A jornalista livre Raquel Wandelli Loth foi absolvida em segunda instância na ação por crime de injúria calúnia e difamação movida pelo ex-corregedor da Universidade Federal de Santa Catarina, Rodolfo Hickel do Prado, pela autoria da reportagem “Dossiê exclusivo: corregedor que entregou reitor à PF já foi processado por calúnia e difamação“. Publicada na edição dos Jornalistas Livres de 30 de outubro de 2017, a investigação revela os antecedentes criminais e as condenações do principal pivô da intriga que levou à prisão, banimento da universidade, humilhação e suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. O acórdão da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, dirigido pela desembargadora federal Cláudia Cristina Cristofani, rejeitou por unanimidade o recurso impetrado por Hickel contra a sentença em inicial que absolveu a jornalista dos crimes alegados. Na reportagem, a repórter apresenta um levantamento de fatos e antecedentes jurídicos, criminais e administrativos que mostram a conduta persecutória e agressiva do então corregedor. Afastado da UFSC pela Corregedoria Geral da União por desvios de conduta, Hickel do Prado persegue a jornalista há três anos, infringindo-lhe processos no BOPE de SC, Justiça Federal e Polícia Federal.
Hickel do Prado, inquisidor do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier. Bilhete de despedida deixa claro motivo do suicídio
O histórico de processos apresentado pelo dossiê configura uma prática reiterada de abuso de poder, calúnia e denúncias infundadas de obstrução à justiça, crime que imputou ao reitor e a duas vítimas anteriores: seu vizinho Flávio Cozzatti e o procurador catarinense Ricardo Francisco da Silveira, falecido na véspera de receber a indenização, no caso mais emblemático e mais parecido com o do reitor. Sob a falsa alegação de ameaça à mão armada, Hickel convocou, na condição de síndico do condomínio Forest Park, em Coqueiros, policiais do BOPE com metralhadoras para arrombar e invadir o apartamento de Cozzatti, professor de Administração da Universidade de São José.
Conforme os autos acrescentados ao processo e citados pela magistrada na decisão final, os policiais ameaçara e levaram preso o professor na frente da mulher, filhos e vizinhos. Ele e seu amigo procurador foram processado por Hickel sob acusação de roubo de sinal de TV a Cabo, depredação do patrimônio e desacato à autoridade policial. Ambos foram absolvidos e reverteram o processo contra Hickel, acusando-o de injúria, calúnia e difamação no condomínio, de acordo com a reportagem reproduzida nos autos. Hickel e os policiais também foram processados e condenados por abuso de poder, mas a sentença de Ricardo foi extinta com o seu falecimento.
A respeito desse caso, a desembargadora anotou, atestando que não houve por parte da jornalista dolo de difamar ou caluniar: “Há substrato que fundamenta a matéria jornalista adversada. Isso porque há documentos oficiais, extraídos de processos judiciais e de informação policial, que evidenciam que Rodolfo Hickel do Prado, na condição de síndico no prédio em que morava, teria “denunciado” Flávio Cozzati. A forma caluniosa pela qual ocorreu a referida denúncia foi reconhecida em sentença pelo juiz de direito Claudio Eduardo Regis Figueiredo e Silva. Com base nisso, sem que haja qualquer valoração deste juízo, a comparação da situação vivenciada por Flávio com a do Reitor encontra-se adstritiva ao exercício da liberdade de expressão, portanto”.
Dossiê mostra conduta persecutória e caluniadora do corregedor que intrigou e incriminou Cancellier com aparatos federais
Acompanhando a decisão da juíza Michele Pólipo, em primeira instância na Justiça Federal, o colegiado acatou a Exceção da Verdade, uma peça de 1.700 páginas aferindo que todas as afirmações sobre a conduta e antecedentes de Hickel contestadas na ação penal por crimes contra a honra e no recurso impetrado por ele como fantasiosas e caluniosas foram exaustivamente comprovadas por documentos jurídicos, administrativos, policiais, testemunhos, depoimentos dos autos e entrevistas. “Não caracteriza fato típico a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando trate de pessoa pública que exerça atividades relevantes na comunidade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada”, atestou a desembargadora Cláudia Cristofani.
Para sustentar que a reportagem não é fantasiosa, nem movida por injúria, como alega o querelante (Hickel), no longo parecer que justifica o voto, Cristofani examina e copia trechos de todos os processos judiciais e administrativos citados, como crimes de injúria, difamação e calúnia; crimes de trânsito com direção perigosa e agressão física; violência contra mulheres; abuso de poder e conduta persecutória, nos quais o corregedor se envolveu. Como exemplo, cita um crime de trânsito cometido no Continente, que aparece como condenação na Certidão de Antecedentes Criminais com trânsito julgado em 26/03/2012, pouco antes de assumir o cargo na UFSC envolvendo agressão física dentro da Delegacia Policial com lesão do motorista e da autoridade policial, que a desembargadora cita em detalhes. Para mostrar a veracidade das informações da reportagem, a relatora do acórdão também copia vários trechos das ações requeridas pela defesa em juízo movidas por sua ex-esposa, que sofreu um aborto após seguidos episódios de agressões físicas e morais, e a namorada, com quem mantinha um relacionamento da mesma forma abusivo e concomitante, sem que uma soubesse da existência da outra. Desta vez
A relatora apontou que o principal objetivo do dossiê veiculado no site dos Jornalistas Livres “direcionou-se para o seguinte questionamento: quem é a pessoa que ocupava o cargo de corregedor da Universidade Federal de Santa Catarina?” Sob esse aspecto, a relatora afirma que não reconhece “qualquer afronta ao direito de personalidade do querelante”. E ainda afirma que “na condição de servidor público ou no exercício de função pública relevante, o questionamento é constante e, inclusive, exigível”.
APELAÇÃO DO CORREGEDOR AJUDOU DEFESA A EXPOR NOVAS PROVAS
A queixa-crime apresentada em 4 de abril de 2018 e o recurso impetrado pelo corregedor em 1° de abril de 2019, logo após a absolvição da acusada em primeira instância fez com que o acusador tivesse os seus maus feitos ainda mais expostos. Assumida voluntariamente pelo Coletivo Advogados e Adovgadas pela Democracia, a defesa da repórter pôde requerer em juízo várias ações inacessíveis ou por serem mantidas em sigilo ou estarem prescritas, que alargaram e deram ainda mais fundamento aos fatos discorridos no dossiê. Entre eles se destaca a Sindicância Investigativa da Corregedoria Geral da União, até então mantida em sigilo, que apurou desvios de conduta no relacionamento de Hickel com estudantes, professores e técnicos administrativos da universidade e fundamentou o seu afastamento definitivo do cargo de corregedor. Conforme a juíza, referendada pela desembargadora, “esses indícios apurados pela sindicância, tais como, coação e ameaças a servidores, assédio moral e insubordinação administrativa” são “incompatíveis com o exercício da função de corregedor”.
Nessa segunda fase, a defesa descobriu novos crimes e novos processos judiciais e administrativos movidos contra o corregedor que aprofundaram ainda mais o retrato da sua conduta. Um deles largamente citado pela desembargadora é o de crime de trânsito ocorrido no Continente. A defesa da repórter em primeira e segunda instância foi realizada representados por Ruy da Silva dos Santos Júnior e Tânia Mara Mandarino, do Coletivo Advogados e Advogadas pela Democracia, com apoio, na primeira audiência, da advogada Nívea Maria Dondoerfer, que atuou também na defesa do reitor, e de Guilherme Querne, do Sindicato dos Trabalhadores da UFSC.
“Fatos verídicos ou verossímeis”
Jornalista absolvida por unanimidade: Raquel Wandelli: defesa à liberdade de imprensa
Em recurso dirigido ao TRF4, o ex-corregedor, defendido por seu filho Rodolfo Macedo do Prado, retomou os argumentos da ação penal, qualificando a matéria de fantasiosa, mentirosa e movida por animusdifamandi, quando há intenção de caluniar e difamar. Na ação ele pede a condeção, prisão da autora e pagamento de indenização de no mínimo R$ 40 mil por crime de honra. Em seu extenso voto, após analisar detalhadamente todos os argumentos lançados por ambas as partes, a desembargadora Cláudia Cristina Cristofani recusa de modo contundente esse juízo, considerando a relevância e o caráter público da denúncia:
“No princípio da liberdade de expressão e liberdade de imprensa, compreendendo o direito à informação, à opinião e à crítica jornalística, entendo que não resta caracterizada a calúnia ou a difamação denunciada pelo querelante (Hikel). A publicação da matéria jornalística em apreço versou sobre fatos verídicos ou, no mínimo, verossímeis que, embora contaminados por opiniões severas e impiedosas, envolviam pessoa pública (corregedor da UFSC, à época), relevante naquela comunidade acadêmica. A matéria e a crítica, bem se viu, referiam-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade desenvolvida pelo querelante e ao caso que provocou a comoção daquela sociedade. Nesse caso, segundo os precedentes antes citados, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa são prevalentes, atraindo verdadeira excludente anímica, a afastar o intuito doloso de ofender a honra da pessoa a que se refere a reportagem.”
“Dentro dos limites do exercício da liberdade de expressão”
Desembargador Cláudia Cristofani segue juíza Micheli Polippo: “Não houve calúnia e difamação: os fatos são verídicos “
Em primeira instância, a juíza Micheli Pólippo, do Juizado Especial Criminal da 7ª Vara Federal de Florianópolis, já havia deferido em 7 de fevereiro de 2019, uma sentença exemplar no sentido de afastar o caráter fantasioso da reportagem e atestar sua veracidade. “Além de todo o exposto, a exceção da verdade encontra-se instruída também com outros documentos, extraídos de processos judiciais, informações policiais e processos administrativos. Há comprovação de que a matéria jornalística foi embasada em documentos oficiais e verdadeiros.Portanto, não é possível reconhecer o caráter inverídico ou fantasioso das informações que conferem substrato à opinião retratada na notícia. Reconheço, assim, a procedência da exceção da verdade, de modo que afasto a materialidade do crime de calúnia”.
