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  • Nota do Cimi: o desmonte da saúde indígena é uma pandemia à parte

    Nota do Cimi: o desmonte da saúde indígena é uma pandemia à parte

    Foto: Edgar Kanaykõ Xakriabá

    Via Conselho Indigenista Missionário – Cimi

    O subsistema de atenção à saúde indígena foi criado no ano de 1999 pela Lei 9.836, conhecida como a Lei Arouca. Desde então, o governo federal ficou obrigado a estruturar um modelo de atenção à saúde diferenciado, vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), tendo por base os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), onde deveriam se desenvolver os planos de atuação e a execução de todas as ações, sempre com a participação dos povos e comunidades.

    Atualmente a responsabilidade pela gestão em saúde é da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), criada pela Lei 12.314/2010. Para prestar assistência no âmbito dos distritos, a Sesai adotou o modelo de terceirização, a partir do qual se estabelecem convênios financeiros com organizações da sociedade civil que, depois de equipadas, realizam a prestação de serviços junto aos indígenas.

    Esta, de forma resumida, é a estrutura e o funcionamento do atual modelo de assistência com o qual deveriam ser enfrentados os problemas de saúde dos povos indígenas. Problemas, estes, que atualmente foram agravados pela pandemia da covid-19, o novo coronavírus.

    Os serviços em saúde podem ser realizados, de forma complementar, com os estados e municípios, mas os entes públicos precisam, necessariamente, respeitar as culturas indígenas, o modo de ser de cada povo, suas práticas tradicionais e medicinais e suas compreensões acerca da saúde e doença. Este subsistema deve abranger uma assistência em saúde global – de baixa, média e alta complexidade – segurança nutricional, habitacional, educação sanitária, saneamento básico, proteção ao meio ambiente, demarcação de terras, integração institucional.

    É importante ressaltar que os povos buscaram, ao longo das últimas décadas, atuar de forma efetiva na política de saúde. E, apesar dos desvios políticos, dos subterfúgios no gerenciamento de recursos financeiros, no sentido de restringir o pleno funcionamento do subsistema – que deveria ter autonomia administrativa e de gestão distrital – os povos conseguiram manter certo controle social e exigir participação em todas as etapas da política.

    Apesar das iniciativas indígenas para qualificar suas participações no planejamento e elaboração dos planos distritais, a atenção em saúde sempre foi frágil, especialmente quanto aos serviços de prevenção e de saneamento básico. Os governos, desde a promulgação da Lei Arouca, foram negligentes quanto à adoção de medidas sanitárias e de atividades permanentes nas terras indígenas. As ações, em geral, acabaram sendo paliativas e/ou emergenciais.

    A pandemia na política de saúde tem sido devastadora. Se impôs, nas relações, o fundamentalismo religioso e o extremismo político. Abandonaram-se as práticas do respeito aos indígenas e da presença das equipes de saúde em área, transformando-as em equipes volantes e emergenciais

    Mas, se o histórico da política de saúde indígena demonstra ter havido desvios, a partir da eleição do governo de Jair Bolsonaro o caos se instalou tal qual um vírus devastador. Os povos indígenas passaram a enfrentar duas pandemias: a política e a da covid-19. A primeira medida de Bolsonaro, mesmo antes de tomar posse, foi no sentido de romper com o programa Mais Médicos, o único que assegurava presença de profissionais em saúde de forma mais consistente nas áreas indígenas.

    A sua segunda medida ocorreu logo nas primeiras semanas de governo, quando colocou sob suspeição a administração dos recursos financeiros em saúde. Essas suspeitas justificaram a suspensão de verbas para prestação de serviços durante vários meses, deixando as comunidades sem nenhum tipo de assistência.

    A terceira medida adotada foi a disseminação de informações de que a política seria municipalizada ou privatizada. Enquanto isso, inviabilizou-se o controle social e a participação indígena nas discussões de políticas públicas e rompeu-se com o diálogo, impossibilitando – inclusive – a realização da VI Conferência Nacional de Saúde Indígena, iniciada no ano de 2018, através das etapas locais e distritais.

