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  • A ‘facada’ de Trump e o esquecimento da cloroquina

    A ‘facada’ de Trump e o esquecimento da cloroquina

    A notícia de que Donald Trump e sua esposa, Melania, testaram positivo para o coronavírus caiu como uma bomba na política estadunidense e global. Além das implicações práticas que esse acontecimento traz para as eleições americanas em novembro, a divulgação dessa notícia/evento e suas repercussões são um bom exemplo da condição atualista de nosso tempo.

    Mateus Pereira, Valdei Araujo, Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto em Mariana*

    Foi o próprio Trump quem deu a informação, por meio de sua conta no Twitter, na madrugada da última sexta-feira, 2 de outubro. Após subestimar, durante meses, a gravidade da pandemia, o atual presidente americano recebeu o diagnóstico de COVID-19, precisou ser internado e permanecer sob cuidados médicos, depois de apresentar sintomas sérios da doença. Portanto, Trump agora sente, na própria pele, a capacidade de contaminação do vírus que ele tanto subestimou. Só nos EUA, quase 7,5 milhões de pessoas foram atingidas, e mais de 200 mil morreram. De imediato, a imprensa conservadora tratou a questão como o ataque de um inimigo invisível. Certamente, para aqueles que desde o começo se recusaram a percebê-lo.

    A notícia da infecção do candidato republicano é mais um ingrediente no caldeirão agitado e cheio de incertezas das eleições presidenciais americanas. Desde o momento em que Trump veio a público informar sobre o seu diagnóstico, muitos se perguntaram se era realmente verdade, ou se seria mais uma fake news do agitador, para mais uma vez conturbar as eleições e alimentar a guerra cultural. Talvez nunca tenhamos uma resposta satisfatória para o fato, porque, paradoxalmente, apesar de sermos parte de um tempo que promete a total transparência e exposição, a verdade ainda é capaz de se esconder.

    Nossas dúvidas são mesmo justificáveis, considerando o histórico de mentiras e desinformação do presidente estadunidense. Como mostra a pesquisa feita pela Cornell University, Trump foi a principal fonte para a difusão de desinformação a respeito da pandemia de COVID-19. A pesquisa demonstra que dos 38 milhões de artigos analisados sobre a pandemia, 1,1 milhão continham desinformação, e destes, 38% citavam algo que Trump teria afirmado.[1]

    Ainda que os principais veículos de notícias tenham confirmado o diagnóstico positivo de Trump para o coronavírus, não tem sido possível dissipar a densa nuvem de confusão e incerteza que rodeia esse acontecimento.

    Argumentamos em livro recente, Almanaque da Covid-19 [2] que uma das características do atualismo é a explosão de notícias em fluxo contínuo, no qual o valor de verdade da informação se confunde com o seu valor de novidade, ou seja, sua atualização. A expansão dos canais de notícia 24 horas e das novas plataformas digitais se alimentam justamente dessa pulsão atualista pela atualização constante. Confirma o nosso argumento o tweet de Trump a respeito da sua contaminação pelo coronavírus: diversas empresas jornalísticas dos EUA disponibilizaram na internet serviços de “atualizações ao vivo” dedicadas somente a esse fato, misturando nessas plataformas informações verificadas, opiniões e especulações sobre o estado clínico do atual presidente e suas repercussões para o processo eleitoral americano.

    Sob a estrutura atualista surge a crença de que estar atualizado com as notícias é o mesmo que estar certo. No entanto, ao diluir as fronteiras entre fato e opinião, e pelo próprio fluxo acelerado de produção e circulação da informação – consequência da concorrência feroz por ser mais rápido do que os outros – o resultado é acentuar o ambiente de dúvidas e incerteza, visto que essa estrutura dificilmente contribui para a criação de referências estáveis por meio das quais possamos nos orientar no mundo.

    Um sintoma claro desse ambiente atualista é a grande confusão com relação ao real estado clínico do presidente. Inicialmente, a equipe médica de Trump afirmou em entrevista coletiva, no último sábado, dia 3, que o presidente se encontrava em bom estado de saúde, sem dificuldades para respirar ou caminhar, sem a necessidade de suporte de oxigênio, embora sem apresentar alguma previsão de alta.[3]

    O próprio Trump gravou um pequeno vídeo, com a clara intenção de despertar a empatia do público, dizendo que estava se sentido bem e disposto a “fazer a América grande de novo”, e que retornará às atividades de campanha em breve.[4] Acrescentou que lutará contra o vírus em nome das milhões de pessoas infectadas nos EUA e no mundo, e afirmou: “Nós vamos derrotar esse coronavírus, ou como quer que queiram chamar isso”. O candidato ainda caracterizou os medicamentos que tem tomado para enfrentar a doença como “milagrosos” – dentre os quais não se encontra a cloroquina, substância xodó da extrema-direita.

    Na nova ordem da informação, a cloroquina sai de cena sem que Trump e seus apoiadores façam qualquer autocrítica aos seus discursos anteriores. Assim, ela foi relegada ao museu dos bagulhos, para usarmos uma expressão da tradução brasileira do romance que serviu de base para o filme Blade Runner. No romance, bagulho é explicado como um tipo de lixo futurista, que ganha vida própria e entulha o mundo conhecido tornando-o inabitável para os humanos. Hoje, replicantes são as fake news e estamos todos em busca de bons caçadores.

