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  • Paulo Freire vive no dia a dia da Resistência Periférica

    Paulo Freire vive no dia a dia da Resistência Periférica

    O Encontro de cerca de 50 pessoas ativistas e educadores populares no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular – CDHEP, no Capão Redondo , ocorrido nos dias 31 e 1º de novembro, reanima a esperança.

    Muitos militantes, lideranças e educadores populares dispostos a lutar por um mundo com dignidade, justiça, menos violência e mais políticas sociais, se debruçaram nestes dois dias para trocar experiências, refletir sobre suas práticas e melhor se articularem nesta longa trajetória das lutas de resistência.

    Apresentações do Sarau do Capão Redondo no decorrer dos dois dias chamaram atenção para a realidade do povo da periferia, através das manifestações culturais.

    Os depoimentos do cotidiano de lutas ocorreram em subgrupos: Educação, Moradia e Saúde, Cultura e Comunicação, apontando a riqueza e diversidade das experiências em Direitos Humanos, Educação Popular, Justiça Restaurativa, Cursinhos Populares, Saraus de Poesia, Mutirões de Moradia, Enfrentamentos da Saúde, Comunicação  Popular, Lutas pelo Meio Ambiente, Documentários.

    A periferia pulsa, Paulo Freire se perpetua através de ações que levam ao questionamento da realidade e se articulam para a sua transformação. De acordo com uma das últimas entrevistas do Paulo Freire, é importante fazer muitas marchas, “marchas dos que querem ser e são Impedidos de ser, contra a violência histórica da opressão”.

    A mesa sobre Paulo Freire composta por Ednéia, Sérgio Haddad  e Pedro Pontual veio reforçar alguns princípios e dar luz às praticas cotidianas que precisam ser reinventadas sempre.

    Paulo Freire, uma forma de lutar pela libertação dos oprimidos

    Mais do que um método Paulo Freire é uma filosofia, uma forma de ver o mundo e o oprimido em relação com ele, com poder de inserção e como agente de transformação no mundo. Contra o determinismo histórico que pressupõe numa sociedade de classes apenas adaptação e ajuste dos corpos e dos seres, ao meio ambiente e ao status quo.

    A educação popular é um ato político, na sua intencionalidade (por que educamos?), democrática (ninguém detém o saber sozinho, cada um tem um saber, professor e alunos aprendem uns com os outros, na sua inter-relação), calcados em valores de solidariedade, respeito e do diálogo procurando compreender a realidade das pessoas, seus valores e sua cultura. Teoria e prática se complementam e se reinventam. Educação é um direito humano. A partir do chão dos alunos e dos moradores de um bairro, com suas vivências, expressões, manifestações culturais, o conhecimento do educador se coloca a serviço do conhecimento dos outros. A partir dos depoimentos do povo, com suas demandas, se constroem outros itinerários, se constroem outros conhecimentos.

    Desafios da Educação Popular

    Na conjuntura atual, de avanço do neoliberalismo e de dilapidação de nosso patrimônio,  de perda de direitos sociais e das liberdades democráticas, o desafios para a educação popular são muitos,  não só no Brasil mas em todo o mundo e, especialmente na América Latina:

    • Reinventar a democracia fortalecendo a democracia participativa e direta da sociedade civil;  – Combater o ódio na sociedade em geral, nas escolas com a negação da ciência e censura à crítica e à liberdade de expressão e nos sindicatos e nos movimentos com a censura e repressão à organização; na criminalização dos movimentos sociais;  – Promover uma educação que desconstrua o racismo estrutural, o patriarcalismo e que valorize o reconhecimento dos povos originários;  – Combater a violência, buscar o diálogo e a justiça restaurativa;         – Construir novas utopias que tragam horizonte de esperanças como o “bem viver”, em contraposição aos excessos da sociedade de consumo;  – Incentivar a agroecologia e o cooperativismo; – Reafirmar valores de solidariedade, criatividade e de partilha;  – Valorizar nossa cultura e diversas formas de expressão; – Valorizar a troca de experiências geracionais; – Articular as ações e os movimentos no território para fortalecer as lutas de libertação.

    Território e Identidade

    Extremamente proveitosas e muito instigantes foram as apresentações de Rose (Cooperifa de Sérgio Vaz), Lucila (CDHEP) e Ana Dias (militante do movimento de mulheres e viúva do operário assassinado Santo Dias, há 40 anos atrás, vítima da Ditadura), sobre Território e Identidade.

    Para uma maioria de jovens, Lucila reconstruiu a história do CDHEP, que se instalou na região por ocasião da ditadura militar. Os enfrentamentos contra a ditadura daquele momento, são muito próximos dos desafios que temos hoje pela frente. Santo Dias foi uma liderança operária importante na região. O final da década de 70 e começo dos anos 80, foi um momento muito forte e significativo de enfrentamento da ditadura e de organização das periferias, juntamente com a Igreja impulsionada pela Teologia da Libertação.

    Dom Paulo Evaristo Arns, bispo à frente da Arquidiocese de São Paulo, Pe. Jaime, Pe. Luís, tiveram papel decisivo na criação de um movimento de Direitos Humanos na região composto por religiosos, leigos, lideranças populares, educadores para o enfrentamento da violência policial, extermínio, Esquadrão da Morte, moradia, contra a carestia, por melhorias do bairro.

    O CDHEP desde sua origem foi um ponto de encontro importante da população da região, de lideranças, juristas, universidades e desde seu início participou destes enfrentamentos e de formulação de políticas públicas  e de lutas que foram conquistas para o bairro: metrô, linhas de ônibus, creches, hospital, escolas. Ao mesmo tempo contribuiu para construção de  Legislação que garantia acesso à Justiça, Combate À Violência através da Justiça Restaurativa; Proteção à Vitimas, Pedagogia da Proteção.

    A força das mulheres e o papel da cultura

    O depoimento de Ana Dias, história de compromisso e de luta. Vinda de uma cidadezinha do interior, trabalhou no campo desde os 6 anos. Santo Dias trabalhador rural muito respeitado por sua competência pelo dono da fazenda, foi expulso do trabalho quando se envolveu com o Sindicato dos trabalhadores rurais. Vieram para São Paulo e em 1971, “o dia 15 de novembro, na Igreja Santa Margarida,  marcou minha vida. Com a igreja cheia, o padre falou que “a pessoa tinha valor, a gente tinha que se unir e se organizar. Isso ensinou a gente a brigar, nunca mais parei” “No dia em que Santo foi assassinado eu fui antes com ele no carro, fazer panfletagem em porta de fábrica e horas depois vieram me avisar que ele tinha morrido. Foi tudo muito duro e muito difícil, mas eu não abandonei a luta. Santo era uma liderança muito querida, companheiro e pai  muito presente. Fiquei sozinha com meus dois filhos um de 13 e outro de 12 anos. Santo só não foi enterrado como indigente porque me avisaram, fui reconhecer o corpo no IML  e Dom Paulo interferiu”.

     

    Rose participa do Cooperifa há 18 anos, quando conheceu o Sérgio Vaz através de uma apresentação em uma fábrica. Com ele, Binho, Gog, Marcos Brandão eu conheci o lado da cultura e da poesia como expressão e manifestação de tudo que nos oprime. A poesia me fez retornar aos estudos que eu havia abandonado e hoje digo que não consigo entender a vida sem ter passado por uma professora, profissão que deveria ser a mais valorizada. Sérgio Vaz diz que com a poesia “está em busca do artista cidadão, e que através da Cooperifa as pessoas começam a falar”. “A cultura vai criando dentro da gente a identidade, traz a dimensão da solidariedade e da proteção, ao falar a gente vai elaborando as próprias histórias, se reconhece e consegue perceber os avanços da sociedade a nosso favor… Através da poesia a gente passa a ouvir o tom da própria voz…”.

    O debate suscitou ainda algumas questões – quantos jovens estão se perdendo pela droga e pelo envolvimento com a polícia podem ser recuperados pelo movimento de cultura, pela poesia, por atividades que lhes fortaleçam e deem um novo sentido à vida;  – todo ser humano merece respeito e oportunidades de se desenvolver e de ser, independente de classe, cor e gênero, precisamos estar todos juntos nesta luta,  o feminismo precisa ir além da discussão de gênero, os homens podem ser grandes parceiros, o movimento negro precisa estar mais desarmado e se inserir, estar junto nas lutas de outros movimentos ; – a importância do diálogo e do cuidado com as pessoas ; a esquerda precisa se unir para fortalecer a nossa luta, precisamos estar cada vez mais juntos em torno daquilo que nos unifica.

    O período da tarde do dia 01/11 foi dedicado à construção coletiva de encaminhamentos e articulações para fortalecer as diversas práticas de educação popular e unificar as lutas. Como resoluções: a construção de um núcleo/coletivo de educadores populares que se encontrará mensalmente na sede do próprio CDHEP a partir de fevereiro de 2020; encontros mensais para estudo coletivo da obra de Paulo Freire também a partir de fevereiro de 2020; continuidade do mapeamento das práticas de educação popular e saúde que acontecem na Zona Sul de São Paulo, já em andamento.