Na mesma linha, a juíza já havia afastado também o crime de difamação, legitimando a tarefa do jornalismo de investigar fatos e expressar indignação dentro dos limites da liberdade de expressão: “Embora seja possível aferir um certo grau de excesso de linguagem, ele não é suficiente para o reconhecimento do dolo específico, que se mostra necessário para a configuração da conduta. Vale ressaltar que é da natureza da atividade jornalística a investigação, o questionamento e, a depender do veículo de comunicação, a exposição de sentimentos demonstrados pela sociedade em determinado momento. Com base nos documentos que foram devidamente apresentados pela querelada, sopesado o contexto trágico anteriormente destacado, a morte do Reitor, a notícia relatou fatos e expressou indignação, o que a preserva dentro dos limites do exercício da liberdade de expressão.“
Agentes públicos são sujeitos a críticas em Estado Democrático e de Direito
Citando precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a magistrada ressalta que “um dos corolários da atuação dos agentes públicos é a sujeição a críticas – por vezes desarrazoadas, intempestivas, é certo – mas sem perder de vista que proferidas no seio de um Estado Democrático de Direito, cuja análise, por isso, deve ser realizada à luz da proporcionalidade e em harmonia com todo um sistema de garantias individuais e coletivas asseguradas constitucionalmente”.
“Nessa senda, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal registram julgados em que, no tocante aos crimes contra a honra, reconhecem uma limitação do núcleo essencial da intimidade e da vida privada da pessoa pública, principalmente quando confrontados com o exercício da liberdade de imprensa, baseado em levantamentos de fatos de interesse público, cuja gravidade ostenta ampla repercussão social., registra a desembargadora federal.
Reitor foi preso e morreu em função de notícia-crime dada por pessoa sem credibilidade
Manifestação do dia 18 de dezembro, no aniversário da UFSC, em homenagem ao reitor suicidado
As denúncias infundadas de tentativa de obstrução de investigação judicial e de desvio de verbas do Programa Universidade Aberta incriminaram o reitor Cancellier com órgãos federais da Polícia, Justiça e Ministério Público. Embora as irregularidades no Educação a Distância não se referissem ao período de gestão do reitor, o conduziram à sua prisão espetacularizada na manhã bem cedo do dia 14 de setembro de 2017, em casa e enrolado numa toalha de banho, por 120 agentes policiais, no âmbito da Operação Ouvidos Moucos, comandada pela delegada federal Érika Marena.
Levado algemado nas mãos e acorrentado nos pés à ala de segurança máxima da Penitenciária Estadual de Florianópolis, o reitor foi obrigado a se despir em frente a outros presos e a fazer revista íntima. Só ao final do dia seguinte, foi solto sob habeas corpus, mas banido da direção da universidade e das salas de aula. Acusado de roubo de R$ 500 milhões (valor estapafúrdio divulgado pela operação, que correspondia ao orçamento do programa inteiro em 10 anos), passou ainda pelo linchamento moral nos meios de comunicação e mídias sociais. Esses eventos levaram o reitor, homem de origem muito humilde e réu primário, que nunca respondeu um único processo administrativo, ao gesto máximo de desespero. Na manhã do dia 2 de outubro, o corpo do jurista de 59 anos tombou fazendo um grande estrondo no vão do Shopping Beira Mar, em Florianópolis, com um bilhete no bolso: “Minha morte foi decretada no dia em que fui banido da universidade”. O alegado desvio de verbas e o envolvimento de Cancellier em qualquer irregularidade nunca foram comprovados pela Ouvidos Moucos.
A defesa da jornalista argumentou que sua atuação encontra-se resguardada pela liberdade de imprensa e que o “querelante busca é impor constrangimento por meio do processo penal, criando uma ameaça para todos os demais jornalistas, cerceando temerariamente a liberdade de imprensa no preciso momento em que sua afirmação é vital para a democracia brasileira”. Acrescentou que o interesse público está acima dos dissabores pessoais do querelante e que “a matéria jornalística tenta jogar luz no fato de que uma pessoa morreu em função de uma notícia crime, esta dada por uma pessoa cuja credibilidade deveria ter sido levada em conta, mas ao contrário, uma pessoa foi presa, humilhada e proibida de voltar ao seu meio ambiente de trabalho por conta das tidas investigações do corregedor”.
Recurso criminal em sentido estrito número 5000096-11.2020.4.04.7200/SC
Ex-delegada da PF, Erika Marena disse à Justiça que reportagens sobre ela se baseavam em “notícias falsas”, Segundo a Turma Recursal, ela é quem mentira
Decisão da 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais de Curitiba, afirma que não configuram crime de honra as duas reportagens publicadas pelo Blog Marcelo Auler em 2016 criticando a ação da delegada da Polícia Federal Erika Marena à frente da Lava-Jato em Curitiba. A sentença considera informativa e fundamentada em fatos reais as denúncias sobre a condução espetacularizada e abusiva da Operação Lava-Jato pela delegada.
Mesmo censurado, no final de 2017, o Blog mostrou que a mesma estratégia de vazamento de informações sobre investigação da PF empreendida pela delegada provocou o linchamento moral do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier. Preso e humilhado sem direito à defesa prévia e vendo sua reputação destruída pela grande mídia e redes sociais, o professor acabou cometendo suicídio, sem chance de provar o que a própria justiça provou recentemente: o reitor não tinha qualquer implicação com as suspeitas de irregularidades na concessão de bolsas do Programa Universidade Aberta cometidas em períodos anteriores ao seu.
Por Marcelo Auler
Após três anos, a Justiça do Paraná considerou que as acusações que o jornalista Marcelo Auler noticiou em seu Blog sobre a delegada federal Erika Mialiki Marena, então coordenadora da Operação Lava Jato na Polícia Federal do Paraná, são verdadeiras e estão calçadas em provas. Em consequência, a 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais de Curitiba acolheu, por unanimidade, o voto da juíza Maria Fernanda Scheidemantel Nogara Ferreira da Costa e refez a sentença que condenou o Blog a pagar R$ 10 mil à delegada. Acompanhando o parecer da relatora do processo, o juizado decidiu que não procede a queixa da delegada por crime contra a hora, alegando que o jornalista se baseava em falsas informações.
A decisão do Tribunal Recursal (leia íntegra ao final) suspende a censura imposta ao Blog, desde março de 2016, pelo 8º Juizado Especial Civil de Curitiba. Ela era fruto de decisão liminar do juiz Nei Roberto de Barros Guimarães, sem ouvir a parte contrária, isto é, o autor das reportagens. Embora o Supremo Tribunal Federal (STF), em junho de 2018, tenha derrubado essa decisão liminar, o juiz não atendeu à ordem da 1ª Turma do STF, alegando que já existia sentença mantendo a proibição das reportagens. Ao refazer a sentença, a Turma Recursal elimina a proibição inconstitucional que vetou as matérias e permite aos leitores terem acesso a elas: Novo ministro Eugênio Aragão brigou contra e foi vítima dos vazamentos (16/03/2016) e Carta aberta ao ministro Eugênio Aragão (22/03/2016).
No julgamento do recurso do advogado Rogério Bueno da Silva, em 9 de maio, a relatora e presidente da turma, Vanessa Bassani, e o juiz Nestario da Silva Queiroz, acolheram a tese da defesa de que o Blog apenas noticiou fatos. Em seu voto, a juíza relatora deixou claro:
“Após a análise das provas constantes dos autos, tenho que o requerido logrou êxito em comprovar que as matérias apenas retrataram fatos que efetivamente teve ciência por pessoas e dados reais, sendo as reportagens meramente informativas”.
Em outro trecho, o voto registrou que o reportado tinha embasamento concreto, tal como sustentou Bueno da Silva:
“Portanto, concluo que restou comprovado que o requerido se utilizou de embasamentos concretos para transcrever suas reportagens, de modo que não houve abuso à liberdade de expressão. Ainda, tenho que a autora não logrou êxito em comprovar os alegados danos morais suportados em decorrência das matérias, ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 373, inciso I, do CPC.”
Ministro Luiz Fux: “Delegada deveria ter maior tolerância à exposição pela mídia e opinião pública”
A decisão do Tribunal Recursal segue o entendimento já reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de que não pode haver censura. Mesmo entendimento mantido pela 1ª Turma do STF ao acolher a Reclamação 28.747 que o Blog, junto com a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e o Instituto Vladimir Herzog, apresentaram àquela corte contra a decisão do Juizado Especial de Curitiba, tal como noticiamos em STF, ao rever censura ao Blog, criticou a DPF Érika.
Nesta decisão a favor do Blog – não acatada pelo juiz de primeiro grau – os ministros voltaram a deixar claro que agentes públicos estão sujeitos a críticas prevalecendo a liberdade de expressão e da liberdade de imprensa acima de qualquer direito individual. O ministro Luiz Fux, autor do voto divergente que derrubou a censura que o juiz Barros Guimarães insistiu em manter, chegou a tecer críticas à delegada Érika:
“As circunstâncias concretas deveriam sujeitar a Delegada a um maior nível de tolerância à exposição e escrutínio pela mídia e opinião pública, e não menor. É dizer, seu cargo público é motivo para que haja ainda maior ônus argumentativo apto a justificar qualquer restrição à liberdade de informação e expressão no que toca à sua pessoa e o exercício de suas atividades públicas.”
