Jornalistas Livres

Tag: educação

  • Professor do Paraná conta por que foi baleado no olho

    Professor do Paraná conta por que foi baleado no olho

     

    De repente senti a pancada. Me abaixei, coloquei a mão no olho e o sangue jorrou. Fiquei meio atordoado nessa hora. Pedi ajuda e saímos correndo. Nós, professores deste país, devemos lutar pelos nossos direitos. Eu não dei a cara para bater, dei o olho. Mas prefiro perder o olho lutando do que ficar em casa vendo meus amigos de profissão apanhando, levando tiro e sofrendo da polícia, que também é explorada pelo governo.

    Saí do hospital muito revoltado. Eu não estava atacando pedras, só tinha uma câmera na mão. Se não tivessem maldade, deviam ter atirado nas pernas. Por que mirar na direção da cabeça? Quando voltei a encontrá-los, disse para os policiais: se eles são covardes e não têm capacidade de lutar pelo que é direito deles, nós lutamos e era só por isso que estávamos lá hoje. Foi uma guerra. O efetivo policial era muito grande e o uso da força, desproporcional.

    Esse 29 de abril não era para ser normal. Era o dia da votação do projeto de confiscar R$ 8 bilhões e dissolver esse dinheiro para cobrir os rombos do Estado. A nossa intenção foi fazer a mobilização, mas de maneira pacífica. Somos professores. Estávamos acampados na Praça Nossa Senhora de Salete. Desde anteontem, a polícia já vinha causando desconforto. Eles mexiam nas barracas e guincharam um carro de som. Na noite antes da votação, foi uma guerra psicológica. Eles faziam muito barulho. Estavam tocando o terror com a Tropa de Choque.

    Dormi no acampamento. Os professores fazem isso com frequência, nas greves do Paraná. Eles acampam na praça que fica entre os Três Poderes, o Palácio Iguaçu, a Assembleia Legislativa e o Judiciário, um pouco mais para baixo. Quando acordamos de manhã, já havia muita movimentação da Tropa de Choque. Percebi também que havia policiais ainda em fase de formação, despreparados. O efetivo muito grande impressionava. O governador mobilizou policiais do Estado todo para estarem na capital. Tem muitas cidades do interior que estão com a segurança comprometida por esse deslocamento do contingente policial.

    Eu estava junto do pessoal, ali na multidão, próximo à grade, de frente para os policiais. Vi um pessoal provocando, mas eu estava só filmando e fotografando. Quem me conhece, sabe que fico fazendo isso. De repente, o caminhão de som anunciou que a reunião estava em andamento, mas que o governador Beto Richa estava irredutível. O pessoal se exaltou, alguns puxaram a grade. Logo começaram as pancadas com cassetetes, as bombas de efeito moral, o gás lacrimogênio.

    O povo foi recuando, recuando e os policiais foram chegando e fechando o cerco. Aí entrou a Tropa de Choque. E aquele caminhão, o Caveirão, foi descendo. A intensidade das bombas e do gás foram aumentando. Os professores se dispersaram. Eu fiquei um pouco desorientado, mas continuei filmando. No fim, desci em um estacionamento, na lateral próxima do carro de som. Acho que me tornei um alvo fácil, porque parei para tirar fotos naquele local.

    Não sei de onde partiu o tiro que me atingiu. Fui pego de surpresa. O tiro acertou também a mão que usava para filmar. Não sei se o tiro veio primeiro na minha mão e acertou o meu rosto depois. Foi tudo muito rápido. Se não tivesse de óculos, aqueles de construção que uso para me proteger, talvez tivesse perdido a visão. O pessoal que me socorreu levou lá para baixo, na Prefeitura. Fizeram um pronto-socorro improvisado. Depois me levaram numa viatura da Guarda Municipal para o Hospital Cajuru. Havia outros feridos por lá.

    Minha preocupação é que não enxergava nada. O sangue só escorria. Fiz os exames, e com muito sacrifício consegui abrir os olhos e voltar a enxergar.