    Em sala à parte, exposição em homenagem a Santo Dias, líder metalúrgico e militante da Zona Sul, resgatou a história de sua vida e morte, assassinado em 1979, pela ditadura militar. Que isto nunca mais se repita.

    Ainda como parte da programação do encontro ocorreu  a 24ª  Caminhada Pela Paz e Pela Vida com o tema “levante a tua voz a favor de nossas vidas” no dia 2/11, dia de finados. A caminhada acontece a 24 anos na periferia Sul de São Paulo rumo ao cemitério do Jardim São Luiz e é articulada pelo Fórum em Defesa da Vida – Vidas negras, femininas e periféricas importam e é por isso que a periferia caminha junta.

     

    A periferia  pulsa! Articular, Ocupar e Resistir. Vamos à Luta!

  • Paulo Freire vive na Amazônia

    Paulo Freire vive na Amazônia

    Ontem pela manhã, deu-se inicio em Belém, PA ao III Encontro da,Cátedra Paulo Freire da Amazônia, promovido pela Universidade do Estado do Pará – UEPA por uma educação pública,popular e democrática.
    Porque Paulo Freire hoje é tão presente e necessário nesta conjuntura de perdas de direitos e de cortes nas politicas sociais? Os princípios de Paulo Freire estão articulados com um.projeto de superação das desigualdades e de construção democrática.

    Paulo Freire é compromisso histórico com a libertação da classe trabalhadora. A proposta de Paulo Freire é revolucionária, vai muito além da sala de aula. Consiste em processo de formação e de análise critica da realidade, juntamente com os trabalhadores, movimentos sociais e de resistência, na luta por uma educação transformadora, libertadora do povo oprimido.

     

    Fruto de produção coletiva e parcerias com movimentos sociais, coletivos de arte e cultura, professores, universidades, sindicatos e pessoas inconformadas com a perda de direitos e o aprofundamento das desigualdades sociais, este evento pretende ser espaço de reflexão, de troca, de articulação, de denúncia das arbitrariedades deste governo em detrimento das conquistas sociais e violação de direitos conquistados, em defesa da educação pública e de qualidade para todos, sem distinção de classe, gênero e raça. Ao mesmo tempo pretende ser um momento de afirmação de princípios, reconhecimento de identidades, de bandeiras de luta e afirmação da ESPERANÇA!
    PAULO FREIRE VIVE no cotidiano, na luta do dia a dia de todos nós.

    Painel de legados de Paulo Freire
  • Multiplicar Resistências, Semear Esperanças

    Multiplicar Resistências, Semear Esperanças

    O sábado do dia 08 de junho foi para mim e para cerca de 70 pessoas que se reuniram na Ação Educativa, um dia especial.  Representantes de movimentos, coletivos de resistência, ONGs de Formação Política e de Defesa dos Direitos Sociais, cursinhos e universidades populares, Centros de Defesa de Direitos, militantes indignados com o momento de retrocessos que estamos vivendo em nosso país, se reuniram para trocar experiências a partir de suas práticas, aprofundar a análise de conjuntura, definir estratégias de luta e desafios da resistência e da educação popular para fazer frente à conjuntura nacional.

    Coordenado pelo CEAAL Brasil (parte integrante do Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe, que congrega representantes de 21 países e 150 organizações), juntamente com a Ação Educativa (ONG voltada à assessoria e formação política a movimentos populares e  a instituições educativas, com ênfase no trabalho de base com jovens, mulheres, negros…), o encontro teve como objetivo aprofundar o conceito da Educação Popular como Formação Política frente ao atual contexto a partir  das experiências formativas dos participantes,  articular as lutas de resistência e organizar uma campanha de defesa do legado de Paulo Freire fundamento teórico para as estratégias de luta e de resistência e das práticas de formação política com base na educação popular.

    A vivência em grupos possibilitou conhecer a riqueza de práticas ao mesmo tempo em que apontou desafios de toda ordem para fazer frente ao contexto de discriminação, exclusão, aprofundamento das desigualdades e das políticas neoliberais, perda de direitos, retrocessos de conquistas sociais, perda de direitos e das garantias democráticas, dilapidação de nossas riquezas, da soberania nacional e desmonte do Estado. Acresce-se ainda um questionamento dos valores incutidos com o aprofundamento das políticas neoliberais que reforçam o individualismo, o consumismo, a meritocracia individual, a despolitização da vida e descrédito das instituições, a banalização da violência e disseminação do ódio de classe, gênero, raça, em substituição a valores humanos de respeito e de solidariedade ao diferente.

    Múltiplos foram os desafios e práticas de resistência e de educação popular entendida como processo de produção de conhecimento que se dá através da ação, da escuta e do diálogo, da reflexão e da constatação do modo de dominação que produz despolitização. É preciso escutar e fortalecer as lutas das juventudes, a luta anticapitalista no enfrentamento das discriminações de gênero, etnia e raça; descolonizar o pensamento, reinventar a comunicação e linguagens, incentivar e fortalecer as manifestações culturais que se constituem na expressão das identidades. Realizar ações de base nos territórios onde se constroem redes e identidades, enfim preparar, ocupar e transformar; transformar discursos em ações; fortalecer as lutas de grupos de excluídos; articular politicamente as lutas de resistência e os movimentos sociais.

    Pedro Pontual, educador popular e um dos coordenadores do evento, ressaltou a diversidade de processos e práticas de educação popular as quais devem se referenciar no contexto socioeconômico, político, cultural, ambiental em que estamos vivendo de aprofundamento das políticas neoliberais e conservadoras. Além dos aspectos já apontados, o Estado criminaliza os movimentos sociais e de protesto e boicota todas as formas de participação social da população menos favorecida e dos segmentos marginalizados. Vivemos um momento na América Latina de crise multifacetada, decorrente de golpes em vários países: crise da democracia liberal e das instituições políticas. Polarização política das sociedades, em que as forças da direita e da extrema direita aliadas à forte ação da mídia tentam desmontar e desacreditar as alternativas progressistas com o objetivo de aprofundar a hegemonização capitalista, patriarcal, racista; incutir na subjetividade das pessoas valores consumistas e individualistas; implantar a cultura do ódio de classe de várias formas violentas: homofobia, tendências religiosas fundamentalistas.

    Em contrapartida, ressaltou diversas práticas de resistência em espaços nacionais e internacionais, em busca de ações emancipatórias, novos paradigmas de interpretação da realidade, de construção de nossas utopias. Desafio central das lutas de resistência, da luta por direitos é apontar para a construção de uma nova sociedade.

    Pedro Pontual destacou 12 pontos que se constituem em desafios para a formação política:

    • Como sair da bolha? Dialogar com o outro com práticas respeitosas, trabalho de base nos territórios, com atitude ativa, de escuta e de experimentação;
    • Incentivar as formas de ativismo social, desobedecer e ampliar o reconhecimento de práticas existentes libertadoras assim como valorizar novas práticas emergentes. Superar o medo, recuperar o sentido do coletivo e de comunidade, ação política exercida com alegria;
    • Cultura como eixo de articulação das práticas de resistência, a cultura como manifestação e afirmação da sabedoria popular, mobilizar pessoas com o exercício da criatividade e da liberdade, criar círculos de cultura, incentivar rodas de conversa;
    • Economia solidária, como uma nova maneira de pensar a produção e o trabalho humano;
    • Papel central e protagonista das juventudes nas práticas de formação política e nas novas formas de exercício político;
    • Em contraposição à pedagogia capitalista, a pedagogia feminista, anti-racista e libertadora, desconstruir o modo de pensar colonial no continente latino americano;
    • Novas formas de democracia, reinventar a democracia participativa, direta e representativa; incentivar canais institucionais de participação e controle social das políticas públicas (atenção á campanha atual “O Brasil precisa de Conselhos” e a Plataforma dos movimentos Sociais pela reforma política);
    • Re-significar as políticas e programas sociais, face ao desmonte das políticas públicas, educação política e educação para a cidadania, na concepção de direitos, universalidade no atendimento às diversidades e de proteção social.
    • Resgatar os direitos humanos na sua dimensão integral e as diversas formas e instâncias de participação social;
    • Enfrentar a batalha das redes sociais hegemonizadas pelas elites conservadoras, contra fake news e informações incorretas e maldosas;
    • Pedagogia ecológica de respeito à natureza e ao planeta, obrigações humanas, sentido coletivo e de sustentabilidade ecológica;
    • Religião e política, como desenvolver práticas inter-religiosas e enfrentar os diversos tipos de fundamentalismos que se constituíram em estratégia política da direita para intervir nas subjetividades;

    Fechando o encontro o CEAAL e a Ação Educativa, organizadores do evento reforçaram a importância do engajamento dos participantes na Campanha Latino Americana e Caribenha em defesa do legado de Paulo Freire.

