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  • As heranças da tragédia da barragem do Rio Doce

    As heranças da tragédia da barragem do Rio Doce

    Militantes do MAB, Movimento dos Atingidos por Barragens, da região do Vale do Aço estiveram na tarde do último dia 26 em frente à Justiça Federal de Belo Horizonte para forçar a inclusão dos atingidos na tragédia do Rio Doce, no processo de decisão da situação de Mariana, Barra Longa e região.

    O pedido dos que vieram à BH é participar das articulações que estão sendo fechadas sobre o tema do rompimento da barragem, afinal, elas atingirão diretamente suas vidas. Para Letícia Oliveira, da coordenação estadual do MAB,

    “a preocupação é que Mariana e Barra Longa fiquem com as decisões, e que os detalhes sejam decididos pelas pessoas de lá, e não na Justiça Federal, e sem a participação dos movimentos sociais”.

    Os reflexos do desastre ocorrido no dia 5 de novembro do ano passado ainda podem ser sentidos, e vão de Mariana, passando por Bento Rodrigues, Barra Longa, Gesteira, e outras até sair do estado de Minas Gerais, sentido costa do Espírito Santo. Na cidade de Barra longa, jardins, praças e canteiros foram inteiramente tomados pela lama e o processo de reconstrução da cidade tem sido danoso social, mental e materialmente para os atingidos pela maior catástrofe ambiental dos últimos tempos.

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    Os atingidos lutam por negociação

    Dois ônibus com cerca de 60 pessoas da região vieram à capital para serem ouvidos pelo juiz Cláudio José Costa Coelho, da Justiça Federal. Eles esperam sensibilizar as autoridades sobre a necessidade de rever o documento com as determinações de reconstrução, já que nenhum movimento social ou morador foi ouvido para a construção do mesmo.

    Thiago Alves, também da coordenação estadual do MAB e morador de Barra Longa, repudia o acordo e explica:

    ” nós achamos que esse modelo para resolver o problema é antidemocrático e autoritário, porque afasta as famílias atingidas da bacia do Rio Doce de participar das ações sobre o processo de recuperação, não só o indenizatório, mas a recuperação ambiental, etc.”, explica Thiago.

     

     

     

     

     

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    O sentimento de impotência é grande entre a população. Imagine uma cidade como Barra Longa, de aproximadamente 6 mil habitantes, ter que conviver com a dengue, a superpopulação com a chegada de 600 construtores homens e com um verdadeiro canteiro de obras por toda a cidade? O modo de vida foi alterado drasticamente. A jovem Estefânia Aparecida, de 13 anos, conta que até brincar se tornou mais difícil depois da tragédia:

    “É caminhão, poeira… Não tem nem como sair pra fora de casa. Minha casa começou a trincar por causa dos caminhões pesados na rua, e eles não queriam reformar pra minha mãe. Pra brincar na rua tem que ser a noite, antes a gente ia nadar, fazer piquenique e agora todo lugar que a gente olha é lama.”

    Por volta das 17h, os militantes saíram da entrada da Justiça Federal, dois procuradores foram conversar com o MAB e ajudaram na articulação com o juiz. Thiago ressalta que a movimentação foi importante para animar o povo da região, uma vez que o MAB irá participar do ato que está marcado para o dia 8 de março (dia Internacional da mulher) em BH e fará um ato nesta terça-feira, 1 de março, na cidade de Barra Longa.

    O Movimento dos Atingidos por Barragens segue na luta para garantir que as famílias atingidas sejam ouvidas nesse processo de reconstrução das cidades. A construção da caravana de mulheres da região que irá vir à capital no 8 de março já começou, e nessa terça-feira o MAB irá às ruas da cidade de Barra Longa por visibilidade e sensibilização dos moradores e das autoridades à causa dos atingidos.