    Nessa situação, a cloroquina guarda também alguma semelhança com a ideia de obsolência programada, tal como é definida pela Wikipédia, a saber: “Obsolescência programada é a decisão do produtor de propositadamente desenvolver, fabricar, distribuir e vender um produto para consumo de forma que se torne obsoleto ou não funcional especificamente para forçar o consumidor a comprar a nova geração do produto.” No caso, o vendedor é o presidente da maior democracia do mundo.

    No livro Espaços da Recordação, Aleida Assmann, desenvolve uma interessante relação entre o arquivo e o lixo a partir da ideia de que, em nosso tempo, o que não é guardado é descartado. A esse respeito ela cita o trabalho do artista russo-americano Ilya Kabakow que criou um pequeno museu de “bagulhos” e “lixo”, onde encontramos objetos esquecidos e rejeitados. Parece ser o destino da cloroquina, que afetou, das mais diversas formas, a vida de inúmeras pessoas? Talvez. Mas, só depois que algumas “autoridades” mundiais conseguiram “descartar” a superprodução do medicamento. Sabemos que, em um grande país do sul do mundo, o exército nacional tem um estoque para 18 anos, considerando a produção dos anos anteriores, utilizada para o combate contra a malária.[1]

    Mas, no mesmo sábado, dia 3, surgiu uma notícia divergente sobre a saúde do presidente estadunidense. Desta vez, o chefe de gabinete da Casa Branca, Mark Meadows, disse a repórteres que Trump não estava em um caminho claro de recuperação da COVID-19, e que, nas últimas 24 horas, alguns de seus sinais vitais eram “muito preocupantes”.[5] Além disso, o jornal The New York Times divulgou a informação, coletada a partir de duas fontes próximas ao presidente americano, que Trump teve problemas para respirar durante a última sexta-feira, levando os médicos a darem a ele oxigênio suplementar e, por esse motivo, levaram-no para o hospital militar Walter Reed, em Maryland, onde o presidente encontrava-se internado.[6]

    No fim da tarde de segunda-feira, dia 5, Trump recebeu alta hospitalar e deixou o hospital Walter Reed. A partir de agora, o presidente dos EUA seguirá com o tratamento na Casa Branca. Chegando na residência oficial, Trump posou para os fotógrafos e tirou a máscara. Mas o médico oficial da Casa Branca, Sean Conley, declarou que a saúde de Trump ainda não está totalmente controlada. 

    Diante de informações tão confusas e discrepantes, como podemos nos situar com relação à infecção de Trump pelo vírus a partir de uma base de referência minimamente estável e segura? Frente a esse quadro, somos empurrados a continuar acompanhando o fluxo de notícias a respeito de como o atual presidente americano efetivamente está, pois essa questão é decisiva para o modo como o processo eleitoral americano irá transcorrer daqui em diante.

    Aliás, os impactos do diagnóstico de Trump para a campanha eleitoral é tema de muitas dúvidas e especulações entre os analistas estadunidenses e brasileiros, pois uma das bases fundamentais de sua campanha era, justamente, a realização de comícios com a presença física de seus apoiadores – inclusive, Trump se gabou desse fato durante o último debate presidencial, sugerindo que Joe Biden não fazia o mesmo porque “ninguém quer ouvi-lo”. Nesse sentido, a contaminação do atual presidente pelo vírus traz certamente grandes impactos para a sua campanha, pois afeta a sua agenda de comícios e o força a se ausentar durante o período de quarentena.

    Mas, como falamos em nossa última coluna [7], Trump é um exímio surfista em nosso tempo atualista. Apesar de ver seu plano de campanha colapsado, em função do coronavírus, esse fato dá a ele uma superexposição na mídia, ao passo que a campanha de Biden e seu nome tendem a perder bastante espaço na cobertura dessas eleições. Isso permite, ao atual presidente, a chance de chegar ao dia da eleição como o assunto principal do país, em uma pauta que não é diretamente negativa, em especial, entre seus apoiadores e potenciais simpatizantes.

    Se por um lado, pode-se cobrar de Trump a prestação de contas por sua conduta de menosprezo à gravidade do vírus, por outro, o seu diagnóstico pode motivar a sua base de apoiadores a comparecer às urnas e a engaja-los, ainda mais, na tarefa de convencer alguns eleitores indecisos. Isso pode ser decisivo em um processo eleitoral tão caótico e acirrado, como o dos EUA. Votos que podem ajudar Trump a questionar uma eventual vitória apertada de Biden, produzindo uma crise sem precedentes e com impactos no Brasil, inclusive. Afinal, ele tem ameaçado dar um golpe caso perca de forma apertada. E é justamente disso que se trata.

    Guardadas as devidas proporções, podemos traçar uma relação entre o diagnóstico de Trump, isto é, o acontecimento dele ter se contaminado pela COVID-19 a menos de um mês da eleição e o episódio da facada de Jair Bolsonaro, durante a campanha de 2018, no Brasil. Além de ter provocado a empatia em parte importante do eleitorado brasileiro, que o viu como uma vítima, aquele fato colocou Bolsonaro no centro das atenções da mídia por muito tempo. Essa superexposição midiática o fez ser mais conhecido entre o eleitorado nacional, e foi um fato decisivo para a sua vitória na última eleição – como afirmou o cientista político Jairo Nicolau em entrevista recente.[8]

    Há, certamente, diferenças importantes entre o episódio da facada de Bolsonaro e a infecção de Trump pelo novo coronavírus. A começar pelo fato de Trump já ser o atual presidente do país. Mas a questão é que, em nosso mundo atualista, estar constantemente exposto na mídia pode ser definidor. Assim, a própria confusão a respeito de seu estado clínico, como dissemos acima, contribui para a sua superexposição, pois na configuração atualista, a produção constante de notícias (verdadeiras ou simuladas) é o que importa. E mesmo dentro de um hospital, e em tratamento, o presidente americano conseguiu alcançar esse objetivo.