A tese de que agentes públicos estão sujeitos a críticas foi encampada também pela relatora da 1ª Turma Recursal, no Paraná:
“Ressalto, também, que à época da publicação das reportagens, a autora, enquanto Delegada da Polícia Federal atuando em uma das maiores investigações anticorrupção do Brasil, tornou-se pessoa pública, conhecida da maioria dos brasileiros, portanto, sujeita a críticas decorrente de sua atuação.
Logo, tenho que no presente caso, sob a análise do conflito entre a liberdade de expressão, opinião e crítica e entre a liberdade individual, não restou demonstrado qualquer abuso ou excesso apto a ensejar a condenação do requerido ao pagamento de danos morais e supressão de conteúdo jornalístico.”
Como a Justiça do Paraná comprovou, as duas postagens do Blog censuradas judicialmente a pedido da delegada Erika estavam corretas, com informações verdadeiras.
Negando a realidade – Os abusos e excessos, na realidade, ocorreram por parte da delegada e de sua irmã, Márcia Eveline Mialiki Marena, que atuou como advogada no processo.
Elas, na inicial, acusaram o Blog de narrar fatos que teriam sido “construídos sem embasamento probatório MÍNIMO” (grifo do original). Classificaram ainda as informações, que agora a Justiça comprovou reais, como “acusações delirantes”.
Tentaram negar a realidade. Sobre uma representação contra o então subprocurador da República Eugênio Aragão, provocada por documento que a delegada assinou, em 2005, junto com outros policiais federais, disseram que o Blog “idealiza sobre uma representação que a Autora teria feito contra o ministro, sem, no entanto, provar (ou averiguar minimamente) essa informação”.
E sustentaram: “A Autora afirma que nunca representou contra o atual Ministro da Justiça, por isso que o Réu sequer tem cópia de tal representação”.
Na reportagem publicada e por elas censurada o próprio Eugênio Aragão, na época da publicação ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, narrou a existência da representação. Ele e o ex-diretor-geral da Polícia Federal, delegado Paulo Lacerda, foram ouvidos antes da publicação das matérias. Os dois, em depoimento judicial como testemunhas do Blog, confirmaram tal fato – terem sido consultados antes da publicação da reportagem – e a veracidade do que foi noticiado.
Erika e outros delegados da Polícia Federal queixavam-se por ter Aragão, em missão oficial a Nova Iorque, interferido junto a autoridades americanas para que documentos oficiais só fossem entregues a polícias e procuradores da República por vias diplomáticas. Medida imposta para se evitar a anulação de provas importantes.
As queixas dos delegados antes mesmo de chegarem ao Ministério Público Federal vazaram para a imprensa e foi manchete do jornal Folha de S. Paulo. A partir deste documento, houve representação contra Aragão que acabou respondendo a uma sindicância administrativa. Nela, foi inocentado.
No seu voto, a juíza Maria Fernanda constata o que sempre defendemos, ou seja, a veracidade das informações do Blog, ainda que tenha feito reparos à forma narrada:
“Veja-se que, pelas provas dos autos, restou comprovado que a autora, enquanto Delegada de Polícia, encaminhou relatório de missão (mov. 123.3, págs 24 a 28), juntamente com outros cinco Delegados da Polícia Federal.
Em que pese não ter sido a autora quem representou contra o Min. Eugênio Aragão, certo é que o relatório encaminhado pela mesma e por seus colegas foi o ponto de partida para que a Corregedoria-Geral do MPF apresentasse referida representação.
Portanto, tenho que houve mera inexatidão técnica nas palavras utilizadas pelo requerido.
Ademais, deve-se constatar que o fato de ser publicado que alguém representou outro alguém, por si só, não traz qualquer abalo aos atributos da personalidade. Até porque, se assim tivesse-o feito, a autora apenas estaria agindo em seu exercício regular de direito de representar um superior hierárquico, conforme comprovado pelo depoimento da testemunha Paulo Fernando da Costa Lacerda”.
Depoimento do delegado federal Paulo Renato Herrera, de cujo conhecimento pelo blog a delegada duvidou
A delegada e sua irmã/advogada também se insurgiram contra a informação de que ela era considerada por colegas seus como “estrategista de vazamento da Operação Lava Jato”.
Isto, como noticiamos, foi dito em depoimento por um delegado federal de Curitiba, não identificado na reportagem.
Tratava-se de Paulo Renato Herrera, delegado então sob investigação, acusado injustamente – como depois ficou comprovado no inquérito 737/2015 -, de aprontar dossiês contra a Lava Jato.
As duas duvidaram da capacidade desta apuração pelo Blog pois o inquérito tramitava em segredo de justiça.
Para elas, seria impossível ao Blog ter conhecimento do depoimento por se tratar de “um inquérito de extremo sigilo, sobre o qual nem a CPI da Petrobrás obteve acesso ao conteúdo, e nem o Réu, que se tivesse tido acesso, com certeza publicaria informações mais substanciais, não meras fábulas e especulações de uma pessoa qualquer depondo ao vento.”
Ao analisar esta queixa a juíza constatou, mais uma vez, a veracidade da informação reportada:
“De igual forma em relação a alegação de que a autora era uma das “estrategistas dos vazamentos na Operação Lava Jato”. Isso porque, ao mencionar que a autora foi citada em um depoimento no Inquérito Policial 737/2015, tenho que o requerido se cercou das cautelas necessárias, inclusive apresentando a origem de tal informação. Conforme documentos de mov. 52.3 a 52.6, a autora foi sim citada em um depoimento como a responsável pelos vazamentos, de modo que a notícia do requerido apenas se baseou em tal fonte.“
Danos morais inexistentes – Confundindo as obrigações de um agente público com as do jornalista, a delegada e sua irmã acharam que o Blog, ao reportar o conteúdo de um inquérito que tramitava em segredo de justiça estaria incorrendo no crime de vazamento de informações. Na ação apresentada no 8º Juizado Especial, afirmaram:
“Pois bem, as afirmações do Réu referente a Autora são vazias e desconexas da realidade, principalmente quando usa como embasamento o IPL 737/2015, porém se fossem verdadeiras, estaria o Réu fazendo exatamente aquilo do qual acusa a Autora, tornando público detalhes de investigação sigilosa (…)”.
Parece desconhecerem que jornalistas têm por obrigação divulgar fatos que tome conhecimento, desde que comprovadamente verdadeiros. O próprio Supremo Tribunal já deixou claro que aos jornalistas não cabe respeitar segredos de justiça em documentos que tomam conhecimento.
No voto apresentado à Turma Recursal em que acolheu as teses defendidas pelo advogado Bueno da Silva, a juíza Maria Fernanda esclareceu:
“Ainda, em que pese restar comprovado que, quando da publicação da reportagem, o referido inquérito corria em Segredo de Justiça, tal fato, por si só, não impede o requerido de utilizá-lo como embasamento para a notícia, vez que juntou prova testemunhal da existência do referido inquérito. Inclusive, frisa-se que a Constituição Federal resguarda ao jornalista o direito de sigilo da fonte”.
Não apenas por comprovar que o Blog noticiou fatos reais, mas também recorrendo a decisões antigas do Supremo Tribunal Federal, como no julgamento da ADPF 130, de abril de 2009, na qual o relator, o então ministro Carlos Ayres Brito, destacou a possibilidade de agentes públicos serem criticados, a juíza Maria Fernanda negou os danos morais que a delegada e sua irmã queriam indenizados. Ela transcreveu parte do voto de Ayres Brito:
“Em se tratando de agente público, ainda que injustamente ofendido em sua honra e imagem, subjaz à indenização uma imperiosa cláusula de modicidade. Isto porque todo agente público está sob permanente vigília da cidadania. E quando o agente estatal não prima por todas as aparências de legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de um comportamento antijurídico francamente sindicável pelos cidadãos“.
Blog continua censurado – A prevalecer o enunciado da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça, que impede o reexame de provas em recursos àquela corte, o processo se extingue com a sentença da Turma Recursal, ainda mais por ela ter sido acolhida por unanimidade.
A mesma delegada, porém, move outras duas ações contra o editor deste Blog por conta de reportagem publicada na revista CartaCapitalcom teor idêntico ao das reportagens publicadas no Blog que a Justiça do Paraná reconheceu como verdadeiras.
No Rio de Janeiro tramita ação criminal na qual o juiz Elder Fernandes Luciano, da 10ª Vara Federal Criminal, em janeiro passado, afastou a possibilidade de crimes de calúnia e difamação. Resta sob análise o possível crime de injúria.
No Paraná há uma ação de indenização por dano moral e à imagem em tramitação na 10ª Vara Cível. Nela a delegada reivindica R$ 50 mil de indenização. Na inicial ela também pediu a censura do site da revista, mas não obteve êxito junto à juíza Carolina Fontes Vieira.
Como o Tribunal Recursal concluiu, as reportagens não poderiam ter ofendido a delegada na medida em que apenas relataram fatos reais, devidamente comprovados. As ações, portanto, servem apenas para dificultar a vida do Blog além de gerarem despesas seja com custas processuais, viagens – foram várias a Curitiba e a Brasília – e ainda o tempo gasto na preparação da defesa. Servem também como tentativa de intimidação aos jornalistas.
Apesar da decisão do Tribunal Recursal suspendendo a censura das duas matérias – que a partir de agora estão disponibilizadas aos leitores – o Blog continua censurado em outras reportagens por decisões judiciais que contrariam o Supremo Tribunal Federal. Decisões contra as quais estamos recorrendo.
