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  • Cadernos da quarentena – Não maltratem a Mãe Terra

    Cadernos da quarentena – Não maltratem a Mãe Terra

    Por: Dennis de Oliveira

    Fiquei isolado aqui pelo litoral de São Paulo. A quarentena imposta pelas autoridades para combater a disseminação do coronavírus obriga a gente a mudar as formas de viver. Imagina ficar em uma cidade do litoral, verão, sol a pino e não poder ir à praia, ou tomar uma cerveja no boteco.

     

    Esta minha ida era por poucos dias, mas por conta da quarentena tive que ficar muito mais tempo. Aí bateu a preocupação: não trouxe roupa suficiente para mais que quatro dias. E como diz o ditado, a necessidade faz o ladrão. Diante da situação, foi possível sim viver com o que trouxe, só ir lavando a roupa que tinha, usando o que era possível sem qualquer vaidade consumista.

     

    E aí lembrei-me dos livros do Zygmunt Bauman que falava que vivemos em um “capitalismo de excessos”. Tivemos aumentos de produtividade imensos nos últimos 50 anos, graças ao avanço tecnológico. Mas, ao mesmo tempo, estes avanços como foram apropriados para a reprodução do capital e serviram muito mais para reduzir o número de pessoas que trabalham.

    Se produz mais com menos gente empregada.

     

    Só que aí a conta não fecha. Com menos gente empregada, a miséria aumenta e ao mesmo tempo que se produz mais mercadorias, tem menos gente que pode consumir. É aí que Bauman propõe o conceito de “consumo intensivo” ou o brasileiro Muniz Sodré fala do “turbocapitalismo”. O consumo intensivo significa o seguinte: as mesmas pessoas que têm poder de consumo hoje são instigadas para consumir ainda mais. Quem tem um celular, é incentivado a trocar por um outro mais novo a cada seis ou sete meses. Se você tem uma linha, a operadora te empurra uma outra (como se fosse necessária mais de uma linha). Numa casa com três pessoas, cada um tem um carro. A cada ano, os aparelhos eletrônicos ficam obsoletos e o conserto fica mais caro que a compra de um novo e assim por diante. E toda a tranqueirada velha para onde vai? Lixo!

     

    O mesmo Bauman disse que a cidade de Londres produz uma quantidade de lixo por ano equivalente a quatro vezes o tamanho da sua cidade.

    O automóvel, símbolo da modernidade, usa apenas 3% da energia que ele produz para carregar o seu condutor. O resto é para mover metal, plástico, engrenagens e resíduos eliminados para a atmosfera.

     

    Os avanços tecnológicos do capitalismo não são apenas trágicos. Descobertas científicas nos anos 1960 possibilitaram a cura de muitas enfermidades. Hoje a humanidade é muito mais longeva. As tecnologias de informação e comunicação – TICs permitem que esta quarentena forçada de hoje seja atenuada com a possibilidade de conversar com os amigos, familiares. Grupos de psicólogos organizaram terapias em grupo pela internet com pessoas que estão deprimidas. Tem um grupo de amigos que até fez um “churrasco virtual”, cada um na sua casa comendo uma carne e tomando uma cerveja e conversando pelo hangout. Eu mediei um debate sobre o coronavírus e a periferia para um canal da internet com cada um dos participantes nas suas casas. E ainda as informações sobre esta crise chegam de forma instantânea para a gente. Tem as fake news, mas prefiro acreditar que isto são os efeitos colaterais.

     

    Este modelo de sociedade em que cada vez mais se concentra riquezas vai criando mundos à parte. Nem todos podem usufruir de todos estes avanços. Ao mesmo tempo, uma casta de bilionários enriquece como verdadeiros parasitas, sem qualquer contribuição à sociedade: turbocapitalismo. Ganham muita grana sem produzir nada e aplicam no cassino do mercado rentista. Rende mais dinheiro e vai indo neste caminho. E vai turbinando ainda mais o seu consumismo.

    Não basta um palacete, precisa de dois, três. Não basta um carrão, tem que ter três, quatro… “Compra” ilhas, se isola do mundo, viaja de jatinhos e helicópteros.

     

    Na outra ponta, milhões de famintos desesperados vão em busca do mínimo para sobreviver. O mesmo mundo que conectou todas as localidades pela internet e mandou sondas a Marte convive com pessoas em busca de água potável. Como pensar em quarentena para aqueles cuja casa é a rua? No topo, os milionários consomem de forma turbinada e isto exige um consumo predatório dos recursos naturais para produzir os artefatos que usam. Na base, os miseráveis catam latas, papel ou o que ainda resta da natureza para sobreviver.

    E a mãe Terra vai agonizando. Os sábios dos povos originários da América já ensinavam a importância do Bem Viver. Os povos originários do Alto Xingu falavam do perspectivismo. O que é isto? Viver em equilíbrio com os sentidos da vida de todos os seres vivos. Não é preservar a natureza, mas conviver em diálogo com ela, como dizia o mestre Paulo Freire. Conforto não é opulência. Viver bem não é oprimir o outro. A mãe Terra, ou Pachamama, também é sujeito e está alertando.

    Este vírus é a lágrima da Pachamama que está dizendo: “eu não aguento mais!”

    Quem não acha que Deus é cartão de crédito entende o que estou falando. Não adianta acreditar em vida após a morte se nem a vida aqui a gente consegue dar conta.

     

     

  • Conheça a Bancada Preta

    Conheça a Bancada Preta

    Aconteceu no último dia 29 de fevereiro na sede da Educafro, em São Paulo, o terceiro encontro da “BANCADA PRETA” realizado pela Nova Frente Negra Brasileira, Frente Favela Brasil e Rede Quilombação.

