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Tag: Conselho Nacional do Ministério Público

  • É imperativo restaurar o respeito à presunção de inocência

    É imperativo restaurar o respeito à presunção de inocência

    por Antonio Maués – Professor da Universidade Federal do Pará

    Embora o Brasil ocupe o 4º lugar no ranking de países com maior número de pessoas presas, o poder judiciário vem ordenando a prisão de condenados em segunda instância, enquanto ainda estão pendentes recursos que podem levar à absolvição do réu, à redução da pena ou à mudança em seu regime de cumprimento. Essa situação decorre, especialmente, de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) tomada em 2016, que relativizou o princípio da presunção de inocência previsto na Constituição e permitiu que os tribunais do país, mesmo antes do trânsito em julgado da condenação, determinassem o início do cumprimento da pena, agravando a situação em um sistema carcerário que contava, em junho de 2016, com mais de 726 mil pessoas presas.

    Para denunciar o erro dessa decisão e lutar pela revisão da jurisprudência, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) lançou, em agosto, a Campanha Nacional pela Presunção de Inocência, em conjunto com outras entidades, como a Associação Juízes para a Democracia e o Coletivo Transforma MP. A campanha busca fazer valer o disposto no art. 5º, LVII, da Constituição de 1988, segundo o qual: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, garantia também prevista em tratados internacionais de direitos humanos e que visa proteger o direito à liberdade de todos os cidadãos e cidadãs.

    A importância da presunção de inocência é ainda maior no contexto do sistema carcerário brasileiro, que coloca em condições sub-humanas os presos, dentre os quais, 64% são negros e 45% são analfabetos ou não conseguiram concluir o ensino fundamental. Além disso, estima-se que 35% das pessoas presas no Brasil não foram ainda condenadas definitivamente e, portanto, podem ser julgadas inocentes ou terem suas penas atenuadas. As constantes revoltas em presídios no Brasil, que levam a mortes e várias outras ações violentas, demonstram cabalmente como neles ocorre uma situação grave e permanente de violação de direitos fundamentais, o que o próprio STF reconheceu ao declarar o sistema carcerário brasileiro um “estado de coisas inconstitucional”.

    Aqueles que defendem o cumprimento da pena antes da decisão final argumentam que essa medida é necessária para evitar a impunidade. Porém, o princípio da presunção de inocência não impede que ocorra a prisão do réu antes do trânsito em julgado de sua condenação, desde que haja motivos para decretá-la. Além de gerar injustiças, o cumprimento antecipado da pena tende a piorar as condições do sistema carcerário. Segundo estudo da Defensoria Pública, somente no Estado de São Paulo foram expedidos mais de 13 mil mandados de prisão com base na decisão do STF, embora 44% dos recursos apresentados pela DPE-SP ao Superior Tribunal de Justiça levem à redução da pena ou à absolvição dos acusados. Na Defensoria Pública do Rio de Janeiro, 49% dos habeas corpus apresentados às instâncias superiores conseguem atenuar a pena imposta pelas instâncias inferiores.

    O STF tem a oportunidade de corrigir seu erro por meio do julgamento de ações declaratórias de constitucionalidade cujo relator, Min. Marco Aurélio, já autorizou serem levadas à decisão do tribunal. Vários ministros têm se manifestado no sentido de que a presunção de inocência vem sendo desrespeitada no Brasil e reconhecem a urgência de rever a jurisprudência sobre a matéria.

    A mobilização capitaneada pela ABJD pretende acelerar esse processo. Em quase todos os estados do país, núcleos da ABJD têm realizado seminários e debates sobre a presunção de inocência para apresentar à opinião pública os graves problemas que decorrem desse descumprimento da constituição e dos tratados internacionais de direitos humanos. Além disso, a ABJD tem coletado assinaturas em um abaixo-assinado que será entregue ao STF no início de setembro.

    Todas as pessoas podem participar da campanha, baixando os materiais que se encontram no site da ABJD: www.abjd.org.br.