    Em pouco tempo saberemos as consequências, pois ao contrário do que a condição atualista pode querer nos iludir, as ações têm consequências. O problema é que a “névoa”  produzida pela desinformação, simbolizada aqui pela exposição da cloroquina no “museu dos bagulhos”, tem como um de seus objetivos nos impedir de perceber as consequências de determinadas ações – mesmo que seja muito difícil imaginar hoje a extensão de tais consequências, dada as especificidades do atual desenvolvimento técnico, em especial, em tempos de revolução digital. Como destaca o filósofo Günther Anders, nós somos cada vez mais incapazes de imaginar o que estamos de fato produzindo em termos de técnica e governo. As vidas perdidas, tanto nos EUA como no Brasil, durante essa pandemia, são uma prova disso, infelizmente. A democracia está em risco em muitos lugares, inclusive no Império Norte-Americano! E para terminar: os familiares das vítimas da ilusão da cloroquina jamais esquecerão esse crime!

     (*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Mateus Pereira e Valdei Araujo são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto em Mariana. Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição.


    [1] https://www.youtube.com/watch?v=bYz-D0mefxI

    [2] https://www.amazon.com.br/Almanaque-COVID-19-esquecer-hist%C3%B3ria-presidente-ebook/dp/B08BX1CX55/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&dchild=1&keywords=almanaque+da+covid&qid=1601822251&sr=8-1

    [3] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/10/03/donald-trump-covid-19-coronavirus-medicos-eua.htm

    [4] https://www.youtube.com/watch?v=0n4D8QyRmsQ

    [5] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/10/03/trump-saude-covid-19.htm

    [6] https://www.nytimes.com/2020/10/03/us/politics/trump-covid-updates.html

    [7] https://jornalistaslivres.org/o-primeiro-debate-presidencial-nos-eua-e-a-crise-da-democracia/

    [8] https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-27/jairo-nicolau-bolsonaro-e-uma-lideranca-inequivoca-e-um-lula-da-direita.html


    [1] https://extra.globo.com/noticias/brasil/exercito-brasileiro-tem-estoque-de-cloroquina-para-18-anos-rv1-1-24500378.html

  • Dúvidas nossas de cada dia

    Dúvidas nossas de cada dia

    Por Fabianna Pepeu

    Ainda em março — salvo engano —, pisando em ovos porque era o início disso tudo aqui no Brasil e eu não sou epidemiologista nem nada, sugeri uma relação entre os casos de infarto agudo, morte súbita e Covid. Não tenho bola de cristal e não sou tão baixinha (sou?) quanto a Madame Mim, mas observei o aumento do número de mortes por problemas cardiológicos no país em paralelo ao grande volume de infectados pelo novo coronavírus com sintomas, até então, considerados típicos: dor na garganta, febre, falta de ar, cansaço, falta de olfato e também ausência de paladar.

    Depois, li alguns estudos feitos aqui e em outros países que indicavam realmente problemas cardiológicos e óbitos dialogando com a infecção pelo novo coronavírus.* Médicos e pesquisadores também levaram em consideração que a pandemia adiou a ida aos consultórios médicos, interrompeu tratamentos de saúde diversos e aumentou o estresse — fatores importantes na investigação sobre o aumento do número de casos de morte por questões cardiológicas no mundo todo.

    Aqui no Brasil, em junho, dados da associação de cartórios em parceria com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)** mostraram um aumento de 31% em mortes por doenças cardiovasculares. Dados levantados no período de 16 de março a 31 de maio em comparação com o mesmo período do ano passado. Nesse intervalo, os óbitos por doenças como morte súbita, parada cardiorrespiratória e infarto agudo do miocárdio (choque cardiogênico) foram de 14.938 em 2019 para 19.573 em 2020.

    Por que estou falando nisso agora? Porque fiquei pensando de novo nessas coisas todas em função da grande perda que representa a recente morte de Zuza Homem de Mello para os familiares, amigos e para a cultura brasileira.

    O infarto agudo do miocárdio também nos levou o cantor e compositor Moraes Moreira e, ainda, o escritor Rubem Fonseca, o narrador esportivo Carlos Eduardo Sica Cortez (40 anos, saudável) e o maestro Henri Roberto Leite. Já o mal súbito, que é outro problema cardiológico, levou, no interior de Pernambuco, a sobrinha de um amigo querido que faz jornalismo cultural.

    Essas pessoas teriam ido embora também por conta do novo coronavírus? Que estados e municípios têm condições de fazer uma investigação (pente fino) nos óbitos não relacionados em um primeiro momento à Covid? Nas notícias sobre esses poucos exemplos que aqui elenco não constam a marca da doença, mas não é possível garantir que não exista também uma relação direta com o novo coronavírus.

    Será que essas mortes chegaram a ser investigadas para o novo coronavírus, repetindo, considerando que boa parte dessas pessoas já era de uma certa idade, etc e tal, e que infartos acontecem e pronto? No caso do comunicador e da adolescente, sendo jovens, diante do susto da morte, algum familiar teve condições de pensar nisso?

    Covid e fadiga

    Tem sido cada vez mais frequente a evidência acerca das sequelas, em alguns casos bem severas, deixadas pela Covid. Um exemplo é a Síndrome da Fadiga Crônica (SFC). Depois da fase aguda, a Síndrome de Stevens-Jonhson (alergia extrema a medicamento), também causa a Síndrome da Fadiga Aguda e eu, uma de suas vítimas, asseguro que se trata de uma condição muito limitante e complicada.