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  • As Minas destruíram Gerais

    As Minas destruíram Gerais

    O relato de quem viu a vida ficar debaixo dos escombros

    Na coletiva de imprensa do governador Fernando Pimentel em Governador Valadares, um pescador da região questionou o fato de que os peixes estão morrendo e não vão ser “repostos”. “Não adianta dar multa só. Tem que voltar com os peixes para o rio. Somos 500 pescadores na associação. Precisamos disso para viver”. O governador, como em todas as outras perguntas, enrolou para responder e disse que precisa rever a lei ambiental do Estado, mas ele mandou um projeto de lei para a Assembleia que facilita a concessão de licença ambiental às mineradoras. Que feio, Pimentel. Um governo que mente para o pescador, para o ribeirinho, para o morador de Mariana e também o de Valadares. Para quem se diz do povo, está longe de ser.

    Foto: Fadia Calandrini

    O pescador do rio Doce não é o único preocupado com sua história e identidade. O seu Nélio Cordeiro, de Bento Rodrigues, chorou ao ver o lugar onde ele morava completamente devastado. “Eu vim para socorrer o outro fazendeiro, mas já tinha acontecido. Ele estava do outro lado, perto da cachoeira, tentando tirar as crianças. É triste demais, gente. Isso está sendo avisado há 20 anos. Isso aqui era uma vegetação nativa, mas com essa tragédia… Nossa Senhora!”

    Seu Nélio ouviu no rádio que a tragédia estava acontecendo. “Eu vim descendo. Vi peixes boiando, cavalo, cachorro, galinha. É triste demais. Triste demais mesmo. Agora acabou. Nosso município acabou. Tudo para quê? Para tirar o minério, para mandar ele para fora e nos dar isso de recompensa. É triste. Acabou o Bento. É horrível! É desastroso!”

    O fazendeiro ainda contou sobre a trajetória heroica dos professores que salvaram 70 crianças do desastre. “Ela (uma professora) foi muito ágil. Saiu da porta da escola com os meninos e subiu para lugares mais altos. Mas a gente não dormiu, a gente passou a noite desatinado. Que as autoridades tomem providências para que essas mineradoras trabalhem com mais segurança. É lastimável ver uma situação dessas, as matas ‘tudo’ (sic) devastada. Virgem Maria… Acabou!”

    O servente Waldeci da Silva Reis, de Santa Rita Durão, distrito de Mariana, também viu a tragédia acontecer. “Eu vi um pessoal tentando sair da lama. Passaram umas ambulâncias, mas estavam muito longe. Não resolveu nada. Aí estavam falando que a polícia estava batendo nos outros ainda. Nunca vi isso, bater em quem veio salvar, mas conseguiram tirar o menino no meio da enxurrada e ‘levar ele’ (sic) para o pronto socorro.”

    Foto: Fadia Calandrini

    Waldeci diz que passou por momentos desesperadores. “O pessoal estava pedindo socorro. A Samarco não tinha ligado a sirene para alertar o povo. É muita mentira. Tem muito tempo que a Samarco fala que está tomando providências para mudar isso e nunca fez nada. Agora já era. Nunca deu apoio para o pessoal. E agora que acontece a tragédia fala que vai tomar providência? Agora é tarde.”

    O servente afirma que foi uma tragédia anunciada. “Há muitos anos todo mundo fala que esse ‘trem’ ia estourar e matar o povo todo. Consegui salvar só um menininho. Ele estava na beira aí conseguimos salvar ele lá”.

    Jefeson Geraldo é vigilante e salvou várias pessoas da enxurrada de lama.“Eram umas 16h20. Ouvi uma explosão e achei que era tubulação que havia estourado. Mas, como o barulho era muito intenso e começou a quebrar muito mato, a gente percebeu que não tinha como ser a tubulação e sim a barragem que tinha estourado. Tentamos avisar o máximo de gente possível com escândalo porque não tinha mais como ir à casa de cada um. Conseguimos pegar o máximo de gente e colocar em caminhonetes para levar para cima, para os morros. Depois voltamos pela beirada, tentando ver se achávamos algumas pessoas e resgatar quem estava pedindo socorro mais próximo da margem.”

    Foto: Fadia Calandrini

    A casa de Jefeson, porém, não foi perdoada pelo desastre causado pela Samarco. “Não sei como ficou minha casa. Eu acho que não vejo ela nunca mais. A última vez que eu vi, ela tinha se desprendido do lugar, andou uns cem metros para cima e depois aí pelo rio abaixo”.