Os leitores permanecem sem acesso às reportagens “Juíza perdeu jurisdição e haitianos visitaram filhos“; “Juíza do PR imita Trump e separa haitianos“; “PM mineira: extorsão, sequestro e tortura“; “PMs de MG torturam a céu aberto; de dia“; e “PM de MG na trilha da PM do Rio: e agora, Pimentel?“.
Ou seja, nossa luta contra a censura continuará.
Uma luta que travamos com o apoio da FENAJ e do Instituto Vladimir Herzog que conseguiram enxergar neste caso um risco não apenas ao Blog e seu editor, mas ao jornalismo como um todo.
Infelizmente, o apoio pedido à antiga diretoria da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e à Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI) resultaram apenas em notas de protesto. Elas, assim como a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), não quiseram endossar a Reclamação levada ao Supremo, cuja decisão reforçou a liberdade de imprensa e o direito de críticas aos agentes públicos, a favor de toda a categoria e dos leitores.
Nesta luta contra a censura tem sido fundamental também o apoio e o incentivo de leitores, seguidores e amigos do Blog. Apoio, inclusive, financeiro. As doações feitas por estes é que ajudaram a bancar os custos que todos os processos nos têm trazido, bem como a nossa sobrevivência. Mais uma vez renovo o agradecimento a todos.
Abaixo, a íntegra do acórdão que reconheceu como verdadeiras as denúncias noticiadas pelo Blog
“Que ninguém mais seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês e meu irmão foram”
(Acioli Cancellier, irmão do reitor suicidado)
Da esquerda para a direita: o irmão Júlio, o filho Mikhail, o irmão mais velho Acioli e o reitor
Há um ano, o então reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, tornou-se a primeira vítima fatal explícita da prisão preventiva abusiva e da espetacularização da justiça no Brasil. Muito pouco, ou nada se conseguiu para reparar justiça à memória do reitor e a sua família, além de algumas derrotas à perseguição que os responsáveis pelo abuso de poder continuaram a promover contra professores e dirigentes da universidade. Esse quadro, contudo, começou a mudar. O novo reitor Ubaldo César Balthazar começa a desencadear uma vigorosa ofensiva para levar à investigação e à punição dos abusadores. A Procuradoria da Universidade deve entrar nos próximos dias com um processo judicial contra os responsáveis pelo linchamento moral e jurídico de Cancellier, desde a sua base na Corregedoria Geral da UFSC. Nesta sexta-feira pela manhã, o professor Marcos Dalmau, preso junto com Cancellier e igualmente banido da instituição com outros quatro colegas, retornou a UFSC, depois de vencer mandado de segurança impetrado no TRF4. Foi recebido numa cerimônia emocionada pelo reitor e equipe, na qual a solidariedade e o sentimento maior de defesa da instituição e dos direitos jurídicos falou mais alto do que as intrigas e manchas na reputação lançadas pela Operação Ouvidos Moucos no seio da comunidade universitária.
Reitor Ubaldo Balthazar e pró-reitor de Relações Institucionais, Gelson Albuquerque entregam memorial dos abusos de poder a pedido do ministro Raul Jungmann
Um outro passo para a criminalização dos procedimentos abusivos da Ouvidos Moucos na UFSC foi dado na quinta-feira (13/9), quando o reitor Ubaldo Balthazar e o pró-reitor de Relações Institucionais, Gelson Albuquerque, entregaram um dossiê ao ministro da Segurança Raul Jungmann, a pedido dele, no seu gabinete em Brasília. O conjunto de documentos e testemunhos relata todos os desmandos, violações dos direitos humanos e jurídicos que envolveram a prisão do reitor, dos cinco professores e de um funcionário celetista. Na mesma hora, o memorial foi encaminhado à Corregedoria do Ministério para investigar a conduta dos agentes dos órgãos federais de representação local implicados na Operação e nas perseguições: Corregedoria Geral da UFSC, Polícia Federal, Justiça Federal, Ministério Público Federal e Controladoria Geral da União. São relatos da prisão e testemunhas dos abusos da Operação que já corriam de boca em boca na UFSC, mas foram sistematicamente ignorados pelos investigadores e juízes. Em dezembro do ano passado, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, devolveu ao irmão do reitor uma representação da família contra a delegada Érika Mialik Marena, após a realização de uma apuração sumária e viciosa, comandada pelo próprio diretor de comunicação da servidora, Luiz Carlos Korff, quando ela ainda era superintendente da Polícia Federal em Santa Catarina. Dessa vez, com o escândalo da perseguição às vítimas, a denúncia alcançou outra dimensão.
O pedido do dossiê foi motivado por manifestação do ministro Gilmar Mendes, que provocou Jungmann a investigar a delegada Érika Marena em razão do caráter absurdo e corporativista das perseguições e intimidações promovidas pela Polícia Federal aos dirigentes da UFSC, o chefe de gabinete Áureo Mafra de Moraes e o reitor Ubaldo Balthazar, numa tentativa de criminalizá-los pelas manifestações de dor e protestos da comunidade universitária pela morte de Cancellier. A primeira parte do dossiê denuncia os procedimentos persecutórios do corregedor geral da UFSC, Roldolfo Hickel do Prado, que alimentaram e subsidiaram a prisão de Cancellier e dos demais por tentativa de interdição das investigações, mesmo não tendo nenhum envolvimento com as suspeitas de desvios de verbas. Em seguida, o relatório reúne relatos que denunciam com detalhes as condições abusivas da prisão e tratamento dos professores em presídio de segurança máxima, solicitada pela delegada federal, com a anuência da juíza federal Janaína Cassol. A Corregedoria Geral da União e o Ministério Público Federal de Santa Catarina também são responsabilizados por terem encampado a perseguição de professores e dirigentes da comunidade.
Outra importante vitória foi o acolhimento nesta semana da manifestação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), para que o corredor do órgão, Orlando Rochadel, investigue o procurador do MPF/SC, Marco Aurélio Dutra Aydos por ter insistido em apelação de denúncia contra o reitor Balthazar e seu chefe de gabinete, mesmo depois de rejeitada pela juíza federal Simone Barbisan Fortes. O Conselho considerou suspeita a atitude do procurador que, “com consciência e vontade, desviou-se do interesse público e se utilizou do cargo público por ele ocupado para censurar a liberdade de expressão de acadêmicos, docentes e servidores da UFSC, movimentando todo o aparato de Justiça criminal para tutelar interesse próprio, com base em sentimento pessoal de justo ou injusto”.
Até então, os algozes não só não foram punidos, como continuaram a intimidar suas vítimas. Sequer a lei que pune autoridades por abuso de poder foi aprovada. O Projeto de Lei 7596, batizado em outubro de 2017 como Lei Cancellier, por proposição do senador Roberto Requião, teve decisão favorável no Senado, mas ficou engavetado no Congresso Nacional desde o dia 10 de maio do ano passado. Essas vitórias iniciais, contudo, mostram que nem todo sistema judiciário é conivente com a rede de horrores acionada contra a UFSC desde a prisão de Cancellier.
14 DE SETEMBRO: DATA DE HORRORES
O reitor Luiz Carlos Cancellier teve sua reputação arruinada por uma rede de intrigas e calúnias que se estendeu das páginas da Polícia Federal para a grande mídia e redes sociais. De jurista e acadêmico respeitado, ganhou os noticiários como chefe de uma quadrilha que teria roubado R$ 80 milhões da universidade, após ser detido em presídio de segurança máxima, junto com outros cinco professores da UFSC e um funcionário terceirizado.
No início da manhã do dia 14 de setembro, Cancellier dormia no seu apartamento vizinho a UFSC quando, surpreendido por uma escolta de mais de cem policiais de várias partes do país, atendeu a porta enrolado numa toalha de banho. Não tinha antecedentes criminais, não respondia um processo administrativo sequer, mas foi submetido à prisão preventiva, algemado nas mãos e acorrentado nos pés, sem direito à presunção de inocência ou à defesa prévia. No Presídio Masculino de Florianópolis, foi humilhado e desnudado na frente de outros presos por duas horas, antes de vestir o uniforme laranja. Até mesmo o acesso ao seu remédio para o coração foi boicotado, como seu irmão Acioli Cancellier de Olivo constatou com uma carcereira no dia seguinte ao relaxamento da prisão. Segundo os relatos do dossiê, ao reconhecer o reitor, um aluno seu atuante na carceragem teria mostrado no celular mensagem da delegada Marena com a ordem expressa: “É para tratar como preso comum”. Como era um homem alto, cardíaco e sedentário, o professor teve muita dificuldade de se abaixar de costas para ser submetido ao exame de revista anal. “Vejam, que chances ele teria de introduzir algo no seu corpo, se foi arrancado da cama por um esquadrão de policiais?”
Do dia pra noite, um órgão federal de polícia levou um homem de vida acadêmica ao sacrifício, transformando-o em chefe de quadrilha
Aos 59 anos, o reitor havia sofrido uma recente cirurgia cardíaca e a interrupção do tratamento pode ter sido fatal para desencadear o estado de depressão que o levou a suicidar-se dezoito dias depois. O verdadeiro horror, contudo, ainda viria. Com o relaxamento da prisão, foi proibido pela justiça de ingressar na UFSC, à qual se dedicou nos últimos 20 anos, como aluno, professor, diretor de centro e finalmente reitor. Sabendo por fontes do Ministério Público Federal em Santa Catarina que não poderia retornar à instituição, pagou seus advogados para não deixar dívidas à família e no dia seguinte, em 2 de outubro, jogou-se de cabeça do sétimo andar do Beira-mar Shopping, em Florianópolis com um bilhete no bolso, no qual atribuía sua morte ao banimento da universidade.
