

    São as Mulheres, os Negros, os Gays, as Lésbicas, @s Trans, a Juventude, os Movimentos de Moradia, os Artistas, entre outros. Não, eles não substituíram as organizações tradicionais do povo pobre e oprimido. Mas somaram-se em toda sua diversidade a elas. Avolumaram, com seu entusiasmo e mobilização, as passeatas, os atos públicos, as lutas de rua. Gritaram palavras de ordem novas, civilizatórias e tão necessárias a um governo de esquerda. Empolgaram e furaram a bolha do petismo e do sindicalismo, oriundos dos anos 80.

    Rejuvenesceram a agenda da esquerda.

    Pois esse exército de milhões, a quem a agenda neo-liberal não consegue cooptar é o Alfa e o Ômega da situação política hoje. As mulheres já fizeram o movimento contra a Carestia, lá no finzinho da Ditadura Militar, que foi o sinal vermelho para o regime. Saques diários em supermercados e outras ações diretas sinalizaram que a situação precisava mudar. E mudou.

    Pois essa potência mobilizadora pode-se colocar em movimento a qualquer momento.

    O calendário eleitoral sinaliza um 2018 de grandes disputas e enfrentamentos, a principal delas sendo a vigência da própria Democracia. Porque haverá os que tentarão vetar a participação de Lula. E os que pensarão em cancelar o pleito, ante o cenário de uma derrota histórica e fragorosa. Haverá os partidários de uma fraude monstruosa da vontade popular. E haverá os aventureiros e as vivandeiras de sempre, alvoroçadas, indo “aos bivaques bulir com os granadeiros e causar extravagâncias ao poder militar”, como definiu o marechal Humberto de Alencar Castello Branco, primeiro Ditador Militar, sobre tipos como os apoiadores de Bolsonaro.

    E há o povo. Organizado e o desorganizado.

    A luta contra o impeachment da presidenta Dilma colocou em movimento novos atores e eles precisam estar na trincheira da luta pela Democracia e por Direitos no ano que vem. Isso significa abrir um debate com esses setores emergentes, visando a estabelecer parcerias e até candidaturas que representem esses segmentos.

    Não é possível que os partidos de esquerda queiram defender a Democracia ameaçada apresentando às eleições apenas homens, brancos, com mais de 50 anos, aqueles mesmos que hegemonizaram as candidaturas petistas dos anos 80-90.

    A diversidade é condição essencial para a vitória da Democracia diante dos duros desafios que temos pela frente.

  • A HORA DA VERDADE PARA A ESQUERDA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS

    A HORA DA VERDADE PARA A ESQUERDA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS

    Chegou a hora de assumirmos os novos desafios colocados por um país humilhado pelo golpe, pela ganância das suas elites, mas também pela timidez, medo, fraqueza e falta de criatividade e ousadia dos partidos, sindicatos e vários movimentos sociais, a quem caberia a organização das ações de resistência dos trabalhadores e do povo pobre e oprimido.

     

    Entre os possíveis antônimos do substantivo “ousadia” estão as palavras atenção, cautela, circunspecção, cuidado, método, moderação, ponderação, prudência, reflexão, sensatez, respeito, comedimento, modéstia.

    Pois é. Parece que isso há em excesso e o resultado é que o debate político nunca esteve tão truncado, fechado, interditado. Ouso dizer que nem mesmo nos tempos da Ditadura vivemos, enquanto esquerda, um tal embotamento da inteligência criativa e transformadora. Os reflexos disso na discussão sobre a democratização da mídia são imediatos.

    É esse estado de coisas dentro da esquerda que tem permitido, autorizado e legitimado o incrível processo de “social washing” operado pela Rede Globo, a mesma que dirigiu as esquadras golpistas e incensou os monstros que mataram a democracia. A mesma que mereceu gritos de “Fora Rede Globo” entoados em uníssono por estádios inteiros, entre outros imensos protestos contra a manipulação da informação operada pelo Grande Irmão da mídia.

    “Social washing” é um anglicismo que indica apropriação auto-proclamada de virtudes “sociais” por empresas, governos ou pessoas, mediante o uso de técnicas de marketing e relações públicas. Tal prática tem como objetivo criar uma imagem positiva, diante da opinião pública, sobre o grau de comprometimento social dessas organizações ou pessoas (bem como de suas atividades e seus produtos), ocultando ou desviando a atenção dos impactos sociais negativos reais gerados por elas.

    A Rede Globo que tem, como poderoso chefão do seu jornalismo (e ele continua!), Ali Kamel, o negacionista-mór do racismo brasileiro, o autor do livro “Não somos racistas – uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor” (Nova Fronteira), afastou William Waack por racismo. Uau! Ainda bem que a gente tem a Globo!

