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Tag: Discriminação

  • Histórias da ditadura militar – parte I

    Histórias da ditadura militar – parte I

    Morador do Jabaquara, na periferia de São Paulo, o menino vendia para um ferro velho papelão e cobre (não existia latinha de alumínio à época), carregava sacola de madame na feira e engraxava sapatos para fazer algum trocado.
    Eram meados dos anos 80 e a ditadura militar já agonizava, mas ainda dava as cartas.

    Para os meninos pobres da Zona Sul de São Paulo, uma das poucas alternativas de diversões disponíveis era o CEEI — Centro Educacional e Esportivo do Ibirapuera, cujo principal atrativo era sua piscina pública, disputadíssima.
    Havia regras rigorosas para acessar aquela piscina, e uma das regras determinava o tipo de calção que o banhista tinha de usar.

    Quem controlava seu acesso era um militar da reserva, um senhor de aparência rude, muito grosseiro, que não fazia a menor questão de esconder sua antipatia pelos meninos que frequentavam a piscina nos finais de semana, todos pobres e em sua maioria, negros.

    Qualquer motivo era motivo suficiente para o militar barrar o acesso a única piscina pública da região, e ele tinha seus próprios motivos para fazer valer sua autoridade.
    Certa vez o militar barrou um menino, alegando que o calção que ele usava era inadequado, que “iria cair, mostrar a bunda para todo mundo ver”.

    “Quer brincar na piscina tem de estar com shorts decente. Já não basta esse nariz ranhento escorrendo? Estou te fazendo um favor, caralh. !!!”, disse, em tom agressivo.

    O militar guardava numa sala vários calções, que ALUGAVA para os meninos.
    Ou alugava um calção, ou não entrava na piscina.

    O preço do aluguel, ouso dizer, devia ser a quantia necessária para pagar um sanduíche e uma Coca Cola, vendidos pelo ambulante que ficava em frente ao clube.
    Naquele sábado o menino brincou na piscina, mas voltou para casa com fome, sem comer o sanduíche e tomar a Coca Cola pelos quais havia juntado dinheiro a semana toda para comprar.
    Eu jamais me esqueci daquele sábado, um sábado de de sol, porque aquele menino se chamava Diógenes.
    Aquele menino era eu.

  • Jean Wyllys: “precisamos de muita força para enfrentar o fascismo e a intolerância”

    Jean Wyllys: “precisamos de muita força para enfrentar o fascismo e a intolerância”

    Neste 17 de maio, dia de luta contra a homofobia, Jean Wyllys, deputado federal pelo PSOL, lembrou a importância da data. Em tempos de retrocesso, ele é o único gay assumido na Câmara dos Deputados, em Brasília, e, por isso, vem sofrendo uma série de ataques, desde a sua posse, orquestrados por parlamentares fundamentalistas que forma a mancada do Boi, da Bíblia e da Bala.

    No artigo que vocês lerão, na íntegra, o deputado destaca a luta história dos LGBTs no combate a discriminação e sinaliza para a sua pré-candidatura ao posto de deputado federal. Confira:

    Ao longo da história, em diferentes épocas e países, a homossexualidade e outras expressões da diversidade sexual humana, como a bissexualidade e a as identidades trans tem sido perseguida e estigmatizada por três discursos de autoridade muito poderosos: a religião, a ciência e a lei.

    Ainda hoje, mais de 70 países têm leis que criminalizam a homossexualidade; países onde uma pessoa gay ou lésbica pode ser presa apenas por existir, ou até condenada à pena de morte. E isso, que é visto como uma atrocidade nesta parte do mundo, algo próprio de nações atrasadas e sem democracia, já aconteceu também no Ocidente. Na mesma Grã-Bretanha que hoje tem casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, o brilhante cientista Alan Turing, que ajudou a derrotar os nazistas e inventou a computação, foi condenado à castração química por ser gay em 1952, o que o levou ao suicídio dois anos depois. E muito antes dele, o escritor Oscar Wilde, hoje admirado no mundo inteiro, foi tratado, também, como escória. Mas esse maltrato não é um “privilégio” de nós, LGBTs. Também já houve leis no Ocidente (e ainda há em parte do Oriente) que negavam direitos civis básicos às mulheres, como houve outras que tratavam os negros ou os judeus como sub-humanos.

    Diferentes religiões consideram que a homossexualidade é pecado. Para algumas, inclusive, pecado mortal. Nos países governados por teocracias islâmicas, como o Irã e a Arábia Saudita, a lei da sharia condena os homossexuais à morte na forca ou por apedrejamento. Nas democracias ocidentais, a Igreja Católica e as igrejas evangélicas fundamentalistas (há, também, igrejas inclusivas que aceitam a diversidade sexual) fazem lobby contra nossos direitos civis, usam passagens descontextualizadas e mal interpretadas da Bíblia para nos condenar ao fogo eterno e espalham o discurso homofóbico mais odioso e violento, usando para isso seus cultos, programas de TV e até mandatos legislativos e prefeituras.

    Falta falar da ciência. Até 17 de maio de 1990, a Organização Mundial da Saúde considerava a homossexualidade como doença. Uma burrice anticientífica que provocou e justificou muita perseguição, maltrato e sofrimento infligido a milhões de pessoas em nome de um falso saber. Nessa data, a OMS reconheceu seu erro e disse o óbvio: homossexualidade não é doença, apenas uma orientação sexual, tão saudável e normal quanto as outras. É por isso que, desde então, cada 17 de maio, é celebrado o Dia Internacional contra a Homofobia.

    Não é por acaso que o PSOL escolheu essa data, quinta-feira, para anunciar publicamente minha pré-candidatura à reeleição como deputado federal pelo Rio de Janeiro (o lançamento será às 18h, no Clube dos Democráticos, na Lapa). Embora meu mandato esteja dedicado a uma ampla série de pautas relacionadas com a defesa da democracia, dos direitos humanos, das liberdades individuais e da justiça social qualquer pessoa que pesquisar meus projetos de lei verá que é mentira que eu trabalhe “apenas” para a comunidade LGBT , tenho muito orgulho de ser o primeiro ativista gay que chega ao Congresso Nacional, de ter ajudado a conquistar direitos, como o casamento civil igualitário, e de todo o trabalho que meu mandato faz todos os dias para lutar contra o preconceito.

    Ser gay nesse Congresso majoritariamente machista e homofóbico não é fácil. Já fui levado várias vezes ao Conselho de Ética em tentativas de cassar meu mandato, mas nunca por um desvio ético, porque sou honesto. Sou perseguido pela minha sexualidade! Da última vez, eles me acusaram de “crime de perversão sexual”, um delito inexistente na legislação brasileira. Sou xingado no plenário e nas comissões, difamado na internet e muitas vezes deixado de lado até por companheiros de militância. Porém, meu mandato recebeu prêmios nacionais e internacionais e, em 2014, fui o sétimo deputado mais votado do estado, com quase 145 mil votos.

    Neste ano, mesmo no clima de ódio e violência que a gente vive, eu entendi que é necessário continuar essa luta. Tem muito para fazer ainda no Congresso (que espero seja melhor que o atual) e precisamos de muita força para defender nossa ferida democracia e enfrentar o fascismo e a intolerância. É por isso que aceitei, mais uma vez, o desafio dessa pré-candidatura.

    Jean Wyllys é jornalista e deputado federal (Psol-RJ),