     

    Só com a quantidade de gás lacrimogêneo que jogaram, e foi muito, não há Cristo que fique por perto. Nós éramos professores, alguns de nossos colegas são de mais idade. Esse grupo se afastou, uns poucos ficaram revidando e outros aproveitam para tirar fotos e filmar.

    Sou professor de Geografia em Londrina, temporário, os chamados PSS. Mas com essa política do Beto Richa de cortar um monte de coisas das escolas, neste ano não consegui pegar aula, assim como muitos colegas. Ele amontoou de 40 a 50 alunos nas salas, simplesmente para dar uma enxugada. A maior parte dos colégios está com salas lotadas.

    O governador tomou medidas contra a educação, como o corte de postos de escola. Está faltando merenda, não tem funcionário para limpar a escola, estão demitindo professores, banindo cursos de línguas, e reduzindo o porte das escolas — as que restaram estão saturadas. A categoria estava lutando para não ser aprovado o projeto de mudanças na Paraná Previdência. Infelizmente, a sociedade não está atenta ou a par do que realmente acontece. Tem gente que vê professores se manifestando e acha que é só por salário. Nossa luta envolve muitas outras questões, a começar pela nossa dignidade.

    Quando a gente vê essas questões que envolvem os professores, acabamos nos sentindo como se fôssemos inimigos da sociedade. Há uma hipocrisia muito grande. Muitos dizem que se não valorizar a educação, o país não vai para frente. É um discurso muito bonito. Mas na prática isso não existe por parte da sociedade. Se queremos melhorar o Brasil, então temos que lutar por algo. Não é só simplesmente ficar falando. Temos que tentar reverter algumas mazelas que alguns governantes nos impõem devido aos seus projetos de poder.

    O Estado do Paraná está falido. Nos quatro anos em que governou, Richa jogava a culpa no Roberto Requião ou no governo federal. Agora não tem mais como jogar a culpa no governador anterior, porque ele foi o último. Mas esse governo fez uma grande amarração política, com o Legislativo e o Judiciário. Você não consegue lutar contra. Se faz greve, a Justiça decreta a paralisação como ilegal. Não é possível ter um projeto decente para a educação, porque os deputados já estão visando o acordo político com o governador.

    A gente se sente humilhado. Como pode um Estado rico, de uma gestão para outra, que envolve o mesmo gestor, se encontrar numa situação calamitosa? É revoltante ver como está a nossa educação. Por isso vamos continuar lutando.

    Perdemos uma batalha, mas não a guerra.

    * Márcio Henrique dos Santos, 34 anos, é professor temporário desempregado de Geografia em Londrina. A Associação de Professores do Paraná levou os feridos para um hotel a fim de protegê-los. Ele deu esse depoimento a Eduardo Nunomura.

     

  • “Sou professora. Estou em greve. E explico o porquê”

    “Sou professora. Estou em greve. E explico o porquê”

    Sou professora do Estado de SP desde 2009. E já mergulhei na divisão em “categorias”. Entrei como “categoria L”, ou seja, não-concursada, e pegava apenas aulas que “sobravam” dos efetivos.

    Essa categoria não existe mais, foi substituída pela “categoria O”, onde está a maioria dos contratados. A categoria “O” é o que há de mais precário na rede: só pode ter duas faltas por ano, não tem direito a usar a assistência médica do estado (Iamspe), não tem direito à aposentadoria profissional (SPPrev), após um ano de contrato deve cumprir “geladeira” por 40 dias, e após dois anos de contrato deve cumprir a “duzentena” (200 dias sem poder pegar aula, ou seja, quase um ano forçadamente desempregado). Nessa situação de “O”, estão “só” cerca de 50 mil professores da rede estadual. Como alguns colegas me disseram: para o governo, “somos uma sopa de letrinhas”.

    Está bom ou quer mais? Tem mais.