    O engajamento dos participantes na Campanha deverá se centrar em torno de questões fundamentais:

    • lutar por bandeiras que ele sempre apoiou como liberdade de pensamento, autonomia do sujeito, democracia plena e respeito às diversidades.

    • lutar para que suas idéias não sejam descaracterizadas e pela preservação, ampliação e divulgação de seu legado;

    • apoiar o reconhecimento internacional de sua obra obtido ao longo das últimas décadas. No Brasil, lutar pela manutenção do título de Patrono da Educação Brasileira, concedido a Paulo Freire por meio da Lei no. 12.612/2012, que os setores obscurantistas do governo e da sociedade tentam revogar.

    Participantes de Belém do Pará ao Rio Grande do Sul, das periferias de São Paulo para o interior do estado, militantes de várias áreas saímos energizados com a riqueza desse encontro e com nova disposição de luta.

    Nosso norte da formação política calcada nos fundamentos metodológicos e na concepção de libertação dos oprimidos segundo Paulo Freire, fortificou-se. Saímos com garra e determinação para multiplicar resistências e semear esperanças na construção de uma nova utopia, como na música de Paulo César Pinheiro e Maurício Tapajós:

    “Quando o muro separa uma ponte une
    Se a vingança encara o remorso pune
    Você vem me agarra, alguém vem me solta
    Você vai na marra, ela um dia volta

    E se a força é tua ela um dia é nossa
    Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando
    Que medo você tem de nós, olha aí…

    Você corta um verso, eu escrevo outro
    Você me prende vivo, eu escapo morto

    De repente olha eu de novo

    Perturbando a paz, exigindo troco…”

  • O MINISTÉRIO ANTI-EDUCAÇÃO DE BOLSONARO

    O MINISTÉRIO ANTI-EDUCAÇÃO DE BOLSONARO

    Com cinco meses de governo, dois ministros na conta do Ministério da Educação (MEC), e um número muito maior de polêmicas e ataques contra a própria pasta, Bolsonaro é, sem dúvida, o presidente brasileiro recordista quando o tema é absurdos. O ministro, por enquanto, é Abraham Wentraub, que substituiu o colombiano, sem talento para a pasta, Ricardo Vélez Rodríguez.

    As investidas contra o Brasil continuam sem precedentes. Em pouco mais de cinco meses os dois ministros já somam cortes desde o ensino básico até no campo da pesquisa de doutores. Com tantas mazelas, está claro que o “critério” para sentar-se na cadeira mais alta do Ministério da Educação é ter ódio contra a ciência, escolas, professores e alunos.

    Bolsonaro tem um verdadeiro time de pessoas bizarras, desajeitadas travestidas com a capa de anti-ministros. No Ministério das Mulheres e dos Direitos Humanos, o país tem Damares Alves, no Itamaraty: Ernesto Araújo, no Meio Ambiente, uma posse grilada de Ricardo Salles, na Justiça, Moro, e na Economia, Guedes. Todos dispensam apresentações. Todos já são figuras muito bem conhecidas dos ricos e decadentes noticiários dos veículos de comunicação que não conseguem de nenhuma forma, esconder as atrapalhadas e absurdos permeados pela inabilidade de cada um desses verdadeiros personagens de uma novela de quinta categoria. Não é possível sequer adjetivar a turma que Bolsonaro colocou nesses ministérios. É de dar vergonha. Mas o capitão, claro, nos extremos de sua estupidez mórbida, tem apoiado seus escolhidos.

    O atual dono da cadeira da educação, Wentraub foi mais longe e caracterizou todos os universitários como praticantes de balburdia.

    Isso tudo, depois de meses com Vélez achincalhando a pasta e comprometendo a possibilidade de se realizar o Enem. O Colombiano não tinha ideia se o Exame Nacional do Ensino Médio custaria aos cofres 500 mil reais ou, de repente, 500 milhões. Wentraub permanece na mesma, também não sabe ou no mínimo, não sabe ainda informar. Deve ser porque acabou de chegar.

    Enquanto isso a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) cortou, pelo menos, três mil bolsas de pesquisa. A promessa de Wentraub para Universidades Federias e Institutos Federais é de um contingenciamento de bilhões nas despesas discricionárias (gastos com luz, água e limpeza).

    Mas os estudantes, pesquisadores e professores passaram as últimas semanas em movimento e marcaram para esta quarta, 15 de maio, um dia nacional de paralização, confirmado na maior parte das universidades federias e estaduais, além de Institutos Federais e diversas Escolas públicas. Algumas faculdades privadas, como a PUC-SP, e colégios privados também aderiram.

    Para compreender um pouco melhor o que se passa no Ministério da Educação e Cultura conversamos com Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, doutorando na Faculdade de Educação da USP e ex-candidato ao senado em São Paulo, pelo PSOL.

     

    Jornalistas Livres: Dois ministros já passaram pela pasta. O Vélez foi um descalabro. A coisa começou como se não houvesse projeto, agora parece que existe um projeto. Um projeto de oposição contra tudo que foi construído nos últimos anos. Como você definiria essa nova etapa do MEC, com o ministro Abraham Weintraub?

    Daniel Cara: Em primeiro lugar, é importante ressaltar, toda a questão começa a partir do processo de impeachment [da presidenta Dilma Rousself], momento em que emergiram ao poder, uma vez que elas já existiam, uma aliança ultraliberal e ultrarreacionária. Temer foi um presidente ultraliberal em aliança com os ultrareacionários. Na eleição, como o ultraliberalismo é muito ruim de voto e não possui a capacidade de conquistar setores majoritários da população, pois a população sabe da necessidade de serviços públicos e não quer a redução do Estado, o Bolsonaro foi representante de uma aliança remodelada: ultrareacionários com a condução do governo, ancorados nos ultraliberais. Uma vez que os ultrareacionários não têm agenda pública nasce uma agenda pública do governo Bolsonaro a partir do Paulo Guedes, o “superministro”, com uma agenda ultraliberal. Moro é o responsável pelo ultraliberalismo jurídico, que domina o liberalismo econômico do Paulo Guedes. Mas Moro não tem tido capacidade de implementar uma agenda: o pacote anticrime, que é a grande iniciativa dele, não anda. No caso da educação, Vélez Rodriguez [primeiro ministro da Educação, do governo Bolsorano] era de fato um ultraconservador e não chegava a ser um ultrareacionário – é importante distinguir. Acaba acontecendo o rompimento dele com Olavo de Carvalho, uma vez que Vélez era, essencialmente, apoiado pelos militares… até porque ele é professor emérito da Escola Superior de Guerra e, por ser ultraconservador, como se já fosse pouco, é uma pessoa alheia à área. Ele acabou caindo e entra Abraham Wentraub, que é de fato uma pessoa ultrareacionária.  Vélez paralisou a máquina do Ministério da Educação por incompetência. Ele não teve a capacidade de manejar o olavismo, que tinha grandes expectativas e, mais do que isso, não consegue agradar os militares. Ele perdeu os dois esteios de poder. O fato é que o Ministério da Educação representou o primeiro revés dos militares no governo. Quando cai Vélez e entra Abraham ele retira os militares do MEC, que passa a ser agora a imagem mais seca do governo Bolsonaro. Com o Vélez o MEC era exclusivamente ultraconservador e agora, com Abraham Weintraub, é dominado pelo ultrareacionarismo.

    JL: Quais as diferenças entre os polos ideológicos do governo Bolsonaro?

    DC: Ultrareacionarismo e ultraliberalismo são duas estratégias de freio, de contenção, da democratização da sociedade brasileira que começa, efetivamente, nas lutas pela superação da ditadura, na Diretas Já, e se materializa na Constituição de 88. Os ultrarreacionários buscam constituir um freio para a agenda dos direitos civis e dos direitos políticos. A meta do movimento ultrarreacionário é limitar os direitos civis e os direitos políticos. O que é a limitação dos direitos civis, por exemplo: toda a pauta regressiva contra população LGBT, contra as mulheres, contra os negros, contra os trabalhadores. É restringir aqueles que ainda lutam pela sua inclusão real na sociedade brasileira, uma vez que ela não veio ela não existe. A sociedade continua sendo machista, homofóbica, sexista. Toda a agenda de segurança pública nega, essencialmente, o fato de que o Brasil é um país que pratica genocídio contra a população jovem, negra e masculina. Também agridem direitos políticos: como a liberdade de associação, agride as reivindicações associativas, agride ações coletivas do MTST, por exemplo. Ou seja, é uma tentativa de retornar a um passado anterior da Constituição de 88. É o freio e uma introdução de uma política de retrocesso. O governo é ultrarreacionário e tem voto, porque setores da sociedade brasileira que se ressentem com a expansão dos direitos civis e políticos pós Constituição de 88. O problema do governo é que ele não tem pauta econômica, o ultrarreacionaríssimo não tem pauta econômica, ele se circunscreve na tentativa de limitar os direitos civis e direitos políticos, que não é só uma questão moral. Porque muitas vezes as pessoas falavam que é agenda moral e aí o partido Novo, por exemplo, percebendo essa dificuldade pode ser extremamente liberal e conseguir atingir o eleitorado dizendo ‘somos liberais na economia e conservador nos costumes’, isso não é costume! É direito, é direito civil, direito político! E a ideia de direitos agride o ultrareacionarismo. O direito sempre tem a função de expansão da sociedade. A afirmação do direito significa, essencialmente, atribuição cidadania. E quanto mais expandida é a cidadania no Brasil, mais o tensionamento nos espaços de elite. O que acontece no Brasil hoje? Hoje os homens brancos, heterossexuais, de classe média morrem de medo de qualquer transformação para ele não perder o seu lugar de privilégio. É inegável que a forma machista da sociedade brasileira privilegia o homem branco heterossexual. O machismo privilegia todos os homens brancos, héteros sexuais. Isso é um fato. Você é beneficiado. A questão é se você tem a decência ética de considerar isso justo ou não e luta contra esses privilégios. Isso que diferencia os lados do jogo. Os ultrareacionários são contra isso. Esse é o elemento estrutural desse polo, já os ultraliberais querem a redução do Estado, mas a redução do Estado é totalmente antipática para a sociedade brasileira. Porque as pessoas sabem que é preciso ter escola pública, universidade pública… até porque, sem salário, sem emprego, ela sequer tem condição de pagar por esse serviço. Então esse é o nó do bolsonarismo: como ele não tem pauta econômica ele acaba pegando emprestada a pauta econômica dos seus aliados liberais. Mas ele tem aí um limite, uma vez que se ele absorver toda a agenda liberal, ele não vai conseguir vencer eleições.