    Notas

    1 Essa matéria recebeu o selo 032-2018 do Observatório do Judiciário.

    2 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
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  • Ministério Público denuncia fraude de PMs que assassinaram garoto de 10 anos

    Ministério Público denuncia fraude de PMs que assassinaram garoto de 10 anos

    O Ministério Público de São Paulo apresentou denúncia, pela morte de Ítalo Ferreira de Jesus Siqueira, de 10 anos,  contra os policiais Otávio de Marqui, Israel Renan Ribeiro da Silva, Daniel Guedes Rodrigues, Linconl Alves e Adriano.

    A seguir a nota de Ariel Castro Alves*

    Uma importante atuação e denúncia do Ministério Público Estadual dentro do cumprimento de suas funções institucionais de garantir o cumprimento das leis e de controlar as atividades policiais.

    As provas técnicas – os laudos do Instituto de Criminalística (IC) – não demonstraram que tenha ocorrido disparo de arma de fogo de dentro pra fora do veículo e sim comprovou que ocorreram disparos de fora pra dentro. Então, podemos concluir que as crianças que estavam no carro não atiraram, e apenas os PMs efetuaram disparos.

    Diz a denúncia:

    “Não obstante as alegações perpetradas pelos denunciados, o laudo do veículo constatou apenas ‘um dano em semi-círculo, em sua porção médio posterior, cujas características morfológicas eram típicas de danos provocados por passagem de projétil de arma de fogo no sentido de fora para dentro em relação ao veículo’ Daihatsu, não constatando nenhum disparo efetuado de dentro para fora. (fls. 44).”

    Italo, de 10 anos, era destro e estava com uma luva na mão direita, conforme as fotos e os laudos. Nessa luva não havia resíduos de pólvora, conforme o laudo do IC, o que também evidencia que ele não efetuou disparos.

    Alem disso, o menino de 11 anos na época, que estava com Italo, no último depoimento que prestou no DHPP, disse que ele e Italo não estavam armados. Existem indícios de que a criança foi assassinada pelos PMs. Esperamos que os acusados sejam responsabilizados!

    • Ariel de Castro Alves- advogado e coordenador da Comissão da Infância e Juventude do CONDEPE- Conselho Estadual de Direitos Humanos

    Notas

    1 Essa matéria recebeu o selo 031-2018 do Observatório do Judiciário.

    2 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
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    3 Veja a denúncia do MP-SP

     

    [aesop_document type=”pdf” src=”https://jornalistaslivres.org/wp-content/uploads/2018/08/Denúncia-Italo.docx” caption=”Denúncia Italo”]

     

  • Fux: “o charlatão togado”

    Fux: “o charlatão togado”

    Charlatão, nos ensina Houaiss, é “que ou aquele que se apresenta nas praças ou nas feiras para vender drogas e elixires reputados milagrosos, seduzindo o público e iludindo-o com discursos e trejeitos espalhafatosos (diz-se de mercador ambulante)”. Ou, por extensão, no sentido pejorativo: “diz-se de ou pessoa muito esperta que, ostentando qualidades que realmente não possui, procura auferir prestígio e lucros pela exploração da credulidade alheia; mistificador, trapaceiro, impostor”.

    Por que Zé Dirceu assim qualifica Luiz Fux, em Zé Dirceu: Memórias?

    Precisamos voltar um pouquinho na história.

    O denunciante do Mensalão, Roberto Jefferson, teve seu mandato de deputado federal cassado por ter feito “acusações sem provas’. Foi o que concluiu a Câmara Federal. Sem se deter nesse “detalhe”, o Procurador-Geral da República, Antônio Fernando Souza, afirmou na sua denúncia ao STF: “Relevante destacar, conforme será demonstrado nesta peça, que todas as imputações feitas pelo ex Deputado Roberto Jefferson ficaram comprovadas.”

    “A expectativa era que o plenário do STF não aceitasse a denúncia. As próprias CPMIs não provaram que houvera compra de votos e muito menos minha participação nessa suposta compra”, afirma Zé Dirceu. A verdade é que o STF acolheu a denúncia e, em 2012, ele foi condenado.