    O evento foi uma plenária aberta com foco em dar continuidade aos encaminhamentos apresentados no último encontro do dia 05 de fevereiro, deste ano. Quando se formalizou a construção da “BANCADA PRETA”.

    Os tambores fizeram o chamamento e o povo preto atendeu. Desde o início do dia a sede da Educafro recebeu a população negra em um ambiente regado de afeto, ativismo e a visão que não se pode mais pensar um projeto político justo sem a participação efetiva da população negra.

    A plenária teve como mote o debate e a construção de uma estrutura de cidade que seja: anti racista, anti misógina e anti lgbtiq+fóbica.

    O que é a Bancada Preta? 

    Jesus dos Santos, da Bancada Ativista e pré-candidato

    “A Plataforma política “Bancada Preta”, tem como objetivo eleger candidaturas pretas para legislatura 2021 / 2024, na Câmara Municipal de São Paulo e em outras cidades sendo construída a partir de um projeto estratégico político construído e organizado a partir de plenárias abertas e a toda população da cidade sendo uma iniciativa puxada pela Nova Frente Negra Brasileira, Rede Quilombação e Frente Favela Brasil.”

    Suerda Deboa, ativista, (Nova Frente Negra Brasileira) e moradora do Jaraguá (SP)

    Já Suerda Deboa, moradora do Pico do Jaraguá, disse ao Empoderado que “…A bancada preta é importante por articular candidaturas pretas de forma suprapartidária, mas com compromisso de que candidatos e candidatas estejam alinhados com pautas relacionadas a negritude, tais como: combate ao racismo estrutural, ambiental e religioso. Manutenção de políticas públicas voltadas para a saúde da população preta. Entendendo que estar num partido é apenas um mecanismo de conquista no meio político que é majoritariamente branco, cis e heteronormativo e buscar mudanças a partir de dentro articulando com a base preta que está nas margens periféricas de todas as estatísticas no que diz respeito a melhores condições de vida.”

    Vinicius Antonio Pedro, do Frente Favela Brasil

    Vinícius mostrou o que pensa sobre a Bancada Preta pensando na esfera das periferias: “A periferia tem uma grande esperança na formação da Bancada Preta; Uma porque ao tratarmos da população Negra do Brasil estamos falando majoritariamente de pessoas que tem um histórico de acesso à educação, direitos à propriedade, saúde básica e desenvolvimento socioeconômico quase nulo ou muito reduzido, sendo empurrado para as periferias das cidades que ainda hoje exercem um centralismo exacerbado e, entendemos que criar um cenário onde a população negra conquista sua emancipação discutindo pautas pertinentes ao seu povo, é uma saída. O outro ponto é que não podemos esperar, diante do que foi dito, que tudo virá sem organização, estratégia e muita resistência. Se hoje, resistimos à condições de vida insalubres, devemos sim nos indignar e lutar pelas mudanças que queremos nos unindo e estando com aqueles que estão no mesmo barco que nós.”

    Prof. Dr. Dennis de Oliveira (Rede Quilombação e Professor Associado – Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE)).

    O Prof. Dr. Dennis de Oliveira acredita que a Bancada Preta tem como uma de suas funções impactar diretamente na gestão dos municípios e assim apresentar propostas como: “gestão urbana com base no Estatuto da Cidade (IPTU progressivo, função social da propriedade), implantação do Fundo Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial comum percentual mínimo definido do Orçamento gerido por secretaria específica e monitorado por conselho participativo; desmilitarização das guardas municipais onde existir; rede de centros de apoio a trabalhadores informais, em especial condutores (as) de moto, bicicleta ou Uber; programas de fomento a iniciativas de cultura na periferia, reconhecimento oficial dos espaços sagrados das religiões de matriz africana, orçamento participativo.”

    “Mobilizar pretxs de todas as cidades a votarem nos candidatxs com esta agenda construindo uma perspectiva política de voto étnico”

    Frei David, da Educafro (à esquerda).

    Frei David, da Educafro disse ao Empoderado: “A Bancada Preta em algum momento precisa avaliar se há o perigo de se repetir o que aconteceu em todas as eleições anteriores onde o voto de cada negro, por não ter dinheiro e nem estruturas foi usado para garantir a eleição dos caciques dos partidos que são brancos.

    A EDUCAFRO, nas últimas 5 eleições, participou ativamente, organizando debates para os  candidatos/as negras e negros, junto ao público EDUCAFRO. 

    Nos últimos anos debateu muito esses assuntos em suas várias reuniões. O resultado é que temos hoje quase 10 candidaturas se preparando para disputar as eleições. 

    Alguns dessas 10 estão em estruturas partidárias que não querem debater os mandatos coletivos. Outras tem chance de abraçar essa possibilidade. 

    Mas gostaríamos muito de pedir uma reflexão profunda às quase 30 candidaturas presentes no evento: vai ser duro  ver, mais uma vez nossos irmãos e irmãs negras, não abraçando os mandatos coletivos e, como consequência, ver seu votos serem decisivos para gerar coeficientes e eleger brancos.

    Nesse ano de 2020 sonho em ver o povo negro se unindo e abraçando com profissionalismo o mandato coletivo. Assim os vários poucos votos de cada um irá eleger um grupo que, num trabalho formativo continuado irá mudar e trazer, pelo voto, poder para o povo NEGRO.”

    Agradecimento especial a Marta Costa (Nova Frente Negra Brasileira) a todos (as) que colaboram para esta matéria. Materia completa originalmente publicada no Jornal Empoderado.