    A pandemia na política de saúde tem sido devastadora. Se impôs, nas relações, o fundamentalismo religioso e o extremismo político, desrespeitando as culturas indígenas e seus saberes. E, mais grave, abandonaram-se as práticas do respeito aos indígenas e da presença das equipes de saúde em área, transformando-as em equipes volantes e emergenciais.

    O coronavírus chega ao Brasil e logo contamina as aldeias. Lá o vírus encontrou um ambiente propício para se alastrar e fazer vítimas. O governo, assim como fez com os pobres em todo o país, lançou os indígenas à própria sorte. Sem planejamento e com poucos profissionais preparados para enfrentar a pandemia, a contaminação chegou nas aldeias, vitimando os sábios, os anciãos, deixando sequelas que serão sentidas por muitos anos.

    Segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), 717 indígenas já perderam suas vidas, 27.034 foram contaminados e 155 povos impactados. Sem um plano de intervenção, as equipes de saúde, a maioria com valorosos profissionais, dedica-se a fazer o que é possível: orientar as comunidades para o necessário isolamento social e acompanhar, de forma itinerante, as aldeias para tentar identificar os casos de contágio e os doentes.

    O Cimi, a partir dos dados que obteve das comunidades indígenas, denuncia a evidente omissão do governo, através do Ministério da Saúde e da Sesai, diante da pandemia. Há evidências quanto à precariedade na prestação de assistência continuada nas comunidades, negando-se inclusive a realização de testes para saber sobre a quantidade de infectados, omitindo ou sonegando os dados sobre os mortos, doentes, infectados e o número de comunidades atingidas.

    Denuncia também a fragilização das equipes de saúde, submetendo os profissionais a uma atuação paliativa, já que suas condições de trabalho são precárias, pela falta de infraestrutura, de equipamentos e profissionais. Denuncia a absoluta ausência de saneamento básico nas aldeias e a falta, em geral, de água potável, o que configura uma violência extrema, porque não pode haver prevenção em saúde sem água. Também denuncia a frágil condição nutricional das comunidades, não havendo comida suficiente e adequada. Denuncia a falta de acesso dos povos e comunidades ao sistema de saúde e, nesse sentido, todos ficam em situação de absoluta vulnerabilidade.

    Denuncia, ainda, que os indígenas estão alijados de qualquer tipo de participação e planejamento das ações em saúde e do controle social. Não à toa, a unanimidade dos ministros da Suprema Corte do país condenou o governo Jair Bolsonaro a tomar medidas mínimas de proteção em favor das comunidades indígenas e quilombolas. Não à toa, foram derrubados vetos ao projeto de lei que visa proteger essas comunidades, como o artigo que previa a disponibilidade de água potável.

    Os povos, portanto, convivem com duas pandemias ao mesmo tempo: a da política nefasta de Bolsonaro e a da covid-19. As comunidades superarão o coronavírus, porém ficarão as sequelas, a dor da perda daqueles que morreram. A pandemia da política, entretanto, é ainda mais devastadora.

    O governo ataca os povos por todos os flancos: pelo direito, tentando desconstituí-lo; pelas políticas públicas, visando à integração genocida; e pela exploração e devastação das terras, por meio da desterritorialização dos povos.

    As sequelas e a destruição, provocadas pelo atual governo, são quase irreversíveis. Há necessidade de uma intensa mobilização nacional – inclusive no âmbito dos poderes da República – e internacional, para que a atual política genocida, empreendida pelo governo, seja estancada. Caso contrário, assistiremos ao desaparecimento de terras e de povos, especialmente dos povos isolados ou livres.

    Brasília, DF, 24 de agosto de 2020

    Conselho Indigenista Missionário – Cimi

  • Guaranis em defesa da natureza em SP

    Guaranis em defesa da natureza em SP

    Os Guaranis do Jaraguá (SP) seguem em defesa da natureza e do território, com uma ampla rede de apoiadores.