    Joaquim Barbosa, em ato “demagógico” e apoiado numa figura de “trânsito em julgado parcial”, avalia Zé Dirceu, determinou sua prisão no dia de comemoração da proclamação da República em 2013.

    Como explicar as atitudes de Barbosa e de outros ministros do STF, indicados pelo próprio governo Lula?

    “Nunca me opus à [indicação} de Joaquim Barbosa, porque toda sua vida em Brasília, profissional e acadêmica, aconselhava. Ele era progressista, eleitor do PT, convivia em nosso meio, mas depois, já no cargo, revelou-se um autoritário e assumiu o papel que a mídia e o Ministério Público queriam”, declara.

    As pressões para a escolha de um ministro do STF vêm de todos os lados: do próprio STF, dos Tribunais de Justiça, do Congresso, da mídia etc. Afirma ele:

     

    “Nós não tínhamos força para fazer isso [indicar somente ministros progressistas], porque nós dependemos do Parlamento, do Senado, felizmente, vamos dizer assim. E dependemos dos poderes que existem no país. O Supremo influencia a indicação do ministro, o STJ nem se fale. O que o governo tem pendente lá no STJ bilhões, dezenas de bilhões e problemas gravíssimos, entendeu?”

     

    Mesmo assim, ele acredita que somente Cezar Peluso e Carlos Alberto Direito, dentre os indicados durante os governos do PT, eram declaradamente conservadores. Todos os outros indicados eram progressistas, alinhados com a causa da democracia e do PT. Houve, porém, desagradáveis surpresas com vários deles.

    Fachin, que fez uma veemente defesa de Dilma em um ato em que ele próprio pedira para falar, “se fazia amigo e aliado de todos os movimentos sociais, na academia e na advocacia – um engodo.”

    Barroso se considera “refundador da República”, ele acha “que os fins justificam o meios e hoje muda a Constituição, legisla, usurpa o Poder Legislativo, tudo com base no princípio constitucional da Moralidade, uma fraude”. Complementa Zé Dirceu: “Esse lenga-lenga que corrupção é de político, a corrupção está na essência e no coração do capitalismo, porque o dinheiro é que está na essência e no coração … isso não quer dizer que temos que aceitá-la.”

    Ele acredita que as prerrogativas dos juízes, como a vitaliciedade, a exposição conferida pela mídia e a submissão a grupos de pressão são os principais responsáveis pelas ações contrárias às histórias de certos ministros. “A única coisa que eu cobro é coerência com sua história, coragem para enfrentar os lobbies, coragem para enfrentar o poder da mídia, coragem para enfrentar esse punitivismo que tomou conta do Brasil”, pontua ele.

    Sobre Luiz Fux, Zé Dirceu é mais incisivo:

    “E tem o caso do Fux, que é um caso aberrante, porque ele procurou … todos os réus da Ação Penal 470, chamada de Mensalão, para … ele me assediou. Sabe o que é assediar uma pessoa até me encontrar? Para dizer … primeiro ele conhecia realmente o processo, as vírgulas do processo … para bater no peito e dizer que matava no peito, que nos éramos inocentes e que ia nos absolver. Esse é um charlatão ou não é?”

     

    A Ação Penal 470, conhecida como Mensalão, indicou, para ele, o início da “virada da Suprema Corte na direção do populismo judicial e do ativismo político, da judicialização da política, a Corte Suprema a serviço da luta contra a corrupção, quando os fins justificam os meios – era somente o começo”.

     

    Notas

    1 As declarações de José Dirceu foram extraídas i. do livro Zé Dirceu: Memórias. São Paulo, Geração Editorial, 2018. 496 p. (https://www.zedirceumemorias.com.br/) e da entrevista que Zé Dirceu deu à TV 247 (https://youtu.be/DLV6hRVmY3Q.)

    2 Essa matéria recebeu o selo 030-2018 do Observatório do Judiciário.

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  • Os tratados estão acima das leis, dizem ministros do STF e PGR

    Os tratados estão acima das leis, dizem ministros do STF e PGR

    Acompanhemos as declarações e os links das declarações de Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Alexandre de Moraes, Raquel Dodge e Gilmar Mendes.

