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  • Desafios dos jornalistas na cobertura do Coronavírus em MT

    Desafios dos jornalistas na cobertura do Coronavírus em MT

    Estudantes de jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso fazem levantamento e análise da cobertura da pandemia de coronavírus em sites jornalísticos no estado
    Por: Beatriz Passos e Marcos Salesse

    Pela televisão, no rádio, celular ou em qualquer outro dispositivo é possível notar um crescimento considerável no número de notícias sobre o novo coronavírus. Desde 31 de dezembro de 2019, dia em que Wuhan, cidade chinesa considerada um dos epicentros da pandemia, registrou o seu primeiro caso todo o mundo voltou os olhos para esse que se tornaria o principal assunto diário.

    Ao passo que o vírus se espalhava rapidamente por diversas partes do globo, jornalistas presenciaram mudanças expressivas nas suas rotinas de trabalho, seja pelos telejornais mais longos, pela impossibilidade de fazer entrevistas presenciais, ou até mesmo nas dificuldades em conseguir informações oficiais precisas.

    Em Mato Grosso esta realidade não ficou distante, com redações menores e uma demanda por informação crescente, foi fácil encontrar relatos de profissionais de imprensa que tiveram dificuldades na hora de começar a cobrir o assunto no estado.

    Apesar do primeiro caso de Covid-19 ser confirmado pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) em 20 de março, semanas antes já começavam a circular na imprensa possíveis casos subnotificados, ou seja, pacientes testados positivos, mas sem confirmação dos laboratórios credenciados pela Ministério da Saúde (MS).

    Entre a demora na apuração dos órgãos estaduais e as dificuldades no entendimento das informações extra-oficiais, surgia para o jornalista a dúvida sobre a real situação do estado frente ao avanço da pandemia, e também como isso seria transformado em notícia.

    Completando na próxima semana um mês desde a confirmação do primeiro caso do novo vírus no estado, já foram publicadas mais de mil matéria em quatro dos principais veículos digitais de Cuiabá, capital mato-grossense, dessas aproximadamente 55% refletem a realidade local.

    COBERTURA ONLINE

    Para a cobertura online existiram outros desafios para além da divulgação de informações, como a rapidez das publicações e descobertas das novidades. Por isso, em meio à atmosfera virtual, os jornalistas lidavam com a pressão de entender os dados e divulgá-los ao público no menor tempo possível.

    Segundo João, jornalista de um dos sites que cobrem política e cidadania em Mato Grosso, a necessidade de imediatismo compromete tanto o entendimento de como transmitir a notícia, quanto como as informações serão compreendidas pelo leitor.

    “É interessante fazer o recorte para o contexto do jornalismo online, no sentido de que nesta modalidade tem que se publicar notícias a todo momento. E nesse cenário de pandemia não foi diferente, porém era tudo novo, porque entre os jornalistas, como na população geral, não havia um entendimento muito claro sobre o assunto, o que causava um desencontro de discursos. Como foi o caso da maioria dos sites de Mato Grosso que cometeram alguns erros por falta de tempo de investigação dos dados”, explicou o jornalista.

    OS DESAFIOS DA COBERTURA

    “Vivemos em um paradoxo, se considerarmos totalmente confiáveis as fontes oficiais, corre o risco de sermos induzidos ao erro que eles querem que a gente cometa. Mas também se colocarmos tudo em suspensão, corremos o risco de ficarmos muito no escuro, sem muita base”, revelou Carlos, outro profissional de imprensa entrevistado pelo Com_Texto.

    A fala do jornalista demonstra um sentimento compartilhado por muitos, a incerteza na hora de cobrir um fato até então desconhecido. Em uma realidade distante do eixo sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais), onde o fluxo de informações acaba se concentrando, os profissionais mato-grossenses contaram que vivem entre um grande impasse: depender dos dados oficiais das secretarias governamentais ou ir em busca das subnotificações.

    Funcionário de um veículo digital, que faz parte de um grupo que possui também jornal impresso e canal de televisão, o jornalista afirmou que um dos maiores desafios na cobertura do novo coronavírus está na dependência que os profissionais possuem das assessorias de imprensa governamentais, tal fato é conhecido nos meios teóricos como “jornalismo declaratório”, ou seja, aquele que se faz apenas com informações dadas por fontes oficiais.

