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Tag: Comunicação

  • A ciranda das mulheres que percorre o Brasil em podcast

    A ciranda das mulheres que percorre o Brasil em podcast

    Texto: Lucas Bois
    Revisão: Ágatha Azevedo

    Escutar notícias, ouvir uma narração e ser levado por uma trilha sonora… O que antes poderia ser um programa de rádio, hoje talvez seja um episódio de podcast. Esse fenômeno que invadiu a internet há poucos anos, continua em constante crescimento no número de ouvintes e se expande também na variedade de assuntos oferecidos. Atualmente, grande parte dos temas de podcasts estão relacionados à pandemia da COVID-19 ou ao contexto sócio-político decorrente do bom ou mau enfrentamento dos governos a essa crise mundial sanitária. No nosso país, a pandemia escancara as desigualdades ao evidenciar os problemas sociais que separam as classes econômicas da população.

    Diante desse contexto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez decidiram mergulhar no mundo do podcast para contar histórias de mulheres brasileiras que enfrentam a pandemia, além dos desafios diários vividos cotidianamente. “A gente tem certeza que as mulheres sempre tem as melhores soluções. Ao reunir essas histórias, trazemos muitas ideias e inspirações, formando uma grande ciranda. Daí veio o nome do podcast: Cirandeiras“, conta Joana.

    Para conhecer melhor esse espaço de webrádio e feminismo, os Jornalistas Livres fizeram um bate-papo com as jornalistas que contam sobre o processo de produção, a pandemia e a relação desse projeto com a democratização da comunicação.

    Como começou

    Raquel Baster e Joana Suarez já dividiam afinidades pelas pautas feministas e bastou apenas uma semana de quarentena para que colocassem o projeto do podcast em ação. Joana, que vem do jornalismo de redação, conta que já vinha se aproximando da rede de podcasts, refletindo sobre a acessibilidade do áudio e seu poder de democratizar: “A maioria dos textos que eu faço são textos enormes e tenho a certeza que muita gente não lê, principalmente as mulheres sobre quem eu falo. O áudio me atraía muito porque leva as pessoas a imaginarem, criar cenários e ir para outra dimensão. Agora na pandemia onde as pessoas estão confinadas, o podcast virou uma companhia, uma forma de sair de casa.”

    Já Raquel trouxe ao universo do podcast, sua experiência com a comunicação popular: “Eu sempre trabalhei muito com rádio comunitária e me interesso por essa forma de comunicação que está mais próxima das pessoas. Por mais que ainda seja um novo tipo de mídia, o podcast traz as características do rádio, como as histórias contadas através de uma narração.”

    Como é produzido

    Muitas vezes, quem escuta um podcast não imagina o que pode estar por trás de sua produção. Segundo as jornalistas, a primeira coisa a fazer é pensar no tema e escolher as mulheres para as entrevistas, por elas chamadas de “cirandeiras”.

    “Geralmente o episódio tem a ver com uma pauta que já trabalhamos anteriormente e assim, procuramos mulheres que já tivemos contato. Por coincidência, toda vez que decidimos uma pauta, acontece algo nacionalmente que se conecta ao programa.” Joana lembra que o episódio recente Pandemia na internet sobre segurança digital foi ao ar na mesma semana em que o Senado brasileiro discutia o projeto de lei que combate fake news, enquanto outra discussão acontecia nas redes sobre a exposição de dados pessoais dos usuários do aplicativo FaceApp.

    Após o primeiro contato, elas fazem uma pesquisa sobre a cirandeira, enviam as perguntas e dão algumas dicas à entrevistada de como fazer uma boa gravação utilizando o próprio WhatsApp. Como essa orientação, muitas vezes, não é suficiente, nem sempre os áudios tem a melhor qualidade, “mas na pandemia tá tudo justificado”, comenta Joana.

    Com as respostas da entrevistada, o roteiro chega a ter mais de 10 páginas e leva de 20 a 30 horas para sua elaboração. A cada episódio, uma delas toma à frente a função de escrever o roteiro, incluindo referências pessoais, e em seguida, a parceira acrescenta a sua parte. “A gente percebe que às vezes um tema muito comum para uma, pode ser muito complexo para a outra. A gente vai se complementando para facilitar o entendimento de quem escuta”, conta Raquel.

    Depois do roteiro, vem a hora da gravação que exige algumas preparações, como escolher um horário silencioso do dia para gravar, desligar a geladeira e armar um pequeno estúdio caseiro com edredons. “O legal do podcast é que é uma mídia barata. Basta ter um celular, internet e gambiarras”, conta Joana dando risadas.

    Retorno dos ouvintes

    As jornalistas contam que 75% das pessoas que ouvem o podcast são mulheres e pertencem ao grupo social que elas convivem. Além do desafio de expandir a rede de ouvintes, elas relatam que ainda é uma grande dificuldade fazer com que o podcast retorne às pessoas entrevistadas e a outras mulheres que não estão acostumadas a esse tipo de mídia.

    Raquel conta que a cirandeira Lia de Itamaracá, entrevistada no episódio Pandemia na Ilha, só pôde escutar o podcast após seu produtor viajar até a ilha onde mora para mostrá-la pessoalmente em seu celular. Lia é uma das mulheres brasileiras que ainda não fazem parte dessa grande rede de internet em 2020.

    Um infográfico produzido pelo site iinterativa utilizando as fontes do IBOPE, Spotify Newsroom e ABPod, mostra que cerca de 45% do público dos podcasts é formado por homens, do sudeste do país, que pertencem às classes A e B e tem entre 16 e 24 anos. Segundo a pesquisa feita em 2019, 32% dos entrevistados nem sabiam o que é um podcast.