    1 Luís Roberto Barroso, em A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo: Natureza Jurídica, Conteúdos Mínimos e Critérios de Aplicação (Texto base 11/12/2010), disse:

    “Pois bem: a dignidade da pessoa humana foi um dos fundamentos para a mudança jurisprudencial do STF em tema de prisão por dívida, passando-se a considerar ilegítima sua aplicação no caso do depositário infiel.

    E a nota de rodapé acrescenta: “O entendimento que ao final prevaleceu é o de que o Pacto de São José da Costa Rica, tratado sobre direitos humanos, tem estatura supralegal e prevalece sobre a legislação interna brasileira que a autorizava”.

    2 Luís Roberto Barroso, no Recurso Extraordinário com Agravo 1054490 (Vídeo do julgamento em 05/10/2017), afirmou que: “A Constituição previa. A legislação disciplinava. Mas entendeu-se que diante do caráter supralegal do Pacto de São José da Costa Rica, foi o entendimencaso Lula ONU cata congrsso nacional eunicioto que aqui prevaleceu, paralisava-se a incidência do tratamento jurídico interno para a aplicação do Pacto de São José da Costa Rica.

    3 Rosa Weber, na respondeu a uma pergunta, sabatina no Senado (Vídeo de 06/12/2011), da seguinte forma: “A posição do Supremo Tribunal Federal com relação a esses tratados de direitos humanos anteriores ou que ainda não mereceram esse quórum qualificado de aprovação é no sentido da paridade, da supralegalidade. Ou seja, eles estão acima da lei, mas abaixo da ordem constitucional.”

    4 Alexandre de Moraes, em videoaula de cursinho preparatório para concurso (Vídeo de aula gravada em março de 2010) explica que “A incorporação dos tratados, atos, pactos internacionais que versem sobre direitos humanos no nosso ordenamento jurídico passou, desde que aprovado por três quintos do Congresso Nacional, três quintos da Câmara e três quintos do Senado, passou a ter status constitucional…Não há mais possibilidade da decretação da prisão por essa incorporação do Pacto de São José da Costa Rica, pela Emenda 45, com status infraconstitucional, ainda, porém supralegal”.

    5 Raquel Dodge em matéria do site Jusbrasil (Texto): “Em discurso na 120ª Sessão Ordinária da Corte Interamericana de Direitos Humanos, realizada na Costa Rica, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, destacou que o Brasil deve cumprir, em suas relações internacionais, o princípio da prevalência dos direitos humanos, conforme prevê a Constituição. E deve, inclusive, apoiar a criação de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos. Para a procuradora-geral, a celebração de tratados e o reconhecimento da jurisdição de tribunais internacionais, pelo Brasil, impõem ao país o desafio de buscar sempre uma sociedade livre, justa e solidária e o combate efetivo à pobreza e à desigualdade.”

    6 Gilmar Mendes e os ministros do através da com a Súmula Vinculante 25 (Texto) que determina: “(…) diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na CF/1988, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante”.

    7 Gilmar Mendes, no caso do Cesare Battisti (Vídeo), disse: “Não nos esqueçamos que o Brasil, tendo em vista seu protagonismo internacional, busca, e busca legitimamente, um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e os países não se qualificam para … situação para esse status descumprindo tratados.

    Notas

    1 Essa matéria recebeu o selo 029-2018 do Observatório do Judiciário.

    2 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
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  • “Eles resistiram”, dizem PMs. “Foram executados”, dizem testemunhas

    “Eles resistiram”, dizem PMs. “Foram executados”, dizem testemunhas

    Douglas Silva (17) e Felipe Macedo Pontes (17) foram mortos, em 2011, por PMs em São Bernardo do Campo

    Nesta quarta-feira, dia 29 de agosto de 2018, às 10hs, no Fórum de São Bernardo do Campo, será realizado o julgamento do major da PM, Herbert Saavedra. O destino do oficial será decidido por 7 jurados no júri popular da Vara do Júri de São Bernardo do Campo – São Paulo. Ele, juntamente com o soldado da PM Alberto Fernandes de Campos e o cabo Edson Jesus Sayas Junior, são acusados pelos assassinatos dos adolescentes Douglas Silva e Felipe Macedo Pontes, ambos com 17 anos, ocorridos no dia 30 de novembro de 2011, no Bairro Demarchi, em São Bernardo do Campo. Na época do crime Saavedra era capitão da PM e comandava a equipe da Força Tática.