    A gente leva um susto quando entra na rede. Na licenciatura, muito professor (que está sem entrar na sala de aula de ensino fundamental e médio há uns 15 anos) nos diz que o problema da escola pública são as aulas “tradicionais”, sem imaginação, sem criatividade. Que o problema está na forma de ensinar, “conteudista” (com “decoreba”) e não “construtivista” e por aí vai.

    Não é que essas coisas não sejam problemas, porém o buraco é mais embaixo. Vou explicar melhor: é certo que é difícil falar de Revolução Francesa para jovens que estão mais interessados em outras coisas (em muitas outras coisas), e que não veem como saber algo que aconteceu em 1789 possa fazer alguma diferença em 2015, por exemplo. Mas mais difícil ainda é conseguir falar 5 minutos em uma sala lotada com 40 jovens ou mais, em um dia de verão, com um ventilador apenas funcionando e sem água nas torneiras.

    Foto: Felipe Paiva / R.U.A Foto Coletivo

    É complicado explicar como funcionam os “três poderes” no Brasil enquanto grande parte dos estudantes insiste que “político é tudo ladrão” e que por isso não interessa nem saber como funciona o sistema, “pois só o que eles fazem é roubar”. Mas mais complicado ainda é lidar com bombas que explodem nos banheiros, brigas por motivos fúteis (escapei algumas vezes, e por pouco, de cadeiradas e de um soco na cara), fogo quase diário nas lixeiras, xingamentos variados (muitas vezes vindos dos pais dos alunos e não dos alunos), reclamações da coordenação e da direção de que você “não consegue controlar a sala”, como se esse fosse o único objetivo da nossa formação e trabalho.

    O buraco é mais embaixo quando você tem que lidar com alunos especiais em sala sem qualquer formação ou material próprio para isso (e junto com outros 40 jovens pedindo atenção); quando não tem como imprimir textos para leitura, imagens, ou mesmo provas, porque não tem toner nem folha de papel, e aí você imprime com seu salário; quando você tem que disputar a tapa com outros professores a única sala de vídeo que há na escola; quando você quer trabalhar em conjunto com outras disciplinas, mas não há tempo para conversar com os outros professores; quando o mato da escola está altíssimo e não tem verba para cortar; quando não tem papel higiênico; quando ninguém limpou as salas porque as moças da limpeza são terceirizadas, a empresa declarou falência e elas não recebem salário há dois meses; quando a cozinha foi terceirizada e enquanto não chegam as novas trabalhadoras precarizadas os alunos tem que comer bolachas com manteiga; quando mais da metade de seus colegas toma estimulante ou fluoxetina para aguentar o tranco de dar aulas em duas ou três escolas diferentes, das 7h da matina às 23h; quando seu salário, mesmo trabalhando em duas escolas diferentes, cerca de 40 horas por semana (40 horas por semana são as cumpridas na escola, não as de preparação e planejamento de aulas, correção de trabalhos — essas, me arrisco a dizer, ultrapassam esse tempo em umas 15 horas a mais), com cerca de 700 alunos, não chega a R$ 2.600.

    Foto: Talitha Arruda

    Está bom ou quer mais? Tem mais.

    Este ano, a situação que já era essa que contei acima, piorou. O governadorGeraldo Alckmin, dando continuidade ao cuidadoso processo de destruição da escola pública iniciado nos governos anteriores, fechou cerca de 3.000 salas de aula (qualquer sala com menos de 30 alunos inscritos no começo do ano foi fechada e seus alunos redistribuídos em outras), extinguiu cargos de coordenação, remanejou funcionários que tinham mais de 20 anos de escola (na minha escola, a “Tia Cris“, funcionária de gerações e gerações na escola, foi remanejada para outra, e a choradeira que assisti, entre alunos e professores, foi de cortar o coração), cortou verbas (de pintura, jardinagem, folhas de sulfite, papel higiênico, sabonete, toner, consertos em geral, infra-estrutura das salas, etc), forçou a duzentena na “categoria O” e decretou “reajuste zero” para os professores, sem cobrir sequer a inflação do período.