    Entretanto, outros profissionais analisaram como positiva a proximidade entre a assessoria da SES e os jornalistas, no atual cenário de pandemia.

    “Avaliei como positivas ações como a do Ministério Público, que restringiu a emissão de boletins epidemiológicos pelos hospitais em Mato Grosso. As informações são muito complexas, não sei o quão estamos preparados para acessá-las”, defendeu João.

    Outro ponto positivo levantado pelo jornalista está na organização proposta pela Secretaria, com transmissões ao vivo feitas diariamente nos canais oficiais do Governo do estado nas quais o atual secretário de Saúde, Gilberto Figueiredo, atualiza os números oficiais dos dados em Mato Grosso, e posteriormente abre para as perguntas feitas pelos jornalistas.

    Além disso, também é disponibilizado à imprensa um boletim epidemiológico com a atualização diária, contendo número de casos suspeitos e confirmados.

    “Eu diria que a comunicação do governo está sendo efetiva nesse sentido, não tá dando brecha para a gente ter desinformações e desencontros, eles estão se comportando de maneira muito aberta nesses dias”, concluiu João.

    Já para Carlos, a dinâmica feita pela Secretaria pode limitar o acesso dos profissionais a real situação do estado. Para ele, as transmissões ao vivo também podem ser uma forma de controlar o acesso dos jornalistas aos dados reais.

    “É muito bom para eles, porque nessas lives existe um domínio e filtragem das perguntas por parte da assessoria. Tem perguntas importantes que eles não respondem. Da mesma maneira que o governo federal edita a LAI (Lei de Acesso a Informação) para tornar as informações mais inacessível, o governo de Mato Grosso cria estratégias para enrijecer uma coletiva de imprensa e ao mesmo tempo silenciar alguns repórteres”, rebate.

    Apesar de posicionamentos distintos em relação às medidas adotadas pelos meios de comunicação do governo, os dois jornalistas dividem a mesma posição quando o assunto é a importância em acompanhar e noticiar as subnotificações.

    “Segundo o próprio secretário de Saúde, só serão testadas pessoas que apresentem sintomas graves. Esse tipo de postura coloca o estado em uma situação que foge do que foi implementado nos lugares que têm lidado bem com a doença. Nesse cenário, eu vejo importância sim em conhecer e acompanhar os casos suspeitos”, disse João.

    O PRIMEIRO MÊS DE COBERTURA EM DADOS

    Para esta reportagem foram monitorados quatro sites de notícias veiculados em Mato Grosso, além do portal oficial da SES. No período de 1 a 31 de março, contabilizamos um total de 1.193 publicações que citam a palavra “coronavírus”. Entre notícias próprias, reproduções de outros veículos e colunas de opinião, os sites mato-grossenses apresentaram um primeiro mês de cobertura com posturas similares.

    Dentro dos número levantados, o Com_Texto também observou que em comparação com o contingente de notícias publicadas pelos veículos regionais, mais da metade tratava-se de publicações de outros sites. Assim, no cenário de 1.193 notícias publicadas em um único mês, cerca de 649 tinham como autor um meio diferente daquele que as compartilhavam, trazendo pautas gerais sobre situações de enfoque nacional e cotidiano dos famosos.

    Esse número pode se justificar pela demora na confirmação oficial dos primeiros casos no estado, e também pela dificuldade encontrada pelos jornalistas no início da cobertura.

    “No início estávamos muito perdidos, no sentido de para quem a gente daria atenção. Se seria para o laboratório que emitia diariamente um boletim epidemiológico, se para a Secretária Municipal de Saúde ou se para a Secretária de Estado de Saúde. De todas as formas existiam desencontros de informações”, revelou João.

    As assessorias dos órgãos governamentais tiveram um papel decisivo no fluxo de informações que chegavam até a população durante esse período. E esse panorama fica mais evidente quando analisada a quantidade de releases disponibilizados pela Secretaria de Saúde de Mato Grosso em comparação com o volume de notícias publicadas pelo sites.

    Os dados acima correspondem aos números de postagens da Secretaria de Saúde de Mato Grosso e do site que mais publicou notícias em março. A projeção mostra que na primeira semana, quando o assunto ainda não era a principal pauta do órgão, o site também não produzia notícias relacionadas ao vírus em grande escala. Realidade que sofre mudança no segundo terço do mês, com o anúncio da confirmação do primeiro caso de Covid-19 no estado.