    Os outros 2 PMs envolvidos não serão julgados nesta quarta porque recorreram da sentença de pronúncia (decisão que determina o julgamento perante o júri popular). O Tribunal de Justiça ainda não julgou os recursos.

    Policiais alegam resistência. Testemunhaar negam

    Segundo a versão dos policiais na época, os adolescentes Douglas Silva e Felipe Macedo Pontes morreram em confronto. A ocorrência foi registrada pelos policiais 6 horas depois dos fatos, como “resistência seguida de morte”. Mas testemunhas ouvidas na época por entidades de direitos humanos, pela Ouvidoria de Polícia e pela Polícia Civil, afirmaram que os jovens foram executados pelos policiais militares, sem que esboçassem qualquer tipo de reação. Uma testemunha chegou a presenciar os PMs forjando provas no local do crime, para simular um suposto confronto. Ela afirmou ter visto os policiais tirando armas de fogo de dentro da viatura da PM e colocando as nas mãos dos jovens. Essa e outras testemunhas foram ouvidas na Vara do Júri, durante a instrução do processo criminal.

    Os jovens estavam saindo da Escola

    Na noite do dia 30 de novembro de 2011, os amigos Douglas e Felipe estavam saindo de moto da escola estadual onde estudavam no Bairro Demarchi, em São Bernardo do Campo, quando foram abordados pelos 3 PMs da Força Tática. Posteriormente, os policiais disseram que eles eram suspeitos de um roubo no bairro. “Porém, esse suposto roubo jamais ocorreu, já que nenhuma ocorrência do tipo foi registrada na Delegacia da área, assim como nenhuma vítima ou testemunha do suposto crime foi localizada pela própria polícia”, afirma o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Condepe (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana), que acompanha o caso desde o início.

     

    Há fortes indícios de execução, afirma advogado Ariel Castro Alves, do Condepe

    Segundo Ariel, as investigações do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) demonstraram que Felipe foi assassinado na própria abordagem e Douglas foi morto a caminho do Hospital, após, inclusive, ter dito a uma testemunha que temia ser morto pelos PMs no caminho ao Hospital, por ter presenciado o assassinato de seu amigo na abordagem policial. “Existem fortes indícios de que os adolescentes foram executados pelos PMs, já que conforme os laudos do IML, Douglas levou 5 tiros e Felipe recebeu 4 disparos”, afirma Ariel, complementando que o laudo residuográfico do Instituto de Criminalística não constatou resíduos de pólvora nas mãos das vítimas.

    Os adolescentes, que não tinham antecedentes, trabalhavam e estudavam

    “Os adolescentes trabalhavam e estudavam e não tinham antecedentes de envolvimento com atos infracionais na Vara da Infância e Juventude. Os laudos do Instituto Médico Legal demonstraram que as mortes foram ocasionadas por vários disparos de armas de fogo dos PMs, que atingiram órgãos letais dos corpos. Um jovem foi morto no local da abordagem e o outro a caminho do Pronto Socorro Municipal, conforme as investigações da Polícia Civil”, informa o advogado André Alcantara, membro da Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura (ACAT- Brasil) e do Condepe.