    Há quem confunda cansaço contínuo — ou que vai e vem, sem motivo aparente —, falta de concentração e sono que não revigora com depressão.

    Infelizmente, pouca gente tem a sorte (que outro termo usar?) de ter um diagnóstico rápido e preciso acerca do mal que lhe acomete. Poucos médicos e outros profissionais de saúde — por formação equivocada, preguiça, pressa para faturar mais ou até condições precárias de trabalho — fazem uma boa anamnese, observando com compaixão quem está adoecido e buscando uma visão holística do paciente. E ter um diagnóstico preciso é meio caminho andado para sair do adoecimento ou até seguir em direção à cura (pra quem, felizmente, tem essa perspectiva).

    HIV & Covid.

    Do mesmo modo como aconteceu nos anos 1980, por exemplo, quando o HIV — sigla em inglês para vírus da imunodeficiência humana, que ataca as estruturas de defesa do organismo, deixando-o mais vulnerável às chamadas doenças oportunistas, como pneumonias e tuberculoses — causou um rebuliço grande nas coisas do mundo, só bem adiante é que saberemos um tanto de coisas importantes sobre esse diacho do novo coronavírus, que daí já será até mais velho. Ufa!

    Haverá mesmo uma vacina que nos protegerá completamente da Covid, ou apenas remédios para o tratamento quando formos contaminados? O que deixamos de fazer para nos proteger e que excessos teremos cometido nesses meses todos?

    Há muitas questões em aberto que apenas o tempo — esse grande escultor — e muita pesquisa e estudo poderão nos responder.

    No caso dos portadores de HIV, houve um momento no qual eles eram evitados pelo restante da população. Houve uma estigmatização cujo pano de fundo era uma questão bem moralista. Foi difícil para muitas pessoas. Hoje, há tratamento, o preconceito diminuiu e essas pessoas podem, por exemplo, dar e receber beijos sem risco e seguir vida normal. Existem meios de evitar a contaminação.

    No caso do novo coronavírus, haverá um momento de novo no qual poderemos, finalmente, voltar a beijar estranhos — pero no tanto — nas ruas, avenidas e pracinhas das cidades?

    * The New York Times: https://www.nytimes.com/2020/03/27/health/coronavirus-cardiac-heart-attacks.html

    **Sociedade Brasileira de Reumatologia: https://www.reumatologia.org.br/clipping/pacientes-que-contrairam-covid-19-podem-desenvolver-fadiga-cronica/

  • Volta às aulas é proibida pela Justiça em Colégio Militar de Belo Horizonte

    Volta às aulas é proibida pela Justiça em Colégio Militar de Belo Horizonte

    Aloísio Morais

    A Justiça Federal deu um chega-pra-lá nos militares do Colégio Militar de Belo Horizonte e proibiu o retorno às aulas presenciais a partir da próxima segunda-feira, 21, a exemplo do que outras instituições do Exército pretendem fazer no país. A instituição tem cerca de 750 alunos, 42% do sexo feminino. Dezenas de pais de alunos são contrários à volta às aulas, mesmo com uma série de protocolos a serem adotados. Durante a ditadura, as instalações da escola abrigaram presos políticos, que foram vítimas de tortura no local.

    A retomada das atividades escolares na unidade do Exército provocou discussões tanto na Prefeitura de Belo Horizonte quanto no Ministério Público Federal e, como medida de segurança, o Sindicato dos Trabalhadores Ativos, Aposentados e Pensionistas do Serviço Público Federal (Sindsep-MG) entrou na Justiça com um pedido em tutela de urgência para continuidade do regime remoto de aulas, o que foi acatado com a fixação de uma multa de R$ 5 mil por dia, caso ocorra descumprimento da determinação.

    Colégio do bairro Pampulha foi usado para abrigar presos políticos durante a ditadura

    Sem prejuízo

    Na quarta-feira, 16, a direção do Colégio Militar encaminhou às famílias um comunicado informando sobre o retorno obrigatório às aulas na unidade, exceto para os alunos que comprovassem pertencer a grupos de risco para o novo coronavírus. Porém, para o sindicato, o retorno não é necessário, uma vez que os alunos não estariam sendo prejudicados pelo sistema de aulas on-line. Pela avaliação dos professores, os estudantes estão respondendo bem às aulas.

    “Nós estamos conversando com os professores há mais de um mês, logo que eles perceberam que seriam convocados para um planejamento presencial das atividades e que incluía desde então o retorno às aulas na própria escola. Nós entendemos que não é necessário um retorno presencial quando tudo pode ser feito remotamente. Sabemos que a cidade está em processo de reabertura, mas achamos que não há necessidade de colocar mais pessoas nos ônibus e nas ruas se os alunos estão respondendo bem às aulas remotas. As aulas estão tendo qualidade”, ressaltou a diretora do Sindicato, Jussara Griffo, ao jornal O Tempo.

    Segundo Jussara, o Colégio Militar tinha determinado que retornariam apenas aqueles funcionários que não compõem grupos de risco para a pandemia do novo coronavírus, mantendo em regime remoto, portanto, aqueles com idades superiores a 60 anos e portadores de comorbidades. “Se algumas pessoas permaneceriam em casa, entendemos que o trabalho pode ser mantido remotamente, então não há necessidade de retornar também os outros. Para quê colocar alunos em risco, famílias e professores? Se os alunos estão respondendo bem às aulas remotas, podemos mantê-las”, declarou.

