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  • Quilombos no Brasil já têm mais casos de Covid-19 do que a população de Cuba

    Quilombos no Brasil já têm mais casos de Covid-19 do que a população de Cuba

    O novo coronavírus avança nos territórios quilombolas no Brasil, atingindo um número total de casos confirmados que supera as estatísticas de países inteiros. Segundo o boletim epidemiológico divulgado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras e Rurais Quilombolas (Conaq) nessa quarta (29), foram confirmados 3.798 casos de Covid-19 nas comunidades remanescentes de quilombos.

    Márcia Maria Cruz – Reproduzido do

    DE OLHO NOS RURALISTAS

    O número é 48,6% maior do que o total de casos registrados em Cuba, país que, entre os séculos 17 e 19, passou por um processo similar de formação de quilombos, conhecidos ali como palenques. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), até 29 de julho o país caribenho havia registrado 2.555 casos para uma população de 11,47 milhões de habitantes.

    Não existem no Brasil dados oficiais sobre a população quilombola. A categoria seria incluída pela primeira vez no Censo 2020, adiado por conta da pandemia. Segundo estimativa da Fundação Cultural Palmares, as 3.212 comunidades certificadas até 2019 possuem 1,2 milhão de habitantes.

    Estado com maior número de comunidades remanescentes de quilombos identificadas, o Pará também responde pela maioria dos casos de Covid-19, com 40,5%, seguido por Rio de Janeiro (22,2%), Maranhão (16,8%) e Amapá (8,9%).

    O número total de casos nos quilombos brasileiros supera também o total de registros de Covid-19 da população inteira de países como Nicarágua, Líbia e Congo. E começa a se aproximar do total de casos do Paraguai.

    O país caribenho mantém na página do Ministerio de Salud Pública (MSP) um boletim diário detalhando os casos de coronavírus no país, incluindo o perfil médico de cada um dos infectados. Sem novos óbitos há duas semanas, Cuba teve 87 mortos por Covid-19. Segundo o registro governamental, não houve óbitos de quilombolas cubanos.

    Os descendentes dos africanos escravizados que se rebelaram para formar os palenques são chamados em Cuba de cimarrones. O termo é oriundo do espanhol cima, ou cimeira, uma referência às regiões montanhosas onde esses quilombos eram construídos.

    Conforme narra Gabino La Rosa Corzo no livro “Los palenques del oriente de Cuba: resistencia e acoso“, as comunidades cimarronas se concentravam em grande parte na porção oriental da ilha, principal região de produção de cana-de-açúcar e para onde a maioria dos africanos eram levados. Ainda hoje, as províncias orientais de Santiago de Cuba e Guantánamo detêm a maior porcentagem de negros entre a população geral fora da capital: 14,2% e 12,8%, respectivamente. Muitos deles, descendentes de cimarrones.

    Assim como o Brasil, Cuba foi um dos últimos países do continente a abolir a escravidão. Em 1880, o rei espanhol Afonso XII promulgou a Lei do Patronato, que proibia a compra e venda de escravos na colônia, mas permitia aos donos de escravos manter a mão-de-obra sob um regime de patronato que, na prática, pouco diferia da escravidão. A abolição total só viria em 1886, dois anos antes do Brasil.

    Cuba guarda ainda outra semelhança com nosso país. A população negra cubana convive com índices de pobreza elevados e é alvo constante da violência policial. Em 27 de junho, o assassinato do jovem Hansel Ernesto Hernández Galiano por agentes da Polícia Nacional despertou uma onda de protestos em Havana, levando à prisão de ativistas.

    De acordo com o boletim da Conaq, o número de mortes registradas nos territórios quilombolas do Brasil chegou a 138, cinco a mais que no último levantamento, de 13 de julho. A maior parte delas ocorreu na região Norte (44,2%), seguida do Sudeste (29,0%) Nordeste (23,9%) e Centro-Oeste (2,9%). O Pará ocupa o primeiro lugar também em número de mortos, 40. O Rio de Janeiro é o segundo estado com mais mortes (37), seguido do Amapá (19), Maranhão (12) e Pernambuco (9).

    Descaso

    “O aumento no números de casos nas comunidades quilombolas demonstra o descaso do poder público”, afirma Sandra Maria da Silva Andrade, diretora da Federação Quilombola do Estado de Minas Gerais e integrante da coordenação executiva da Conaq.

    — Já não tínhamos assistência de saúde adequada antes da pandemia. Neste momento de expansão da doença, precisávamos de um olhar específico, um atendimento da população quilombola. Fomos descartados pelo governo!