    Segundo Maria, jornalista de um dos principais sites de notícia do estado, sua preocupação com a pauta surgiu logo após a confirmação dos primeiros casos na China, entretanto, não tinha tanta abertura para abordar o tema no trabalho.

    “Foi difícil produzir matérias no início. Fiz uma sobre cancelamento de viagens e um dos entrevistados acusou os jornalistas de serem os causadores da crise, que estávamos superdimensionando o tema. Reconhece esse discurso?”, contou a jornalista.

    Após esse início conturbado de cobertura, os veículos passaram a se movimentar mais diante do assunto que ganhou todos os holofotes nas últimas semanas.

    Com isso, dois sites se destacaram na análise feita pelo Com_Texto, como apresentado no infográfico abaixo:

    De todos os sites analisados ficou na primeira posição do ranking o site I, com 380 matérias publicadas, já o site II ocupou o último lugar, com 170 postagens, por ter sido o que menos compartilhou notícias sobre o tema em março.

    Mesmo com a diferença na quantidade de postagens, as análises demonstram que o comportamento dos portais de notícias possuem algumas semelhanças, como a prioridade por produção de notícias produzidas pelos jornalistas de cada veículo; o uso de formatos variados de textos, nos casos de artigos de opinião e o hábito de replicarem notícias de outros veículos.

    Contudo, a diferença mais expressiva da análise é que o site que menos vezes tratou sobre o tema foi justamente o que mais se dedicou a produção autoral dos conteúdos.

    E mesmo com as diferenças, os desafios diante do avanço rápido da pandemia fizeram com que todos os profissionais de imprensa trilhassem a mesma caminhada, a da informação apurada e precisa. Do primeiro mês desenhado pelas incertezas que o tema impõe, o que ficou foi a necessidade da coletividade.

    “É um trabalho coletivo, porque a visão de credibilidade não depende só de um veículo, depende de todos os jornalistas trabalhando com alguma coerência”, concluiu Carlos.

    Para esta reportagem utilizamos nomes fictícios a fim de preservar os jornalistas entrevistados e também os veículos analisados.

    Reportagem original em: https://com-texto.wixsite.com/comtexto/post/fora-do-eixo-os-desafios-dos-jornalistas-na-cobertura-do-coronav%C3%ADrus-em-mato-grosso

     

  • DITADURA VENEZUELANA – “MAIOR FAKE NEWS DA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA”

    DITADURA VENEZUELANA – “MAIOR FAKE NEWS DA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA”

    Por Juliana Medeiros para os Jornalistas Livres

    Neste domingo (15), a Venezuela realiza suas Eleições Regionais, para governadores, em 23 Estados nesta que é sua 22ª eleição em 18 anos de chavismo, o que de pronto classifica o país como a “ditadura” que mais realizou sufrágios na história contemporânea.

    Toda a imprensa mundial acompanha de perto a disputa, ávida por encontrar evidências de fraude ou captar imagens para sua narrativa de impacto sobre a diariamente pautada “crise econômica e política” do país.

    No entanto, ao mesmo tempo em que a presidenta do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Tibsay Lucena, informa em coletiva de imprensa que todas as etapas para o pleito vem sendo cumpridas com a participação de observadores internacionais e membros de TODOS os partidos, que também fiscalizam o processo, os correspondentes credenciados no país tratam unicamente de noticiar as supostas “fraudes” cometidas pelo governo Maduro, ainda que representantes de cada corrente política estejam validando o mesmo processo que a oposição (e a mídia) procuram deslegitimar.

    Mas do que se trata essa tal crise na Venezuela? Essa é a pergunta que muitos se fazem nesse momento. Para responder, é preciso antes se perguntar o que faz com que um pequeno país caribenho de repente se torne o assunto dos almoços de domingo de boa parte dos países do mundo, onde seus cidadãos muitas vezes sequer conhecem seu cenário local mas sabem o nome de políticos venezuelanos e falam sobre a tal “crise” como se fossem conhecedores profundos do tema.

    Charge do Latuff

    Antes ainda, é necessário perguntar se Nicolás Maduro – ao invés de denunciar constantemente a ingerência norteamericana e se recusar terminantemente a seguir suas ordens – fosse um amigo de Washington, será que o país continuaria nos noticiários?

