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  • Energia elétrica: o fantasma do apagão passado e a bandeira vermelha de hoje

    Energia elétrica: o fantasma do apagão passado e a bandeira vermelha de hoje

    A capacidade nacional de armazenamento de energia do Brasil, hoje, está em 26,3%. É o que aponta o relatório de ontem do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). E daí, se em época de estiagem chove menos e as termoelétricas estão a todo vapor, graças a investimentos massivos nos governos Lula e Dilma? Nada que impeça os jornalões de anunciarem, sem estardalhaço, que o Governo Temer deverá liberar a bandeira vermelha nas tarifas de energia elétrica já no mês que vem.

    Bandeira vermelha cria um custo adicional de R$ 3,00 por cada 100 quilowatts-hora (se for estabelecida no Patamar 1) ou de R$ 3,50 (Patamar 2).

    No final de 2013 e no decorrer de 2014, Dilma foi perseguida pelo fantasma do apagão, criado pelos mesmos jornalões. Um apagão que nunca houve nem poderia, como repetia Dilma com a convicção que tem um Governo que construiu 11 mil km de novas linhas de transmissão e ampliou de 80 gwt para 132 a capacidade de geração nacional.

    Na época do fantasma que assombrou o natal de Dilma, a crise hídrica gerada por dois anos de seca no semiárido nordestino mal foi levada em conta quando a capacidade nacional de armazenamento começou a cair, dando asas à invenção de manchetes como “má gestão de Dilma cria risco de apagão”.

    Nos textos de hoje, os mesmos jornalões preparam o espírito da família brasileira (que gasta, em média, 150 kWh por mês) para o aumento com frases como “autoridades do setor elétrico anunciam” (note que nem Governo nem empresários são sujeitos da frase). E o motivo é simples: “a falta de previsão de chuvas nessa época do ano”.

  • Geógrafo da FFLCH alerta sobre noção equivocada de “falta de água”

    A população da Região Metropolitana de São Paulo convive há meses com a perspectiva da falta de água. De fato, muitos bairros já relataram episódios de torneiras secas e a preocupação em relação às chuvas na região ainda é presente no cotidiano dos paulistanos. O que um professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP vem tentando esclarecer, no entanto, é que falar em escassez hídrica é um erro, assim como culpar a falta de chuvas pela crise.

    A água é o recurso mais abundante do planeta, lembra Luis Antonio Bittar Venturi, do Departamento de Geografia. Entre 2010 e 2011, o geógrafo esteve na Síria desenvolvendo um pós-doutorado na Universidade de Damasco sobre recursos hídricos, com foco na bacia do rio Eufrates e na produção de água em usinas dessalinizadoras. Retornando ao Brasil, deu continuidade às pesquisas, o que resultou em sua tese de livre-docência defendida na USP. Estes estudos, conta, foram voltados a combater a ideia de que a água vai acabar e de que países poderão guerrear por ela.

    Nesta conversa com o professor, ele expõe sua visão contundente sobre a questão da água no Brasil e no mundo e propõe uma revisão de conceitos.

    O senhor afirma que não é possível falar em fim da água. Mesmo se considerarmos apenas as reservas de água doce, não estamos em uma situação preocupante?

    Foto: Arquivo pessoal
    Luis Venturi: Não podemos considerar apenas a água doce, destacada do ciclo hidrológico, já que ela advém, na quase totalidade, dos oceanos via evaporação e precipitação. Assim, enquanto a terra girar, o sol brilhar e a lei da gravidade estiver “vigorando”, as recargas de água nos continentes estarão asseguradas. Não há como interromper o ciclo hidrológico. E o que existe de água doce disponível na superfície e nos subsolos é muito mais do que a capacidade humana de utilizá-la. Só os cerca de 110 km³ de água que precipitam nos continentes anualmente já seriam suficientes para abastecer a humanidade. No Nordeste, o programa de cisternas usa apenas água da chuva para sustentar, com uma cisterna de 16 mil litros, uma família de cinco pessoas por oito meses. O que é finita é a capacidade do homem de captar, tratar e distribuir a água para assegurar o abastecimento. É absurdo dizer que a crise hídrica de São Paulo é causada pela falta de chuva, sendo que temos enormes reservatórios subutilizados. Como uma metrópole como São Paulo, com a pujança econômica que tem e toda a tecnologia disponível, fica a mercê da chuva, como se fôssemos povos primitivos?

    Na sua visão, então, o que provocou a crise?