    A denúncia do Ministério Público

    Após 4 anos de investigações, somente em 2015, os policiais militares Herbert Saavedra, Alberto Fernandes de Campos e Edson Jesus Sayas Junior, se tornaram réus no Processo Criminal pelos 2 homicídios. Na época, o juiz Fernando Martinho de Barros Penteado, da Vara do Júri de São Bernardo do Campo, acatou a denúncia criminal apresentada pela promotora de Justiça Thelma Thais Cavarzere. Na denúncia, a promotora afirmou taxativamente que “os imputados mataram Douglas para assegurar a ocultação e a impunidade do homicídio que praticaram contra Felipe”. Por fim, a promotora denunciou os 3 PMs pelos 2 homicídios qualificados.

    Sentença de Pronúncia da Vara do Júri de SBC

    No dia 17 de fevereiro de 2017, após terminar a fase de instrução processual, na qual foram ouvidas as testemunhas do crime e analisadas todas as provas e laudos produzidos durante o Inquérito da Polícia Civil, o juiz titular da Vara do Júri de São Bernardo do Campo, Fernando Martinho de Barros Penteado, decidiu que os réus deveriam ser julgados pelo Júri Popular, entendendo que estavam presentes os “indícios suficientes de autoria e materialidade” com relação ao envolvimento dos PMs com o crime. A sentença cita os depoimentos das testemunhas protegidas, que foram ouvidas em audiência, que afirmaram que os jovens estavam desarmados e foram assassinados pelos policiais militares. (Anexo).

    Autos do Inquérito Policial não foram encontrados por 8 meses

    Em julho de 2012, o Ministério Público Federal de São Paulo, após ser acionado pelos advogados André Alcantara e Ariel de Castro Alves, pediu ao Procurador Geral da República a federalização das investigações sobre as mortes dos 2 adolescentes. Na época, os autos do Inquérito Policial estavam sumidos há 6 meses. Porém, 2 meses depois do pedido de federalização, os autos do Inquérito Policial foram encontrados no Fórum de Santo André e não no de São Bernardo, onde deveriam estar.

    Human Rights Watch cobrou providências do Governador de São Paulo

    Em 29 de julho de 2013, a ONG (Organização Não Governamental) internacional Human Rights Watch apresentou um documento ao Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, citando os assassinatos de Douglas e Felipe, em São Bernardo do Campo, como exemplo de “casos padrão” na atuação da Policia Militar Paulista, nos quais “policiais executam pessoas e, em seguida, acobertam esses crimes”.

    Notas

    1 Essa matéria recebeu o selo 028-2018 do Observatório do Judiciário.

    2 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
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  • Como o golpe foi construído a partir da condenação de Zé Dirceu

    Como o golpe foi construído a partir da condenação de Zé Dirceu

    por Rodrigo Perez Oliveira*

    Tem tanta coisa envolvida no julgamento de Lula que fica até difícil recortar um aspecto específico para comentar. É esse o meu esforço neste pequeno ensaio. Quero discutir aquele que me parecer ser o núcleo central da crise que vivemos, algo que não é exatamente uma novidade, mas que já está circulando por aí (e nós não demos a devida atenção) desde 2005: a aplicação seletiva do paradigma indiciário ao Direito Penal.

    Começou lá, há 13 anos, no tão midiaticamente aclamado “julgamento do mensalão”: a Ministra Rosa Weber, na Suprema Corte, disse explicitamente que não tinha provas cabais contra José Dirceu, mas que ainda assim o condenaria, com base na bibliografia disponível.

    Como Zé Dirceu é um homem odiado à direita e à esquerda, aplausos foram ouvidos dos dois lados. A direita odeia Zé Dirceu porque sabe, perfeitamente, que ele é um dos maiores quadros da história da esquerda brasileira. A direita, que não é boba, tem todos os motivos do mundo para odiar Zé Dirceu.

    Alguns grupos da esquerda odeiam Zé Dirceu porque se sentiram desprestigiados no governo popular que ocupou parte do Estado em 2003. Odeiam por ressentimento. Poucos sentimentos humanos são tão baixos e amargos como o ressentimento.

    Enfim, o fato é que Zé Dirceu foi condenado e não aconteceu nada, e não fizemos nada. Ou melhor, Zé Dirceu foi para o sacrifício e tudo continuou caminhando como se nada tivesse acontecido.