Hoje, o irmão mais velho, Antônio Acioli Cancellier de Olivo, 67 anos, matemático, sindicalista, pesquisador aposentado do INPE, em São José dos Campos, dedica sua vida para a recuperação da memória e da reputação que Cau, filho de uma família muito pobre de Tubarão, construiu a duras penas, comendo pão de trigo com banana para conseguir estudar e se sustentar em Florianópolis. A mãe, costureira e o pai trabalhador no Lavador de Carvão em Capivari, não davam conta de sustentar os sonhos de formação dos três filhos, Acioli, Luiz Carlos e Júlio, o mais novo. É com o carinho do irmão mais velho que tomava conta dos demais, que ele conta e reconta, pacientemente, sem se exaltar com os detalhes mais perversos da sua perseguição, a história do mártir da Ouvidos Moucos. Ele foi, segundo Acioli, um adolescente rebelde e genial, intransigente diante das injustiças, “com uma produção científica espantosa para quem iniciou a vida acadêmica aos 40 anos e aos 59 já era reitor”. Com Cau, Acioli aprendeu o apreço pela luta política, “embora eu, ao contrário dele, tenha começado muito mais tarde nessa esfera”.
Líder estudantil, jornalista fichado pelo SNI durante a Ditadura, o intrépido militante do Partido Comunista Brasileiro compreendeu na maturidade que o caminho para a luta era a conciliação política e adotou-a como princípio ideológico em sua administração da reitoria. Foi quando mais ele repudiava radicalismos e acreditava na harmonia entre todas as tendências que os aparatos de repressão de Temer puxaram o seu tapete, sem deixar-lhe outra saída, a não ser oferecer a própria vida em sacrifício para denunciar a violação total dos direitos humanos, jurídicos e democráticos que ele apregoava em sala de aula. Abaixo a carta escrita por Acioli em homenagem aos professores que continuam banidos da universidade. Ao mesmo tempo ele homenageia o próprio irmão, mostrando que todos são vítimas da mesma supressão de direitos e do mesmo Estado de Exceção que vitimou Cancellier.
“Cau se foi, seu gesto nos doeu muito, mas, em seguida, atentamos que o fez não por sua imagem enlameada, mas para mostrar a cada um de seus carrascos, que não se pode tirar o que de mais importante um homem digno possa ter: a honra. E passamos a nos orgulhar daquele gesto corajoso e heroico”.
“E me comprometo, a cada dia, com mais intensidade, envidar esforços na luta pela rediginficação do Cau e de todos vocês. Lutar pela recuperação da honra maculada de cada um é lutar pela garantia que nenhum ser humano seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês todos foram. E conclamo aos que não se conformam com o arbítrio a se juntarem nessa escalada”
(Acioli Cancellier de Olivo)
Irmãos Cancellier, na formatura do reitor em Direito
Meus caros professores,
Há exatamente um ano atrás eu nunca havia ouvido falar de seus nomes. Naquela manhã fui acordado com um telefonema de uma amigo que me perguntava: Você é parente do reitor da UFSC? Ao responder que eu era irmão, disse-me que ele acabara de ser preso.
Naquela manhã, quando a Polícia Federal invadiu as suas residências e a do Cau, a violência da ação mudou drasticamente a vida de vocês e de suas famílias; foi o ato inicial de uma tragédia que nos levou o Cau, abalou profundamente nossa família, seus familiares, os amigos em comum, a UFSC e por que não dizer, o país inteiro que não se submete à ditadura dos tanques e togas, citando um jornalista.
Daquela data em diante, seus nomes começaram a me soar familiares e mesmo sem conhecê-los, uma empatia imensa me ligou a cada um de vocês. O sofrimento de cada um de seus familiares me fazia sofrer, pois refletia o sofrimento de cada uma dos meus.
Cau se foi, seu gesto nos doeu muito, mas, em seguida, atentamos que o fez não por sua imagem enlameada, mas para mostrar a cada um de seus carrascos, que não se pode tirar o que de mais importante um homem digno possa ter: a honra. E passamos a nos orgulhar daquele gesto corajoso e heroico. Se no dia 14 de setembro de 2017, arrancaram da cama um homem digno, o cadáver que nos devolveram 18 dias após, não o reconhecemos. Não por seus ossos estraçalhados; não por sua carne dilacerada; não por sua face desfigurada. Não o reconhecemos porque aquele cadáver não tinha a mínima semelhança da pessoa que o Cau fora em vida: honrado, humanista, generoso e solidário.
Um ano se passou e, em todos esses dias, minha luta tem sido em uma única direção: resgatar a honra de meu irmão. Buscar que o Estado reconheça que seus agentes erraram. Erraram em caluniá-lo; erraram em humilhá-lo; erraram em castrá-lo, apartando daquilo que ele mais se orgulhava, servir a UFSC.
Meus caros amigos, se assim posso chamá-los, pois um sentimento de amizade e fraternidade nos uniu pela tragédia. Meus irmãos: vocês foram também vítimas da mesma injustiça; injustiça que não os levou deste mundo, mas que certamente causou perdas e danos irreparáveis. Que lhes irá devolver as angústias, sofrimentos e dores que cada um de vocês passou nestes últimos anos? Quem devolverá a cada um de seus entes queridos a alegria de viver, o brilho nos olhos e o sorriso que minguaram nestes 365 dias? Quem irá garantir que a sua tão esperada reintegração a UFSC ocorra sem traumas? Quem poderá dizer que vocês poderão ensinar, orientar e frequentar o meio acadêmico com a segurança de homens honestos e dignos, sem a certeza de um dedo acusador na figura de um aluno ou de seus próprios pares?
Em ocasião recente fiz uma analogia, que reitero: O Cau morreu, vocês sobreviveram. Mas esta sobrevida, sem a reparação integral da honra e dignidade feridas, equivale a uma morte em vida. Tramita no Congresso Nacional projeto de Lei que pune o abuso de autoridade, cujo relator no Senado, Roberto Requião, a denominou de Lei Cancellier. Mas não podemos esperar. A cada dia que passa, sem a devida reparação da honra de cada um de vocês, um pouco de cada um morre.
Então, meus queridos amigos e irmãos, nesta data simbólica, uno meus pensamentos aos seus; nosso familiares são solidários aos seus familiares. E me comprometo, a cada dia, com mais intensidade, envidar esforços na luta pela rediginficação do Cau e de todos vocês. Lutar pela recuperação da honra maculada de cada um é lutar pela garantia que nenhum ser humano seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês todos foram. E conclamo aos que não se conformam com o arbítrio a se juntarem nessa escalada, pois citando o mesmo jornalista, “nas ditaduras, não há lugar para míopes inocentes.”
Um fraterno abraço
Acioli Cancellier de Olivo
COMEÇA A DESABAR NA JUSTIÇA OS DESMANDOS DA “OUVIDOS MOUCOS”
Docente preso por Érika Marena na UFSC vence mandado de segurança no TRF4 e volta hoje ao trabalho na UFSC
Abraço coletivo ao professor reintegrado fortalece a própria comunidade, dividida pelo processo calunioso. Foto Ítalo Padilha/AGECOM
O professor de Administração Marcos Baptista Lopez Dalmau foi restabelecido hoje (14/9) em suas atividades docentes no Curso de Administração da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), de onde estava proscrito desde o final do ano passado pela Operação Ouvidos Moucos. Em cerimônia de boas vindas realizada hoje (14/9) pela manhã, ele foi recepcionado no gabinete do reitor Ubaldo Balthazar e equipe, alem de gestores da área e colegas de trabalho. Seu retorno cumpre decisão da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), tomada na terça-feira (11), que acatou o mandado de segurança da defesa do professor contra as medidas cautelares impostas pela Justiça Federal de Florianópolis que o afastaram da instituição. A vitória de Dalmau em habeas corpus individual abre importante precedente para que os outros quatro professores banidos da universidade possam retornar à sala de aula, como seu colega da Administração Eduardo Lobo, que teve seu pedido para retornar negado pelo mesmo TRF4 no início do ano passado.
Dalmau recebe o abraço de Acioli que estende luta pela memória do irmão a todos os perseguidos. Foto: Ítalo Padilha/AGecom
A cerimônia reuniu, além do reitor, pró-reitores e secretários da UFSC, o chefe de Gabinete Áureo Mafra de Moraes; o irmão do ex-reitor Cancellier, Acioli de Olivo; o chefe do Departamento de Administração, Pedro Antônio de Melo; o diretor do Centro Socioeconômico, Irineu Manoel de Souza, que foi candidato de oposição a Ubaldo, e a vice-diretora Maria Denize Henrique Casagrande. Abraçado por todos eles, o primeiro professor a ser reintegrado às atividades docentes desde a prisão, se disse, mais tarde, “emocionado e feliz com a solidariedade e o carinho com que foi recebido no campus e nas instalações do Curso de Administração”.
Dalmau foi preso em 14 de setembro com outros quatro professores, um servidor terceirizado e o reitor da universidade, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, todos incriminados pela Operação Ouvidos Moucos, sob suspeita de desvio de verbas do Ensino a Distância do Programa Universidade Aberta. Comandada pela delegada Érika Marena, responsável pela prisão de Cancellier, com o aval da juíza da 1ª Vara Criminal Federal de Florianópolis, Janaína Cassol, a operação prometia desvendar um esquema milionário de desvios de verbas da educação. Passado um ano da prisão, o braço catarinense da Lava Jato nada concluiu e postergou a investigação, depois de emitir um relatório que resultou no indiciamento de outros 23 docentes da UFSC.
Outros quatro professores – Marcio Santos, Rogério da Silva Nunes, Gilberto de Oliveira Moritz e Eduardo Lobo -, também investigados pela operação, continuam impedidos de retornar às suas atividades. Eles recorreram ao próprio TRF-4 em mandados diferentes, mas como tiveram seus pedidos negados, apelaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ainda aguardam decisão.