    Quer mais ou está bom?

    Ah, não tem como esquecer o famigerado “bônus” cópia bizarra de uma política norte-americana de premiação de professores conforme resultados de alunos, resultado esse medido em uma prova apenas (ora, mas não éramos construtivistas?). Um bônus que pune escolas com problemas sérios (culpa dos professores?), e premia apenas parte da rede, como se apenas alguns colegas tivessem trabalhado e outros não. Dito isso, que solução temos nós, profissionais da educação, a não ser entrar em greve?

    Foto: Mídia NINJA

    Entrar em greve significa ter desconto de salário, ter faltas no prontuário, ter que repor as aulas em sábados, contraturnos ou recesso, ouvir de pais e alunos que “professor ganha bem, tem férias de 30 dias e reclama de barriga cheia”, ouvir de colegas de trabalho que “professor grevista gosta é de ficar dormindo em casa enquanto os outros trabalham”, visitar escolas com comando de greve e ter que explicar o que está fazendo para os policiais que a diretora chamou (não aconteceu comigo, mas com vários colegas), acompanhar as negociações na Assembleia Legislativa e na Secretaria de Educação, aguardando horas na chuva para ver o que o governo ofereceu e sair de lá chateado porque não querem nem conversar, ir a todas as Assembleias na sexta, com mais de 60 mil professores, e nenhuma TV ou jornal dar sequer uma linha (e quando dá, não escuta nenhum professor, apenas reproduz a pauta do governo).

    ‘Entrar em greve é ter que lidar com a desconfiança no principal sindicato’

    Entrar em greve é receber também apoio de muita gente, inclusive alunos, que quando resolvem entrar na briga também (faltando no dia das Assembleias, criando debates e discussão de ideias, acompanhando os passos dos professores) sofrem repressão nas escolas (alguns colegas marcam provas justamente nesse dia, algumas direções recusam os pedidos de debate dos alunos, alguns chegam a receber advertências e telefonemas para os pais), com direções e supervisões (que em maioria são cargos indicados) que nos acusam de “fazer a cabeça” dos estudantes ou de “atrapalhar” o aprendizado.

    Entrar em greve é ter que lidar com a desconfiança no principal sindicato (enquanto os outros sindicatos se reunem secretamente com o governo no meio da greve), pois a sua presidente terminou uma greve em 2013 contra a vontade de grande parte dos professores, aceitando migalhas do governo: o fim da quarentena, um concurso público e a inclusão do “categoria O” no Iamspe, dos quais o governo só cumpriu um (e mesmo assim, precariamente, pois grande parte dos professores que iriam ser chamados ainda não foram e estão trabalhando como contratados). É ter que estar com um olho no governo e outro no sindicato.

    E, mesmo assim, com tudo isso e apesar de tudo isso: estamos em greve. Estou em greve.

    Foto: Talitha Arruda

    Dessa vez, tudo parece diferente das outras: tem muita gente nas redes sociais nos ouvindo (embora na imprensa tradicional tudo continue como sempre foi), nos apoiando, tem muito aluno participando, tem muito colega que disse que nunca mais parava por causa do sindicato, parado.

    Tem muita gente exigindo uma postura firme do sindicato, da presidente, dos partidos. Tem gente cantando “o professor é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo” nas Assembleias. Tem gente discutindo a importância de uma escola pública de qualidade. Por isso, dessa vez estou acreditando firmemente que “não tem arrego”.

    Escrevo este texto na véspera da negociação com o governo (que se encerrou no início da tarde de quinta-feira 23 de abril e não resultou em nenhum avanço) e da nossa importante assembleia de sexta. As definições dessa semana não apenas podem decidir o futuro da categoria de professores, mas o futuro da escola pública. Aguardemos.