    Luis Venturi: Ocorreram dois problemas, ambos de caráter gerencial: poluíram-se os recursos hídricos disponíveis e não se desenvolveu capacidade técnica para despoluir numa velocidade suficiente para atender à demanda. Imagine um estrangeiro sobrevoando São Paulo. Ele vai ver diversas represas e diversos rios como Tietê, Pinheiros, Tamanduateí… Ele simplesmente não vai entender como se fala em falta de água em São Paulo. Apenas a represa Billings teria água suficiente para abastecer mais de 4 milhões de pessoas, mas é subutilizada pois está poluída. A crise hídrica, ou seja, quando se abre a torneira e não sai água, é sempre gerencial, e não natural. Há exemplos de países com muito menos recursos hídricos do que o Brasil onde não falta água, como na própria Síria.

    As represas do sistema Cantareira estão secando porque se tem usado sua água num ritmo muito maior do que o das recargas naturais. Se os seis sistemas fossem mais equilibrados em termos de oferta e demanda de água, isso não ocorreria. É o que se está tentando fazer agora: aumentar a capacidade de uns sistemas para “desafogar” os outros, sobre os quais há grande pressão de demanda. Aí a mídia mostra represas secando para ilustrar a ideia de que a água vai acabar. Pode até acabar na sua torneira, mas não por falta dela, e sim por incapacidade de se assegurar o abastecimento. Essa ideia de fim da água é muito malthusiana e é obrigação da academia superar o senso comum fatalista e tão fortemente difundido pela mídia.

    A mídia mostra represas secando para ilustrar a ideia de que a água vai acabar. Pode até acabar na sua torneira, mas não por falta dela, e sim por incapacidade de se assegurar o abastecimento.

    Professor Luis Venturi, no rio Eufrates, próximo à fronteira com o Iraque: “Não se pode educar pelo medo, propagando uma visão fatalista” Foto: Arquivo pessoal

    Como foi sua experiência durante o período que esteve na Síria?

    Luis Venturi: Minha pesquisa lá teve dois focos: a bacia do rio Eufrates, compartilhada pela Turquia, Síria e Iraque, e a produção de água por dessalinização da água do mar, cuja tecnologia é compartilhada pelos países da Península Arábica, especialmente. Em ambos casos, não há crise nem conflitos. Por um lado, os tratados de cooperação sempre asseguraram o compartilhamento do Eufrates e os países banhados nunca guerrearam por água. Já no contexto da Península Arábica, as fontes naturais de água são tão escassas que não há o que ser disputado. Pelo contrário: aqueles países (Emirados Árabes, Omã, Arábia Saudita, Qatar, Bahrein e Kuwait) produzem água potável dessalinizando a água do mar, e compartilham essa tecnologia por instituições como o MEDRC (Middle East Dessalination Research Center), sediado em Muscate. Atualmente, já existem no mundo usinas de dessalinização movidas a energia eólica, como em Perth, na Austrália. Ora, se juntarmos um recurso inesgotável com uma energia inesgotável, temos que revisar os conceitos. Em suma, não há base empírica nem conceitual que sustente a hipótese da guerra da água, por mais que a mídia e muitas vozes reforcem essa perspectiva malthusiana.

    Península Arábica: as fontes naturais de água são tão escassas que se produz água potável dessalinizando a água do mar. Na foto, Orla de Muskat, em Omã Foto: Arquivo pessoal

    A dessalinização da água é uma alternativa vantajosa para o Brasil?

    Luis Venturi: O Brasil dispõe das maiores reservas superficiais e subsuperficiais de água doce (Bacias Amazônica e do Paraná; aquífero Alter do Chão e Guarani). Mesmo assim, a região Norte, de maior disponibilidade hídrica do mundo, é a região do Brasil onde se tem menos acesso à água potável no Brasil, segundo a Agência Nacional de Águas. Deste modo, questões gerenciais são mais urgentes do que a introdução de novas tecnologias. E, por vezes, tecnologias mais simples, como cisternas e transposições, podem causar um impacto social positivo muito grande. De qualquer modo, o desenvolvimento de membranas filtrantes podem ser muito úteis na despoluição da água (o que já se tem anunciado), muito mais do que em dessalinização. A dessalinização pode ser útil também no Nordeste, onde as reservas naturais apresentam alta salinidade. Já vi estudos que mostram a viabilidade do uso de dessalinizadores domésticos movidos a energia solar, o que é adequado para aquela região.

    Sobre a necessidade de revisar conceitos, o que o senhor acredita que deveria ser mudado?

