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  • DEUTERONÔMIO: NÃO à idolatria, ao trabalho escravo e à agiotagem

    DEUTERONÔMIO: NÃO à idolatria, ao trabalho escravo e à agiotagem

    Religião alienada das questões sociais escraviza o povo, hoje e no passado. Quando tendências religiosas intimistas, espiritualistas, amputadoras da dimensão social do Evangelho de Jesus Cristo e desencarnadoras da fé cristã são alardeadas por líderes religiosos, sem pastores, padres ou leigos/as, levam as pessoas a cruzar os braços e apenas orar pedindo que Deus resolva de forma mágica as injustiças sociais, o que só piora a situação de injustiças reinantes.

    Gilvander Moreira[1]


    Assim, sem perceber, as pessoas alienadas religiosamente se tornam cúmplices dos processos de opressão do povo. Ao contrário, quando tendências religiosas que animam o povo a buscar na luta coletiva e comunitária a superação dos dramas e das injustiças que se abatem sobre o povo injustiçado, as lutas populares libertárias são potencializadas, pois o povo descobre que só na luta coletiva pode conquistar seus direitos. Valorizando a dimensão social do Evangelho de Jesus Cristo e a opção de Javé pelos oprimidos, a fé cristã mobiliza para lutas libertárias. Do contrário, de fato, certos tipos de expressões religiosas se transformam em ópio do povo.

    O livro de Deuteronômio não tolera idolatria, uso indevido do nome de Deus. “Não pronuncie em vão o nome de Javé seu Deus” (Dt 5,11), exortam de modo enfático os levitas, animadores das comunidades, que não podiam ter terra para não adquirir poder. O problema não está simplesmente em pronunciar o nome de Deus em vão, mas em usar para fins escusos o nome de Deus, pois, invocar o nome de Deus induz as pessoas a acreditar que quem o invoca é de fato um enviado de Deus. Sabemos que em um país com povo eminentemente religioso, nas eleições, quem se pronuncia como ateu perde voto e quem se apresenta como religioso ganha um grande volume de votos. Portanto, no Brasil, se apresentar como pessoa religiosa tornou-se uma estratégia eleitoral. Trata-se de um tipo de assédio religioso para fisgar as pessoas e induzi-las a acreditar que, pelo simples fato de alguém usar linguagem religiosa e ter aparência piedosa, já é digno de confiança. Ledo engano. A realidade demonstra que isso não é verdade.

    Os estragos aos direitos trabalhistas, previdenciários e ambientais foram aprovados no Congresso Nacional com os votos da Bancada da Bíblia – mais de cem pastores que se tornaram deputados federais – atuando junto com as Bancadas do Boi (Bancada dos latifundiários e do agronegócio) e da Bala (os que absolutizam o direito à propriedade só para eles mesmos e mentem afirmando que é com repressão que se resolverão problemas sociais). Portanto, cuidado com os que falam muito o nome de Deus, mas não cultivam atitudes coerentes com o Deus Libertador. As primeiras Comunidades cristãs, segundo o Evangelho de Mateus, já alertavam sobre as falsas promessas e para a necessidade de prática libertadora: “Cuidado com os falsos profetas: eles vêm a vocês vestidos em peles de ovelha, mas por dentro são lobos ferozes” (Mateus 7,15). “Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor”, entrará no reino do Céu. Só entrará aquele que põe em prática a vontade do meu Pai, que está no céu” (Mateus 7,21).

    Trabalhar, sim, mas repousar no sábado. E honrar a memória dos ancestrais. O livro de Deuteronômio repudia trabalhar como escravo. “Não faça trabalho algum no sábado…” (Dt 5,12-13). Muito eloquente o modo como o livro de Deuteronômio enfatiza e alerta a todos/as, com detalhes, para não trabalhar todos os dias e nem de forma extenuante. Ninguém da família deve trabalhar no sábado, nem pessoas escravizadas e nem algum animal. Para que deixar de trabalhar todos os dias? – indagam os exploradores do trabalho alheio. “Que todos repousem no sábado, como você” é a resposta do deuteronomista em Dt 5,14.  Um princípio básico da Constituição do povo de Deus é garantir o direito ao repouso e ao ócio, o que é algo tremendamente anticapitalista, pois quanto mais se desenvolve o sistema capitalista mais se superexplora o trabalho por metas de produção e pela intensificação de exigências, impondo trabalho extenuante. A experiência histórica da escravidão no Egito, sob o Império dos Faraós, e das opressões ao longo da história da humanidade jamais pode ser esquecida. Jamais a história lida sob a perspectiva dos violentados pode ser encoberta ou apagada. Os novos opressores sempre insistem em apagar a história alegando mentirosamente que “não houve escravidão”, “não houve ditadura”, “não houve tortura”, porque tramam reinventar novas escravidões e novas ditaduras sangrentas.