    O comunicado feito pelo colégio indicava que haveria um revezamento entre turmas e a adoção de medidas sanitárias relacionadas à Covid-19 para garantir a segurança de estudantes, funcionários e familiares. O retorno contradiz as políticas municipal e estadual que ainda mantêm as aulas suspensas nas redes pública e particular de Minas Gerais. Autoridades da Prefeitura de Belo Horizonte declararam nessa sexta-feira, 18, que poderia procurar a Justiça para pedir a proibição da retomada do ano na unidade militar. Em uma mesma direção, o Ministério Público Federal determinou que o diretor do colégio, o coronel Marco José dos Santos, explicasse à Justiça com um prazo máximo de 24 horas quais estudos técnicos e protocolos de segurança justificariam o retorno às aulas presenciais.

    Barbacena


    Desde o dia 26 de maio mais de 200 alunos da Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar) em Barbacena, no Campo das Vertentes, em Minas, testaram positivo para Covid-19. No dia 22 de junho, o Ministério Público Federal emitiu recomendação ao diretor de Ensino da Aeronáutica, major-brigadeiro do Ar Marcos Vinícius Rezende Murad, e ao comandante da Escola Preparatória de Cadetes do Ar, brigadeiro do Ar Paulo Ricardo da Silva Mendes, para suspender imediatamente todas as aulas e demais atividades acadêmicas presenciais.
    A Epcar é uma escola de ensino militar sediada em Barbacena que admite alunos de idade entre 14 e 18 anos por meio de concurso público. No local, estudantes de várias cidades de todo o Brasil vivem em regime de internato e, por isso, dormem em alojamentos e têm aulas em horário integral.

  • 26º Grito dos Excluídos em defesa da vida reúne manifestantes no centro do Recife

    26º Grito dos Excluídos em defesa da vida reúne manifestantes no centro do Recife

    Manifestantes se reuniram nessa segunda-feira para a 26ª edição do Grito dos Excluídos, ato que ocorre tradicionalmente no 7 de setembro, e realizaram protestos em várias cidades do Brasil. Em 2020 o tema da manifestação foi “A vida em primeiro lugar” com o lema “Basta de miséria, preconceito e repressão”.

    No Recife, integrantes de movimentos sociais se concentraram no parque 13 de Maio por volta das 9h e seguiram pelas ruas do Centro da capital Pernambucana com bandeiras, faixas, cartazes e gritos de protesto contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governo federal. O ato lembrou as vítimas da Covid-19 e também pediu justiça para o menino Miguel, que caiu de um prédio quando estava sob os cuidados da patroa da mãe da criança.

    Estiveram presentes no ato integrantes de diversos sindicatos, da Central Única dos Trabalhadores, e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), além de representantes de partidos políticos e de organizações não governamentais. O presidente da CUT, Paulo Rocha, destacou que, no Brasil, mais de 120 mil pessoas morreram devido à Covid-19.

    Devido à pandemia do novo coronavírus, o desfile de 7 de Setembro, que acontece toda ano na Zona Sul do Recife, não foi realizado em 2020.

    26º Grito dos Excluídos em defesa da vida reúne manifestantes no centro do Recife nesta segunda-feira (7). Foto: Pedro Caldas/Jornalistas Livres.

    26º Grito dos Excluídos em defesa da vida reúne manifestantes no centro do Recife nesta segunda-feira (7). Foto: Pedro Caldas/Jornalistas Livres.

    26º Grito dos Excluídos em defesa da vida reúne manifestantes no centro do Recife nesta segunda-feira (7). Foto: Pedro Caldas/Jornalistas Livres.


    26º Grito dos Excluídos em defesa da vida reúne manifestantes no centro do Recife nesta segunda-feira (7). Foto: Miguel Solano/Jornalistas Livres.

    26º Grito dos Excluídos em defesa da vida reúne manifestantes no centro do Recife nesta segunda-feira (7). Foto: Miguel Solano/Jornalistas Livres.

    26º Grito dos Excluídos em defesa da vida reúne manifestantes no centro do Recife nesta segunda-feira (7). Foto: Miguel Solano/Jornalistas Livres.

    26º Grito dos Excluídos em defesa da vida reúne manifestantes no centro do Recife nesta segunda-feira (7). Foto: Miguel Solano/Jornalistas Livres.
  • A vulnerabilidade da população negra escancarada pela Covid-19

    A vulnerabilidade da população negra escancarada pela Covid-19

    Entidades apontam ainda que entre a população negra, quilombolas, mulheres, pessoas presas e moradores de favelas são os mais afetados

    Por Alane Reis e Naiara Leite

    No último sábado (8) o Brasil alcançou a marca de 100 mil mortes em decorrência do coronavírus. De acordo com a 11ª Nota Técnica divulgada pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS) da PUC-RJ, entre o número de óbitos, negros são 55% dos vitimados, contra 38% dos brancos. A mesma pesquisa aponta que as pessoas que não concluíram o ensino básico apresentam taxas três vezes maiores de letalidade (71%) ao adquirirem a doença do que pacientes com nível superior (22,5%).