    Luis Venturi: É incorreto classificar a água como um recurso renovável, como muitos livros didáticos de Geografia ainda fazem. Recurso renovável é aquele que, ao ser utilizado, tem a capacidade de se recuperar seus estoques por mecanismos naturais, como no caso das florestas. Este conceito não se adequa à água, já que as suas quantidades são estáveis no Planeta. A molécula de água não se destrói com o uso e sempre acaba voltando para o sistema, ainda que em outro estado, de modo que sempre apenas “emprestamos” água do ciclo hidrológico. Só que ao mesmo tempo em que os livros didáticos classificam a água como renovável, fala-se que se trata de um recurso finito, o que é um contrassenso. Aqui mesmo na USP há uma campanha de ótimas intenções para o uso racional da água, mas que pecou quando afirmou que água é um “recurso finito”, quando o correto seria dizer: “captar, tratar e distribuir água é caro: economize”, ou então: “a capacidade da sociedade de tratar e distribuir água é finita: economize”.

    Finalmente, pouco se fala em desperdício qualitativo, mas apenas no quantitativo. No âmbito doméstico, como não se recebe água de reúso, a mesma água que se bebe se usa para dar a descarga, por exemplo. Cerca de metade dos usos domésticos de água não necessitam de água potável. Vejam que a questão dos recursos hídricos é muito mais complexa dos que os reducionismos difundidos pela mídia.

    Represa de Al-Assad, a maior da Síria, no médio Eufrates Foto: Arquivo pessoal

    Falar sobre a inesgotabilidade da água não pode acabar estimulando o uso irracional deste recurso?

    Luis Venturi: Sempre que sou convidado a falar em escolas e faculdades alguém me pergunta isso, se não é perigoso afirmar que a água é infinita. Mas não se pode educar pelo medo, propagando uma visão fatalista. É uma obrigação da academia superar o senso comum. As pessoas têm que conhecer, sim, os riscos de ficarem sem água e, se isso acontecer, ter consciência das reais razões deste fato, do papel de cada um, inclusive delas mesmas pelo uso racional.


    Mais informações: email luisgeo@usp.br

    Publicado em Entrevista, Meio ambiente, USP Online Destaque por Aline Naoe, em 24 de agosto de 2015

  • ‘Águas Cantareira’ já pode ser encontrada nos supermercados

    ‘Águas Cantareira’ já pode ser encontrada nos supermercados

     

    O produto gourmet, assinado pelo governador Alckmin e pela Sabesp, vai fazer da crise hídrica uma oportunidade. 100% volume morto.

    Tudo bem que nem tudo que reluz é ouro ou, ainda, que tudo que é sólido se desmanche no ar. Mas duro de acreditar mesmo é que a água da mais rica cidade do Brasil — país com 12% da água potável do planeta — está de fato virando poeira, garganta seca e ar encanado (sim, estamos pagando também por isso).

    A crise da água em São Paulo não acabou e seus moradores enfrentam o mais grave colapso no abastecimento de sua história estacionados na segunda etapa do processo de luto: a da negação. Nem pelo choque passamos, ainda — mas o Exército já treina o cordão de isolamento da Sabesp em caso de revolta popular e caos nas ruas. A estação seca está apenas começando.

    Rótulo do novo produto que já pode ser encontrado nos supermercados perto de você! Arte: Pedro Inoue

    O governo dá desconto para grandes empresas e promete obras de transposição de bacias em regime de urgência, para acumular atrasos em sequência. Os mananciais seguem poluídos, desmatados e cada dia mais secos — e avançamos bebendo o volume morto desde maio do ano passado. Será que caso ou compro uma cisterna?

    Água, quem diria, virou produto exclusivo, coisa rara, objeto de disputa. Status de iguaria e cada vez mais cara. A Sabesp impõe dois aumentos consecutivos na conta mensal em apenas seis meses. Os acionistas da empresa em Nova York são insaciáveis e, em São Paulo, dezenas de bairros já vivem sob a pressão de estar com a pressão reduzida. Banho de chuva virou tendência.

    A garantia da água vem da fonte: Represa Jacareí, no sistema cantareira, durante a última seca, em 2014.

    Com suas últimas gotas pingando nas torneiras dos bairros centrais, o que pode ser mais exclusivo do que a água do Cantareira (Descanse em paz)? Ah, mas sempre haverá a água mineral engarrafada, gourmet de preferência. Nosso governador, aquele que prometeu em rede nacional que não falta e não faltará água em São Paulo, parece ter encontrado uma solução: Águas Cantareira, porque toda crise é uma oportunidade.

    Para quebrar a paralisia do luto e propor ação contra a transformação da água em mercadoria de luxo, o Greenpeace lança a marca Águas Cantareira, o produto do governador Geraldo Alckmin e da Sabesp, pai e mãe da gestão irresponsável do recurso que deve ser garantido como um direito essencial a todos os cidadãos. Se depender deles, não vai faltar sede.

    Assine a petição pelo fim dos descontos aos grandes consumidores em www.aguaparaquem.org.br. Acompanhe o lançamento da Água Cantareira neste 23 de junho nas redes sociais.