    Renata Hummel é professora de sociologia na rede estadual paulista. Graduada — bacharel e licenciada — em ciências sociais pela PUC-SP , com especialização em história, sociedade e cultura pela PUC-SP. Também foi colega dos editores de FAROFAFÁ e Samuel no curso de jornalismo da ECA-USP

  • Hoje a aula é na rua

    Hoje a aula é na rua

     

    Foto: Wesley Passos

    Depois de passar quase 24 horas ocupando um auditório da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), os professores da rede estadual decidiram deixar o local.

    Os professores ocuparam o auditório da Alesp nesta quarta-feira (15), para pressionar o governo a abrir negociação com a categoria. Em assembleia realizada no vão livre do Masp nesta sexta-feira (17), mais de 60 mil professores decidiram dar continuidade a greve.

    Confira a galeria de imagens realizada por Felipe Paiva e Wesley Passos:

    Foto: Felipe Paiva
    Fotos: Felipe Paiva
    Foto: Felipe Paiva
    Foto: Wesley Passos
    Foto: Wesley Passos

    Saiba mais sobre os Jornalistas Livres

    #JornalistasLivres em defesa da democracia: cobertura colaborativa; textos e fotos podem ser reproduzidos, desde de que citada a fonte e a autoria. Mais textos e fotos em facebook.com/jornalistaslivres.

     

  • Política anti-cotas da USP elitiza e segrega futuros ingressantes

    Política anti-cotas da USP elitiza e segrega futuros ingressantes

    Apesar da implantação do sistema de cotas pelas universidades federais brasileiras, a Universidade de São Paulo (USP) ainda resiste a adesão das ações afirmativas para negros e pardos, mas mantém o acesso a estudantes da elite. Na última terça-feira (07) alunos e ex-alunos da universidade membros do coletivo ‘Ocupação Preta’ tentaram participar da reunião do Conselho Universitário (C.O) que acontecia com o reitor da universidade, Marco Antonio Zago, na antiga reitoria, na tentativa de discutirem a representatividade negra na instituição.

    Todas as universidades federais já aderiam às cotas para ingressos de alunos afrodescendentes. No entanto, a USP diz não ter condições financeiras para realizar tal procedimento, visto que, a instituição passa por uma crise. Entretanto, os integrantes do coletivo nos contam que para que isso aconteça, é necessário apenas da autorização do Reitor ou até mesmo do governador do estado Geraldo Alckmin.

    “Foram aprovadas cotas em 2012 em nível federal, visto que o número de alunos pretos triplicou neste período (2012 para 2013). Quer dizer que as cotas fizeram com que alunos negros se matriculassem na FUVEST, mas não foi o mesmo índice dos que entram na universidade, isso é um absoluto desrespeito com os alunos negros que não estão aqui. A USP está deixando claro para a sociedade brasileira que alunos eles querem aqui, que não são os alunos negros e sim os brancos’, diz uma das integrantes do coletivo.

    As pesquisas realizadas pela FUVEST (Fundação Universitária para Vestibulares) em 2013 mostram que para os cursos de exatas (sem contar os treineiros) 3,9% dos inscritos foram pretos e 14,4% pardos. Para os cursos de Humanas 4,8% pretos, 15,5% pardos; e para os cursos de Biológicas 3,9% pretos e 14,4% pardos. Entretanto, mesmo com esses dados, os alunos afrodescendentes não passam de 7% do volume total dos alunos ingressantes na Universidade de São Paulo.“Quanto maior a nota de corte, maior a renda per capita, menor é o número de pretos no curso. Em 2013 nas carreiras de ponta não teve nenhum aluno negro ingressante”, afirma uma integrante do movimento.

    O coletivo fala que a discriminação não acontece apenas para entrar na Universidade, mas também dentro das salas de aula. Uma integrante nos conta de uma disciplina de Psicometria, ministrada pelo curso de Psicologia da USP de Ribeirão Preto:

    “É um semestre de racismo puro! Ela (matéria) defende uma teoria que diz que a renda depende da inteligência e que a inteligência é genética, então faz um mapeamento do Q.I por país com a renda do país. Onde está o menor Q.I? Na África. Onde está a menor renda? Na África. A lógica dela é que você passa fome porque você não tem Q.I, porque você é burro, ele (professor) passa um semestre defendendo essa teoria”

    O grupo tem feito intervenções nas salas de aula da instituição, com o intuito de promover o debate entre todos os estudantes sobre a baixa representatividade negra na instituição. As ocupações pretas têm acontecido, propositalmente, nas aulas em que os professores têm histórico de racismo. “Teve um professor do curso de Geografia, que disse: “o Exército Brasileiro está no Haiti para controlar a macacada”, disseram.