    A pandemia tem escancarado as violências do racismo na vida da população negra, das periferias e favelas, dos quilombos e comunidades rurais de todo país. Condições de moradia, saneamento básico, uso de transporte público, ocupações em postos de serviços essenciais fazem com que negros se exponham mais ao risco de adquirirem a doença. Mas além disso, as vulnerabilidades sociais têm agravado a situação da população negra no contexto atual: aumento do índice de pessoas convivendo com a fome e o não acesso a renda básica para suprir as necessidades fundamentais; o desemprego ou o dia a dia dos trabalhos informais; o não acesso a manutenção da educação em método home office; o crescimento das violências do Estado e doméstica; entre outros fatores, expõem as pessoas negras a diversas ameaças à vida e ao bem estar. 

    Como forma de enfrentar esta realidade a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos apresentou no dia 13 de julho um requerimento, para realização de audiência pública junto a Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19 (CEXCORVI) com o objetivo de discutir e incidir nos impactos do coronavírus nas populações negras e quilombolas. 

    A Frente Parlamentar é presidida pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL – RJ) e é formada por representantes da Câmara, do Senado e da sociedade civil. De acordo com Paola Gersztein, assessora do Instituto de Estudos Sócio-econômicos (INESC) na coordenação do GT de Direitos Humanos da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC), o objetivo da audiência é a escuta de especialistas que representam a população negra acerca dos impactos da pandemia e a urgente visibilização que o tema merece, para que assim sejam tomadas medidas necessárias para a proteção e a garantia de direitos. “Nosso objetivo é denunciar, visibilizar e exigir providências do Estado que sempre tratou essas vidas como supérfluas, em um genocídio que se perpetua desde que a primeira pessoa negra foi violentamente arrancada de seu território e escravizada nessas terras”, afirma.

    Paola Gersztein destaca que além da formalização do requerimento, as organizações da sociedade civil que compõem a Frente tem buscado apoio junto aos gabinetes dos deputados que fazem parte da CEXCORVI para que a realização da reunião técnica não tarde ainda mais. “Nesse processo, algo já ficou claro: a demora na concretização deste pedido é uma inequívoca expressão de racismo institucional”, enfatizou.

    Vulnerabilidade pelo Covid-19
    Ação comunitária feita por moradores do Complexo do Alemão (RJ)

    O “Novo Normal” do Congresso

    Desde o início da pandemia os trabalhos do Congresso Nacional têm sido realizados de maneira virtual. A sociedade civil, por meio da Frente Parlamentar, lançou um manifesto pressionando a garantia de sua participação no processo legislativo e a transparência das decisões tomadas pelo parlamento. Nenhuma medida proposta no manifesto foi acatada pelo presidente da câmara Rodrigo Maia (DEM – RJ). E neste cenário, parlamentares demoram para votar pautas essenciais como PLs de proteção às mulheres, indígenas e quilombolas; e ainda tentam pautar retrocessos de direitos, como foi o caso do “PL da grilagem”.

    A Emenda Constitucional (EC 95), chamada da EC do Teto de Gastos, aprovada em 2016 pelo Congresso, resultou na perda de 20 bilhões de reais entre 2018 e 2020 para a saúde pública no Brasil. Os cortes limitaram a capacidade de uma resposta rápida e eficiente à pandemia da Covid-19, prejudicando principalmente as populações mais vulneráveis – ou seja, negras –, que dependem exclusivamente do SUS.

    Ainda assim, o Congresso Nacional autorizou desde 20 de março, R$ 500 bilhões de reais para enfrentamento a Covid-19 no Brasil, não só para a saúde, mas diversas ações. Deste montante, apenas 54% já foram executados, o que é insuficiente considerando que é recurso específico para o enfrentamento da crise sanitária, já contamos com quatro meses do decreto de calamidade.

    Carmela Zigoni, representante do Fórum Permanente pela Igualdade Racial (FOPIR) na Frente Parlamentar, destaca que ao analisarmos as ações específicas do governo em enfrentamento à pandemia, a melhor execução é a do Auxílio Emergencial, pois trata-se de transferência direta da Caixa Econômica Federal para as contas dos beneficiários. “Do recurso geral destinado ao enfrentamento à pandemia, R$ 254,2 bilhões são reservados ao pagamento do auxílio, e 65,7% deste recurso já foram executados. No entanto, outras ações estão com execução aquém do necessário para a sociedade, como auxílio financeiro aos estados e municípios, com 50,4%; e o benefício emergencial para manutenção do emprego e renda, com execução de apenas 37,4%.  A ação específica de enfrentamento da Covid executou somente 47% do recurso disponível, após 4 meses de crise sanitária”, informa Zigoni, que também é assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) e atua no monitoramento do orçamento público.

    Os impactos da baixa execução orçamentária é um dos fatores responsáveis para que alcançássemos a triste marca de 100 mil mortos em quatro meses de pandemia. Ainda segundo Zigoni, “se a política fosse feita de maneira responsável, certamente o número de vitimas letais da covid-19 seria menor, principalmente entre negros e quilombolas, cujos territórios não acessam as políticas públicas necessárias”.

    Ressalta-se que a política de promoção da igualdade racial e enfrentamento ao racismo foi completamente desmontada após a publicação da EC 95. O Programa 2034: Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo sofreu uma queda de 80% de seus gastos entre 2014 e 2019, passando de R$ 80,4 milhões para R$ 15,3 milhões no período; quando comparamos 2019 e 2018, a queda foi de 45,7%. A despeito de todas as legislações, conferências nacionais e estruturação da política de igualdade racial desde 1988, o PPA 2020-2023 do Governo Bolsonaro extinguiu o Programa de Promoção da Igualdade Racial e Enfrentamento ao Racismo, bem como qualquer menção às palavras racismo e quilombolas.