    INFORMES de 06.fevereiro.2020

    Ontem, por volta das 16h30, a ocupação C.E.Y.TY Yary Ty (Floresta de Cedro) foi surpreendida pela Polícia Militar que veio executar uma ação de reintegração de posse emitido pela juíza, de primeiro grau, Maria Claudia Bedotti. Se apresentaram fortemente armados e determinados expulsar todos os Guarani do terreno, porém não obtiveram êxito na ação, ao chegarem ao local, deram de encontro com membros da FUNAI que visitavam a área e tomaram as devidas providência para evitar uma provável ação truculenta promovida pela Polícia Militar, pela Tenda e pela Juíza.

    Uma comitiva de advogados que acompanha o caso dos Guarani da T.I. Jaraguá, se uniu em força tarefa, entre CGY, CIMI, CTI, OAB, DPU e DPE, emitindo um Agravo de Instrumento a fim de invalidar o documento contra a comunidade. Enquanto a ação de reintegração de posse não cair, a rotina da ocupação segue em estado de alerta, pois a ação pode, ou não, ser executada a qualquer momento. A ocupação se mantém na resistência.

    Para o dia de hoje, o vereador Eduardo Suplicy agendou uma reunião no MPF, com todas as partes envolvidas, estavam presentes: a comitiva indígena, representantes da SVMA, diretores e advogado da Tenda, os vereadores Eduardo Suplicy, Juliana Cardoso, Ana Xocleyn, Soninha Francine e Gilberto Natalini, as advogadas do CIMI e do CTI, representante da FUNAI e o procurador federal Matheus Baraldi Magnani, quem comandou a sessão.

    As alegações e apontamentos apresentados pela diretora da Tenda, Daniela Ferrari, a todo momento caia em contradição, conforme menções abaixo.

    A começar por dizer que, até o momento, não havia oferecido nenhum tipo de acordo ou compensação a comunidade. Informação mentirosa, a comunidade tem, inclusive, gravação da diretora do SIC, em nome da Tenda, oferecendo migalhas para viabilizar a obra sem ter “problemas” com a comunidade, tais como, reforma da escola, patrocínio da equipe de futebol feminino, montar horta comunitária, reforma das casas que pegaram fogo, arrumar ruas no entorno e comprar tenda para venda de artesanatos, nomeando essa tentativa de extorsão de “responsabilidade social”.

    Justifica aos presentes a necessidade da construção do condomínio na região por apresentar, na região, um défict de moradias populares, que os são apartamentos serão do tipo HIS1 e acessível para pessoa que ganham até 03 salários mínimos, podendo financiar pelo programa Minha Casa Minha Vida. Informação duvidosa, o estudo do alvará de construção do condomínio apresenta 525 unidades do tipo HIS1, 267 unidades do tipo HIS2 e 88 tipo HMP.

    Quanto ao manejo, afirmou, que foi efetuado, mas no área desmatada, foram constatadas várias leituras contrárias, técnicos que visitaram o local detectaram colônias de abelhas (algumas delas em extinção) caídas com as árvores, passarinhos caídos do ninho e outros animais silvestres do bioma Mata Atlântica, ou seja, não houve manejo algum tal como não se tratar de área de árvores isoladas, visto a diversidade das espécies arbóreas que foram derrubadas.

    Mentiu também sobre a consulta a CETESB, a qual foi ao visitou o local do acampamento e questionada do motivo pela liberação da obra em tamanho crime ambiental, a mesma esclareceu que, em momento algum, não foi comunicada da execução da obra. Mentiu sobre o contexto da consulta a FUNAI, nas mesmas circunstâncias.

    Enfim, também se pronunciou quanto as intenções de continuar o ataque a Mãe Natureza, os animais e seus recursos, deixando claro que não tem, em absoluto, nenhuma intenção em cancelar o empreendimento, ou negociar a outorga do mesmo, alegando que o terreno está em área ZEIS-2 com licença para supressão de 528 árvores com reposição e plantio de acordo com processo emitido pela Prefeitura de São Paulo e SVMA. Esta é a maior das contradições, uma vez que independente do estabelecido pelo Plano Diretor local, a obra, em condições legais, só deveria entrar em andamento após cumprimento do componente indígena. A consulta e aprovação do desmatamento através da SVMA é indevida, inadequada e ilegal.