    O mais provável é que ele poderia ser de fato o “ditador” que querem que ele seja, por exemplo, oprimindo cruelmente as mulheres como o rei Abdullah bin Abdul Aziz Al-Saud da Arábia Saudita; ou deixando mais de 1 milhão de pessoas morrerem de fome, cólera e bombardeios de aviões aliados em seu próprio solo, como Addrabbuh Mansour Hadi do Yemen; ou ainda usando de maneira violenta e extremada sua polícia contra manifestações pacíficas pelo direito de votar, como Rajoy da Espanha; ou inaugurando uma nova era de presos e desaparecidos políticos como Macri, na Argentina; ou mantendo sob barbárie a última colônia do mundo em um campo murado e minado no meio do deserto do Sahara, como o Rei Mohamed VI do Marrocos; ou pior, fazendo tudo isso, com direito a malas de dinheiro em contas ilegais no exterior e mais uma série de delitos (com Supremo com tudo) como naquele país, vocês sabem onde. Bastaria à Maduro ser menos “guapero” em linguagem latina, aceitando condições comerciais injustas, acordos políticos nefastos e uma ou outra base militar em seu território e tudo estaria resolvido.

    Ou seja, no fundo o mundo inteiro sabe que não se trata de motivos humanitários e que a OEA ou o (atual) Mercosul, just don’t give a damn para o que acontece realmente na Venezuela. Se assim fosse, as “guarimbas” – espécie de barricada montada pela oposição como estratégia recorrente de ataque – seriam tão conhecidas quanto todos os outros fatores que parecem fazer com que simples eleições regionais na Venezuela sejam mais importantes para a mídia do que, por exemplo, a possibilidade cada dia mais real dos EUA iniciarem uma nova guerra mundial.

    Sem precisar recorrer à estatísticas, é muito provável que você, leitor(a), jamais tenha ouvido falar sobre as tais “guarimbas” com homens armados até os dentes com fuzis e bombas caseiras, fios de arame que decapitam motoqueiros, ou os “poopootov” (lançamento de garrafas cheias de excremento humano), ou ainda pessoas sendo queimadas vivas nas ruas e filmadas enquanto agonizam até o fim. Ou pior, você até já ouviu falar em tudo isso, mas acredita na versão de que foram crimes cometidos pela Guarda Nacional Bolivariana.

    A verdade é que a ditadura (ou a crise) na Venezuela, como bem definiu seu Ministro das Comunicações, Ernesto Villegas, não passa do “maior fake news da história contemporânea”.

    Por mais que a própria oposição venezuelana declare publicamente em suas páginas oficiais que todas as estratégias citadas acima (e outras) são aceitáveis, ninguém lê porque é invisível até para os pauteiros da grande mídia. E ainda que muitas vezes as críticas à violência do governo Maduro não tenham sequer uma imagem para fundamentar, essas são as notícias que interessam ao mainstream.

    Aliás, muitas vezes há imagens sim, como as que a imprensa espanhola produziu horas depois de uma guarimba explodir cerca de 8 policiais em suas motos no meio de uma avenida de Caracas. O frame convertido em instantâneo, foi retirado de um vídeo produzido por uma das câmeras dos próprios policiais que vinham atrás dos que foram atingidos. A mesma imagem foi reproduzida nas capas de vários veículos, sem crédito, com títulos que criticavam a “repressão” de Maduro. Uma notável e descarada manipulação.

    Nesse mesmo dia, o jornalista venezuelano Luis Hugas, que acompanhava o grupo de militares em uma das motos (e quase foi atingido também), flagrou em video produzido para o Canal La Iguana TV, os correspondentes de meios internacionais escondidos atrás de uma das barricadas, ou seja, já preparados, poucos antes da explosão, no melhor estilo “se por acaso acontecer algo aqui”.

    Não se trata de dizer que não há problemas, a Venezuela vem sofrendo uma pesada guerra econômica precisamente por um equívoco do próprio projeto chavista. Quando Hugo Chávez chegou ao poder, todo o recurso bilionário do petróleo venezuelano era destinado unicamente à elite que controlava o país. A radical transferência de renda iniciada por ele, produziu uma mudança profunda em uma sociedade miserável. A questão é que Chávez não só reduziu drasticamente a desigualdade no país, levando educação ou saúde gratuitos para a população, mas também iniciou um processo de conscientização política. No entanto, a manutenção da dependência econômica sobre uma única commoditie, fez com que a nação caribenha continue precisando importar quase todos os produtos que consome, porém usando como moeda os mesmo barris de petróleo que agora estão em baixa no mercado mundial. E são justamente os comerciantes – boa parte estrangeiros – a usarem a estratégia de retirar os produtos das prateleiras ou colocá-los a preços surreais, como única ferramenta política da direita que tradicionalmente não possui habilidade para construir bases de outra maneira.