    Pedro Cardoso, o arguto ator que se tornou persona non grata na emissora da Família Marinho, desmascarou o mecanismo perverso do “social washing” Global. Em entrevista na Record, ele criticou uma mini-série da Globo, “Verdades Secretas”, nos seguintes termos:

    “Você faz algo sobre modelos que se prostituem e isso vira um sem número de cenas eróticas. Parece que você está tratando seriamente desse assunto, que está preocupado em salvar a vida dessas moças. Quando, na verdade, você está apenas vendendo conteúdo erótico disfarçado de interesse intelectual”.

    E, então, aquela Globo que produziu e produz o consumo do corpo da mulher, que invisibiliza a tragédia do genocídio nas periferias pretas e pobres, que usa o corpo nu da mulher negra para promover seu big business do Carnaval, degola em praça pública o galã acusado de assédio sexual. Ufa! Sorte que a Globo está ao nosso lado neste momento de ascenso do obscurantismo fascista.

    Os roteiristas do programa de Fátima Bernardes já sabem que não podem mais compor um bate-papo sem negros e sem que se mencione o fenômeno pop do momento, Pablo Vittar, para ficar de bem com o mundo Queer e LGBT.

     

    E dois atores globais de olhos azuis agora são linha de frente da luta anti-racista, em que pese o sacrifício diário e a resistência de milhões de afrodescendentes discriminados de todas as maneiras possíveis. Apropriação cultural é o nome disso.

     

    Como é bom um espantalho de ultradireita como Bolsonaro para legitimar a Pax da Globo e de Geraldo Alckmin!

     

    Enfim, eles podem posar de equilibrados, gentis, educados, civilizados.  Já tem gente honesta no campo da esquerda cogitando votar no tucano assassino de São Paulo para evitar o mal maior… Vai ser louco ver esse voto piedoso no cara que massacrou os movimentos sociais, que cegou e mutilou jornalistas com bombas, balas de borracha e gás de pimenta. Será o cúmulo da capitulação apoiar o chefe dos assassinos fardados nas periferias; o inimigo das escolas públicas.

     

    “Mas o que você quer? Eleger o nazista?”, perguntará o defensor do voto útil, tapando o nariz para não sentir o cheiro da carne morta.

     

    O debate está embotado porque a esquerda brasileira não aceitou ainda encarar suas responsabilidades nos fatos que geraram o impeachment, o golpe, os ataques contra o povo pobre e a vitória do discurso neoliberal de estrangulamento do Estado.

     

    Talvez precisemos desafinar os mantras desenvolvimentistas e modernizadores, além, é claro, da narrativa autoindulgente dos “pactos de governabilidade” a todo custo, que caracterizam a parte ainda hegemônica da esquerda brasileira e abrir um debate mais qualificado, mais inteligente, mais corajoso, mais focado nos valores humanos da liberdade, do trabalho, da solidariedade, do amor, da fraternidade, da igualdade, dos direitos humanos. Na defesa apaixonada da natureza. Na crítica ao fetiche da mercadoria, das grifes e da ostentação. Na defesa dos povos ancestrais e de sua sabedoria.

     

    Porque o que estamos vivendo é a demonstração cabal de como desenvolvimentismo, modernização e governabilidade, em suas decorrências práticas, contraditoriamente se transformaram em “desvalores em seu trajeto até as zonas marginalizadas” (cf.  Carolina Silva Mercês). A especulação imobiliária nas periferias gentrificadas pelos mega-projetos da Copa e Olimpíadas; a substituição da ideia de cidadão pela de consumidor com carnê das casas Bahia; a JBS como maior empresa do mundo na produção de proteína animal (e foda-se o meio-ambiente); o agronegócio pop construído sobre as terras indígenas, o consumismo dos lixos capitalistas em shopping centers que se reproduziram como cogumelos pelo país; a “paz” transformada em discurso vazio, “conservador e abusivo”. 

     

    (A paz das UPPs armadas até os dentes da caveira do Bope, que o PT abençoou em companhia de Sérgio Cabral e Pezão, é a paz dos cemitérios).

     

    Precisamos pensar sobre tudo isso. E abrir as páginas, e todos os sentidos, para os lutadores que possam falar “de dentro” sobre nossas dificuldades, sobre os erros e acertos, apontar saídas, redesenhar os horizontes da utopia. Porque chegou a hora da verdade.

     

    (As imagens são do querido Helio Carlos Mello©, a quem agradeço a escolha primorosa)

     

    Sobre esse e outros assuntos, envio a vocês o poema “Da Paz”, do escritor Marcelino Freire, recitado pela Naruna Costa. Peço que o assistam.