    JL: Esse apelo que foi usado na eleição, é uma das formas que Bolsonaro encontrou para se sustentar e acaba usando uma espécie de “cruzada contra o esquerdismo”, que se configura no que você está analisando. Esse ataque ideológico pode ser entendido como uma agenda principal do governo?

    DC: O que acontece no Brasil, é que a luta contra os direitos civis e direitos políticos tem apelo eleitoral. Porque a sociedade brasileira é tradicionalmente conservadora. Você vai ver uma série de mulheres ou mesmo uma série de pessoas inclusive do movimento negro defendendo as falas do bolsonarismo. Os ultraliberais atacam os direitos sociais. Nisso entra a reforma da Previdência, o financiamento da educação pública, expansão de uma ação redistributivas do Estado. Ação distributiva vinha andando lentamente com Fernando Henrique Cardoso, quase como um consentimento autorizado das elites. Já no governo Lula começa o processo mais acelerado de distribuição a partir do bolsa família, mas essencialmente, pelo elemento estruturante que é a política de valorização do salário mínimo. O que foi estrutural, pensando em médio e longo prazo, é a política de expansão da universidade. E, se conseguirmos manter a política de democratização da universidade, a sociedade brasileira vai ser outra em vinte ou trinta anos. Por conta da própria dinâmica e extensão da Constituição de 88, de caracterizar o que é a comunidade política, o que é sufrágio universal do voto, o sufrágio dos analfabetos… a preocupação em colocar a educação como o primeiro direito social, listado no artigo sexto da Constituição, reconhecimento de diversos direitos sociais. É uma constituição que não reconhece como deveria, mas segue as teses do Anísio Teixeira, do Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e do Paulo Freire em termos da composição constitucional. É uma constituição que, no capítulo da educação, é especialmente dedicada a democratização da sociedade. A escola pública é tratada, na Constituição Federal… aí nesse caso tenho uma crítica a construção, que não é feita de forma direta como deveria ser tratada, mas de uma forma consistente ainda assim… como uma instituição tanto da República como a Democracia. É uma constituição democratizante, com efeito democratizador. E a sociedade brasileira vinha se democratizando efetivamente. Conseguimos a aprovação da Lei das cotas, caminhávamos para a democratização do ensino superior, conseguimos o Plano Nacional de Educação, o sistema atual do Fundeb, incluindo as creches. Teve uma expansão, e eu acho que essa foi a grande medida do governo Lula, das universidades públicas federais, não o ProUni ou o Fies. O ProUni e o Fies são pautas relevantes pelo sentido de urgência. Mas o fato é que o ReUni, que na minha opinião, foi a grande medida na história de vida do Haddad e ele dá pouco valor. O ProUni e o Fies têm mais apelo eleitoral, mas não apelo estratégico. Mas a expansão das Federais e dos Institutos Federais foi a grande questão estratégica da democratização da sociedade brasileira, por meio da educação. Faltou, em todo o período democrático, isso incluindo Lula e Dilma, a capacidade de apresentar um projeto de educação que ficasse além da expansão de ensino. Mesmo sendo essa expansão um processo revolucionário, em termo de democratização. Mas só expansão do ensino, sem o projeto educacional, resulta efetivamente numa capacidade democratizadora, limitada, com mais dificuldade de articulação, que tem encontrado dificuldade para implementar uma agenda democratizadora da sociedade. Com isso não é possível garantir o preceito liberal de igualdade de condições na realização da vida.

    JL: E como ficam esses ataques do Bolsonarismo e do Olavismo que identificam a universidade como um espaço de esquerda. O que é isso?

    DC: Isso é uma besteira enorme. Eu sou doutorando na USP, sou do conselho da Unifesp e já estou com mais de vinte e quatro anos de escolarização. Posso te dizer com toda clareza que a universidade está distante de ser um espaço da esquerda. O que acontece é que – e esse é um elemento que gera muito ressentimento do bolsonarismo e de todos os movimentos ultrareacionários – os intelectuais de esquerda por uma contingência da luta social, como eles remendam contra a corrente, eles têm que ter uma melhor formação. Eu me ressinto de não ter, na área de educação, por exemplo, pessoas de direita que tenham uma boa formação e que tragam boas ideias para o debate. O fato do Olavo de Carvalho ser o maior expoente deles, porque teve mais leitura – até estou fazendo um reconhecimento ao fato de que o Olavo de Carvalho é uma pessoa que lê mais, muito mais. Ele é uma exceção, dentro do campo ultrarreacionário. Mas é sempre bom lembrar: a esquerda e centro-esquerda procuram ou humanizar o sistema capitalista ou elas procuram superar o sistema capitalista. Só que o sistema capitalista é a estrutura Econômica, ele é muito maior. Então você tem que ter melhor formação para poder responder a este desafio programático: de como superar ou humanizar algo que é que se impõe e que é um sistema reprodutor de desigualdades. E é um sistema que tem muita legitimação social porque conta com enormes canais de propaganda.

    JL: Os últimos ataques e cortes, anunciados nas últimas semanas, contra a educação pública, desde o fundamental até programas de pós-doutorado, anunciado pelo ministro da Educação, a criação da CPI das três estaduais (USP, Unicamp e Unesp) na Assembleia Legislativa de SP e o ataque do Bolsonaro nominando as Ciências Humanas, Filosofia e Sociologia em especial, parecem ter sido a manifestação prática desse discurso de demonização das Humanidades e, agora, de toda a ciência. Como isso se articula no governo Bolsonaro e aliados, como, por exemplo, Doria?

    DC: Os ultraliberais querem reduzir o custo da educação pública. E parte do curso de educação pública, que não é a maior: a cada um real investido em educação no Brasil, pelos esforços da União, dos Estados e dos Municípios 82 centavos vão para Educação Básica e 18 ensino superior. O hoje, inclusive, o governo federal tranfere muita mais do que trabsferia no passado, graças ao Fundeb atual. Fundeb que foi fruto de luta da sociedade civil, não era pauta nem do governo Lula fazer essa transferência toda. Isso é pra dessacralizar o governo Lula, no que trata da educação, mas naquele momento existia uma interlocução positiva em favor da área. Mas tinha luta e disputa. Várias vezes ganhamos do ministério da educação ou da fazenda. Mas havia espaço para uma interação positiva. O governo [Lula] não era contra a pauta da educação como é esse governo e como foi o anterior [Temer]. Ele era favorável, mas tinha outros constrangimentos econômicos, com outras áreas… ele não podia só beneficiar a educação…, mas a gente fazia a luta. Mas voltado aos cortes. A educação não é uma agenda positiva para o Bolsonaro, em si. O direito à educação não é uma agenda positiva para esse governo. O que ele aproveita da educação, o que traz ganhos para ele, é a idea de que a educação é uma ferramenta de propaganda ultrarreacionária. Isso é: O Escola Sem Partido, a defesa da educação domiciliar, a desqualificação da escola como espaço de cidadania. A educação, para o bolsonarismo, serve como uma política de controle, por isso ele defende a militarização de escolas. A educação é a expressão da agenda ultrarreacionária, em termos de valores. Ela serve para exprimir agenda ultrarreacionária pelos valores, disseminar e implementar esses valores. Mas, para fazer isso, ele tem que escolher os adversários, que são: a pedagogia, que é o oposto do que ele considera prioritário, como a disciplina autoritária. O outro adversário: a escola, que ele considera um espaço de desvirtuamento. Quando você coloca o teu filho na escola eles dizem que ele “vai sofrer uma doutrinação marxista e uma doutrinação de ordem sexual, desconstruindo as identidades de gênero”. E as universidades também são inimigas, uma vez que elas também são irradiadoras de valores. Elas têm o potencial de formação dos professores. O problema é que ele fazendo todo esse enfrentamento, ele ajuda muito a necessidade de corte dos ultraliberais. Porque, se as escolas e as universidades são espaços tão ruins e a prática pedagógica é algo tão condenável, então para que tem essa política? Então vamos cortar! Aí saem com uma proposta, absurda, de corte linear de 30% nas universidades. O que é inconstitucional, uma vez que são despesas obrigatórias. Não podem cortar 30% sem uma ampla justificativa porque isso vai significar a necessidade de demissão de pessoas, que têm estabilidade. É nessa hora que os ultraliberais encontram nos ultrarreacionários uma justificativa social para os cortes que querem implementar.