    Situação da população negra dos Quilombos

    Organizações da sociedade civil desde o início da pandemia denunciam que os povos tradicionais, incluindo as comunidades quilombolas, seriam os mais afetados com o contexto, justamente pelo não acesso a direitos fundamentais anteriores. De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), até o dia 11 de agosto, foram 4.102 casos e 151 óbitos nas comunidades quilombolas. Um destaque revelador da negligência do governo com esta população, é que estes números estão sendo coletados pela própria CONAQ.

    “Desde o primeiro óbito, no estado de Goiás, a CONAQ começou o monitoramento diretamente com as lideranças porque o acesso aos dados pelas secretarias de saúde e Ministério é muito complicado. A gente sabe que o número é muito maior do que isso, mas da nossa forma é como estamos conseguindo dialogar com a sociedade sobre a Covid nos quilombos”, afirma Selma Dealdina, quilombola que integra a secretaria da CONAQ. 

    Dealdina destaca que até o acesso a informação sobre a situação real do contágio e prevenção ao covid é um desafio enfrentado pelos quilombolas. Realidade vivenciada em muitas comunidades sem o mínimo de acesso a internet e a radiodifusão. “A gente teve várias situações de praticamente linchamento dentro dos quilombos porque muitas pessoas não entenderam que pacientes quilombolas que contraíram o covid estavam curados. O que demonstra o alto nível de violação do direito à informação nos quilombos”. A liderança quilombola denuncia que antes da pandemia a saúde sempre foi um problema sério nos quilombos. “As comunidades não têm acesso a posto de saúde, a médico da família, então, nessa época, também não temos nada garantido”. 

    Vulnerabilidade pelo Covid-19
    Quilombo de Alcântara, no Maranhão

    As Mulheres negras

    É um grupo destacado no texto do requerimento apresentado pela Frente Parlamentar como vulnerável neste contexto. Um exemplo disso diz respeito a situação das trabalhadoras domésticas no período da pandemia. Como herança e manutenção da cultura escravocrata (racista e sexista), a maioria dos trabalhadores domésticos no Brasil (62,5%) são mulheres negras, de acordo com dados publicados pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos).

    A Deputada Federal Áurea Carolina (PSOL – MG), autora do Projeto de Lei (PL 2477/2020), que propõe a garantia da integridade do salário para trabalhadoras domésticas e a manutenção de todos os direitos trabalhistas durante o estado de calamidade pública, comenta a importância de construir uma política que defenda essas trabalhadoras.

    “As terríveis mortes de Cleonice, infectada com covid-19 pela patroa que voltou da Itália, e Miguel Otávio, que há dois meses caiu do prédio onde sua mãe trabalhava, foram causadas por negligência e desumanização, decorrências diretas do racismo estrutural. Esses casos reforçam a urgência pela aprovação do projeto de lei 2477/20, para proteger as trabalhadoras domésticas durante a pandemia e garantir a elas o direito ao isolamento”, comenta a deputada.

    Outro projeto de lei sobre o trabalho doméstico no período da pandemia que merece destaque é o PL 3977/2020, de autoria dos deputados federais Benedita da Silva (PT – RJ) e Helder Salomão (PT – ES). O projeto propõe que os empregadores domésticos que liberaram as trabalhadoras para o isolamento social mantendo a remuneração tenham desconto de abatimento equivalente no pagamento do Imposto de Renda.

    O trabalho doméstico já foi pauta em destaque na agenda pública brasileira no contexto da pandemia algumas vezes. A morte de Cleonice, a primeira vítima letal da Covid-19 no Brasil, foi uma delas. Outra situação emblemática foi quando o governador do estado do Pará, Helder Barbalho (MDB), decretou que entre as medidas de prevenção e contenção da pandemia no estado, o trabalho doméstico deveria ser considerado como atividade essencial.

    Enquanto isso, após cinco anos de cortes de recursos na política de mulheres, em 2020 o Ministério de Direitos Humanos (MDH) teve 425 milhões em recursos autorizados, porém, menos de 3% tinha sido gasto até maio deste ano. Carmela Zigoni destaca que “as mulheres negras periféricas e quilombolas são as mais vulneráveis no contexto da Covid-19, e é urgente que a ministra Damares Alves realize políticas com estes recursos para aliviar a violência e insegurança destas mulheres”.

    Vulnerabilidade pelo Covid-19
    Mulher Quilombola

    População negra encarcerada

    As prisões brasileiras registraram no início de junho um aumento de 800% nos casos de infecção pelo novo coronavírus em relação a maio, segundo balanço divulgado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A situação da população carcerária no Brasil é outro contexto explícito do funcionamento do racismo institucional. O país possui a terceira maior população carcerária do mundo, com quase 800 mil pessoas presas, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Deste total, 65% são negros. A superlotação e as condições de baixa higienização nos presídios preocupam especialistas, ativistas e familiares de presos desde o início da pandemia.

    Leonardo Santana, assessor de advocacy da Rede de Justiça Criminal, comenta que a pandemia do coronavírus ao atingir o sistema prisional, expos pessoas presas e trabalhadores à morte. “A superlotação torna impossível o distanciamento exigido para conter a propagação do vírus. Além disso, a ausência de equipes de saúde, água e itens de higiene contribui para que os números sobre a doença nas unidades prisionais sejam proporcionalmente superiores ao da população em liberdade. A visita de familiares foi suspensa em todo o Brasil e com ela a assistência material que supre em parte a omissão estatal, agravando o quadro de desespero intra e extramuros”, comenta Santana.