    O vigilante conseguiu salvar alguns familiares. “Graças a Deus eu consegui salvar minha família, alguns amigos e umas pessoas de idade. Mas dois primos meus estão desaparecidos. Ninguém sabe por onde anda, ninguém acha. De 1999 até 2005 havia muito boato sobre a barragem explodir. A gente começou a debater isso com a Samarco e eles falaram que não corria risco nenhum disso acontecer. E aquilo foi indo. Houve um ano, não me lembro ao certo, em que eles falaram que ela ia explodir, corremos todos para o ponto mais alto, mas não explodiu nada. Depois disso, a Samarco foi tranquilizando o pessoal e ninguém ficou muito preocupado porque no dia em que ela ia estourar, não estourou. Aí, ninguém se preocupou mais. E em um sol quente, de uns 35 graus, quatro horas da tarde, vem esse desastre acontecer.”

    Foto: Fadia Calandrini

    Jefeson acredita que faltou empenho por parte dos órgãos ditos competentes. “O governo mandou várias pessoas, mas não fez nada para ajudar a gente. A Samarco, que é uma das maiores responsáveis, junto com a Vale, nem aqui apareceu. Não mandaram socorro, não mandaram nada. Se não fosse a gente mesmo tentado nos ajudar, estava todo mundo morto. E Deus ajudou tanto que isso aconteceu quatro horas da tarde, quando estava todo mundo acordado. Porque se isso acontece onze horas da noite, por exemplo, não tinha ninguém para contar a história. Não dá nem para descrever o que eu sinto. É uma tragédia que levou tudo que era nosso. E não tenho suporte da companhia nem sei como vou recuperar um terço do que eu perdi.

    Maria Januária Nunes, também de Bento Rodrigues, estava na Arena Mariana à procura de quatro pessoas desaparecidas. “Eu deixei meu nome lá dentro; agora estou dando entrevista e quero saber onde eles estão enterrados ou soterrados. Minha casa está toda debaixo da lama, caiu tudo. Agora estou imaginando o inquilino que estava lá.

    Foto: Fadia Calandrini

    Um trabalhador da Vale, que também acha que a culpa é da Samarco, está com receio de sofrer represália. “A gente está indo trabalhar à paisana, já falaram de manifestações, que vão fechar o trilho. Estamos com medo de apanhar na rua. Mas a gente não fez nada. A empresa é culpada, o trabalhador não”.

    Uma senhora, que só se identificou como Luciene, estava na Samarco quando tudo começou. “A gente ouviu e achou que era um tremor de terra e fomos todos evacuados da área. Balançaram as paredes todas, mas falaram que era tremor. Só que daí a pouco chegou notícia de que a barragem tinha estourado e que tinha muita gente soterrada. Agora acabou com nosso distrito. Graças a Deus minha família ao menos está viva, mas eu só tenho a roupa do corpo agora e mais nada.”

    De acordo com relatos de diversos moradores do distrito, a Samarco sabia que a barragem podia se romper e agiu com descaso. A população precisa de respostas imediatas sobre o número real de desaparecidos e mortos.

    Foto: Olívia Porto Pimentel

    O que se vê na mídia tradicional não corresponde à realidade dos fatos. Foram vistos muitos carros do IML perto do distrito, helicópteros descendo e subindo, carros de funerária. E falam em apenas seis mortos? A população foi proibida de ajudar. Uma barricada formada pela polícia do Pimentel com funcionários da Samarco proibia os moradores de ajudar a encontrar os amigos no destruído distrito de Bento Rodrigues. Como disse a jornalista Laura Capriglione, “é o bandido cuidando da cena do crime”.

    *Que fique claro. A Samarco pertence à Vale e à BHP Billiton (maior mineradora do mundo). Ela deve ser responsabilizada e culpada pelo crime ambiental e pelos homicídios que cometeu. A Samarco é a única culpada de todo o desastre e deve pagar por isso.