    O livro do Deuteronômio prescreve também: honrarmos os nossos ancestrais. “Honre seu pai e sua mãe…” (Dt 5,16) não se refere apenas ao nosso pai e à nossa mãe, mas refere-se a todos/as nossos/as ancestrais e antepassados/as. Honrar “pai e mãe” implica honrar todos os profetas e as profetisas da Bíblia, todos/as os/as mártires de todos os tempos, todas as pessoas que contribuíram para que fôssemos quem somos e tivéssemos acesso ao que temos. Tudo o que existe: direitos individuais e sociais, bem como grandes descobertas e cultura em geral, é obra dos/as nossos/as antepassados/as.

    Verdadeira Constituição dos Povos de Deus da Bíblia, o Decálogo, que está em Êxodo 20,1-17 e em Deuteronômio 5,6-22, é formado de princípios que visam assegurar a construção de uma sociedade que não mate, não roube, não adultere, não calunie e nem desrespeite os direitos das mulheres e nem invada terras que são, por origem, do povo, pois “a terra pertence a Deus”. Ozorino Pires, camponês de 75 anos, atualmente assentado no Assentamento Dom Luciano Mendes, em Salto da Divisa, MG, gosta de dizer, evocando sua motivação de fé em Deus para estar na luta pela terra: “A Escritura diz que a terra foi criada por Deus sem cerca e sem porteira para todo mundo viver dela. Pelo que eu sei, Deus quando fez a terra não passou escritura para ninguém não. Somos filhos da terra e filhos de Deus”.

    No meio do livro do Deuteronômio, em Dt 15,1-23, temos o núcleo das relações sociais defendidas pelos Deuteronomistas: “Não deve haver pobre entre vocês, porque Javé vai abençoar você na terra que Javé seu Deus dará a você, para que a possua como herança” (Dt 15,4). Ou seja: Deuteronômio defende a construção de uma sociedade sem explorados e sem exploradores, com todos tendo acesso à terra “como herança”, uma sociedade justa economicamente e com sustentabilidade ecológica. Aqui os autores do Deuteronômio defendem três aspectos imprescindíveis das relações sociais: a) Não pode haver na sociedade relações sociais que empobreçam as pessoas; b) Todos terão acesso à posse da terra. Não se permite concentração da terra em poucas mãos; c) Ninguém será proprietário de terra. Somente o usufruto da terra, “como herança” dada por Deus, é defendido pelo Deuteronômio.

    Ao defender relações sociais que não gerem desigualdade social, o livro de Deuteronômio está em sintonia com o livro de Levítico, que prescreve a realização do Ano do Jubileu, de 50 em 50 anos (Lv 25,8-17): revolução geral da sociedade, com a terra sendo devolvida aos seus antigos possuidores e herdeiros (Lv 25, 10.13) ao defender que a “terra pertence a Deus” (Lv 25,23) e com I Reis que prescreve que a “terra é herança de Deus” (1 Rs 21,3), não sendo passível de ser comprada e nem vendida. Ninguém deve se considerar proprietário de terra, mas apenas posseiro, com direito ao usufruto.

    Ao prescrever relações sociais que não causem empobrecimento de ninguém, acesso à terra para todos/as e proibição de se transformar a terra em mercadoria, privatizando-a, o livro de Deuteronômio está sugerindo que de fato a causa matriz da desigualdade social é a apropriação da terra em processos de grilagem ou em propriedade privada capitalista. A grilagem e a latifundiarização dos territórios se tornam a âncora que sustenta todas as engrenagens de exploração que se desenvolvem em uma sociedade capitalista.