    Além da invasão dos territórios por grandes empreendimentos, o atraso no repasse do auxílio emergencial aos quilombolas faz as pessoas das comunidades terem de ir até a área urbana, ficando assim mais expostas ao contágio.

    Líder da comunidade Carrapato da Tabatinga, em Bom Despacho (MG), Sandra alerta para a subnotificação. Com 2.226 habitantes, seu quilombo é um dos que ainda não recebeu testes.

    “Temos casos de Covid-19, mas as autoridades não notificam”, diz ela. “Não estamos sendo contabilizados. As pessoas estão morrendo e os governos não fazem a notificação. Colocam qualquer coisa como causa da morte, mas não falam que é a Covid-19. A gente sabe que é. Mas eles não têm feito o teste nas pessoas”.

    Foto principal (Governo de São Paulo): Testagem no quilombo Peropava, em Registro, interior paulista

  • STF decide sobre direitos dos quilombolas

    STF decide sobre direitos dos quilombolas

    por Adriana de Castro, especial para os Jornalistas Livres

    Nesta quinta-feira (8/2), o Supremo Tribunal Federal julga a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239, proposta pelo antigo PFL, atual DEM em 2004. O PFL queria derrubar o decreto do então presidente Lula de 2003 que regulamenta a titulação dos quilombos, baseado em artigo da Constituição Federal de 1988. A ação preocupa as comunidades quilombolas e pode comprometer o direito aos territórios ancestrais. Os quilombolas, estimados em 16 milhões de pessoas em todo o pais, se mobilizam, tanto para derrotar a ação como para derrubar a nova tese proposta pelo ministro Dias Toffoli – o marco temporal. A petição “O Brasil é Quilombola! Nenhum Quilombo a Menos! e apoie a luta quilombola pela terra” já recolheu cerca de 100 mil assinaturas, informa Arilson Ventura, coordenador nacional da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

    Apesar do senador Agripino Maia ter declarado hoje à imprensa que a ação não representa o DEM atual, Inês está morta. Já é a terceira tentativa de votação pelo STF. A sessão desta quinta-feira é a retomada do julgamento suspenso em novembro do ano passado após voto do ministro Dias Toffoli e pedido de vistas do ministro Edson Fachin. Nestas idas e vindas surgiu a tese do “marco temporal”, ou seja, uma comunidade só poderia ter direito à posse da terra se nela estivesse – e se conseguir provar a presença – em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. A tese ignora remoções forçadas e outras violências, muito presentes no contexto de ditadura militar, vivenciadas pelas comunidades, alertam as lideranças quilombolas.

    “Essa tese nega o nosso direito ao futuro, engessa e condiciona a gestão dos territórios”, afirma o advogado Danilo Serejo, do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara, no Maranhão. O advogado, filho de quilombola, representa 150 comunidades em Alcântara.
    É uma clara disputa ideológica que envolve a questão da terra no Brasil. É o embate entre duas propostas: a terra como mercadoria para compra e venda ou para acolher e garantir a sobrevivência e a identidade dos povos que tradicionalmente as ocupam, como os quilombolas e indígenas, esclarece Serejo. Ele lembra que em 1850, a legislação já definia a posse da terra para aqueles que podiam comprar. A abolição da escravatura veio bem depois, em 1888, condenando os antigos escravos a condição de sem-terra.

    Na cidade maranhense de Alcântara, mais de 200 quilombos lutam há mais de 30 anos pelo reconhecimento de seus territórios. São cinco ações na Justiça Federal do Maranhão e duas internacionais junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização dos Estados Americanos (OEA). Todas pelo reconhecimento dos direitos quilombolas contra o Estado brasileiro e a base militar de lançamento espacial.
    “É preciso lembrar que os quilombolas são realidades históricas: surgiram antes da Constituição e persistiram após sua promulgação. Seus direitos não se extinguem no tempo, sob pena de se chancelar verdadeira eliminação étnica, isso porque sem território seus direitos identitários fundamentais estarão sendo suprimidos”, destaca Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).

    Números

    São cerca de seis mil comunidades quilombolas autodeclaradas, principalmente na Bahia, Maranhão, Pará e Minas Gerais. Destas, apenas 200 tem títulos definitivos de posse da terra. São 1,6 mil processos abertos no Incra e quatro mil territórios certificados pela Fundação Palmares. De acordo com Arilson Ventura, 16 milhões de quilombolas vivem espalhados Brasil afora.

     

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