    JL: Desse encontro é possível, como já voltaram a circular comentários, que se tenha as cobranças de mensalidades? Uma secretaria de Doria já mencionou, é um tema que vai e volta em discussões. Isso pode virar realidade?

    DC: A cobrança de mensalidade vai ter muita resistência, por parte de quem é responsável, no debate universitário. hoje o aluno cotista já sofre um enorme problema, sendo considerado um aluno de segundo grau. Isso sem contar todas as dificuldades de permanência. Mas tem outro aspecto, que é tão perverso… se começarem a cobrar mensalidade, com nossa cultura política, que é uma cultura política pautada na Casa Grande e Senzala, os alunos pagadores vão se considerar com mais direitos ou os únicos com direito àquele espaço. Agora que se começou a democratizar o ambiente O Brasil não pode criar, dentro do ambiente universitário, mais um fator de segregação.

    JL: Com relação a votação do Supremo Tribunal Federal que tratava da cobrança de mensalidade, como vê o resultado que limitou a cobrança para cursos de extensão?

    DC: O sinal que o STF deu é ruim. Ele tá dizendo que a universidade pode cobrar. Que a universidade pública e gratuita pode cobrar por alguns cursos. A questão é que dentro do ambiente universitário, existia muita pressão em favor disso, porque os orçamentos das universidades já eram baixos. Essa virou uma estratégia de captação de recursos. Não é grave, mas traz um princípio ruim.

    JL: E quais são as possibilidades e estratégias possíveis para resguardar a educação?

    DC: Todo o estado brasileiro e os ditames constitucionais estão tensionados. Temos que fazer da constituição um freio e, ao mesmo tempo, um ponto de partida para retoma dos processos democratizantes da sociedade, que agora estão em questão. É sempre bom lembrar, isso começa, em termo de hegemonia política, com o impeachment da Dilma e ascensão do Temer. O Temer é a introdução disso tudo. Ele ataca o Ensino Médio que é, exatamente, a política educacional que cabe sob o teto dos gastos públicos, da emenda constitucional 95. É uma política educacional de baixo custo. A educação profissional se assemelha muito mais com cursinho de educação profissional do que ao sistema de educação profissional como os que temos nos Institutos Federais ou no Centro Paula Souza, em são Paulo. A política do Temer para o Ensino Médio foi um acerto educacional para o arranjo constitucional que ele construiu: o Teto dos Gatos Públicos e a reforma trabalhista. Funciona assim: o profissional que se formar pela reforma do ensino médio vai ser um profissional que tem uma pior qualidade de educação. Ele vai ser mais dócil ao mercado de trabalho desregulamentado. E pra quem vem da periferia, ainda hoje, encontra nas escolas técnicas uma facilidade de ingresso nas universidades. É um início de uma inserção qualificada ao ambiente escolar.

    JL: Parece contraditório piorar, inclusive os institutos de formação técnica, como os Institutos Federais ou o Centro Paula Souza, com o intuito de formar trabalhadores que recebam, nas palavras do próprio presidente, retorno imediato. Esses cursos profissionalizantes não deveriam se tornar prioridade?

    DC: Isso se dá por conta da natureza dos nossos ultraliberais. O ultraliberal brasileiro é um liberal sem substância. Ele não quer toda a agenda liberal, ele só quer a redução do Estado, porque essa redução busca conter a democratização da sociedade. É o encontro, de novo, do ultraliberal, com o ultrarreacionário. O Jessé Souza, com muita propriedade, falou que o Bolsonaro agride as universidades e a educação, junto com o Abraham Weintraub, por serem os dois, pessoas que não tiveram a capacidade de se integrar ao ambiente da educação formal. Eles são ressentidos porque não tiveram capacidade de pertencer nesses espaços.

    JL: Esse ressentimento pode ser uma janela a ser explorada?

    DC: O primeiro ponto para atacar o bolsonarismo, enquanto projeto político, é mudar a nossa forma de agir. Entrar nas polêmicas, de maneira franca e aberta e com as mesmas estratégias de lacração do Bolsonaro só tem ajudado o próprio Bolsonaro, gerando mais fluxo e alcance para as loucuras dele. É uma questão de modus operandi da esquerda. Tem uma questão concreta: precisamos ter, novamente, um projeto articulador. E acredito que o ponto de partida é a própria constituição, que tem que ser utilizada como instrumento para impor freios aos arroubos autoritários e ultraliberalizantes, no sentido estrito de diminuição do Estado e de direitos civis. Infelizmente não temos os liberais defendo os direitos civis, como poderiam fazer. E precisamos, de maneira muito clara, ter a capacidade, no caso da educação, de retomar os debatas sobre a implementação do plano nacional de educação. A pergunta que fica é: o plano nacional de educação, que completa agora cinco anos de descumprimento, vai ser cumprido? Provavelmente ele não vai ser realizado no conjunto de suas metas e estratégias, mas abandonar o plano como ferramenta política significa abandonar algo que foi fortemente construído pela sociedade e que precisa ter sentido político. E ele baliza o processo de democratização ao acesso para a escola e universidade e, fundamentalmente, a qualidade da educação básica.

    JL: É possível utilizar a educação, como ferramenta ideológica e retórica da forma como eles utilizam?

    DC: O bolsonarismo conseguiu descobrir qual é o papel da educação para ele. Submetendo a educação a uma propagando ultrareacionária e a disseminação de valores ultrarreacionários, ele pode tirar algo dela. Propaganda nunca é só divulgação. É também uma divulgação massificada que determina um conjunto de valores. O bolsonarismo tem sido muito hábil nesse sentido. E o campo da educação tem sido pouco articulado em torno do direito à educação. Hoje, os movimentos, institutos e fundações empresariais têm como pergunta, não “como defender a educação?”, mas sim como conseguir convencer o bolsonarismo a implementar a agenda deles. E não vai implementar. A agenda dos movimentos empresariais, na área de educação, não é de redução estrita da ação do Estado, é de se apropriar do orçamento da educação. Só que esse orçamento está sendo reduzido.

    JL: As Organizações Sociais podem crescer muito nesse período? Elas se articulam nesse sentido de absorver e gerenciar os espaços públicos.

    DC: Sim. A ideia de, por exemplo, creches conveniadas, universidades conveniadas, etc…

    JL: Isso afeta a própria autonomia de cátedra?

    DC: Exato. A ideia de dar a gestão de equipamentos públicos para o setor privado é uma ideia que está viva. Só que ela é uma ideia que está viva dentro de um contexto em que, cada vez mais, o bolsonarismo reduz recursos. Quem visa lucro não vai querer assumir uma universidade, uma escola, uma vez que o valor por aluno/ano é muito baixo. Mesmo das universidades. O problema é que movimentos, fundações e institutos empresariais são tão sedentos por influenciar que perdem o sentido lógico. O sentido prático de que a política de educação, no geral, está sendo submetida a uma estratégia de propaganda. A pauta orientadora tem que ser a – pauta do Direito à educação. Expansão da qualidade, expansão do acesso. Em um primeiro momento isso é um freio ao açodamento bolsonarista de se apropriar da área para fazer dela um instrumento de propaganda. Em um primeiro momento vai ser um freio. Em um segundo momento ela tem quer ser o próprio programa articulador.

    JL: Nessa defesa um personagem de destaque é o professor, tanto como alvo de ataques quanto no protagonismo do dia a dia da educação?