Reitor e equipe manifestam solidariedade ao professor reabilitado Marcos Dalmau e aos demais que permanecem afastados. Foto: JL
Pela decisão unânime, Marcos Dalmau deveria reassumir seu cargo de professor e atuar em sala de aula com a notificação da universidade, o que aconteceu ontem (13/9). A relatora responsável por analisar o mandado de segurança em favor de Dalmau, Salise Monteiro Sanchotene, votou a favor do retorno do docente, seguida pelos desembargadores Luiz Carlos Canalli e Claudia Cristina Cristofani. O parecer foi unânime, mas com restrições: até o final das investigações, Dalmau está impedido de “atuar nas atividades que gerem percepção ou pagamento de bolsas relacionadas ao ensino à distância (EAD) e ao Laboratório de Produção de Recursos Didáticos para Formação de Gestores (LabGestão)”.
“Essa decisão vem reparar uma injustiça perpetrada contra o impetrante, que ficou impedido de exercer seu trabalho durante quase um ano, por conta da ilegalidade do afastamento indeterminado, sem mera previsão de formação de culpa, em face de uma marcha pré-processual confusa, retardatária e revestida de autoritarismo injustificável”, afirmou o advogado Adriano Tavares da Silva, que defende o professor da UFSC .
Conselho propõe inquérito contra procurador que criminalizou manifestações na UFSC
Por Marcelo Auler
O conselheiro Leonardo Acciolly da Silva quer que o corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Orlando Rochadel investigue o procurador da República de Santa Catarina, Marco Aurélio Dutra Aydos por ele “com consciência e vontade, desviou-se do interesse público e se utilizou do cargo público por ele ocupado para censurar a liberdade de expressão de acadêmicos, docentes e servidores da UFSC, movimentando todo o aparato de Justiça criminal para tutelar interesse próprio, com base em sentimento pessoal de justo ou injusto”. Na suposta defesa da honra da delegada federal Erika Mialik Marena, Aydos tentar processar o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Ubaldo Cesar Balthazar e o seu chefe de gabinete, Áureo Mafra de Moraes, por conta de críticas feitas por manifestantes não identificados, em cerimônia na UFSC, aos responsáveis pela Operação Ouvidos Moucos que levou o antigo reitor, Luiz Carlos Cancellier, ao suicídio. Depois de ver sua denúncia rejeitada, Aydos continua tentando processar o reitor e o chefe de gabinete.
Insistência de Aydos
Apesar de a denúncia do procurador Aydos contra o reitor e seu chefe de gabinete ter sido rechaçada pela juíza Simone Barbisan Fortes, em 30 de agosto, como informamos em Juíza rejeita denúncia contra reitor e “adverte” agentes públicos, ele não se deu por vencido.
Quatro dias depois, em 3 de setembro, recorreu da decisão à 3ª Turma Recursal de Santa Catarina. Insiste na sua posição de processar os dois por não terem impedido que durante uma cerimônia na universidade, em dezembro de 2018, manifestantes não identificados expusessem uma faixa com críticas à delegada, a juíza Janaína, ao procurador da República, André Stefani Bertuol, ao corregedor-geral da UFSC, Rodolfo Rickel do Prado e ao superintendente da CGU, Orlando Vieira de Castro Junior. Ou seja, cobrou de ambos a censura à livre manifestação da comunidade acadêmica.
Neste recurso (leia aqui) chega a dizer que a juíza Simone, invertendo os papéis, perdoou os agressores da delegada mesmo sem procuração para tal. Na peça com 13 laudas, ele expõe:
“Exorbitou a decisão recorrida em excesso passional e argumentativo que normalmente fazem parte da defesa prévia, fazendo-se lamentável disfunção de justiça, consistente na condenação da vítima, de um lado, e perdão, ilegítimo, dos agressores, de outro lado. A ninguém é conferido direito de “perdoar por procuração” – um “horror” que deturpa a essência da Justiça, segundo extraordinária lição do filósofo Emmanuel Lévinas (in Quatro leituras talmúdicas, São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 56).” (grifo do original)
Em seguida insistiu nas críticas à juíza:
“A decisão recorrida abrigou no largo guarda-chuva da justa causa tudo quanto encontrou para perdoar por procuração. A magistrada simplesmente substituiu-se à Ofendida para decidir que ela não devia ter representado criminalmente. Mas com que direito? O cenário do equívoco é metajurídico. Construiu-se uma narrativa histórica de alegado progresso, não apenas questionável, mas também falseável (segundo o método de Popper, que aqui é aplicável, por tratarmos de uma teoria, não de um fato). Em primeiro lugar, é preciso resgatar a autoridade do Supremo Tribunal Federal, que não ampara essa narrativa.”
Procurador contesta afirmações de Nassif sobre o fascismo
Onde está o fascismo?
Nesta sua apelação, ele também criticou o jornalista Luís Nassif de tentar intimidar a Justiça, ao escrever no JornalGGN – MPF denuncia reitor da UFSC por não censurar manifestação – que ele, Aydos, “colocou o MPF na ante-sala do fascismo”. Para o procurador, o fascismo esteve próximo da manifestação ocorrida na universidade com críticas à delegada. Diz na sua peça:
“(…) é oportuno refutar com veemência tentativas de intimidação à Justiça, mal disfarçadas sob o manto sempre sagrado da crítica, exemplificadas na verve do jornalista Luís Nassif, que deseja ver na denúncia do Ministério Público a “ante-sala do fascismo”. No nascimento da modernidade, criou-se a imprensa como uma instituição liberal, bem retratada por Jürgen Habermas como a primeira grande “transformação estrutural do espaço público”. Naquele tempo havia publicistas. Mas Leibnitz (1646-1716), contemporâneo do nascimento da modernidade, já registrava, a propósito, que essa criação típica da Inglaterra, a dos “public spirits” inspirados pelo amor à coisa pública que praticaram outrora gregos e romanos, já estava desaparecendo e ficando fora de moda em seu tempo (…)
Hoje os publicistas desapareceram. Remanescem os ideólogos, tipos forjados da adulteração do original, que decretam respostas antes de fazerem as perguntas. Uma via de esclarecimento mútuo consiste em usar o esquecido ponto de interrogação do teclado e reformular seus decretos. Podemos perguntar, por exemplo. Onde fica a ante-sala do fascismo?
Assim como outras formas de dominação descobertas pela modernidade, o fascismo não é uma experiência completamente reeditável. Ocorreu na Itália, sob circunstâncias dadas, e não se repetirá jamais de modo completamente igual, porque a história não se repete. Mas um fenômeno desses, depois de descoberto, integra o arsenal de agressões que forma o subterrâneo bárbaro de nossa civilização. Elementos de fascismo, assim como dos totalitarismos nazista e soviético, eventualmente podem emergir na superfície civilizada de democracias. Normalmente emergirão em contextos fortemente ideologizados, à revelia da consciência dos atores.
Vale então conhecer um bom retrato da ascensão do fascismo italiano no extraordinário romance de Ignazio Silone, Fontamara. Numa das cenas memoráveis do livro, presenciamos uma cerimônia típica do Fascismo, o exame da população em praça pública a partir de duas perguntas: Viva quem? Abaixo quem?
A solenidade de que trata a presente causa ecoa vividamente as cerimônias daquela descoberta italiana. Ergue-se a fotografia de um servidor público em praça pública com a descrição, sempre sumária, de seus alegados malfeitos. Como o fascismo é um movimento de massas, é sempre suficiente que se grite “Abaixo” alguém, para liberar o exército de seguidores para barbarizarem. É extraordinariamente curto o passo da violência simbólica para a violência física”.
Dirigentes universitários são perseguidos por não terem coibido direito à manifestação pública na universidade. Foto: Raquel Wandelli
O Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção convocou para esta noite, às 18 horas, no Hall da Reitoria, um protesto em defesa da UFSC e de repúdio aos abusos de poder cometidos por agentes federais que violam a autonomia constitucional e o direito à manifestação crítica dentro do ambiente universitário. O protesto é uma resposta à ofensiva do procurador do Ministério Público Federal de Santa Catarina, Marco Aurélio Dutra Aydos, que na sexta-feira (24/8) apresentou denúncia contra o reitor da UFSC, o professor e jurista Ubaldo César Balthazar e seu chefe de gabinete, professor do Curso de Jornalismo, Áureo Mafra de Moraes, por terem ferido a honra funcional da delegada Érika Marena, responsável pela prisão coercitiva e abusiva que levou ao suicídio o reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Na segunda-feira (27/8), no final da manhã, a Reitoria emitiu nota oficial sobre a perseguição que membros da instituição e comunidade universitária vêm sofrendo desde a prisão do reitor Cancellier. A direção da OAB também publicou nota assinada pelo seu presidente, Paulo Marcondes Brincas, qualificando a iniciativa do procurador como uma gravíssima ação contra a democracia (Leia na íntegra).
Em vez de se limitar a apresentar a acusação e as evidências de crime, o procurador extrapola seu papel e faz o pré-julgamento dos dois dirigentes, pedindo a sua condenação por injúria grave contra a honra funcional da delegada federal Érika Marena, responsável pelos abusos da Operação Ouvidos Moucos que levaram ao suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier em 2 de outubro passado. Inclusive determina pena de 40 dias a oito meses de prisão e indenização por danos morais de R$ 15 mil para cada. Apesar das orientações de conduta a membros do Ministério Público para se isentarem de manifestações político-partidárias, Aydos publicou em seu Blog fotos e textos sobre sua adesão aos movimentos pelo impeachmet da presidenta Dilma Rousseff que levaram à ruptura democrática e à violação do Estado Democrático e de Direito no Brasil.