    Ocupação do Conselho Universitário

    O grupo ocupou a antiga reitoria do Conselho Universitário da USP na tentativa de discutir a implantação de cotas na universidade, mas não obtiveram êxito. Segundo os membros do Ocupação Preta, os representantes do conselho ignoraram todas as tentativas de diálogo com os estudantes. “Levamos um chá de cadeira de duas horas, até que as coisas começaram a ficar estranhas e a polícia rondando o prédio”, disseram.

    Após um tempo, os estudantes saíram da sede do conselho, mas dois alunos ficaram no interior do prédio impedidos de sair. “Nós decidimos que teríamos que forçar a nossa entrada, porque estávamos sendo impedidos de dialogar”, disseram.

    O grupo sofreu com agressões dos guardas particulares do Conselho Universitário. “Fomos agredidos e um aluno transnegro foi para o hospital após levar um soco nas costas e uma menina teve o dedo quebrado”.

    No dia em as intervenções em sala de aula começaram, um estudante da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) gravou um vídeo do momento em que o grupo ocupava a sala na tentativa de iniciar um debate sobre a representação negra. No entanto, o grupo foi surpreendido com argumentos contrários à implantação de cotas raciais na universidade e tentativa de minimizar os debates.

    O caso não foi o único, no mesmo dia foram feitas intervenções em outras aulas com o intuito de levar a reflexão sobre a representatividade dos negros, mas também foram hostilizados. “Nós fomos na POLI [Escola Politécnica da USP], e quando chegamos os alunos perguntaram: ‘o que vocês estão fazendo aqui? Aqui não é o lugar de vocês’ ” contaram. “O professor chegou e ameaçaram chamar a guarda universitária para a gente”, completaram.

    A USP tem seguido o caminho inverso da inclusão da população negra e pobre na universidade. A indústria do vestibular é uma ferramenta que segrega aqueles que são historicamente oprimidos e elitiza o universo do conhecimento. Contudo, as ações afirmativas é uma iniciativa que sobre a dívida histórica com uma população que há séculos é marginalizada.

     

  • 171: a PEC do estelionato social

    171: a PEC do estelionato social

    Movimentos sociais e órgãos contrários à redução da maioridade penal se reúnem para traçar estratégias

    Mais de 100 pessoas de diversos movimentos sociais, entidades e órgãos privados contrários à PEC 171, que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, se reuniram nesta segunda-feira, 6 de abril, na Câmara Municipal de São Paulo. A reunião, inicialmente subestimada pela própria organização da Câmara, superou as expectativas e teve que ser feita em uma sala maior da Casa.

    A sessão foi organizada via redes sociais pelo Movimento Contra a Redução da Maioridade Penal e o microfone ficou aberto a quem quisesse participar. O objetivo era ouvir os diferentes grupos e iniciar um planejamento de ações para tentar interromper a discussão da emenda, que já teve aprovação na Câmara dos Deputados. Agora, segue para discussão entre comissões diversas em 40 sessões. Alguns dos grupos presentes foram Comitê contra o Genocídio, Coletivo Força Ativa, Defensoria Pública, Ministério Público e Conselho Regional de Psicologia.