    Mas aconteceu, aconteceu tudo: a matriz do golpe foi forjada ali, sob a forma da incorporação ao repertório do direito penal brasileiro de um paradigma teórico que pode até ser legítimo em outras ciências sociais ou mesmo em outros ramos do direito, mas jamais no direito penal. Jamais!

    Pra explicar melhor, apresento um autor que é muito conhecido pelos historiadores profissionais: Carlo Ginzburg, o historiador italiano que nos anos 1970 teorizou sobre o tal paradigma indiciário, em um ensaio cujo título é “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”.

    Trata-se de um texto bastante lido nos cursos de graduação em História. Penso que dizer umas poucas palavras sobre o texto de Ginzburg pode nos ajudar a compreender algo a respeito da crise brasileira contemporânea. É que o conhecimento histórico é útil à vida.

    O argumento de Guinzburg é muito simples: no século XIX afirmou-se nas ciências humanas um paradigma científico que propõe o conhecimento da verdade através da interpretação de pequenos indícios. O autor toma como exemplo desse paradigma indiciário o “método moreliano” de verificação da autenticidade das obras de arte.

    Ao invés de buscar a “verdade da obra” nos traços mais notórios das escolas estéticas (que são mais facilmente imitáveis pelo falsificador), o especialista deve se debruçar sobre os detalhes que apontam para as características pessoais dos artistas. Aqui, no indício, no que o falsário não consegue imitar, estaria a “verdade da obra”.

    O paradigma indiciário rendeu bons frutos para a pesquisa histórica, tendo na segunda metade do século XX se transformando em um importante programa de estudos históricos que costumamos chamar de “micro história”.

    Ou em outras palavras, para que o meu argumento fique mais claro: o historiador pode basear suas hipóteses na interpretação criativa dos indícios. O juiz penal não pode. E isso pelo simples fato de que a função do historiador não é julgar, é compreender, como já disse Marc Bloch, outra importante referência para os historiadores profissionais. Já o juiz penal tem poder sobre aquilo que é o elemento mais sagrado do contrato social civilizado: a liberdade do corpo.

    O que acontece se um historiador, em um livro ou em um artigo, apresenta ao seu leitor uma tese baseada na interpretação criativa de indícios?

    Se o procedimento de pesquisa e escrita não for bem executado, estará trazendo a público um conhecimento pouco confiável, frágil, o que é um problema grave, mas que pode ser contornado por outro historiador, por outro especialista mais cuidadoso.

    Por outro lado, se um juiz penal procede assim, um inocente pode ser condenado. Não existe tragédia maior que a condenação de um inocente.

    O que o Juiz Sérgio Moro e seus colegas de Porto Alegre fizeram no caso Lula foi, justamente, a aplicação seletiva ao direito penal do paradigma indiciário, tal como a Ministra Rosa Weber havia feito em 2005.

    Se vocês tiverem tempo e paciência para ler a sentença do Juiz Sérgio Moro, verão que o argumento fundamental é: em “atos de ofício indeterminados”, Lula beneficiou a empreiteira OAS e recebeu o imóvel do Guarujá como propina. As visitas do casal Lula da Silva ao apartamento e as obras que teriam, segundo os delatores, sido coordenadas por Dona Marisa Letícia, são indícios que comprovam a culpa do réu.

    Meus amigos e minhas amigas, em direito penal, indícios não podem comprovar culpa. Cada um de vocês pode achar que o apartamento estava de fato sendo reservado para Lula, o que também não significa que ele o compraria com dinheiro sujo.

    Por que Lula não poderia comprar o imóvel com seus próprios proventos, com dinheiro legal, com fonte declarada? Só por que ele não tem berço, só por que ele nasceu no Nordeste, não pode, honestamente, comprar um tríplex no Guarujá? Este é outro aspecto do caso Lula que diz muito sobre a mentalidade do brasileiro médio. Mas não é disso que quero falar, não aqui.

    Retomando o fio.