Cerimônia em comemoração ao aniversário da UFSC, quando manifestantes ocuparam hall da reitoria com faixas em protesto contra abusos de poder, em 18/12. Foto: Raquel Wandelli
Na prática, ele quer a condenação dos dirigentes por não terem censurado ou impedido através de força policial, manifestação contra os abusos de poder que vitimaram Cancellier no dia 2 de outubro passado. A manifestação ocorreu no hall da Reitoria, em 18 de dezembro, dois meses após a tragédia, quando estudantes, professores e servidores ocuparam uma cerimônia oficial em homenagem aos 57 anos da universidade com uma faixa intitulada “As faces do poder, que estampava o rosto de Érika Marena e de outros agentes federais do MPF/SC, Justiça Federal, Corregedoria geral da UFSC e Superintendência da Controladoria Geral da Uniã. O letreiro indicava que esses agentes eram responsáveis pelos abusos que causaram a morte do reitor. Na cerimônia, também foi descerrado e inaugurado o quadro com a foto do reitor que passou a compor a galeria de retratos de ex-dirigentes.
Em janeiro deste ano, começaram os ataques e perseguições desses aparatos federais à mídia independente que denunciou os abusos, incluindo uma repórter dos Jornalistas Livres, que está sendo processada na Justiça Federal por ter publicado dossiê investigativo denunciado processos de calúnia e difamação, entre outros, movidos contra o corregedor da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, que intrigou o reitor na PF. Outro perseguido é o arquiteto e militante social Loureci Ribeiro, que está sofrendo inquérito na Polícia Federal em razão da mesma faixa contestada pela delegada. Em junho, o chefe de gabinete foi arrolado em inquérito também na PF e na sexta-feira (24/8), a Assessoria de Comunicação da Procuradoria da República anunciou a denúncia dando consequência à investigação contra Áureo Moraes e agora também criminalizando o reitor recém-empossado. Todos os indiciados pertencem ao Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção, entidade que se formou um dia após o velório de Cancellier, durante o Culto Multi-ecumênico em sua homenagem. Mesmo tendo sido afastada da Operação Ouvidos Moucos e promovida ao cargo de superintendente da Polícia Federal no Sergipe, Érika Marena está no centro das perseguições, processando outros jornalistas, como Marcelo Auler, Luiz Nassif e Paulo Henrique Amorim por denunciarem seus procedimentos arbitrários.
Na nota (leia na íntegra), a Reitoria da UFSC alega que, como universidade plural e democrática, jamais cerceará a livre exposição de pensamento e a liberdade de expressão política, princípios garantidos na Constituição Federal, em seu artigo 5º. “Como direitos fundamentais, decorrentes do princípio fundante da dignidade da pessoa humana, necessários à própria subsistência do Estado Democrático de Direito, estão acima de quaisquer outras considerações, constitucionais ou legais”.
Um carro de som á percorreu a universidade e ruas em torno desde a manhã de hoje com a seguinte chamada: “Atenção comunidade universitária: estudantes, técnicos-administrativos e docentes!!!
O Coletivo Floripa contra o Estado de Exceção convida a todos e todas para um Ato Político em Defesa da UFSC, hoje às 18h, no Hall da Reitoria, com a participação dos movimentos sociais, sindicais e estudantis. Participe e venha somar forças em defesa da Autonomia Universitária e da Liberdade de Expressão!!!
Reitor Ubaldo César Balthazar, recém-empossado e já acusado pelo MPF
Ex-delegada da PF, Erika Marena disse à Justiça que reportagens sobre ela se baseavam em “notícias falsas”, o que, segundo a Turma Recursal dos Juizados Especiais de Curitiba, era mentira.
A Administração Central da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) emitiu, na manhã desta segunda-feira, 27 de agosto, uma Nota Oficial na qual manifesta-se acerca da recente denúncia do Ministério Público Federal que envolve o reitor Ubaldo Cesar Balthazar e o chefe de Gabinete Áureo Mafra de Moraes.
Leia, na íntegra, a nota abaixo:
NOTA OFICIAL
A Universidade Federal de Santa Catarina, por meio de sua Administração Central, reunida em Colegiado, vem expressar à comunidade brasileira sua profunda preocupação com as medidas tomadas pelo Ministério Público Federal em Santa Catarina, ao denunciar o Reitor, Professor Ubaldo Cesar Balthazar, e seu Chefe de Gabinete, Professor Áureo Mafra de Moraes, por crime de injúria contra servidora pública federal, visto não terem ambos proibido manifestação pacífica de membros da comunidade universitária durante solenidade de comemoração de aniversário da instituição e homenagem ao Reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, em dezembro passado.
A UFSC, como universidade plúrima e democrática, jamais cerceará a livre exposição de pensamento e a liberdade de expressão política, princípios garantidos na Constituição Federal, em seu artigo 5º. Como direitos fundamentais, decorrentes do princípio fundante da dignidade da pessoa humana, necessários à própria subsistência do Estado Democrático de Direito, estão acima de quaisquer outras considerações, constitucionais ou legais.
Não cabe ao Reitor, ou ao seu Chefe de Gabinete, proibir a exposição de cartazes ou faixas que representem oposição ao pensamento deles ou quaisquer outros. Somente em um ambiente de livre discussão é possível avançar no processo democrático e na produção do conhecimento.
Em pleno ano de 2018 é inconcebível que se promova a defesa da censura e da restrição aos direitos fundamentais à livre expressão e à reflexão crítica. Aliás, fortalezas de uma universidade. As questões agora em evidência não afetam somente os cidadãos. Mas implicam em ameaçar a retirada daquilo que, para as universidades em particular e a sociedade democrática em geral, é tão precioso: nossa vocação à crítica, ao exercício da cidadania e à construção do plural, contraditório e divergente.
A denúncia fere fortemente a autonomia universitária, outro importante princípio constitucional, caracterizando-se como um típico gesto que visa diminuir a importância da UFSC como uma das principais universidades do país, centro de excelência no ensino, na pesquisa e na extensão.
Florianópolis, 27 de agosto de 2018.
OAB/SC:
Ação do MPF contra gestores da UFSC é atentado gravíssimo contra Constituição
A OAB de Santa Catarina considerou a ação do Ministério Público Federal/SC contra o reitor ao reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Ubaldo César Balthazar, e seu chefe de Gabinete, Áureo Moraes, uma tentativa “de criminalizar o direito constitucional de liberdade de expressão e manifestação, pressuposto fundamental do Estado democrático de direito”. Diz a nota ainda: “a OAB/SC atua de forma intransigente na defesa da democracia e considera gravíssimo restringir a liberdade de expressão e manifestação em um ambiente acadêmico, onde a liberdade se faz ainda mais necessária para a aquisição e produção do conhecimento”.
O presidente do Conselho Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Paulo Brincas, e diretores da Ordem realizam, hoje (27/8), visita oficial ao reitor e seu chefe de gabinete, professor do Curso de Jornalismo. O objetivo é manifestar total apoio e solidariedade da OAB-SC à gestão da UFSC contra a denúncia apresentada na sexta-feira (24/8) pelo procurador da República, Marco Dutra Aydos, que na prática acusa os dirigentes de não terem reprimido e proibido manifestação da comunidade universitária em ato comemorativo aos 57° aniversário da universidade em 18 de dezembro de 2017.
No ato, realizado dois meses após a trágica morte do reitor Cancellier, estudantes, professores e servidores fizeram um protesto silencioso nos fundos da cerimônia. Eles sustentavam uma faixa na qual responsabilizavam os abusos de poder deflagrados pela delegada federal Érika Marena, com adesão de outros agentes federais, por terem levado o professor ao suicídio. A denúncia é de crime de injúria contra a “honra funcional” da delegada. Em nota oficial, a entidade afirma que não houve “qualquer juízo de valor com relevância criminal, a justificar que os docentes sejam investigados”.
NOTA OFICIAL DA OAB
“Liberdade de expressão e manifestação são pressupostos inegociáveis da democracia e essenciais em ambiente acadêmico.”
Presidente da OAB/SC, Paulo Brincas esteve hoje pela manhã na UFSC oferecendo solidariedade ao reitor e chefe de gabinete contra intimidações jurídicas
A seccional catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil manifesta publicamente sua profunda preocupação com o novo episódio envolvendo investigações de docentes da Universidade Federal de Santa Catarina, pela manifestação ocorrida por ocasião da passagem do aniversário da instituição, conforme amplamente divulgado pela imprensa catarinense e nacional.
Tal fato, sem que tenha havido qualquer juízo de valor com relevância criminal, a justificar que os docentes sejam investigados e tenham depoimentos tomados pode, isto sim, criminalizar a liberdade de expressão e manifestação, direito constitucional fundamental e pressuposto essencial do Estado democrático de direito.
A OAB/SC atua de forma intransigente na defesa da democracia e considera gravíssimo restringir a liberdade de expressão e manifestação em um ambiente acadêmico, onde a liberdade se faz ainda mais necessária para a aquisição e produção do conhecimento.
Ainda que possa cogitar de abusos em manifestações, no caso parece que faltou o mínimo de sensibilidade para o contexto da universidade, e até pela passagem do seu aniversário, haja vista que não se tem conhecimento de nenhum ato ou manifestação que, na ocasião, tenha potencialmente violado a honra de qualquer pessoa.
Ademais, importante lembrar que há precedentes de julgados no Brasil acerca da insubsistência do crime de desacato, tipologia criminal que não encontra guarida em nossa Constituição e é negada pela Convenção Americana de Direitos Humanos, exatamente por servir ao abuso de poder ou à arbitrariedade das autoridades constituídas.