    Para um dos participantes, Valdison Pereira, de 32 anos, as pessoas que rejeitam a PEC estão desarticuladas e é preciso unir forças. “Temos que nos articular como sociedade civil para sabermos o que vamos fazer para sermos ouvidos”, afirmou ao microfone. Valdison contou que em duas ocasiões o grupo do qual faz parte esteve em Brasília, justamente na semana da votação. Na primeira vez, os parlamentares favoráveis ao projeto de lei queriam mandar o grupo de cerca de 20 pessoas embora do plenário. “Chamaram a gente de vagabundo”, lembrou. Na segunda vez, Valdison disse que o grupo sequer conseguiu chegar perto do Congresso e foi barrado por um cordão de policiais.

    “A resistência é muito grande. Os deputados paulistas da bancada da bala vão fardados para o plenário. Pura intimidação”, afirma Valdison.

    Em uma breve fala, o promotor Eduardo Dias reforçou a ironia de a PEC se chamar 171. “Todos sabem o que é esse número no Código Penal, então não teria outro melhor para essa emenda. É o estelionato social. Um verdadeiro absurdo! Uma grande sacanagem com a juventude brasileira. A população precisa saber com urgência do ônus social dessa medida”. O promotor reforçou o aspecto político da aprovação, já que a emenda tinha ficado no CCJ mais de duas décadas. Além disso, Dias criticou a falta de abertura de diálogo acerca do texto da proposta. “Não há qualquer abertura para discussão sobre tempo de internação e até mesmo tipo de crime. É tudo ou nada”.

    Representando o Conselho Regional de Psicologia, que há muitos anos discute o tema e se posiciona contrário à redução, Gustavo de Lima Bernardes Sales fez um alerta para a raiz da PEC: “Ela vem de uma trajetória marcada pela formação de uma mentalidade que criminaliza o adolescente. O ECA completou 25 anos e as pessoas continuam chamando o infrator ‘de menor’”, ressaltou. Gustavo acredita que o momento político não é o de rachar, mas o de chamar para o diálogo. Para o psicólogo, é preciso formar redes com escolas, Comissões permanentes dos conselhos tutelares da cidade, Defensoria Pública, Ministério Público, para mudar essa mentalidade.

    Muitos concordaram que as periferias precisam se envolver nessa discussão. Um estudo realizado pela própria Câmara no bairro de São Mateus, na zona leste, mostrou que 80% dos jovens em idade escolar são a favor da redução da maioridade, justamente pela falsa ideia de que isso vai combater o crime. Esquecem de considerar que serão eles, também, os maiores prejudicados.

    Uma nova reunião foi marcado para o dia 4 de maio, quando todos os coletivos que participaram desse primeiro encontro deverão levar um retorno formalizado do que decidiram sobre as ações que devem ser tomadas.

  • Greve dos Professores do Estado de SP entra na terceira semana

    Greve dos Professores do Estado de SP entra na terceira semana

     

    Foto: Mídia NINJA

    Atos, centralizados e nos bairros, audiências publicas e vigília em frente à Secretária de Educação, marcam a mobilização da categoria

    A greve dos professores estaduais entrou em sua terceira semana, a paralisação já chega aos 60% da categoria, com a adesão de cerca de 140 mil docentes. Nessa sexta-feira (27), mais de 60 mil manifestantes, entre professores, funcionários, pais e alunos, foram às ruas pedir uma educação pública de qualidade e a valorização dos profissionais. O governador, que na semana passada havia alegado que a greve só tinha a adesão de pouco mais de 2% dos docentes e que, portanto, a paralisação era inexistente, teve que voltar atrás. Alckmin já admite negociação. O governo estadual deverá receber o sindicato nessa segunda-feira (30). Até mesmo a rede globo teve que admitir a proporção da greve.

    Foto: Talitha Arruda

    Antes disso, no entanto, muita coisa aconteceu. A Apeoesp, Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, realizou três grandes assembleias gerais no MASP, nas últimas três sextas-feiras, que reuniram dezenas de milhares de professores. Além de assembleias regionais, audiências públicas e atos descentralizados por todo o estado e capital. “Esses atos nos bairros são fundamentais para dialogar com a comunidade”, lembrou Bruno Liberato, professor de história.