    DC: Os professores são inimigos por não existir nenhuma outra categoria como eles. São alguns fatores, na minha opinião, dois deles são peculiares da educação e um terceiro fator político real. Para quem é educador, para todos nós que somos educadores, resistir é cotidiano, não palavra de ordem. Você vai ver um monte de gente reivindicando a questão da resistência, mas a resistência para o professor acontece no dia a dia, quando ele acorda na segunda-feira, no início da semana, vai para uma escola precarizada sem nenhuma condição de trabalho, sala de aula super lotada, salário ruim e assim faz o seu trabalho. A resistência é um meio de vida, faz parte da ética profissional. É claro que outras profissões públicas vivem a mesma situação, mas não de maneira tão radical quanto os professores, que são as maiores vítimas de problemas de doenças de saúde mental, problemas psiquiátricos e isso é evidente em todas as pesquisas. Essa é a primeira questão. Os professores são atacados porque eles sabem resistir, eles têm toda uma vida de resistência. O segundo ponto é a própria pedagogia brasileira, que por mérito de todo um projeto educacional, que é mundial, mas que tem muita força no Brasil a partir do manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e, posteriormente, nas figuras do Florestam [Fernandes, sociólogo brasileiro] e do Paulo Freire (o Florestam é um ponto de encontro entre o Paulo Freire e Escola Nova). A partir disso são criadas propostas mais avançadas, especialmente pelo Paulo Freire. Nesse projeto tem uma contribuição brasileira para a pedagogia mundial que a ideia de que a própria educação é um instrumento essencialmente democratizador da sociedade. A educação é libertadora, é emancipadora e democratizadora. E esse projeto está nos professores e eles acabam passando isso na sala. O terceiro ponto é que, como categoria política, os professores são a categoria que mais consegue se mobilizar contra os ataques do bolsonarismo, até porque tiveram uma formação melhor. Não que todos os professores sejam progressistas, defendam a democracia ou sejam contra a privatização, mas as lideranças do professorado e boa parte da base comungam desses valores e tem capacidade de mobilização. Eles têm a capacidade de fazer a leitura do processo. Por exemplo, eu convivi com professores que defendiam, lá no começo, o Escola Sem Partido. Eles estavam muito desgastados como petismo, com as baixas condições de trabalho e colocavam a culpa disso no governo federal, mas reencontrei eles e, hoje, são contra o projeto e contra o bolsonarismo. Existe um quarto fator, para esses ataques. Os professores são a principal cadeia de transmissão do Estado com a sociedade e com o futuro da sociedade. E na relação professor/aluno existe uma potência democratizadora. Quando o Escola Sem Partido, que utiliza a mesma estratégia do Alternativa Para Amanhã que é um partido nazista alemão atual, ou do Vox, da Espanha. Essa estratégia de gravar os professores, constranger, vai estimulando a quebra de relação entre o professor e o aluno. E esse potencial democratizador, que existe no exercício cotidiano da profissão docente vai sendo corroída.

    JL: Os estudantes, que também estão nessa ponta da relação, tem sido uma das categorias mais mobilizadas nos últimos anos, principalmente os secundaristas com as ocupações. O que podemos esperar deles?

    DC: Esse é um ponto importantíssimo. O que representou a ocupação das escolas? Uma reivindicação dos estudantes pelas teses da Escola Nova, do Anísio Teixeira, dos Pioneiros da Educação e do Paulo Freire, sem saber que pediam e defendiam essas teses. Eles queriam uma outra pedagogia, para uma outra escola, para uma outra formação e queriam o fortalecimento dos professores. Eles não tratavam o professore como inimigo. Pelo contrário, o professor era um aliado. O professor podia estar implementando uma política pedagógica ruim e, em muitos casos havia críticas aos professores, mas os estudantes viam uma possibilidade do professor mudar, se tivesse mais condições de trabalho como também viam a disposição dos professores em colaborar com os estudantes. Essa união é muito potente, pode mudar um país. E acho que um bom caminho seria o Brasil retomar e reler o que foi escrito no manifesto dos Pioneiros da educação, pelo próprio Anísio Teixeira, Florestan Fernades, Darcy Ribeiro e o Paulo Freire.

    JL: E como potencializar os estudantes secundaristas ou universitários?

    DC: Eu acho que eles já são potentes. O que é a potência? Ela tem duas características: ela é um devir, enquanto possibilidade de se realizar, ou ela já é um fato. A potência dos alunos está escondida, mascarada, pelo contexto político. É preciso colocar essa potência em movimento. E isso pode ser feito de diversas formas. Por meio de intervenções em escolas, trabalhos em escolas. Por meio da utilização da cultura, como um projeto pedagógico. Eu era estudante, na periferia de São Paulo, durante a prefeitura da Luiza Erundina e teve um projeto chamado RAPensando a educação que levava o RAP para a escola. Se discutia a educação a partir do cotidiano dos estudantes, que era o próprio RAP. Não existe nada mais freiriano do que isso. O cotidiano dos educandos que por meio de uma manifestação cultural, gerava uma conscientização e isso era utilizado pela própria escola. Isso era algo emergente que a escola fazia. Essa é uma questão que precisa ser retomada. O Bolsonaro tem dois ataques sistemáticos: a educação e a cultura. Mais do que muitos militantes de esquerda e de centro-esquerda, o Bolsonaro tem consciência de que se essas duas Políticas se encontram, ele não consegue sobreviver. Esse encontro gera conscientização, gera mobilização e mudança da hegemonia política. A potência dos estudantes não vai ser materializada pelos instrumentos tradicionais. Seria preciso ser mais ‘Ocupacionista’, usando essa experiencia das ocupações das escolas. Fazer um novo debate nas escolas, mobilizar as escolas para aquilo que importa aos estudantes. Perguntado para os estudantes. E como temos uma concorrência difícil, contra as redes sociais, a cultura é um dos melhores instrumentos pedagógicos.

  • Luíza Erundina: Marco histórico da gestão da cidade de SP

    Luíza Erundina: Marco histórico da gestão da cidade de SP

    Nestes tempos de trevas e desesperanças, senti-me instigada a resgatar um pouco do espírito e dos sentimentos que permearam a gestão da Prefeita Luíza Erundina. À frente do Município de São Paulo, uma das maiores cidades da América Latina, sua gestão deixou profundas marcas para o povo de São Paulo e para os profissionais das mais diversas áreas que participaram, em vários níveis, da sua gestão.

     

    Se formos perguntar ao povo de São Paulo, que há 30 anos vivenciou a gestão da prefeita Luíza Erundina, quem pela primeira vez de fato olhou para as nossas periferias, certamente  milhares responderão com saudades – foi a Erundina.

    “Para falar sobre a gestão Luíza Erundina na Prefeitura Municipal de São Paulo – PMSP, é importante destacar o grande feito que foi sua eleição, num colégio eleitoral com histórico conservador. Tratava-se de escolher uma mulher, nordestina, pobre e sem nenhum glamour. Àquela época, as redes sociais ainda não dominavam, nem conquistavam cabeças sem o debate de idéias. A Luísa participava, há muitos anos, das lutas populares e foi reconhecida por isso, essa foi sua bandeira de campanha. No governo, honrou seu compromisso com as camadas populares, acolhendo demandas e criando mecanismos de participação”. Maria Nadja Leite de Oliveira, Pedagoga do quadro de funcionários da Secretaria de Bem Estar Social, uma das responsáveis pela rede de creches.

    Através de depoimentos de algumas pessoas que participaram da administração municipal no período de 1989 a 1992, é possível resgatar um pouco do entusiasmo, da coragem, criatividade e ousadia que marcaram sua gestão. Especialmente aos jovens gostaria de transmitir um olhar crítico e ressaltar que muitos dos desafios de 30 anos atrás são de grande atualidade. E que a utopia se constrói a partir de objetivos claros, da prática e de ações concretas, do compromisso político de transformação social. Jamais podemos abrir mão da esperança.

    Nós éramos jovens, imbuídos de sonhos e coragem. Ousadia que vinha do exemplo dado diariamente pela prefeita Luiza Erundina, que acreditava na mudança de valores e apoiava quem se dispusesse a correr riscos na defesa dos direitos de cidadania. Assim foi na saúde e nas demais áreas”. Carlos Neder, Chefe de Gabinete (89/90) e Secretário de Saúde (90/92)”.

    Como Superintendente do Hospital do Servidor Público Municipal, engajei-me desde a primeira hora no grande desafio que tínhamos pela frente: administrar a maior cidade do país comandados por uma mulher, nordestina e que venceu a eleição de maneira surpreendente. Confesso que nos primeiros muitos meses, nem dormir conseguíamos. Preocupados em acertar, fazer de maneira diferente a política, as relações com as forças vivas da sociedade, num clima de permanente hostilidade por parte daqueles que sempre detiveram o poder durante tanto tempo. Quando me perguntavam se estava com medo; respondia apenas que estava assustado com o tamanho da nossa coragem, coragem de todos que estavam juntos naquela dura missão”. Giovanni Di Sarno, Superintendente do Hospital do Servidor Público Municipal

     “Trabalhar com Luiza Erundina permitiu a realização de um sonho: levar à prática os princípios do Sistema Único de Saúde de universalização, hierarquização, equidade e participação popular nos serviços de saúde. Assim participei da reestruturação dos serviços de saúde da Prefeitura, integrando as unidades básicas aos hospitais em todas as regiões da cidade, montando, assim, os distritos de saúde. Desta forma, a pessoa que recorria a um posto, poderia ser encaminhada a um especialista, pronto-socorro ou hospital na mesma região. Este modelo de serviço favorece imensamente, a prevenção e promoção da saúde, a cura e a reabilitação do cidadão”. Elzira Vilela, médica sanitarista, Diretora do Hospital Campo Limpo

    Luíza transformou a gestão municipal num campo de batalha de ideias e de diálogo em todas as frentes cuja meta era inverter a prioridade da gestão da PMSP e de toda a Administração Pública, para atender os mais necessitados – a população historicamente excluída de bens e serviços.