Em nome do Reitor da UFSC, Prof. Dr. Ubaldo Cesar Balthazar, e do Diretor em exercício do seu Centro de Ciências Jurídicas (CCJ), Prof. Dr. José Isaac Pilati, a OAB/SC manifesta seu mais profundo respeito a todos os docentes e servidores técnicos da Universidade Federal de Santa Catarina, com total solidariedade e apoio, pelo que nos colocamos à disposição.
Florianópolis, 31 de julho de 2018.
Paulo Marcondes Brincas-Presidente da OAB/SC.
COMISSÃO VERDADE, MEMÓRIA E JUSTIÇA DE SC SOBRE ABUSOS DE PODER NA UFSC
A Ordem dos Advogados do Brasil manifesta preocupação com a tentativa de integrantes do Ministério Público Federal e da Polícia Federal de imporem censura e intimidação a professores da Universidade Federal de Santa Catarina que criticam o trabalho realizado em uma operação policial.
É espantosa a falta de transparência com que o caso tem sido conduzido. No mesmo comunicado em que anuncia a apresentação de denúncia contra o atual reitor da UFSC e seu chefe de gabinete, o procurador avisa de antemão que não concederá entrevistas sobre o assunto. Atender a imprensa é parte do processo democrático e de prestação de contas à população.
A PF, como responsável por investigações, e o Ministério Público, como parte interessada nos processos, devem manter independência entre si. Além disso, os funcionários públicos que integram esses órgãos não podem pretender viver apenas de aplausos, confundindo o exercício da autoridade com a prática de atos autoritários. Numa democracia, críticas são saudáveis, sobretudo para aprimorar os serviços prestados pelo Estado à sociedade.
A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa são pilares do Estado de Direito.
Paulo Brincas esteve hoje pela manhã na UFSC oferecendo solidariedade da OAB/SC ao reitor e chefe de gabinete contra intimidações do MPF
Em nota oficial publicada hoje pela manhã em seu site, a Ordem de Advogados do Brasil, Seção de Santa Catarina classificou como descabidas as novas perseguições jurídicas contra dirigentes da Universidade Federal de Santa Catarina. A entidade considerou a ação do Ministério Público Federal/SC contra o novo reitor, Ubaldo César Balthazar, e seu chefe de Gabinete, Áureo Mafra de Moraes, uma tentativa “de criminalizar o direito constitucional de liberdade de expressão e manifestação, pressuposto fundamental do Estado democrático de direito”. Diz a nota ainda: “a OAB/SC atua de forma intransigente na defesa da democracia e considera gravíssimo restringir a liberdade de expressão e manifestação em um ambiente acadêmico, onde a liberdade se faz ainda mais necessária para a aquisição e produção do conhecimento”.
Um comitê com 30 diretores do Conselho Estadual da Ordem, liderado pelo presidente Paulo Marcondes Brincas, realiza hoje (27/8) pela manhã visita oficial ao reitor e seu chefe de gabinete, professor do Curso de Jornalismo e reunião com a equipe de gestores. O objetivo é manifestar “total apoio e solidariedade” da OAB-SC à gestão da UFSC contra a denúncia apresentada na sexta-feira (24/8) pelo procurador da República, Marco Dutra Aydos, que na prática acusa os dirigentes de não terem reprimido e proibido manifestação da comunidade universitária em ato comemorativo aos 57° aniversário da universidade em 18 de dezembro de 2017.
No ato, realizado dois meses após a trágica morte do reitor Cancellier, estudantes, professores e servidores fizeram um protesto silencioso nos fundos da cerimônia. Eles sustentavam uma faixa na qual responsabilizavam os abusos de poder deflagrados pela delegada federal Érika Marena, com adesão de outros agentes federais, por terem levado o professor ao suicídio. A denúncia é de crime de injúria contra a “honra funcional” da delegada. Em nota oficial, a entidade afirma que não houve “qualquer juízo de valor com relevância criminal, a justificar que os docentes sejam investigados”. Leia mais sobre a denúncia do MPF/SC.
NOTA OFICIAL DA OAB/SC
Liberdade de expressão e manifestação são pressupostos inegociáveis da democracia e essenciais em ambiente acadêmico
A seccional catarinense da Ordem dos Advogados do Brasil manifesta publicamente sua profunda preocupação com o novo episódio envolvendo investigações de docentes da Universidade Federal de Santa Catarina, pela manifestação ocorrida por ocasião da passagem do aniversário da instituição, conforme amplamente divulgado pela imprensa catarinense e nacional.
Tal fato, sem que tenha havido qualquer juízo de valor com relevância criminal, a justificar que os docentes sejam investigados e tenham depoimentos tomados pode, isto sim, criminalizar a liberdade de expressão e manifestação, direito constitucional fundamental e pressuposto essencial do Estado democrático de direito.
A OAB/SC atua de forma intransigente na defesa da democracia e considera gravíssimo restringir a liberdade de expressão e manifestação em um ambiente acadêmico, onde a liberdade se faz ainda mais necessária para a aquisição e produção do conhecimento.
Ainda que possa cogitar de abusos em manifestações, no caso parece que faltou o mínimo de sensibilidade para o contexto da universidade, e até pela passagem do seu aniversário, haja vista que não se tem conhecimento de nenhum ato ou manifestação que, na ocasião, tenha potencialmente violado a honra de qualquer pessoa.
Ademais, importante lembrar que há precedentes de julgados no Brasil acerca da insubsistência do crime de desacato, tipologia criminal que não encontra guarida em nossa Constituição e é negada pela Convenção Americana de Direitos Humanos, exatamente por servir ao abuso de poder ou à arbitrariedade das autoridades constituídas.
Em nome do Reitor da UFSC, Prof. Dr. Ubaldo Cesar Balthazar, e do Diretor em exercício do seu Centro de Ciências Jurídicas (CCJ), Prof. Dr. José Isaac Pilati, a OAB/SC manifesta seu mais profundo respeito a todos os docentes e servidores técnicos da Universidade Federal de Santa Catarina, com total solidariedade e apoio, pelo que nos colocamos à disposição.
Florianópolis, 31 de julho de 2018.
Paulo Marcondes Brincas-Presidente da OAB/SC.
Presidente da OAB/SC em visita à UFSC: “Não aceitamos qualquer tipo de restrição ou a criminalização da liberdade de opinião”
27/08/2018 – Geral
Acompanhado de uma comitiva com 30 advogadas e advogados, dentre eles Conselheiros Estaduais e presidentes de comissões de trabalho, o presidente da OAB/SC, Paulo Marcondes Brincas, esteve em visita ao reitor Ubaldo Balthazar e ao seu chefe de gabinete, Áureo Moraes, na manhã desta segunda-feira (27/8). A OAB/SC foi prestar solidariedade e apoio aos professores, recentemente denunciados pelo Ministério Público Federal por circunstâncias e com base em argumentação que a Seccional considera descabidas. A comitiva foi recebida por ambos e ainda pela vice-reitora, Alacoque Lorenzini Erdmann, por pró-reitores e pelo Diretor do Centro de Ciências Jurídicas, José Isac Pilati.
Em seu pronunciamento ao reitor, Brincas informou que a OAB/SC está estudando tecnicamente a melhor maneira de a Seccional ingressar como parte na ação, de forma a prestar apoio na defesa dos denunciados. “Estaremos no processo ao lado de vocês, mas mais importante do que essa questão individual é o aspecto simbólico desse caso. Nós precisamos dizer que não aceitamos qualquer tipo de restrição à liberdade de opinião. Estamos aqui para bradar pelo nosso direito de nos manifestarmos, para lembrar que esse direito é inalienável. E que qualquer um de nós que venha a sofrer restrição assim, terá, da parte de nossa Seccional, a devida repulsa”, disse o presidente da OAB/SC.
O reitor e o seu chefe de gabinete foram denunciados por cumplicidade em suposto crime de injúria contra a delegada da Polícia Federal que conduziu o inquérito da operação Ouvidos Moucos, por não terem impedido a manifestação de pessoas que seguraram cartazes com menção à autoridade policial na solenidade de aniversário da UFSC, em dezembro passado. Para a OAB/SC, o que ocorreu na data constitui-se em manifestção do direito de opinião, que não pode ser caracterizada como crime. “Quem presta serviço público está sujeito à censura pública e precisa entender que pode, sim, ser criticado. Faz parte da democracia e é importante que seja assim, porque isso é o que dá legitimidade ao regime democrático. O que aconteceu nesse caso é uma manifestação arbitrária de alguém que entende estar acima da crítica. Mas isso não existe no regime democrático e seria um retrocesso absolutamente inaceitável”, afirmou o presidente da OAB/SC durante a visita.
O reitor Ubaldo Balthazar disse estar emocionado com o apoio recebido. “É muito importante neste momento que estamos passando, e tudo porque me recusei a entregar nomes e me recusei a censurar uma faixa”, disse à comitiva. Ele contou aos presentes que há três meses foi colocada uma faixa no hall da reitoria “mandando o reitor cursar Direito”. “Tenho vontade de escrever na faixa que fiz direito, com mestrado e doutorado. Mas em momento algum me passou pela cabeça retirar a faixa, uma manifestação de quem faz oposição ao reitor. Sem oposição, sem a crítica, nós não conseguimos avançar”, explicou Balthazar.
Brincas reafirmou que a OAB/SC é guardiã da democracia e que este episódio ocorrido na UFSC é emblemático e preocupante para todo o cidadão. “Nós viemos dizer publicamente à universidade, à comunidade universitária, e à comunidade em geral, que temos confiança no regime democrático, temos confiança na liberdade de opinião, e não aceitamos qualquer restrição a este pressuposto essencial da democracia e tão importante em um ambiente acadêmico. Não aceitamos nenhuma tentativa de calar a voz do cidadão brasileiro”, declarou.