    De acordo com as informações do Depen até o dia 3 de julho apenas 2,18% dos mais de 748 mil presos no país foram testados. O Conselho Nacional de Justiça, através da Recomendação 62, listou orientações ao Judiciário para evitar contaminações em massa da Covid-19 no sistema prisional e socioeducativo. A Recomendação vem sendo ignorada pelo sistema de Justiça. No Legislativo, os projetos de lei 978/2020 e 2468/2020 construídos em conjunto pela sociedade civil e parlamentares pretendem dar uma resposta para o problema. 

    Diante deste contexto as organizações da sociedade civil que compõem a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e pelos Direitos Humanos tem pressionado o Congresso Nacional para cobrar dos poderes executivos a realização de ações que protejam a população negra no Brasil. A sociedade civil segue pressionando o Congresso para agendamento da audiência, onde os parlamentares poderão ouvir especialistas nos temas da saúde e do orçamento, além de organismos internacionais e movimentos negros. Os poderes executivos seguem dando sinais do afrouxamento das medidas de isolamento, mas os números de contágio e morte continuam crescendo a cada dia. “O vírus é invisível, mas as ações do governo de descaso com nossas vidas são bastante visíveis. Somos nós que estamos morrendo e o cenário é desolador”, reafirmou Selma Dealdina, liderança quilombola da CONAQ. 


    (1) https://reformapolitica.org.br/2020/03/25/organizacoes-da-sociedade-civil-pedem-transparencia-e-garantia-de-participacao-nos-trabalhos-do-congresso-durante-pandemia-de-coronavirus/

  • Mulheres convivem com a tragédia além dos números

    Mulheres convivem com a tragédia além dos números

    Qual é o valor de mais de 100 mil mortes?

    A cada dia, os noticiários diários contabilizam as mortes da pandemia do novo coronavírus. Chegamos ao triste número de mais de 100 mil mortos. Mas para além dos números, 100 mil histórias, tranquilas ou conturbadas, felizes ou infelizes, cheias de memórias, fotografias, causos e saudade. Como isso te afeta? Um país em luto sem direito ao luto.

    Insuflação

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    Insuflação de Uma Morte Crônica. Quatro mulheres em quarentena enchem bexigas pretas em número equivalente ao de mortos pela Covid-19, no Brasil. As participantes, além de encher bexigas, estão convivendo com elas no ambiente doméstico em suas atividades cotidianas. 

    Na espaço foi instalado um sistema de câmeras de vigilância em todos os cômodos cujas imagens estnao sendo disponibilizadas ao vivo, 24 horas por dia, na internet. 

    Acompanhe aqui: https://www.youtube.com/watch?v=DfkqE37ModA

    A cada bexiga inflada, as performers acionam o sistema de contagem para que quem esteja assistindo seja atualizado sobre quantidade de bexigas cheias.

    Todos os dias, em par com a atualização do número de mortes, novas bexigas são levadas para a casa onde se encontram essas mulheres.

    Ao final de quinze dias, as bexigas serão esvaziadas e o espaço limpo. Os resíduos da performance serão entregues para um coletivo de mães da periferia de São Paulo  e serão transformadas em um grande manto-tela.

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    Quem são essas mulheres?

    Joana da Silva Coutinho, 21 anos, sonoplasta, instrumentista de sopros e percussão. Mulher preta, moradora da periferia, na Zona Norte de São Paulo. Estuda música, literatura e teatro com a linha de pesquisa em sonoplastia. Atua também com o Coletivo Amaiemá, e compõe trilhas sonoras e projetos de sonoplastia.

    Bruna Lessa, 35 anos cineasta e artista visual. Nasceu em Itajaí (SC), e mora em São Paulo há 15 anos. Graduada em Cinema, com pós-graduação em Roteiro Cinematográfico, trabalha como diretora, roteirista, montadora e produtora audiovisual para cinema e teatro.

    Cacá Bernardes, 44 anos, fotógrafa still, videomaker e diretora de fotografia. Nasceu em Frutal (MG) e mora em São Paulo há 25 anos. Como fotógrafa de cena possui aproximadamente trezentos espetáculos teatrais fotografados em seu currículo com publicações de suas fotos em diversas revistas, jornais e livros nacionais e internacionais.

    Carina Iglecias, 1980. Vive e trabalha em São Paulo. É cantora, locutora, musicista, performer e técnica de som direto. Trabalha com o Teatro Oficina desde 2011, atuando em mais de dez espetáculos. Participou como performer da “VB50”, trabalho da artista italiana Vanessa Beecroft na 25 ̊ Bienal Internacional de São Paulo.

    Insuflação

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    Projeto Mulheres em Quarentena

    Insuflação de Uma Morte Crônica faz parte do projeto Mulheres em Quarentena.

    Diretoras, roteiristas, produtoras, montadoras, atrizes, pesquisadoras, iluminadoras, performers. Mulheres trabalhadoras cujos ofícios também foram prejudicados por conta da pandemia.

    Diante da atual conjuntura, buscam formas para – além de seguir com nosso trabalho e nossa vida [pagar aluguel, energia e água, cuidar das crias, fazer feira] – responder o que vem acontecendo, decorrente da Covid-19 e da política brasileira. 

    Para isso, criaram o projeto “Mulheres Em Quarentena”, que teve início no mês de julho. 

    Para viabilizar as performances, estão com uma campanha de financiamento coletivo e chamam a todas e todos para somar na iniciativa.

    https://apoia.se/mulheresemquarentena

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    Insuflação

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    Qualquer dúvida ou desejos de saber mais sobre o projeto, escreva para: mulheremquarentena@gmail.com 

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