    O Governo de Luíza Erundina foi o mais revolucionário de todos os tempos em todas as áreas. Porque inovou e ousou em tudo. Desde as pequenas coisas como, por exemplo, deixar de fazer canalização de córrego fechado, que dá muito dinheiro às empreiteiras e fazer canalização de córrego em gabião, que é muito mais barato e muito mais fácil de limpar; até tentar impor para a cidade o coeficiente de aproveitamento igual a 1 (um) que a cidade só conseguiu emplacar 24 anos depois, na gestão de Haddad. Tudo era tratado com muita atenção tendo a preocupação de inovar no sentido de propor atos modernos e sempre pensando o quanto custaria para a cidade. Mas, a imprensa batia nela todos os dias. Era uma luta a cada dia. Na área em que trabalhei, foi implantado o planejamento descentralizado que se obtinha uma inter-relação com as demais secretarias de forma real. Os núcleos de planejamento eram estruturados de maneira em que as subprefeituras e as secretarias sociais e as de obras como vias, transportes, habitação, discutiam e decidiam conjuntamente todos os projetos e problemas. Era uma estrutura difícil porque dependia de profissionais dispostos a entrosar o Trabalho. Foi uma experiência única e nunca mais foi retomada. Foi proposto um novo Plano Diretor que a Câmara não votou. As experiências foram muitas, com ótimos resultados em todas as áreas. Mas, a imprensa não perdoou o sucesso de uma mulher, nordestina e de esquerda.” Penha Pacca, Arquiteta da Secretaria Municipal de Planejamento.

    “Partimos do principio de que as creches eram um direito das famílias, para atenderem seus filhos mas acima de tudo, um direito sagrado das crianças, um espaço de educação. Era necessário elevar a qualidade do atendimento, abrindo duas frentes de atuação: – melhorar as condições materiais, dando suporte para um projeto educacional de qualidade em que contamos com total apoio da administração; – levar o debate para o conjunto dos educadores envolvidos no atendimento, de forma a refletirem sobre o papel educacional das creches, partindo da concepção de que a criança é agente e construtora do seu conhecimento. Promovemos seminários, palestras, convidando profissionais de reconhecida competência, ao mesmo tempo em que levamos o debate para dentro dos equipamentos”. Maria Nadja Leite de Oliveira, Pedagoga do quadro de funcionários da Secretaria de Bem Estar Social.

    De seriedade e ética inquestionável, Luíza se cercou de pessoas identificadas com os mesmos princípios, objetivos e capacidade profissional excepcional. Foi a regente de uma orquestra muito rica e diversa  – Paulo Freire, Paul Singer, Amir Kair, Carlos Neder, Marilena Chauí e muitos outros..Confiava no trabalho de equipe, na capacidade criativa e no potencial do ser humano, como agente da transformação.

    Tenho muito orgulho de ter feito parte do governo de Luiza Erundina. O time de secretários mostra que o critério intelectual, técnico ou de conhecimento da realidade era fundamental naquele tempo de início de um ciclo democrático impar na história do Brasil. Aprendi muito com Paulo Freire, Marilena Chauí, Paul Singer, Lucio Gregori, Eduardo Jorge e Carlos Neder, além de outros tantos parceiros e parceiras. À testa da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano convivi com uma equipe dedicada e muito competente. Os movimentos sociais não nos deram tréguas fazendo manifestações semanais e frequentes ocupações do Edifício Martinelli onde estávamos. Exigiam seus direitos como havia ensinado nossa prefeita. Não fosse essa prática incisiva e corajosa talvez não tivéssemos realizado uma gestão tão promissora. Inauguramos um programa habitacional com participação social e assistência técnica que deitou raízes no Brasil pelo resto dos nossos dias. Esse programa – FUNAPS COMUNITÄRIO- mostrou que é possível fazer moradia social com arquitetura e construção de qualidade e preço baixo” Ermínia Maricato, Secretária de Habitação à época.

    O estímulo à participação popular em todas as instâncias da gestão municipal através de Conselhos Gestores, foi um dos pilares de sua gestão:

    Considero um privilégio poder ter participado da gestão da prefeita Luiza Erundina ao lado de Paulo Freire na Secretaria Municipal de Educação. Primeiro nome anunciado de sua equipe quis a prefeita evidenciar seu compromisso com uma gestão democrática e educadora. Assim buscava concretizar o que deveria ser uma gestão pautada pelos princípio da inversão de prioridades e da participação popular. Todas as grandes ações da Prefeitura mereceram intenso debate interno e amplo debate com a sociedade. Vale lembrar as propostas de Tarifa Zero nos transportes e do IPTU progressivo. Houve uma politização das ações o que promoveu grandes debates e polêmicas na cidade. Tínhamos a consciência de que através do diálogo e da participação popular estávamos construindo cidadania, democracia e efetivando direitos. Muitas dificuldades e adversidades tiveram que ser enfrentadas mas faziam parte do processo e havia muita energia e compromisso político para buscar alternativas. Tivemos muitos  aprendizados dos acertos e erros cometidos que nos foram muito úteis durante todos estes anos e diante de tantos desafios que todos tivemos de enfrentar para levar a frente um projeto democrático e popular para nosso País”. Pedro Pontual, Educador Popular.

    “Luiza Erundina foi a prefeita da Cidade de São Paulo (1989/1992) mais ousada, coerente e democrática que a cidade já teve! Reorientou as prioridades tradicionais da gestão das cidades, redefinindo os investimentos para as regiões mais pobres da cidade, respondendo com competência e inovação às demandas populares. Investiu em projetos de ação solidária envolvendo diferentes grupos sociais, e exercendo, na prática, suas convicções: só é possível unir essa cidade/estado por meio de uma Gestão Democrática em que as pessoas se sintam, de fato, partícipes ativos das decisões e ações das políticas públicas. Não por acaso, a criação e recriação reformulada de Conselhos na Cidade possibilitou uma ação/participação popular como nunca se teve! A competência de escolha e organização de uma equipe de trabalho coesa e identificada com princípios de cidadania possibilitaram políticas que, diversificadas na sua função – saúde, cultura, educação, assistência social – tivessem como princípio comum a melhoria das condições e de qualidade de vida de todos e todas na cidade, mas, com prioridade aos historicamente marginalizados”… As consultas populares, que envolviam, do motorista de taxi ao usuário de transporte público para a definição dos pontos de parada dos ônibus, dos pais e alunos sobre as prioridades da educação, do happer ao corpo de balé do teatro municipal, possibilitando sugestões e críticas às políticas possibilitaram um exercício concreto de cidadania”. Lisete Arelaro, Chefe da Assessoria Técnica e de Planejamento da Secretaria de Educação

     “Decoramos as paredes do pronto-socorro com fotos da população local para propiciar ao povo da região o sentimento de que aquele era um espaço deles, eram os protagonistas daquele novo cenário”. Elzira Vilela, médica sanitarista. Diretora do Hospital Campo Limpo

    As políticas públicas e os programas foram formulados e se concretizaram a partir das necessidades, interesses e anseios da grande maioria da população paulistana – as classes populares e os segmentos mais pobres. Através das várias áreas de atuação se concretizava a utopia de mudança de prioridades da gestão pública, a construção de um mundo mais digno e justo para todos e de uma cidade mais humana. Luíza enfrentou forças e dificuldades imensas  e de todo tipo.Com garra, confiança na equipe de trabalho,  participação popular e articulação com forças sociais da cidade enfrentava e administrava com serenidade os obstáculos que apareciam pela frente.

    “Campo Limpo, bairro da zona sul da capital tinha 600.000 habitantes, sendo a maioria muito  pobre,  sobrevivendo em locais de extrema violência.  A primeira causa de morte era homicídio, de adultos, crianças e adolescentes.  O enfrentamento deste problema de saúde tornou-se prioritário, e a complexidade desta  tarefa exigiu  mudanças no projeto do hospital em construção – criando centro de reabilitação, ambulatório de especialidades e UTI para crianças e adolescentes  e  um trabalho  conjunto  à Secretaria de Cultura e Educação, Bem-Estar Social e Esportes e Lazer. A prefeita priorizava os serviços voltados à periferia da Cidade, pois entendia que era lá que morava a parcela mais necessitada”. Elzira Vilela, Médica Sanitarista, diretora do Hospital Campo Limpo.

    Conseguiu realizar uma gestão cujos programas implantados foram de grande ousadia, subsídio e embrião para políticas públicas em várias gestões municipais e estaduais de governos do PT e de partidos progressistas, e nos governos Lula e Dilma.