    As Comunidades que estão por trás do Deuteronômio, por experiência própria e pelas lições da história, sabem que não bastam leis justas, mas que é preciso cultivar relações de solidariedade libertadora permanentemente. Isso é defendido em Dt 15,7-11. Estejamos sempre atentos e dispostos a acolher quem por um motivo ou outro se tornou vulnerável. Porém, a solidariedade não pode ser assistencialista e nem gerar dependência. Precisa ser solidariedade aliada à luta pela justiça no seu sentido mais profundo. No caso de políticas públicas, não apenas políticas compensatórias ou de quotas, mas também políticas re-estruturadoras das bases da sociedade.

    De sete em sete anos se deve fazer um Ano Sabático, durante o qual as dívidas deverão ser perdoadas. “Todo credor que tenha emprestado alguma coisa a seu próximo, perdoará o que tiver emprestado. Não explorará seu próximo, nem seu irmão, porque terá sido proclamado um perdão geral em honra de Javé” (Dt 15,2). Esta utopia está sendo buscada pela comunidade dos povos que fizeram Aliança com Javé, Deus solidário e libertador. Isso implica que a sociedade que Deus quer não pode ter espaço para agiotagem, nem de banqueiros, nem de empresas e nem de pessoas que preferem viver sem trabalhar e só emprestando dinheiro.

    Enfim, por tudo exposto acima, percebemos que o livro de Deuteronômio pugna pela vivência da Aliança de Javé, Deus solidário e libertador, com seu povo escravizado, mas adverte: Se aparecerem empobrecidos na sociedade, é o SINAL: a ALIANÇA com JAVÉ está sendo rompida…

    Belo Horizonte, MG, 22/9/2020

    [1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III

     Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

    1 – Frei Carlos Mesters fala sobre o Livro do Deuteronômio em entrevista a frei Gilvander – 15/01/2020

    2 – Cartilha do mês da Bíblia de 2020 do CEBI/MG: livro do Deuteronômio. Por Julieta Amaral – 18/6/2020

    3 – Livro do Deuteronômio, Levitas Resgatando ideais do Êxodo em plena Monarquia – CEBI/MG – Parte I

    4 – Livro do Deuteronômio, a pregação dos Levitas. Por Frei Gilvander, Julieta e Irmã Marysa – Parte II

    5 – Livro do Deuteronômio – chaves de leitura – Mês da Bíblia de 2020 – por Rafael, do CEBI. Vídeo 1

    5 – Deuteronômio/Mês da Bíblia 2020/Chaves de Leitura por Rafael Rodrigues, do CEBI/Vídeo 2 – 02/2/2020

    6 – Livro do Deuteronômio – Mês da Bíblia/2020: Pistas para uma leitura sensata e libertadora, por Rafael Rodrigues – Entrevista completa

    7 – Live – CEBI-MG lança Mês da Bíblia de 2020 sobre o livro de DEUTERONÔMIO, UM GRITO POR JUSTIÇA – 31/8/2020

    8 – Live – Deuteronômio, um grito por justiça: resgate de ideais do Êxodo em tempos de monarquia

    9 – Deuteronômio 1 parte (Por Sandro Galazzi)

    10 – Deuteronômio 2 a redação profética (Por Sandro Galazzi)

    11 – Deuteronômio 3 a redação de Josias (Por Sandro Galazzi)

    12 – Deuteronômio 4 a história deuteronomista (Por Sandro Galazzi)

  • DEUTERONÔMIO: “Constituição de 1988” para o povo?

    DEUTERONÔMIO: “Constituição de 1988” para o povo?

    No Brasil, a Constituição promulgada em 5 de outubro de 1988 pode ser vista como uma espécie de Livro do Deuteronômio na vida do povo brasileiro. Após muita luta social, resgatando a memória das lutas de resistência popular, o povo organizado, na luta, conquistou a inserção de vários princípios e regras na Carta Magna para garantir respeito à dignidade de todas as pessoas, tais como: ‘função social da propriedade’, ‘desapropriação de latifúndios que não cumprem sua função social’; forte ênfase nos direitos sociais, entre os quais estão: ‘o direito à educação, à saúde, à terra, à moradia, ao meio ambiente saudável e equilibrado’; princípios libertadores, ou seja: ‘respeito à dignidade da pessoa humana’, ‘direitos humanos’, ‘liberdade de expressão’, ‘espírito republicano’, ‘direito de manifestação’, ‘liberdade religiosa’; prescrição para se demarcar as terras dos Povos e Comunidades Tradicionais, tais como: ‘indígenas,’ ‘quilombolas’ etc.