    Foto: Felipe Paiva

    Outra tática assumida pelos grevistas foi a vigília. Professores e alunos estão acampados desde quarta-feira (25) na Praça da República, em frente à Secretaria de Educação.

    Vigília pela precarização da educação

    Velas coloridas acesas e escolas feitas de dobraduras de papel, alimentadas por um soro, dão o tom simbólico a um problema real: a precarização do ensino público. Desde a última quarta-feira, professores e alunos estão acampados em frente à Secretaria da Educação para pressionar o governo estadual e o secretário da educação, Herman Jacobus Cornelis Voorwald, pela negociação das reivindicações da categoria.

    Foto: Talitha Arruda

    A Apeoesp montou uma estrutura para os professores que optarem em participar da vigília. Docentes de todo o estado somam à ação. Pela praça é possível ver faixas e cartazes de Guarulhos, Bebedouros, Araçatuba, Atibaia, São Roque, Arujá e muitas outras cidades. Além das subsedes municipais, bandeiras de outros sindicatos e da UEE (União Estadual dos Estudantes), mostram apoio à manifestação.

    Os professores podem trazer suas barracas, ou dormir em colchonetes sob uma tenda metálica montada na praça. Alimentação, banho e banheiros são disponibilizados na Casa do Professor, espaço mantido pelo sindicato que funciona como pousada para os professores filiados, localizado na Rua Bento Freitas, bem próximo ao local do acampamento.

    Os participantes estão se revezando para manter a praça sempre ocupada. Nos dois primeiros dias havia cerca se 100 docentes acampados. Na noite dessa sexta-feira (27), depois da assembleia geral e ato, 300 professores pernoitaram no local.

    Clayton Lima da Silva é professor de geografia e ficou na vigília nos dois primeiros dias, sua avaliação da ação é positiva “realmente, a partir do primeiro dia, o governo e a mídia começaram a cobrir mais a greve. O acampamento deu uma visibilidade maior para a luta”.

    Foto: Mídia NINJA

    Liberato também participou da ação: “estou no sistema desde 2010 e essa é minha terceira greve. Nas duas anteriores essa estratégia do acampamento não foi utilizada. Nas lutas anteriores, principalmente as greves na gestão do governador Mario Covas, os acampamentos eram práxis. Pode ser uma retomada de uma estratégia assertiva”.

    Solidariedade e causos

    As refeições são garantidas pelo sindicato, mas quem traz algo diferente divide. Os professores que moram em São Paulo levam mimos aos companheiros acampados. Esses por sua vez, dividem com os moradores das ruas da região. “Não tem como, tudo que vamos comer acabamos dividindo. Nós dividimos a comida e eles as histórias”, brinca Valdireth de Paula Costa, professora de matemática de Guarulhos, “ficamos aqui de ouvinte das pessoas”.

    Valdireth está acampada desde quarta e conta que viu e ouviu muitas coisas: “as pessoas passam e ficam curiosas, perguntam o que está acontecendo. A maioria apoia”. Até briga ela presenciou: “Uma anarquista veio conversar comigo, ao mesmo momento uma blogueira apareceu e começou a defender a ditadura. As duas saíram na mão. Tive que chamar o segurança do acampamento”.

    Foto: Mídia NINJA

    Mas ela diz estar se divertindo: “só fiquei triste de não ter participado do ato, tive que ficar cuidando da barraca”.

    A vigília tem previsão de terminar na segunda-feira, quando teriam inicio as negociações. A greve, no entanto, não tem previsão para acabar. A continuidade, bem como os próximos passos, serão discutidos na próxima assembleia geral, marcada para quinta-feira (2/4) às 14h no vão do MASP, na Avenida Paulista.

    Foto: Mídia NINJA

    Saiba mais sobre os Jornalistas Livres

    #JornalistasLivres em defesa da democracia: cobertura colaborativa; textos e fotos podem ser reproduzidos, desde de que citada a fonte e a autoria. mais textos e fotos em facebook.com/jornalistaslivres.