    Em uma série de vinhetas produzidas pelo canal venezuelano VTV, uma jornalista fala de sua indignação pelas últimas declarações do Depto de Estado norteamericano acerca da lisura das eleições venezuelanas e finaliza dizendo: “Venezuela é garantia de paz na América Latina”. De fato, esse é o ponto.

    Depois de passar décadas com pouco interesse sobre o que ocorria na América Latina (mais concentrados em regiões como o Oriente Médio e o Norte da África), os EUA sob Trump decidiram redirecionar seus canhões para nosso continente. Não é coincidência que, ao mesmo tempo em que o mundo está tremendamente interessado em saber qual será o novo governador de Táchira, os EUA tenham reiniciado sua política de bloqueio econômico-financeiro impondo o chamado “Nica Act” à Nicarágua, sob o batido pretexto de promover a “democracia” no país centro-americano. O problema dos EUA com a Nicarágua, Venezuela, Bolívia, ou Cuba é o mesmo: controle dos recursos e combate ideológico.

    E a Venezuela parece ser a peça que pode colocar em xeque toda a região, agora que Trump vem ameaçando com uma intervenção armada, que aliás, parte da oposição venezuelana tem a indecência de pedir textualmente em canais de TV privados pelo país. Subserviência e vira-latismo que mais parecem a nova epidemia desses tempos.

    Foto: Guilherme Imbassahy

    O fato é que mudam os presidentes mas a estratégia yankee não muda. Num primeiro momento, financiam grupos opositores protofascistas na tentativa de promover golpes parlamentares que permitam um alinhamento à sua geopolítica de interesse para a região, como é o caso do Brasil ou Paraguai (que por casualidade tinham nesses momentos a mesma embaixadora norteamericana, que também por acaso foi por anos quem esteve à frente da USAID para América Latina).

    E assim como ocorrido no Iraque ou na Líbia, quando a intervenção via “revoluções laranjas” não é suficiente e torna-se necessário recorrer às armas, a primeira a atingir o país-alvo da vez é sempre a propaganda, difundida com muita eficiência (e cumplicidade) pela imprensa internacional.

    Convencida a opinião pública de que é preciso intervir, não há problema caso depois alguém se dê conta de que se equivocou ou “pesou a mão”, basta recorrer à indústria Hollywoodiana e produzir algum enlatado (com cara de mea culpa e jeito de planejado) ou apenas, como é o caso da Líbia, jogar no limbo do esquecimento midiático o país que estava todos os dias no noticiário enquanto era importante convencer a todos de que era necessário destruí-lo, sob o irônico pretexto de “salvá-lo”. O problema com essa estratégia em relação à Venezuela (para aqueles que desde fora defendem essa absurda possibilidade), é que um ataque ao país certamente vai ter consequências regionais graves e cuja extensão é difícil de prever, inclusive para o Brasil e todos os países que lhe fazem fronteira.

    O mais curioso, é observar como a narrativa hegemônica faz com que qualquer país que demonstre ter um forte sentido de soberania enraizado em sua cultura, passa a ser ridicularizado e seus líderes tratados como loucos. O mundo parece mesmo convencido bovinamente de que o único país ao qual é permitido esse sentimento é aquele que por décadas vem tentando controlar todos os outros.  Resta saber se vamos mais uma vez assistir impassíveis a tudo isso.

  • Lula tomou um “banho de povo”

    Lula tomou um “banho de povo”

    Após 5 mil quilômetros percorridos por mais de 30 cidades dos nove estados nordestinos, a Caravana “Lula pelo Brasil”, que teve início no dia 17 de agosto, chegou ao fim nesta quarta-feira (5), em São Luís do Maranhão.