    Por Gilvander Moreira[1]

    Tudo isso está assegurado na Constituição Federal, mas a classe dominante, cotidianamente, mais do que impedir a efetivação desses direitos sociais, os destroem. A história demonstra que só com luta social permanente se conquistam direitos e se impedem retrocessos de direitos conquistados com suor e sangue pela classe trabalhadora. Se o povo se acomoda, vai sendo violentado aos poucos, até ser sacrificado.

    O livro do Deuteronômio contém narrativas de um povo comprometido pela ALIANÇA (BeRiT, em hebraico,) com Yahweh, Deus solidário e libertador, que “libertou do Egito o povo escravizado”. O fio condutor do Deuteronômio é um povo que busca, eticamente, colocar em prática o projeto de Aliança firmado entre eles, POVO escravizado por mais de 500 anos sob o imperialismo dos faraós no Egito, e o Deus YAHWEH, acima de tudo, libertador. Para isso, marcham no deserto por cerca de “40 anos”, a fim de conquistar uma “terra onde corre leite e mel” (Dt 26,9), e, no final, ao sopé do Monte Sinai, celebram a projetada Aliança.

    Por isso, o livro de Deuteronômio rechaça, com veemência, as práticas que se ancoram em imagens distorcidas de Deus: idolatria. Os redatores e as redatoras do livro de Deuteronômio são tão radicais contra a idolatria e percebem tão bem que os falsos profetas e os falsos pastores são propagandistas da idolatria, que alertam: “Não dê ouvidos a profeta que apresenta sinal ou prodígio. Mesmo que apresente prova, não dê ouvidos!” (Dt 13,2-4). Mais! Falso profeta não pode ser respeitado e nem tolerado: “O falso profeta deverá ser morto.” (Dt 13,6). É claro que não podemos entender esse versículo como uma autorização para pena de morte para os falsos profetas e falsos pastores, mas como um alerta para os estragos humanos e sociais que os mesmos causam no tecido social. O correto e ético é ‘puxar o tapete’ que sustenta esses falsos profetas e pastores, retirando deles todas as armas de morte que usam, com sutilezas, para enganar o povo, ao invés de cuidar desse povo injustiçado.

    O texto de Dt 15,12-18, que apresenta um ensino sobre a libertação dos escravos hebreus, retoma e desenvolve a lei que está em Ex 21,2-6; fazendo isso, porém, em linguagem que liberta e evangeliza, e não em linguagem legislativa.

    Quando um de seus irmãos, hebreu ou hebreia, for vendido a você como escravo, ele servirá a você durante seis anos. No sétimo ano, você o deixará ir, em liberdade. Contudo, quando você deixar que ele vá em liberdade, não o despeça de mãos vazias: carregue os ombros dele com o produto do rebanho de você, da sua colheita e de cereais e de uva. Dê-lhe de acordo com a bênção que Javé seu Deus tiver concedido a você. Lembre-se que você foi escravo no Egito, e que Javé, seu Deus, resgatou você” (Dt 15,12-15).

    O texto evoca um contexto do povo da Bíblia sobrevivendo em tempos de escravidão, sob relações sociais escravocratas, nas quais quem detinha poder econômico e político comprava pessoas como se fossem mercadoria e as escravizava. Vários povos dos tempos bíblicos foram escravizados durante uns 500 anos pelo imperialismo dos faraós no Egito, mas se libertaram por volta de 1200 antes da Era Comum. Após alguns séculos, foram escravizados novamente pelo Império Assírio, depois pelo Império Babilônico e, posteriormente, pelo Império Persa, Grego, Romano e, na sucessão da história, pelos impérios: português, espanhol, inglês, estadunidense, império das transnacionais etc., como assistimos hoje.

    Pela narrativa de Dt 15,12-15, os escravos são reconhecidos pelo autor de Deuteronômio como ‘irmãos’ e, surpreendentemente, inclui a perspectiva de gênero (‘hebreu’ ou ‘hebreia’). É inspirador ver no Deuteronômio o reconhecimento da igualdade de dignidade entre homem e mulher. Mesmo que o contexto seja de escravidão, o texto ensina que a escravidão não será “ad aeternum”: será apenas por ‘seis anos’. Ninguém nasce destinado a sobreviver, pela vida inteira, como escravo. Nascemos para a liberdade, mas não para uma liberdade abstrata. Liberdade, sim, mas com condições materiais objetivas capaz de efetivá-la.     