    Se o podcast ainda é limitado a uma pequena parcela da população, o WhatsApp talvez possa ser um lugar mais democrático para a sua difusão. As jornalistas contam que decidiram fazer os episódios em formatos pequenos de até 30 minutos para conseguir enviar pelo aplicativo de mensagens e garantir que o podcast alcance o maior número de pessoas.

    Democratização da comunicação

    Para a jornalista Raquel Baster, é inevitável discutir o alcance dos podcasts sem pensar na democratização dos meios de comunicação no Brasil. Apesar do surgimento das novas mídias, grande parte das informações veiculadas é controlada por um conglomerado de grandes empresários que atendem os interesses privados dessa própria elite.

    Segundo ela, “não adianta inventar a roda do podcast, sem falar da estrutura da comunicação no Brasil. Para tornar (a comunicação) mais acessível, precisamos discutir a concentração midiática. A internet ainda não é acessível para grande parte da população brasileira. Precisamos que o maior número de pessoas tenham acesso, mas que possam também alcançar os meios de produção.”

    No episódio sobre trabalhadoras rurais, a entrevistada Verônica Santana fala sobre a dificuldade das agricultoras em conseguir se comunicar durante a pandemia, visto que o trabalho sempre foi presencial. “A gente tem muita dificuldade, tanto no domínio dessas ferramentas, como no desafio de que a internet não funciona na maioria dos nossos territórios rurais. No campo, a internet ainda não é uma realidade.”, diz Verônica.

    Segundo a pesquisa TIC Domicílios, apenas 50% da população rural tem acesso a internet e esses números podem diminuir ainda mais de acordo com o recorte social e econômico.

    Por outro lado, Joana revela seu otimismo no poder das novas mídias: “Acho que o podcast vai se democratizar como aconteceu com o Instagram. Quando a gente poderia imaginar ter acesso a sotaques das pessoas do sertão do Cariri?” Joana se refere ao podcast BUDEJO, de Juazeiro do Norte, e cita ainda o Radionovela produzido por alunos da UFPE em Caruaru, no agreste pernambucano, que narra em formato de radionovela O Alto da Compadecida em Tempos de Pandemia, adaptação da obra de Ariano Suassuna.

    Para onde vai essa Ciranda

    O podcast Cirandeiras teve início durante a pandemia, portanto grande parte dos seus episódios tem esse tema como contexto. No entanto, as jornalistas Raquel Baster e Joana Suarez pretendem continuar os episódios futuramente, indo a diferentes locais do Brasil para entrevistar de perto as mulheres que conduzem “as cirandas”.

    Os episódios das Cirandeiras estão disponíveis nas plataformas mais conhecidas de podcast e tem a cada quarta-feira um novo episódio. Também estão presentes no Instagram, onde ocorrem as lives com as outras mulheres dentro das temáticas dos programas.

  • Oposição de esquerda joga parada guerra de informação e disputa pelo domínio da comunicação

    Oposição de esquerda joga parada guerra de informação e disputa pelo domínio da comunicação

    Por Yuri Silva*

    As ‘fake news’, elemento definidor das eleições presidenciais de 2018, exploradas principalmente pelo então candidato Jair Bolsonaro (à época no PSL) e pelos seus asseclas, continuam sendo parte marcante do dia-a-dia da sociedade brasileira, quase dois anos depois do resultado eleitoral.

    Desta vez, as crises política, sanitária e social, provocadas pela pandemia do Coronavírus e pela gestão pública controversa sobre o assunto, são os temas prioritários dos conteúdos que circulam nas redes sociais digitais.

    Numa intensa disputa de narrativas envolvendo questões como a eficácia da utilização (ou não) da Hidroxicloroquina, a demissão sequencial de ministros da Saúde, a crise envolvendo a demissão do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, as formas de tratamento contra o COVID-19 e até mesmo a necessidade do isolamento social, bolsonaristas novamente aparecem em vantagem no placar dos debates contra as forças de oposição, aqui incluídas muito mais as forças de esquerda (desintegradas e vacilantes nesse quesito) e muito menos os setores da direita e da ultradireita que mostram-se anti-Bolsonaro.

    Defendendo a abertura dos comércios e serviços não-essenciais e fúteis como se essenciais fossem, o uso de remédios sem comprovação científica e absurdos outros semelhantes no campo das pautas ideológicas, informações compartilhadas pelas milícias digitais relacionadas a Bolsonaro — e comandadas no topo da cadeia pelo filho do presidente Carlos Bolsonaro, vereador e chefe do Gabinete de Ódio — têm surtido efeito práticos que, ainda que se queira, não podem ser negados.

    O nível de isolamento social no país tem sido reduzido dia após dia, conforme dados oficiais; as mortes devido à contaminação pelo vírus também têm chegado a patamares cada vez maiores; e o número de casos cresce vertiginosamente, aproximando o Brasil do posto de epicentro da doença.

    São esses apenas alguns dos claros elementos que apontam o triunfo das ‘fake news’ – nome estrangeiro utilizado nos últimos tempos para denominar as mentiras propagadas por grupos neofascistas que ganharam espaço (aparentemente permanente) na disputa sociopolítica e ideológica nacional.

    Enquanto isso, na era da pós-verdade, as “bolhas” da esquerda seguem transmitindo e alimentando outro sentimento sobre o placar desse jogo, completamente ilusório. Fechados em nossas redes repletas de posicionamentos próximos, iludimo-nos sobre quem está em vantagem. Divulgamos memes de humor contra o presidente e sua trupe da ópera-bufa do Palácio do Planalto; compartilhamos artigos bem escritos e que parecem pensados para serem consumidos (e elogiados) por outros intelectuais, pseudo-intelectuais, militantes e mais gente já convertida às nossas teses; arrotamos argumentos com linguagem pouco acessível, com citações acadêmicas, sociológicas ou filosóficas; e nos regojizamos com leituras que têm a função exclusiva de reafirmar aquilo no que já cremos.

    Na prática, contudo, pouco refletimos sobre como atingir de fato a massa da população, que ainda segue correndo riscos sanitários, por dureza financeira ou por ter sido alcançada e convencida pelas mentiras propagandeadas pelo outro lado. Pouco ou nada nos movemos para alcançar a “ralé brasileira” que continua nas filas da Caixa Econômica Federal em situação de exposição, sub-humanidade ou subcidadania e, ainda assim, acredita piamente que está sendo beneficiada por causa do esforço do Governo Federal dirigido pelo ser ignóbil eleito nas últimas idas às urnas. Nada ou pouco fazemos para dialogar e mudar o pensamento daqueles que seguem acreditando na necessidade de realizar-se o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) mesmo em condições de desigualdade do tamanho de um abismo, ou para trazer para o nosso lado aqueles que defendem a volta ao trabalho por medo dos crescentes desemprego e desalento que afligem o Brasil há pelo menos quatro anos.

    Fato é que produzimos conteúdo para nós mesmos e somos tímidos “café-com-leite”, como dizíamos na infância, na batalha da comunicação. Evitamos engrossar a audiência dos canais da grande imprensa, pois discordamos da linha editorial destes, mas sequer somos capazes, enquanto partidos políticos e movimentos sociais, de construir alternativas de massa pra substitui-los.

    Jogamos para a pequena audiência que consideramos, nas nossas cabeças preconceituosas, qualificada. E é nesse ponto que somos derrotados pelas ‘fakes news’, pela pós-verdade, pelas mentiras ou seja lá o nome que queiram adotar para esse fenômeno. Pois elas são feitas para a massa e consumidas por ela, pelo povão que tem pouco hábito de leitura e aprendeu a se comunicar prioritariamente pelo zap (e não por textões, como esse que você lê, publicados em GGN’s, Brasil247’s e outras plataformas afins).

    Ao aderir a essa prática, dando volume a ela por meio de seus grupos de WhatsApp que funcionam como pirâmides de transmissão de inverdades, o bolsonarismo coloca em prática, mas de forma muito mais eficaz (embora criminosa) o que sempre desejamos fazer na esquerda: desintermediar a informação, a comunicação, o poder de pautar a sociedade.

    O que seria isso? Explico: desintermediar a informação trata-se do ato ou da capacidade de comunicar-se, produzir conteúdo, sem que este conteúdo/informação precise de órgãos tradicionais de imprensa/comunicação para que seja chancelado ou tidos como verdade. Inverte-se, aqui, a lógica tradicional pela qual tal fato só é verdade se há um veículo ou um profissional de comunicação por trás daquela informação. O bolsonarismo fez isso com brilhantismo: o zap é o canal de transmissão de comunicação e conteúdo e ele mesmo, por si só, dá teor de verdade ao que é compartilhado, sem necessidade de quasiquer chancelas.

    É verdade que até tentamos (acredito que de forma mais tímida e pela metade) colocar em prática um processo semelhante de desintermediação (que mais era uma tentativa de mudança dos intermediadores da comunicação). Criamos e “vitaminamos” veículos progressistas que até hoje produzem qualificados materiais jornalísticos e opinativos para a reflexão sobre política, economia e também sobre comunicação e a necessidade de democratizá-la. Mas, repito, falamos quase sempre para nós mesmos, fincados em certa arrogância e em “intelectualismos” embranquecidos, eurocêntricos e pequeno-burgueses.

    Veículos de informação negros e periféricos, a exemplo deste Mídia 4P (mais jovem) e de outros (mais antigos), também tentaram esse caminho, mas igualmente pela metade e esbarrando nas bolhas constituídas involuntariamente e dentro da qual ecoam seus escritos e registros audiovisuais — que reafirmo serem de qualidade, mas que, não digo isso com prazer, atingem apenas os cerca de 35% que já compõem nosso campo ideológico.

    Por mais incrível que possa parecer, são justamente os veículos de mídia considerados tradicionais e ideologicamente alinhados ao neoliberalismo e à direita tradicional brasileira que, neste contexto de crise sanitária e sociopolítica, conseguem melhor combater as ‘fake news presidenciais’ e colocar-se como alternativa na batalha da informação. Movidos obviamente pelo poder econômico, pelo alcance de massa e pelo prestígio que já detêm e pelo desejo de encrustar no poder uma alternativa “civilizada” de direita, derrubando assim Jair Bolsonaro do Planalto, grupos empresariais como Rede Globo, Folha de S. Paulo e outros tratam de “re-intermediar” a comunicação.

    Ou seja, em meio à enxurrada de mentiras, brigam pela retomada de parte do poder que possuíam e que perderam ao longo da última década: o poder de dizer o que é verdade e o que é mentira. Combatem o discurso anti-ciência, desmentindo o presidente, seus filhos e seus aliados constantemente; constroem plataformas de checagem de informações junto a parceiros do jornalismo nacional e internacional; e, ainda que vivam dificuldades financeiras antes mesmo da COVID-19, conseguem avançar na disputa de ideias na sociedade.

    Em resumo, aqueles que sempre falsearam as informações ao bem querer dos seus interesses agora emergem como opositores da mentira. Contradições?! Temos.

    Redes sociais como Instagram e Twitter, que ostentam milhões de usuários e até então foram tubos de transmissão de informações falsas sem mover-se do lugar, também seguem a mesma estrategia dos meios tradicionais: apostam em ser novos intermediadores da informação ao passarem a dizer, por meio de novas tecnologias recém-lançadas, se um conteúdo publicado pelos usuários é mentira ou verdade.

    Não fica atrás o WhatsApp, canal principal das ‘fake news’, que, embora tenha fechado os olhos para as disseminações de inverdades que influenciaram em eleições presidenciais nos Estados Unidos e no Brasil, agora limitam envio de mensagens em massa para combater essa prática.

    Essa trata-se de uma guerra muito maior e mais importante para a disputa política e ideológica do que parece. É a guerra para definir quem deterá o poder da comunicação, no mundo, quando esse “caos da desinformação” passar ou mesmo que ele siga como parte constituinte dos processos sociais. Nós da esquerda, até agora, continuamos perdendo esse jogo. E parece, para mim, que usamos a estratégia de jogar parados.


    *Yuri Silva é jornalista formado pela UNIJORGE, especialista em mídias sociais digitais, consultor de comunicação e política, editor-chefe do portal Mídia 4P eassessor de comunicação. Já atuou como repórter freelancer de veículos como o jornal O Estado de São Paulo (Estadão), The Intercept Brasil e Revista Piauí. É ex-repórter do jornal A TARDE e ex-correspondente do Estadão na Bahia. Também é ativista antirracista, ocupando as funções de coordenador nacional do Coletivo de Entidades Negras (CEN) e de conselheiro de Direitos Humanos do Estado da Bahia.

  • Crianças em isolamento social é tema do Vida em Quarentena

    Crianças em isolamento social é tema do Vida em Quarentena

    Como as crianças estão vivendo a quarentena? E como é o cotidiano de uma mãe de quíntuplos? Com essas questões o quinto episódio do Vida em Quarentena aborda a educação, o cotidiano, a rotina e o consumo de mídia pelo público infantil no período de isolamento social. Essa é uma produção do Projeto de Extensão em Rádio e Podcast, Comunicast, da Universidade Federal de Mato Grosso realizada em casa por estudantes.

    Uma das fontes do episódio é a Anieli Kurpel que descobriu a gravidez natural de quíntuplos no ano passado. Hoje ela tem uma rotina movimentada com um filho de seis anos e os cinco recém-nascidos na cidade de Chopinzinho, no sudoeste do Paraná. Também é possível conhecer o Grupo de Pesquisa em Infância da Universidade Federal de Mato Grosso (Gpin) que debate como as crianças estão recebendo informações neste período.

    O episódio debate, ainda, a educação e o consumo de mídia pelas crianças com a professora do Programa de Pós Graduação em Comunicação e Poder da UFMT, Pâmela Craveiro. O podcast também está no Spotify, Deezer, Anchor, Mixcloud, Breaker, RadioPublic e Youtube. Agora, também é possível ouvir na aba de podcasts da página oficial sobre a Covid-19 da UFMT no endereço https://ufmt.br/covid.

    Vida em Quarentena

    Este é um podcast feito de dentro de casa, na quarentena. A divulgação de informações que atendam ao serviço público de combate ao Coronavírus é fundamental no período de quarentena, principalmente na região Centro-Oeste em que Mato Grosso se encontra dentro de um vazio noticioso. Segundo o Atlas da Notícia do Instituto Pró-Jornalismo, os vazios são ausências de veículos de informação de abrangência local ou regional. Por outro lado, dos 13.732 veículos mapeados em todo o Brasil, o rádio é mais presente, correspondendo 35,5% do total. Solidariedade, empatia, cuidados e precaução! Ouça agora em:

    Spotify: https://open.spotify.com/show/6yxyK5YK5fZIlsx4kjepwY?si=Kht5DydxR6mCRWm7L7dt-Q

    Deezer: https://www.deezer.com/br/show/993622?utm_source=deezer&utm_content=show-993622&utm_term=2206201488_1585425023&utm_medium=web



    Google Podcasts: https://podcasts.google.com/?feed=aHR0cHM6Ly9hbmNob3IuZm0vcy8xOTNmZDI0OC9wb2RjYXN0L3Jzcw

    Radiotube: https://www.radiotube.org.br/meuperfil-7636

    Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCbqsmP6Ng3FLO2YpbT0zB6Q

    Mixcloud – https://www.mixcloud.com/comunicastufmt/

    Anchor: https://anchor.fm/vidaemquarentena

    Breaker: https://www.breaker.audio/vida-em-quarentena

    RadioPublic: https://radiopublic.com/vida-em-quarentena-Wo0B9x

    Overcast: https://overcast.fm/itunes1505490353/vida-em-quarentena

    E veja também:

    UFMT lança chamada pública de captação de recursos para enfrentamento à Covid-19

    A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), por meio da Pró-reitoria de Cultura, Extensão e Vivência (Procev), lançou o edital 06/2020, referente a uma chamada pública para a doação de recursos, materiais/produtos, bens e/ou serviços para ações de extensão de enfrentamento ao Covid-19. A iniciativa conta com o apoio da Secretaria de Infraestrutura (Sinfra) da Universidade e da Fundação Uniselva.

    O Projeto de Extensão em Rádio e Podcast – Comunicast também está na lista de projetos que atuam no enfrentamento à Covid-19. A lista de materiais que podem ser doados para a produção de informações voltadas a emissoras radiofônicas e podcasts está no link: https://www1.ufmt.br/codex/arquivos/3f99faa0d346e9c81f5d99b59b87586f.pdf.

     

     

  • “Jornalismo será peça-chave para a construção de um novo momento na democracia”

    “Jornalismo será peça-chave para a construção de um novo momento na democracia”

    Por: Safira Campos para o PNBonline

    Professor e pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Bruno Araújo é jornalista pela Universidade de Coimbra, onde também cursou Mestrado em Comunicação e é doutor pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente é coordenador do Programa de Pós-graduação em Comunicação, o primeiro programa da área em todo Mato Grosso. É também um dos organizadores do livro ‘(Des)construindo uma queda: a mídia e o impeachment de Dilma Rousseff’, em que discute a atuação e influência da imprensa no impedimento da presidente petista em 2016. 

    Com estudos voltados à crítica da mídia, o professor tem desenvolvido pesquisas sobre comunicação e política por meio da análise de coberturas de escândalos políticos, eleições, casos de corrupção e construção de personagens políticas. Na entrevista especial deste domingo (19), o PNBonline conversa com Bruno Araújo sobre o papel do Jornalismo na sociedade, como a profissão pode contribuir para o combate à cultura do ódio e sobre perspectivas da mídia para o futuro diante do cenário de ataque no presente. 

    PNBonline – Como o Jornalismo pode contribuir com a sociedade em um cenário de dicotomia entre o seu papel social de informar e a notícia como mercadoria?

    Bruno Araújo – Esta é uma questão bastante complexa. A notícia é encarada em muitos estudos da Comunicação em pelo menos duas perspectivas. Em primeiro lugar, a notícia como um produto social que visa esclarecer a opinião pública sobre temas que interessam a vida da sociedade. De outro lado, você tem estudos e análises que vão olhar a notícia dentro de algumas limitações em relação à essa primeira perspectiva. A notícia então é vista como um produto de uma empresa que, embora tenha um compromisso social – sendo este um dos valores do chamado Jornalismo liberal que se identifica como uma espécie de quarto poder – visa a obtenção de lucros.

    “Estamos falando da lógica capitalista que invade, como negócios que são, as empresas de comunicação”

    Essa dicotomia precisa ser levada em consideração até para nos alertar que o Jornalismo, apesar de prestar um papel relevantíssimo à sociedade, também é afetado por lógicas que estão muito para além da noção de interesse público. Estamos falando da lógica capitalista que invade, como negócios que são, as empresas de comunicação. Isso dá à notícia uma complexidade muito grande, que faz dela algo que esclarece a opinião pública, mas que também pode entrar em processos de manipulação.

    Essa dicotomia não nasceu hoje e existe desde sempre. O que é preciso considerar, é que independentemente de ser uma mercadoria ou não, a notícia e o Jornalismo como um todo são instâncias que estão sujeitas ao escrutínio, ou seja, à análise da sociedade. Esta é uma porta de oportunidade que não dá ao jornalista uma carta branca para fazer o que quiser. É por isso também que na academia, nós fazemos crítica de mídia e pesquisas das mais diversificadas para analisar o trabalho jornalístico. Nós temos que fazer com que o Jornalismo aperfeiçoe a sua prática para que ele possa ser cada vez mais um serviço público e que tenha uma função de esclarecimento das pessoas.

    PNBonline – Então como preparar estudantes de Jornalismo para um mercado de trabalho em que objetivos econômicos podem ultrapassar o interesse social?

    Bruno Araújo – Na universidade, nós temos um papel muito importante, que é dizer ao estudante que ele trabalhará em empresas de comunicação que são privadas, que têm sua linha editorial, valores e interesses, mas que eles não são obrigados a contar inverdades, a mentir. Ou seja, há certos valores éticos, e por isso fazemos uma discussão sobre ética jornalística, que são inalienáveis. Dizemos a eles que podem perfeitamente trabalhar em uma empresa jornalística, que têm objetivos de obtenção de lucro, e fazer um trabalho que vise o esclarecimento das pessoas, que traga outra múltiplas vozes para participar do debate público. Que a imprensa é uma instância de mediação imprescindível para a sociedade e que não pode ser secundarizada.

    A formação em Jornalismo é a ainda hoje cada vez mais importante, porque é fundamental que nós formemos estudantes que tenham a noção de que nós não somos inocentes na crise democrática que nós vivemos hoje, mas que o Jornalismo também será peça-chave para a construção de um novo momento na democracia.

    PNBonline – Enquanto é atacado, como o Jornalismo brasileiro pode combater a cultura do ódio tão presente atualmente e que tanto trabalha com a desinformação?

    Bruno Araújo – Esse afeto que destila contra o outro as piores energias que estão em nós, que visa não apenas confrontar esse outro, mas destruí-lo como sujeito e ser social, sempre existiu. A diferença agora, e que por isso se fala em uma cultura do ódio, é a força que esse tipo de sentimento tem no espaço público. Muitas vezes você vê o ódio como um afeto que pertence principalmente ao espaço privado, mas agora esse sentimento ganha o espaço público de uma maneira generalizada e exponenciada pela força das redes sociais.

    “O jornalismo não pode naturalizar discursos de ódio e ser um medidor silencioso, sem oferecer um contraponto necessário”

    O Jornalismo tem um papel fundamental mais uma vez. É claro que pedir ao Jornalismo para resolver a cultura do ódio é uma missão mais que impossível, no entanto, o Jornalismo pode sim atuar criando possibilidades de enfrentamento à essa cultura do ódio. Como por exemplo, quando ele produz reportagens que dão conta de crimes que são motivados pelo ódio como as narrativas sobre feminicídio. Elas devem ser feitas de uma maneira muito responsável, mostrando as razões estruturais que estão por trás dos crimes cometidos contra as mulheres por questões machistas. O mesmo para o racismo, que se pulveriza nas nossas relações sociais e não está apenas naquele demonstração mais evidente, mas pode estar escondido em certas expressões, tratamento dado a certos grupos, etc.

    É preciso que as coberturas vão além das estatísticas, humanizando esses números. Dar a oportunidade para que as vítimas possam expressar sua voz no espaço midiático. O Jornalismo não pode abrir mão de ser o lugar da denúncia. Não é possível que se entreviste um candidato que vincula fake news, como o atual presidente na bancada do Jornal Nacional durante as eleições de 2018, sem que os jornalistas sejam capazes de denunciar as mentiras que estavam sendo ditas e que incentivam posições de ódio contra homossexuais, grupos progressistas ou outros candidatos. O Jornalismo não pode naturalizar discursos de ódio e ser um medidor silencioso, sem oferecer o contraponto necessário.

    “Não há nenhum tipo de linguagem desprovido de ideologia (…) O Jornalismo é uma atividade que comporta uma carga ideológica”

    PNBonline – Por que a imprensa brasileira insiste no mito da imparcialidade? 

    Bruno Araújo – No Brasil, nós somos muito influenciados pelo Jornalismo dos Estados Unidos. Essa influência trouxe uma noção chamada em literaturas liberais de ‘Jornalismo cão-de-guarda’. Evidente que em algumas situações isso é verdade, mas no Brasil nós temos uma situação híbrida. Em algumas situações nós temos uma imprensa que agiu como contra-poder, mas em geral a tendência brasileira é outra, em uma perspectiva de cobertura adversária. Nós temos como exemplo, toda a cobertura do impeachment da presidente Dilma Rousseff que não contemplou uma discussão sobre se houve mesmo crime de responsabilidade ou não. Quando houve essa crítica a colegas jornalistas, você ouvia “somos imparciais e objetivos, damos voz aos dois lados”.

    Em semiótica, nós estudamos o papel ideológico da linguagem. Não há nenhum tipo de linguagem desprovido de ideologia, pois como afirmam Bakhtin e Volochinov, toda palavra é ideológica. O Jornalismo é uma atividade que comporta uma carga ideológica. O que temos estudado há muito tempo é que os veículos estão muitas vezes  a cargo de certas faixas políticas, de certos grupos de pressão e não exatamente com o esclarecimento público. Portanto, o Jornalismo é parcial e tem lado, mas precisamos refletir que lado é esse.

    Nos Estados Unidos há também o hábito dos jornais assumirem durante as eleições, que candidatos apoiam. Mas isso não quer dizer que eles farão uma cobertura enviesada. Aqui no Brasil, os veículos têm seus próprios candidatos e vários estudos refletem sobre isso, mas não é algo assumido. Atualmente, um dos poucos veículos que dizem o candidato apoiado, é a Carta Capital.

    PNBonline – Como o Jornalismo enfrentará as constantes crises de credibilidade e os ataques à profissão?

    Bruno Araújo – Nós estamos vivendo hoje uma situação de grande crise nas mais diversas instâncias da sociedade e o Jornalismo não passa ao largo disso. A credibilidade jornalística é algo que vem sendo bastante contestada, sobretudo e cada vez mais por líderes políticos dos polos extremos, especialmente a extrema-direita que tem feito uma investida muito grande neste sentido. É importante perceber que a contestação do trabalho da imprensa não é feita apenas por forças políticas, mas também por camadas da sociedade.

    Este momento, que para alguns significaria o fim da imprensa ou a perda total de sua relevância, é um momento de extrema oportunidade para que a imprensa retome o seu papel de mediadora das questões sociais e de esclarecedora do debate público. Neste momento, ao mesmo tempo em que as pessoas criticam o trabalho da imprensa, uma camada importante da sociedade está atordoada sem saber muito bem em que narrativas ela deve confiar para entender o que está acontecendo. É reafirmando sua natureza que o Jornalismo enfrentará este momento.

    PNBonline – Como o Jornalismo local pode se fortalecer e se aproximar do seu público sem se prender a fatores econômicos e políticos?

    Bruno Araújo – Quanto mais regionalizado é o Jornalismo mais dependente ele pode ser de fatores econômicos e políticos. Não há uma resposta pronta para os caminhos a serem traçados para que o Jornalismo local se torne mais independente. Mas certamente ele passaria pelo fortalecimento dos laços com os leitores. É preciso que as pessoas entendam que elas são fundamentais também no financiamento do Jornalismo profissional. Hoje na internet nos parece que tudo é de graça e livre, mas o trabalho empenhado demanda recursos. Em uma perspectiva otimista, quanto mais o público estiver envolvido no financiamento da informação, mais ele tirará o peso desses fatores políticos e de grandes grupos econômicos.

    PNBonline – O professor e pesquisador João Carlos Correia (UBI) diz que o jornalismo precisa contribuir para formar leitores qualificados. Uma falsa democratização do acesso à informação só aumentaria o elitismo. O senhor concorda com esse pensamento?

    Bruno Araújo – Sim. Acho que de fato o Jornalismo tem uma função pedagógica para cumprir na sociedade. É uma função que passa pelo esclarecimento das questões, pela visibilidade de grupos sociais que são historicamente marginalizados e que têm coisas a dizer. No Jornalismo profissional, muitas vezes por conta das próprias rotinas de produção que valorizam as fontes oficiais e instituições consolidadas não damos espaço de voz para esses grupos, que produzem reflexões altamente sofisticadas e são os verdadeiros representantes da sociedade brasileira.

    Quando damos essa visibilidade disminuímos o déficit democrático que temos. Isso contribui para a formação de leitores mais críticos, com uma perspectiva mais aberta, mais aprofundado de temas sociais. Apesar de sermos um país plural, muitas vezes essa pluralidade não reflete no trabalho da imprensa. É preciso, portanto, que nós demos espaço a essa pluralidade para que tenhamos leitores mais críticos e qualificados.

    PNBonline – Quais as expectativas em relação ao Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFMT?

    Bruno Araújo – A aprovação do programa foi para nós um grande presente para nós da UFMT e para todo o estado de Mato Grosso, já que nós éramos o único estado da região Centro-Oeste sem uma pós-graduação stricto sensu em Comunicação. Será uma oportunidade de qualificação dos quadros que nós temos agora no mercado de trabalho e de todas as pessoas que se sentem motivadas a investigar na pesquisa e na carreira acadêmica. Teremos a oportunidade de produzir uma massa crítica sobre os fenômenos da Comunicação, principalmente contemplando os temas que são caros no âmbito regional. Com a pandemia, o processo seletivo que esteja em andamento para o mestrado foi interrompido, mas logo que as atividades forem retomadas pela UFMT, retomaremos o processo para dar início às aulas.

    Veja matéria original em: https://www.pnbonline.com.br/geral/a-jornalismo-sera-pea-a-chave-para-a-construa-a-o-de-um-novo-momento-na-democraciaa/65300

  • Comunicadores: não sejam agentes da morte a serviço de fascistas

    Comunicadores: não sejam agentes da morte a serviço de fascistas

    Na noite de 26 de março o Brasil descobriu mais uma aberração violenta promovida pelos fascistas neoliberais que ocupam a presidência e o ministério do país: a campanha publicitária “O Brasil Não Pode Parar“, que teria custado quase R$ 5 milhões e cuja agência de propaganda teria sido escolhida sem licitação por um dos filhos do presidente, aquele que é vereador no Rio de Janeiro mas “despacha” do Planalto. Essas informações, contudo, não estão muito claras (veja nota no final desse artigo), seguindo a usual falta de transparência do poder executivo atual. Mas além do óbvio esperado quando temos um desgoverno de destruição nacional, no entanto, acho indispensável nesse momento também questionar eticamente os donos das empresas e os publicitários e jornalistas que estão produzindo profissionalmente materiais de divulgação oficial em relação à pandemia de coronavírus.

    Jornalistas têm sido acusados, muitas vezes com razão, de serem abutres cobrindo desgraças pra vender jornal há séculos. Filmes como a Montanha dos Sete Abutres, não me deixam mentir. A morte de Eloá, com Sonia Abrão conversando ao vivo com o sequestrador e assassino na TV e o recente episódio de uma mãe que desmaia ao vivo durante o programa Cidade Alerta enquanto o apresentador Luiz Bacci lhe informa sobre o assassinato de sua filha, são dois exemplos brasileiros que vergonhosamente não estão no campo da ficção.

    Mas e os publicitários? Nem vou discutir cases históricos como as décadas de propaganda de produtos comprovadamente nocivos à saúde, como cigarros. Temos o exemplo claríssimo da prefeitura de Milão que fez uma campanha publicitária muito semelhante há um mês e cujo prefeito foi ontem à TV pedir perdão porque o resultado é percentualmente o maior índice de mortos até agora.

    Se podemos ter certeza de um resultado diferente no caso brasileiro, é que o sujeito que ocupa a presidência jamais terá sequer a dignidade de pedir perdão. Ele obviamente não possui a empatia necessária para isso. Mas se o isolamento for de fato quebrado (e nesse momento há carreatas em várias partes do Brasil pedindo exatamente isso, com adesões dos governos de Mato Grosso, Rondônia e Santa Catarina) o resultado será o mesmo de Milão: mais mortes.

    No Jornalismo, temos o que é chamado de “cláusula de consciência“. Teoricamente o jornalista pode legalmente se recusar a fazer determinada matéria ou enquadramento do fato se isso for contra seus princípios. No mundo real, na maior parte das vezes, se não faz o que o patrão manda é demitido (aconteceu semana passada com um jornalista PJ da IstoÉ que exigiu trabalho remoto porque estava em quarentena e não queria arriscar contaminar os colegas). Bons jornalistas, claro, se demitem ou aceitam a demissão em troca da dignidade pessoal e paz de espírito.

    Mesmo no exército, em guerras, o soldado não é obrigado a seguir ordens de executar crimes de guerra. O famoso julgamento do nazista Adolf Eichmann, em Jerusalém em 1961, o qual Hannah Arendt descreveu brilhantemente como “A Banalidade do Mal”, demonstra bem isso. Eichmann só seguiu ordens de seus superiores. Ele jamais disparou um tiro ou girou uma válvula de uma câmara de gás. O resultado de seus atos burocráticos, no entanto, permitiram uma eficiência muito maior ao genocídio de Hitler na Segunda Guerra.

    É “só” isso que os publicitários que aceitaram (ou vierem a aceitar) o job governamental farão: tentarão profissionalmente, com o melhor de suas capacidades, dar mais eficiência a uma estratégia que já se provou ser mortal.

    Apelo à consciência dos colegas jornalistas e publicitários: não se permitam ser usados por homens sem alma que preferem contar cifrões a salvar vidas.

    O mundo estará mudado depois dessa pandemia. E todos e todas que sobrevivermos teremos que prestar contas uns aos outros e a nós mesmos por nossos atos.

     

    PS: A agência de publicidade iComunicação, apontada em diversas matérias como a escolhida pra peça, informou ao Meio & Mensagem que não é a responsável pela criação do vídeo e que foi contratada na quinta para fazer mil posts nas redes sociais da presidência a partir de abril. A agência informou, ainda, que “a contratação direta terá duração de seis meses e se deu por disputa por oferta de menor preço da qual também participaram as agências CDN, Chá Com Nozes, Fields, Huge Digital, In Press Oficina, Lew´Lara\TBWA, Lov, Monumenta, Moringa Digital, Partners Comunicação e WMcCann.”

    De acordo com o Meio & Mensagem, “A contratação, com objetivo de prestação de serviços de comunicação digital ao governo federal, foi necessária, segundo a iComunicação, porque a Isobar optou por encerrar as atividades da agência em Brasília e seu contrato com a Secom termina no dia 31 de março. Isobar e TV1 venceram a última licitação ocorrida em 2015. Na publicidade off-line, a Secom tem contratos sendo finalizados com Artplan, Calia e NBS. Após consulta pública já realizada, um novo edital é aguardado pelo mercado, e pode unificar as contas on e off da Secom.”

     

    PS2: Foi preciso a Justiça Federal proibir a veiculação da campanha.

  • Quando a demissão não apaga o (mal)dito

    Quando a demissão não apaga o (mal)dito

    Doutor em Análise de Discurso pela Unicamp traz um panorama sobre a demissão de Roberto Alvim após discurso nazista

    Por Fabiano Ormaneze*

     

    Desde a campanha que o elegeu, o discurso bolsonarista está cheio de signos que remetem ao nazismo e a outros regimes totalitários. A valorização exacerbada do nacionalismo e de certos padrões de comportamento e pensamento, que seriam superiores a todos os outros, além do uso do nome de Deus para se reafirmar, são provas contundentes disso. Não são “coincidências retóricas”, como se tentou defender. São regularidades que, desde a década de 1930, acompanham os discursos nazistas e ultranacionalistas, aqui e acolá. Bolsonaro, ao comunicar a demissão de Alvim, afirmou que se tratava de um pronunciamento “infeliz”. Mas o que é infeliz nessa situação? Infeliz teria sido o que foi dito ou a forma como foi dito e que circulou, dando nome e sobrenome à origem daquele dizer? Infeliz foi ter usado um texto claramente ligado a um nome próprio e, portanto, a uma biografia? E se a fala tivesse o mesmo conteúdo, mas circulasse sem menção clara ao nazismo? Seria nazista tanto quanto, mas não teria sido nomeada. Seria nazista, mas disfarçada no discurso de alguém que se pretende colocar como preocupado com a nação e o futuro.

    Outras tantas falas ligadas ao governo têm as mesmas características, do ponto de vista ideológico, mas não circulam associadas a um nome e, assim, ficam no plano das ideias, mais facilmente disfarçadas e camufladas quanto a suas filiações. Quando o biográfico passa a estar associado a uma fala, ou seja, quando a história de vida de alguém sanguinário como Goebbels fica explícita no dizer, a situação torna-se “infeliz”. Goebbels também disse que a última profissão que alguém “com um pingo de decência” deveria seguir era o jornalismo. Essa parece ecoar nos ataques que o presidente faz, regularmente, a jornalistas e à imprensa. Ele (Goebbels ou Bolsonaro?, a ambiguidade é proposital…) também impediu a publicação de materiais e controlou o cinema, além de inventar inimigos, como o “comunismo” e deturpar informações. A ideologia nazista corre fluente, fazendo apoiadores. Como diz o filósofo Michel Pêcheux (1938-1983), nenhum dizer começa no sujeito que o enuncia. “Algo” fala antes e, assim, continuará produzindo sentidos.

    A demissão não apaga nem enfraquece o maldito, tampouco o mal-dito. Na verdade, a observação dos comentários de seguidores do presidente nas redes sociais mostra exatamente o contrário. Alguns defendem até que Alvim merecia ser perdoado, que é injusto o que lhe acontecera. Outros argumentam que o presidente fez o correto: ao menor deslize, cortou quem atrapalha seus planos. Há ainda aqueles que exigem que a “assessoria” seja punida, afinal, é culpa dela, esse corpo sem forma, que parece desencarnado, sem nomes próprios que o caracterizem. A culpa é sempre do “sistema”, da “assessoria”, até do “Google”, desastrado oráculo que não indica a origem das falas, nem o que podem causar… Se a fala de Alvim foi infeliz, pelo dito ou pelo que deixou explícito, a demissão é tida como feliz, porque volta a silenciar o que é melhor que não seja visto, nem dito, tampouco escancarado, embora circule naturalmente, como o sangue que corre nas veias sem ser visível.

    retrato nazista: Fotograma do filme "O Triunfo da Vontade", de Leni Riefenstahl, 1935
    Fotograma do filme “O Triunfo da Vontade”, de Leni Riefenstahl, 1935

    As falas que não recebem uma atribuição direta ao nome de Goebbels ou a Hitler, que não são paráfrases, passam despercebidas pela maioria. Tornam-se elogiosas e repetidas, em um país que ainda precisa reconhecer que democracia não é sinônimo de nacionalismo, patriotismo ou conservadorismo. Dessa forma, o que é dito fica parecendo original, nascido na salvação que o discurso bolsonarista representa para seus seguidores.

    A dificuldade de conceber os dizeres como não originários naquele que enuncia está no fato de que, no percurso da história, os sentidos são apropriados como naturais e, por isso, constituem-se como processos ideológicos. Mas o sujeito só consegue dizer aquilo que pode formular do lugar em que está, das relações que o constituem. Alvim afirmou, em nota, que até mesmo os mais sanguinários podem ter uma ou outra frase corretas. O que ele parece não saber é que aquilo que o sujeito diz tem uma origem muito mais longínqua do que a alcançada pela consciência e que cada fala só faz sentido a partir da rede que estabelece com tantas outras, ditas ou esquecidas, retomadas ou silenciadas.

    A demissão de Alvim não apaga o (mal)dito, porque ele continua ressoando em tantas outras falas. Nesse exato momento em que escrevo este texto num café, na mesa ao lado, ouço alguém dizer: “É um absurdo achar que uma pessoa, como Goebbels, que morreu há quase 80 anos, possa estar influenciando hoje. Só mesmo a esquerda para pensar isso”. A demissão de Alvim não apaga o (mal)dito, porque ele está tão cristalizado que se perde a origem. Ela não apaga o discurso sanguinário, porque ideologia não se demite. A ideologia só pode ser, como lembra mais uma vez Pêcheux, o lugar e o meio para a dominação.

    *Jornalista. Doutor em Análise de Discurso pela Unicamp. Professor e pesquisador do Centro Universitário UniMetrocamp, Campinas-SP.

    VEJA TAMBÉM: Secretário da cultura de Bolsonaro copia Goebbels em discurso nazista