  • Seminário no MA discute comunicação pública

    Seminário no MA discute comunicação pública

    Em São Luís, MA, uma das discussões mais importantes da política nacional toma espaço. No seminário “Os Desafios da Comunicação nas Administrações Públicas”, organizado pelo Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé, nos dias 25 e 26 de agosto coloca em pauta os erros e acertos dos governos progressistas ao buscarem, no exercer de seus mandatos, os caminhos de uma comunicação que consiga quebrar a influência da grande mídia.

    O encontro junta além de pesos pesados da política blogueiros e jornalistas como Paulo Henrique Amorim, Eduardo Guimarães, Renato Rovai entre outros.

     

    Seminário Os Desafios da Comunicação nas Administrações Públicas.
    Flávio Dino, Clécio Luís e Edmilson Rodrigues na mesa de apresentação do evento

     

    A questão da Mídia

    A primeira mesa iniciou o debate com importantes políticos do campo progressista que compartilharam suas experiências e como suas gestões enfrentaram e enfrentam a questão da comunicação. A mesa contava com Flávio Dino (PCdoB) governador do Maranhão, Fernando Haddad (PT) ex-prefeito de São Paulo, Clécio Luís (Rede) prefeito de Macapá e Edmilson Rodrigues (Psol) deputado federal a mesa era diversa no espectro político.

    “Estamos aqui por que somos amantes da liberdade de imprensa e se assim somos, queremos a regulação da mídia”.

    O ex-prefeito de São Paulo declarou que acha necessário compreender que a propriedade dos meios de comunicação não pode ser centralizada e, acima de tudo, deve-se defender a liberdade de expressão da imprensa. Haddad ainda relembrou de uma ação judicial movida pela associação nacional de jornais contra veículos estrangeiros como, por exemplo, o Intercept e o El País e outros, que se distanciam da narrativa dos grandes meios de comunicação nacional e narram o golpe que o país vem sofrendo desde seu início em 2015.

    “Muita gente vai em busca de boa informação crítica nesse país e essa ação no STF pede que eles sejam extintos”

    declarou o ex-prefeito. O problema dos incomodados é que os investimentos, sede e ações desses jornais são no exterior, então, essa é a desculpa para que poderosos realizem um verdadeiro monopólio da agenda política nacional.

    Para o governador do Maranhão, Flavio Dino (PC do B), é necessário reconhecer que sofremos a incidência prática dos fenômenos da comunicação. E essa influência se acirra em alguns momentos. Dino apresentou um estudo que chamou de “Manchetômetro”, baseado na veiculação de notícias de um jornal fundado por Sarney (O Estado do Maranhão), para demonstrar com dados essa incidência e a forma diferenciada de tratamento que a mídia hegemônica dá para a esquerda e a Direita. Nessa disputa mediática os malditos são sempre a esquerda, o PT, o PC do B, o PSOL.

    Ele mostra que em 2014 com o governo da fila de Sarney, Roseana as manchetes positivas era 66%, as negativas 5% e as neutras somavam 29%. Já em 2015, com a entrada de Dino, o cenário virou de ponta cabeça. As manchetes positivas somaram apenas 8%, as negativas subiram assustadoramente e ficaram com 53%, já as neutras conseguiram 39%. Agora em 2017, a coisa só piora. Dino têm 62% de manchetes negativas.

    A mesa de apresentação

     

     

    O prefeito de Macapá, Clécio Luis (REDE) fez um relato fiel sobre sua experiência de comunicação no governo. O desafio foi uma criar uma política de comunicação com base popular nos governos estadual e municipal. Clécio acredita que é preciso “ter sempre uma verdade

    pra comunicar, ter um serviço de interesse publico e a responsabilização pelo cuidado com a cidade.” O povo sofre com a falta de representatividade na política e quando o prefeito diz que é preciso ter “responsabilização pelo cuidado com a cidade”, a população é informada sobre quem deve procurar e cobrar caso suas necessidades não sejam atendidas. ë comunicação direta, é posicionamento claro sobre o que está sendo feito, é o avesso da preguiça da anti-política.

     

    Edmilson Rodrigues também lembrou de sua experiência como ex-prefeito de Belém, na qual implementou radios populares na cidade, mas com grande diferencial de outras experiências, as rádios ficavam sob controle da população local e tratava dos problemas do cotidiano. Para ele o foco da comunicação de esquerda tem que ser na construção de um discurso contra hegemónico sem ser pautado pela grande mídia e sim pelas necessidades do público.