    A orientação para descansar no 7º ano, Ano Sabático, é oriunda da mística segundo a qual o Deus criador, após criar todas as criaturas nas ondas da evolução, descansou no 7º dia. Por isso, intui-se que Deus quer que descansemos no 7º dia. Daí decorre a orientação para deixar a mãe terra descansar no 7º ano, em uma perspectiva de agricultura ecológica. E após 49 anos (7 anos x 7 anos), no Ano do Jubileu, deve se fazer uma reorganização geral da sociedade: as terras compradas ou invadidas deverão ser devolvidas aos seus ancestrais, todas as dívidas devem ser perdoadas, as pessoas escravizadas devem ser libertadas e a sociedade deve ser revolucionada, para que todos e todas tenham condições materiais e objetivas de ‘ter vida e liberdade em abundância’.

    Cultivando essa mística, o livro de Deuteronômio alerta: “Não escravize ninguém para além de seis anos” (Dt 15,12a.18). “Liberte quem você escravizou, no sétimo ano.” (Dt 15,12b.18). Isso é anunciado de forma enfática, pois se diz em Dt 15,12 e se repete em Dt 15,18 na conclusão da unidade textual. No entanto, muito eloquente é o fato de que o livro de Deuteronômio não prescreve apenas libertação formal, que concede liberdade abstrata, mas que muitas vezes, até aumenta as amarras escravizadoras, como aconteceu no Brasil. Em 1850, 38 anos antes da Abolição formal da escravidão de milhões de negros escravizados, escravizou-se a terra, com a Lei 601, Lei de Terras, ao legislar, afirmando que a única possibilidade de acesso à terra seria por meio de compra. Criou-se, assim, o cativeiro da terra antes de acabar com o cativeiro dos negros escravizados. Procedendo assim, juridicamente se pavimentou a estrada para se criar outro tipo de escravidão sob a égide de liberdade abstrata e formal.

    Com a abolição formal da escravidão no Brasil, em 13 de maio de 1888, os negros escravizados saíram de mãos vazias, sem jamais ter condições de ter acesso à terra, pois não tinham dinheiro para comprar nem mesmo um sítio. Consequentemente, de escravizados juridicamente se tornaram sem-terra, iniciando o que muitos chamam de escravidão moderna ou contemporânea, na prática, em muitos casos, até mais cruel. Como? Nos moldes de intensificação do trabalho por metas de produção, ganho por produção, trabalho intermitente, terceirizado, uberizado ou… sabe-se lá o que mais…

    Portanto, relacionando o Livro do Deuteronômio com a Constituição de 1988, reconhecemos a caminhada e a luta do povo como um constante êxodo, em busca de libertação, guiado por um Deus que, sendo Pai-Mãe, atrai, educa, é Deus-Amor, Deus-Libertador!

    Belo Horizonte, MG, 8/9/2020

     Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

    1 – Frei Carlos Mesters fala sobre o Livro do Deuteronômio em entrevista a frei Gilvander – 15/01/2020

    2 – Cartilha do mês da Bíblia de 2020 do CEBI/MG: livro do Deuteronômio. Por Julieta Amaral – 18/6/2020

    3 – Livro do Deuteronômio, Levitas Resgatando ideais do Êxodo em plena Monarquia – CEBI/MG – Parte I

    4 – Livro do Deuteronômio, a pregação dos Levitas. Por Frei Gilvander, Julieta e Irmã Marysa – Parte II

    5 – Livro do Deuteronômio – chaves de leitura – Mês da Bíblia de 2020 – por Rafael, do CEBI. Vídeo 1

    5 – Deuteronômio/Mês da Bíblia 2020/Chaves de Leitura por Rafael Rodrigues, do CEBI/Vídeo 2 – 02/2/2020

    6 – Livro do Deuteronômio – Mês da Bíblia/2020: Pistas para uma leitura sensata e libertadora, por Rafael Rodrigues – Entrevista completa

    7 – Live – CEBI-MG lança Mês da Bíblia de 2020 sobre o livro de DEUTERONÔMIO, UM GRITO POR JUSTIÇA – 31/8/2020

    8 – Live – Deuteronômio, um grito por justiça: resgate de ideais do Êxodo em tempos de monarquia


    [1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –    Facebook: Gilvander Moreira III