     Surgiram propostas inovadoras na área da saúde, com a transformação da Secretaria de Saúde em sistema de atenção a todos, não mais para crianças, gestantes e mulheres apenas, além das emergências e urgências e atendimento hospitalar. Foram quatro anos de efervescência criativa e estímulo profissional, mudando o foco da Secretaria do modelo hospitalocêntrico e medicocentrado, para atendimento na Rede Básica de Saúde e interprofissional… Se não tivesse acontecido aquele estímulo pela administração da Luiza Erundina, não teríamos toda a proposta inovadora que, hoje, a cidade de São Paulo apresenta a todo o SUS, com programas e políticas premiadas e reconhecidas nacionalmente, na área da atenção à saúde da pessoa idosa.” Sérgio Paschoal, Coordenador da Saúde do Idoso, SMS.

    A integração dos programas considerada fundamental para o enfrentamento das necessidades dos munícipes foi uma realidade em todas as áreas. Muito se realizou, muitas sementes foram lançadas.

    “A gestão da prefeita Luiza Erundina segundo o partido pelo qual foi eleita – Partido dos Trabalhadores – pensava em uma cidade plural, justa e democrática, implantando uma política social que acolhia todas as pessoas. Na época eu era professora da Rede Municipal de Educação, atuando na Educação Infantil e no Ensino Fundamental e tive o privilégio e a alegria de compor o governo como formadora de professores desta mesma rede… a Prefeita valorizava a Educação e em minha memória de educadora, (atuei por mais de trinta anos da Rede Municipal de Educação), esta foi uma época de muito entusiasmo, de prática democrática e dialógica, de muito trabalho árduo, de muita formação, de realizações, conflitos, conquistas e vitórias. Minha formação política e pedagógica deu-se nesta época. Formulávamos a política Educacional nos fóruns de debate, com os educadores e com a população da cidade… além disso, na gestão de Luiza Erundina, obtivemos uma grande conquista para o magistério: professores serem pagos para planejarem suas aulas e estudarem- era a JTI- Jornada de Tempo Integral. Os aprendizados, as experiências, a postura democrática e dialógica desta gestão caminharam comigo por todos os meus anos de magistério e continuam a orientar minha atuação como cidadã! Lutei e continuarei lutando por uma sociedade justa, democrática e acolhedora para todas e todos!Lívia Maria Antongiovanni, Equipe Pedagógica, Grupo de Formação do NAE-4.

    “Lembro, com saudades, das excelentes e criativas experiências de integração de políticas: saúde/educação; educação/cultura; educação/esportes que possibilitaram aos cidadãos da cidade de São Paulo, a fruição de direitos que nunca tinham experimentado”. Lisete Arelaro, Chefe da Assessoria Técnica e de Planejamento da Secretaria de Educação

    A serenidade, a firmeza com que Luíza Erundina enfrentou os desafios do cargo, sempre de acordo com seus princípios e ética deixam saudades desta gestão corajosa.

    Criticada diariamente pela mídia e pelos poderosos, nunca se deixou abater! Ao contrário, as enfrentava com um pacífico sorriso: Já esperávamos isso! dizia. As greves de funcionários, de lixeiros a motoristas de ônibus – a CMTC era até então uma empresa pública! – ainda que muito difíceis de resolver, nunca lhe ocorreu a possibilidade de chamar a polícia para conter as reivindicações, mesmo quando elas não eram justas…”. Lisete Arelaro, Chefe da Assessoria Técnica e de Planejamento da Secretaria de Educação

     Numa reunião de governo num sábado chuvoso, a Prefeita foi chamada a atender o telefonema do senador por São Paulo, que perguntava por uma chefia de Clínica que havia sido destituída do cargo de chefia, por nós dirigentes do Hospital do Servidor Público Municipal, Há anos ela desempenhava tal função, e que ele, senador da república, gostaria de ver revertida, era um cargo de confiança. A Luiza com respeito e cuidado perguntou-me se aquela decisão era algo irrevogável e necessária. Confirmando que a decisão final havia sido tomada, imediatamente retomou a conversa com o senador, lamentando o fato de não poder atendê-lo, não se intimidando com o personagem influente do outro lado da linha. Deu o irrestrito respaldo para os seus novatos dirigentes. Não ficou intimidada e respeitou a decisão que sua equipe havia tomado. Isso, ilustra como esta mulher corajosa, generosa e solidária com a sua equipe, comandava a maior cidade do Brasil…Também não esqueço a firmeza com que a Prefeita de posicionou no episódio da prisão de um diretor de uma das subdivisões médicas do Hospital. Estávamos com um preso, sendo atendido na enfermaria do hospital, guardado por uma escolta da Polícia Civil. Num dos retornos dos exames que foi realizar os policiais decidiram algemar o paciente ao leito hospitalar. Sabendo deste fato, o diretor de subdivisão, foi imediatamente a enfermaria para protestar da atitude e exigir a remoção das algemas atadas ao leito, porque se tratava de uma   violação intolerável. Na discussão com os policiais apareceu o delegado titular do 36ª D.P. dando voz de prisão ao nosso diretor, levando-o de camburão para o distrito policial. Também acabei me envolvendo na discussão, chegando a dizer ao delegado que ele era autoridade dentro da delegacia, e nós, erámos a autoridade dentro do hospital. Se seguiu uma intensa noite de detenções, discussão dentro e fora da delegacia. A Prefeita com pulso firme como o caso requeria, mobilizou toda a sua equipe da prefeitura, inclusive o seu secretário de negócios jurídicos para intervir a favor dos profissionais da saúde de seu governo. Fomos todos liberados após intensa noite e madrugada de negociação com as autoridades policiais. A opinião pública ficou estarrecida pelos acontecimentos de truculência e falta de respeito dos policiais. A Prefeita Luiza Erundina fez um ato de desagravo nas dependências do Hospital do Servidor Público Municipal no dia seguinte, noticiado por toda a imprensa e repercutido por todas as pessoas desta cidade, aos profissionais de saúde do hospital, neste flagrante desrespeito aos direitos básicos e elementares de qualquer cidadão”. Giovanni Di Sarno, Superintendente do Hospital do Servidor Público Municipal.

    A prefeita Luíza Erundina, ciente da importância de se preservar a história da cidade e a memória da gestão municipal no período em que foi responsável pela Administração do Município de São Paulo, encaminhou ao Centro de Documentação e Memória – CEDEM/UNESP todo o acervo programático e documental de sua gestão.

    No dia 29 de março de 2019, em comemoração aos 30 anos da Gestão Democrática e Popular, Luíza Erundina proferiu no CEDEM uma palestra seguida de debates, depoimentos e reflexões de pessoas comprometidas, profissionais que participaram de sua gestão.

    Reviver este momento da história, da gestão Democrática e Popular de Luíza Erundina, consiste em importante exemplo especialmente para as novas gerações de que a luta vale a pena. A Utopia se constrói a partir de objetivos claros, da prática e de ações concretas, da participação popular na gestão, do compromisso político de transformação social. Jamais podemos abrir mão da esperança!

    Assista a palestra completa:

  • Ledores no Breu

    Ledores no Breu

    Nestes últimos tempos, a toda hora, só temos notícias ruins: retrocessos de conquistas, perda de direitos, malandragem na política, figuras exemplares da corrupção governando o país, judiciário rasgando as leis, violência ao ser humano, degradação da natureza e entrega de nossas riquezas, censura á liberdade de expressão, extermínio de jovens, mulheres, indígenas e negros, militares avançando…

    Quase nada que diga respeito à democracia, à civilidade, ao desenvolvimento social, cultural e econômico sustentável, do país tão rico que queremos e sonhamos.

    No entanto, para findar e abrir a semana, neste domingo no Teatro Ágora, o Dinho e o Rodrigo participantes da Cia. do Tijolo conseguiram com os “Ledores no Breu”, reunir grupo de pessoas indignadas. Com profundidade, simplicidade e poesia, inspirados em Paulo Freire, Frei Betto, Maria Valéria Resende e o poeta Zé da Luz, nos convidaram a ir fundo na reflexão, no reconhecimento da realidade do país, do homem brasileiro, de nossos dramas cotidianos seja no campo ou na cidade, em busca da vida.  Como sair da lama que estamos vivendo em nosso país? Como sair do analfabetismo não só das letras, mas de palavras desprovidas de sentido ou com significados distorcidos? Como superar o analfabetismo do sentir, do pensar, do agir, do sujeito político que habita em nós? Com o que estamos vivendo hoje em nosso país, estes atores conseguiram chacoalhar nossa consciência, remexer nosso desânimo, reavivar nossa memória de luta e de rebeldia, acolher os indignados, renovar a esperança e o desejo de lutar e de construir a UTOPIA.

    Esta peça é demais, há dias que a gente ganha o dia! Não percam!

    https://www.sympla.com.br/ledores-no-breu__437633

    “Aniquilar uma pessoa é tanto privá-la da comida quanto privá-lo da palavra.”

    Ledores no Breu no Ágora Teatro

    Até 25 de fevereiro de 2019

    Sábado e Segunda às 21h / Domingo às 20h

    Rua Rui Barbosa, 672 (perto do metrô brigadeiro)

    Telefone: (11) 3284-0290