    Foto: Mídia Ninja

    A Caravana, como foi falado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em diversos momentos, teve como principal objetivo vivenciar o grande desenvolvimento pelo qual a região passou durante os 13 anos de governo do Partido dos Trabalhadores. E, principalmente, entender de que forma o Nordeste vem sofrendo com os desmontes sociais do governo de Michel Temer, exatamente um ano depois do golpe que tirou do poder a presidenta Dilma Rousseff, e aprovou uma série de medidas que restringem o investimento em políticas públicas e flexibilizam os direitos dos trabalhadores, como a PEC 55 e a Reforma Trabalhista.

     

    Entre as principais mudanças na região durante a última década, que a Caravana mostrou, está a interiorização do ensino superior brasileiro, a construção de cisternas para armazenamento de água, e a distribuição de renda e direitos básicos através de programas como o Luz para Todos e o Bolsa Família. Foram 63 campi universitários, 150 novas escolas técnicas e sete novas universidades construídas no Nordeste pelo governo do PT; 1/,2 milhão de cisternas para consumo instaladas em casas do semiárido nordestino, e milhões de pessoas beneficiadas pelos programas sociais.

    O contexto político atual é essencial para entender a importância histórica dessa Caravana, e marcou boa parte dos discursos do ex-presidente, assim como os depoimentos do povo que o recepcionou. Difamado diariamente pela grande imprensa, réu em primeira instância pela Operação Lava Jato, e aguardando uma decisão em segunda instância que pode barrar sua candidatura em 2018 – para uma eleição que já é antecipada como uma das mais polarizadas da história do país – Lula encontrou na Caravana o apoio e reconhecimento das milhares e milhares de pessoas beneficiadas pelo seu projeto de país.

    Apoio esse que, mais uma vez, tentou ser apagado por veículos da mídia empresarial que descaradamente insistiam em fotografar praças esvaziadas horas antes dos atos marcados, ignorando fatos noticiosos como cidades que reuniram um número de pessoas (algumas vindas de regiões próximas) que somavam mais da metade de sua população para assistir às falas do ex-presidente, como Currais Novos (RN), que tem 35 mil habitantes e aglomerou pelo menos 30 mi pessoas.

    Nesse sentido, tivemos a decisão de fazer uma cobertura colaborativa entre três dos maiores veículos da mídia alternativa, assumindo o desafio de construir em conjunto uma narrativa, acompanhando todas as atividades dos 20 dias de Caravana, contando os relatos, lembranças e sonhos daqueles que tiveram suas vidas transformadas, mas são os últimos a serem ouvidos pela mídia hegemônica. Produzimos textos, fotos, vídeos, matérias para rádio, transmissões ao vivo, memes, em quatro comunicadores no dia a dia da Caravana, mas contando com o apoio das equipes das bases e de colaboradores em diversas cidades pelas quais passamos. A nossa cobertura atingiu cerca de 30 milhões de pessoas.

    Assim, acompanhar a jornada de Lula pelo mesmo Sertão que ele deixou há 64 anos, como retirante, foi uma das mais comoventes experiências vivenciadas por cada uma e cada um de nós. De tudo que presenciamos e contamos, algumas cenas foram especialmente marcantes, como a travessia de Lula pelo Rio São Francisco, quando centenas de pessoas aguardavam para recebê-lo no estado de Alagoas, às margens do rio, ao por do sol. Ou também em uma noite, na pequena cidade de Acari (RN), quando fomos surpreendidos por uma multidão deixou a missa, que acontecia naquele momento, para assistir à passagem da Caravana dos degraus de uma igreja.

    Essas paradas não programadas em cidades onde os habitantes espontaneamente se reuniam e se mobilizavam para encontrar com o ex-presidente, foram, talvez, os momentos mais emocionantes da viagem. No trajeto original de cinco horas entre Quixadá (CE) e Juazeiro do Norte (CE), onde foram realizados atos programados, por exemplo, a Caravana parou em oito pequenas cidades do interior, demorando o dobro de tempo para chegar.

    Nesses momentos, Lula descia com o apoio de alguns seguranças e era engolido por uma multidão de pessoas que fazia questão de seguir os ônibus para tocá-lo e agradecê-lo, segurando bandeiras vermelhas improvisadas com paus, lençóis e outros tecidos, em cenas que pareciam histórias de realismo fantástico. Após duas semana de Caravana, as mãos e braços do ex-presidente já estavam bastante arranhadas, sua voz havia praticamente sumido, mas ele continuou com o impressionante esforço de cumprimentar e abraçar as pessoas em cada lugar que o recebia.