    Vocês têm o direito de achar que Lula é culpado, que os indícios bastam, mas aí, como disse Reinaldo Azevedo (sim, estou citando Reinaldo Azevedo. Tempos estranhos!), já é uma questão de crença. E crença é assunto de foro íntimo. Cada um que se resolva com a sua.

    O fato, fato mesmo é: Sérgio Moro, que agiu como promotor desde o início do processo, não conseguiu provar a culpa e mostrar em quais “atos de ofício” Lula teria beneficiado a empreiteira. Se não provou cabalmente, meus amigos, não pode condenar. Simples assim.

    Aí você pode dizer: então é impossível combater a corrupção, pois crime de corrupção não deixa provas cabais.

    Quem disse?

    Quem disse que crime de corrupção não deixa provas cabais?

    E o Aécio? E o Temer? E o Cunha? E o Cabral? E o Gedel?

    Conta na Suíça, áudio, mala de dinheiro com 500 mil reais, apartamento à la Tio Patinhas. Tudo isso é prova cabal, taxativa.

    Ah, mas e quando essas provas cabais não existem?

    Se as provas cabais não existem, não pode condenar. Simples assim.

    Pode ser que com isso o culpado fique impune? Pode sim, paciência!

    É melhor o culpado ficar impune do que o inocente ser punido injustamente. Repito: a tragédia do Estado de direito não é a impunidade. É a punição injusta.

    Mas como nada é tão ruim que não possa piorar, o tal paradigma indiciário está sendo aplicado seletivamente por algumas frações do judiciário brasileiro, aplicado, apenas, contra lideranças do campo político progressista. A interpretação criativa dos indícios só serve se for para condenar políticos progressistas.

    É por isso que temos que tomar cuidado com uma máxima que está sendo verbalizada por algumas vozes da esquerda brasileira:

    “O que aconteceu com Lula já acontece há muito tempo com pobres e pretos, e não tem nenhuma novidade”.

    A leitura está errada. A máxima correta seria:

    “Aconteceu com Lula porque já acontece há muito tempo com pobres e pretos”.

    Entendem a diferença? Lula é uma importante liderança política, a mais importante do Brasil moderno. Foi Presidente da República, discursou na ONU, tomou chá com a Rainha da Inglaterra, mas nunca fez parte das elites. Ele pode até ter achado, em algum momento, que tinha sido aceito no clube, mas na real nunca foi.

    É por isso que o judiciário, poder historicamente conservador onde os grandes cargos são transmitidos como um tipo de herança familiar, está fazendo o que está fazendo com Lula.

    Por um motivo muito simples, meus amigos: Lula nunca fez parte das elites brasileiras. Para as elites da terra, Lula sempre foi preto, pobre, favelado, nordestino, peão analfabeto. E pior: sujeito abusado, insolente, que não “sabe o seu lugar”.

    Se eles estão fazendo isso com Lula, com alguém conhecido internacionalmente, o que não farão com pretos e pobres desconhecidos? A situação dessas pessoas ficará ainda pior.

    A condenação de Lula é simbólica, é como se as elites da terra estivessem dizendo: “vocês ousaram eleger um dos seus para governar esse país, ousaram consumir, ousaram estudar na universidade. A brincadeira acabou. Voltem para o seu lugar, de onde nunca deveriam ter saído”.

    Entendem, amigos? Sob todos os aspectos a condenação de Lula é uma tragédia: é uma tragédia para o contrato social civilizado, que não admite a interpretação criativa de indícios como procedimento do direito penal. É uma tragédia para a população brasileira mais pobre, que ficará ainda mais vulnerável ao arbítrio da lei.

    Defender Lula, de todas as formas, custe o que custar, é uma obrigação moral.

    • Rodrigo Perez Oliveira é historiador e professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia.

    Notas

    1 Essa matéria foi publicada originalmente na Revista Forum em:  https://www.revistaforum.com.br/como-o-golpe-foi-construido-partir-da-condenacao-de-ze-dirceu/

    2 Essa matéria recebeu o selo 027-2018 do Observatório do Judiciário.

    3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario.