Jornalistas Livres

Tag: complexo penitenciário Anísio Jobi

  • O Massacre e a demagogia

    O Massacre e a demagogia

    São dois tipos de homem: um é o papa Francisco; o outro é o governador José Melo, do Amazonas. Escolha o seu!

    Por Jornalistas Livres (com informações da Ansa, do UOL e do “Valor Econômico”)

    O papa Francisco fez orações pelas vítimas da rebelião no presídio de Manaus na primeira audiência geral de 2017, realizada nesta quarta-feira (4). Ao todo, 60 pessoas morreram no complexo penitenciário Anísio Jobim após uma rebelião.

    O massacre… (segundo Francisco)

    “Ontem, chegaram notícias dramáticas do Brasil sobre o massacre ocorrido no presídio de Manaus, onde um violentíssimo confronto entre grupos rivais causou dezenas de mortes”, disse o Pontífice nas mensagens finais da audiência.

    “Exprimo dor e preocupação pelo que aconteceu. Convido a todos para rezar pelos mortos, pelos seus familiares, por todos os presos daquele presídio e por aqueles que lá trabalham. E renovo meu apelo para que os institutos penitenciários sejam locais de reeducação e de reinserção social e as condições de vida dos presidiários sejam dignas de pessoas humanas”, falou o Pontífice.

    Após um momento de silêncio, ele pediu para que os presídios de todo o mundo “sejam locais de reinserção, que não sejam superlotados” e concluiu solicitando para que todos rezassem uma Ave Maria.

    O Papa Francisco tem um especial apreço pela questão dos encarcerados, pedindo condições dignas e humanas para gestores do sistema prisional de todo o mundo. Ele, inclusive, visita prisões ao redor do mundo – sempre que possível – quando faz viagens internacionais.

    O governador José Melo, do Amazonas, preferiu o discurso da hipocrisia.

    No cemitério, onde se enterravam as primeiras vítimas do massacre, mandou entregar às famílias desesperadas com tamanha violência várias coroas de flores com os dizeres: “Homenagem do Governo do Estado do Amazonas”.

    Melo é um tipo inesquecível. Seja pela irresponsabilidade, seja pela covardia.

    O juiz da Vara de Execuções Penais encarregado do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, Luis Carlos Valois, disse em entrevista à repórter Macarena Mairata, dos Jornalistas Livres, que havia um sistema de câmeras de vídeo escondido dentro da cadeia, e que pelas imagens as autoridades conseguiam ver a chacina dos membros do PCC — em tempo real.

    Como voyeurs da desgraça, as autoridades policiais assistiram cabeças sendo cortadas, corações sendo arrancados de dentro do peito, presos sendo queimados vivos. E nada fizeram durante as 17 horas (repita-se: de-zes-se-te longas horas) de duração do massacre.

    O secretário de Segurança Pública do Amazonas, Sérgio Fontes, justificou a omissão, dizendo que a entrada da PM no Complexo Penitenciário Anísio Jobim poderia ter causado um “Carandiru 2”.

    “Não entramos no presídio para evitar um Carandiru 2”, disse Sérgio Fontes em entrevista ao UOL.

    Quer dizer: a polícia assistiu a tudo, sádica, sem fazer nada!

    E o governador manda coroas de flores…

    Foto Christian Braga

    Para piorar, José Melo afirmou na manhã desta quarta-feira (4) que “não tinha nenhum santo” entre os 56 presos mortos durante a rebelião.

    “Não tinha nenhum santo. Eram estupradores, matadores (…) e pessoas ligadas a outra facção, que é minoria aqui no Estado do Amazonas.”

    Canalha, a gente vê por aqui!

     

    As covas são rasas, o barro é novo, as cruzes são simples, o vazio é nos homens, a vergonha é das flores, as coroas são falsas. (Helio Carlos Mello)

    Foto Christian Braga
    Foto Christian Braga
  • O massacre de Manaus era bola cantada

    O massacre de Manaus era bola cantada

    Há um ano, janeiro de 2016, veio a público um relatório sobre as prisões de Manaus. Uma das primeiras recomendações, e talvez a que mais chocava o leitor, era que a administração dos presídios deveria ser feita por agentes penitenciários e não pelos presos.

    O Relatório de Visitas a Unidades Prisionais de Manaus cobriu quatro presídios de Manaus, entre eles o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), palco da tragédia no aniversário de um ano do relatório.

    O Compaj tem capacidade 450 presos, mas na data da visita das peritas abrigava 1.147, conforme aponta o relatório. No dia do massacre, segundo informação do site da empresa Umanizzare, gestora privada do presídio, a população estava em 1072, ou seja, mais do que o dobro da capacidade.

    A superpopulação era associada à subdimensionamento do número de agentes: “É importante destacar que foram obtidos relatos que apontam para um descumprimento contratual: apenas 153 funcionários estavam trabalhando, enquanto 250 estão previstos no contrato firmado para a gestão do Compaj”, revela o relatório.

    A entrada de uma empresa privada, na gestão das prisões de Manaus, foi vendida à população como garantia de melhor qualidade na administração. No entanto, o relatório mostrou que havia menos funcionários do que o necessário, que eles recebiam menos treinamento do que o necessário e que a rotatividade dos agentes era bastante alta.

    Havia no Compaj áreas chamadas de “seguro”, onde eram mantidos acusados por crimes sexuais e membros do Primeiro Comando da Capital (PCC). A justificativa para a separação de integrantes do PCC era a rivalidade com a facção predominante no presídio, denominada Família do Norte (FDN).

    Já nas visitas para elaboração do relatório se verificava a tensão existente: “… várias pessoas isoladas relataram que os presos dos pavilhões possuem ferramentas capazes de quebrar as paredes das unidades que são, aparentemente, frágeis. Então, mesmo “isoladas”, sentem muito receio de estarem em locais de fácil acesso e, assim, serem torturadas e morrer nas mãos da massa carcerária. Esse temor se exacerba em situações de motins ou rebeliões”.

    O controle do presídio havia sido deixado a cargo dos líderes da facção Família do Norte: “Segundo os funcionários e os presos, a ação dos agentes penitenciários dentro dos pavilhões das unidades prisionais em boa parte se resume a abrir as celas no início da manhã e fechá-las ao final da tarde… Assim, pode-se afirmar que os presos das penitenciárias masculinas visitadas pelo MNPCT [Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura] basicamente se autogovernam, criando regras extralegais ou ilegais que afetam drasticamente a segurança jurídica e a vida das pessoas privadas de liberdade. ”

    Como não tinha controle, a administração do presídio recorria a forças externas para ações de revistas e “apaziguamento” de conflitos, como o Batalhão de Choque da Polícia Militar. “Todavia, esse tipo de ação está imbricado a uma série de violações de direitos, ocasionando práticas de tortura e maus tratos contra os presos. Foram obtidos diversos relatos de privados de liberdade com sérias sequelas físicas causadas pela ação truculenta destas forças especiais.”

    “Em suma, o direito à vida nos cárceres do Amazonas pareceu fortemente fragilizado”, concluiu o relatório.

    Funcionário do IML de Manaus informa procedimentos às famílias dos assassinados – foto Christian Braga

    Nota

    A íntegra do Relatório de Visitas a Unidades Prisionais de Manaus foi elaborado por peritas do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, vinculado à Secretaria Especial de Direito Humanos e está disponível em: http://www.sdh.gov.br/sobre/participacao-social/sistema-nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura-snpct/mecanismo/Unidades_Prisionais_de_Manaus___AM.pdf