    A presença incansável do povo marcou desde a primeira atividade da Caravana, a visita de Lula ao recém-inaugurado metrô de Salvador (BA), até o última fala do ex-presidente em São Luís do Maranhão. Nesse meio tempo, Lula participou de atividades inesquecíveis como a colação de grau dos estudantes brasileiros e africanos da primeira turma do curso de Humanidades da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab), criada durante seu governo para promover a integração Sul-Sul, e agora ameaçada de cortes de bolsas para seus estudantes. Ou o almoço no acampamento Valdir Marcedo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), em Jandaíra (BA), onde centenas de acampados e assentados se reuniram para recebê-lo. Ou os cinco títulos de Doutor Honoris Causa que o ex-presidente recebeu durante a Caravana, apesar de, como ele disse diversas vezes, não ter tido a oportunidade de ter uma formação universitária.

    Foto: Guilherme Imbassahy

    Outro ponto marcante que notamos foi a presença das mulheres em cada uma dessas manifestações. Mais afetadas pelas políticas públicas de distribuição de renda e reparação histórica dos governos do PT, e consequentemente as maiores vítimas dos desmontes sociais de Temer, elas foram as protagonistas de cada uma das atividades organizadas pela Caravana. Nossa cobertura decidiu contar a história de algumas dessas mulheres, já que elas apareciam como presentes a cada parada da Caravana, com suas histórias comoventes e que traduzem toda a força e peleja de suas vidas.

    Assim, contamos a história da jovem Iva Mayara, que devolveu seu cartão de beneficiária do programa Bolsa Família à Lula em Aracaju (SE), afirmando não precisar mais dele após ter se graduado pelo PROUNI e se tornar cadastradora do próprio programa. Narramos a vida da peixeira Simone Virgínia e da lavadeira Alzira de Souza, moradoras do bairro de Brasília Teimosa, no Recife, desde quando ele sofria com a falta extrema de saneamento básico, antes da visita de Lula ao local, em 2004.

    Também tivemos a honra de conversar com a lendária militante da reforma agrária Elizabeth Teixeira, que aos seus 92 anos não deixou de comparecer ao ato de recepção de Lula em João Pessoa (PB), e com a fundadora do MST no Ceará, dona Maria Lima, hoje com 80 anos. Conversamos também Solange Saldanha, a Sol, que esteve presente em Currais Novos (RN) para agradecer Lula pela possibilidade de ter entrado no curso de letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte aos 35 anos, através do mesmo sistema de cotas raciais que colocou sua filha mais velha – e colega de classe – na mesma universidade.

    Após 20 dias acompanhando Lula pelo Nordeste, voltamos, cada um para seu respectivo estado, com a certeza de que somente por termos estado debaixo do sol com o ex-presidente, durante ao menos 10 horas diárias, pudemos entender a dimensão do desenvolvimento trazido pelo seu governo, e das injustiças que tentam diminuir uma das maiores lideranças políticas da América Latina. É preciso estômago para ignorar e deslegitimar os relatos de pessoas que representam o primeiro diploma de suas famílias, que relatam com propriedade o fim dos saques nas épocas de seca após as políticas de Lula, que agradecem com lágrimas nos olhos pela atenção que lhes garantiu sobrevivência.

    Deixamos o Maranhão sabendo que, independente da linha editorial de cada veículo da nossa cobertura compartilhada, e da opinião política de cada comunicador, tivemos a chance de vivenciar e entender a proporção mais bruta das medidas tomadas em Brasília e da intensificação da luta de classes no país.

    Por esse motivo, voltamos acreditando ainda mais no potencial de uma mídia independente, ativista ou popular, e da importância de oferecer contra-narrativas, com o apoio de um povo que hoje não apenas tem o que comer e onde morar, mas possui a consciência política e os meios tecnológicos necessários para disseminar essas informações. Como disse Lula, em uma entrevista coletiva realizada no terceiro ônibus da Caravana, que durante as três semanas nos abrigou, temos alternativas à mídia hegemônica: “Nós não precisamos deles”.

    A cobertura da caravana “Lula pelo Brasil” foi realizada por meio da parceria entre Brasil de FatoMídia Ninja e Jornalistas Livres.