    A Tenda teria a obrigação de realizar um licenciamento ambiental supervisionado pelo IBAMA, e estabelecido pela comunidade indígena que está localizada há menos de 08km da construção, como descrito no decreto interministerial 060 de 2015. O órgão regularizador da obra, por lei, deve ser o IBAMA não o SVMA.

    Durante a reunião, a diretora também ofereceu 50% da área ZEPAN (área permanente de proteção ambiental), do terreno para ficar sob tutela da comunidade em condição de compensação pelo empreendimento que pretende construir. A proposta foi terminantemente desaprovada pela comunidade. Não há compensação para o extermínio da comunidade, promoção da violência e tendência de higienização da região através da especulação imobiliária que esta obra representa, qual a compensação de uma ou mais vidas? Qual compensação da comunidade viver acuada pelo cerco de torres de condomínio e perder toda condição de vive sob modo de vida e cultura de seu povo? Qual a compensação pela supressão de centenas de árvores nativas, ou não, e pela morte de diversos animais silvestres? Qual a compensação para o extermínio da natureza? Como mensurar tamanha fatalidade?

    A Tenda foi judicializada pelo MPF, para apresentar a devida autorização do manejo arbóreo executado. A Funai exigiu da Tenda apresentação da documentação do empreendimento.

    O MPF informou que irá acionar o IBAMA, cedendo um ofício a fim de desmunicipalizar o manejo arbóreo da obra e dar andamento ao componente indígena, e este então analisar se vai ou não dar encaminhamento a obra.

     

     

    Os Guaranis já estão replantando a mata

    A comunidade determinou que manterá a ocupação por tempo indeterminado, até o cumprimento das suas exigências que compreendem na criação de um parque ecológico e memorial cultura Guarani [este foi prometido pelo Prefeito Bruno Covas que se comprometeu em concretizar esse projeto a comunidade indígena do Jaraguá, para usufruto público e com gestão compartilhada, deixando intacta a área ainda não desmatada pela Tenda e recuperando a área que foi afetada, como a ação de plantio de 200 mudas de espécies da Mata Atlântica feito durante esses dias de ocupação.

    A luta dos Guaranis do Jaraguá vem de muito tempo [+ em]:

    Carta para o Prefeito Bruno Covas dos Guaranis do Jaraguá

     

    Uma conversa com Karai Popygua (David), liderança indígena Guarani

     

    Em ato simbólico, Guaranis encenam a “cura” dos colonizadores

     

     

     

  • Nota do Conselho Indigenista Missionário – CIMI

    Nota do Conselho Indigenista Missionário – CIMI

    Com política inconstitucional, Governo Bolsonaro pode provocar etnocídio e genocídio de povos isolados e de recente contato no Brasil. O Conselho Indigenista Missionário – Cimi manifesta grave preocupação e repudia veementemente as recentes iniciativas do Governo Bolsonaro que afrontam a Constituição Brasileira e a política sobre povos indígenas isolados e de recente contato no Brasil.

    O governo Bolsonaro dá evidentes sinais de abando à perspectiva técnico-científica, do respeito ao direito de existência livre desses povos, com seus próprios usos, costumes, crenças e tradições, em seus territórios devidamente reconhecidos e protegidos (CF Art. 231), para uma orientação neocolonialista e etnocida, de atração e contato forçados, com o uso do fundamentalismo religioso como instrumento para liberar os territórios destes povos à exploração por grandes fazendeiros e mineradores.

    Ao adotar este direcionamento, o governo Bolsonaro e os grupos econômicos e ‘investidores’ beneficiários desta política assumem, conjuntamente, a responsabilidade pelo potencial e iminente genocídio e etnocídio de povos indígenas no Brasil.

    O Cimi também repudia as agressões verbais do presidente Bolsonaro à entidade, demonstração de completo despreparo e desequilíbrio emocional do mesmo, que servem de incentivo às ameaças e violências contra membros da organização que atuam junto aos povos em todas as regiões do Brasil. Mesmo diante dessas intimidações, o Cimi reafirma o compromisso inarredável e solidário com a vida, os direitos e os projetos de futuro dos povos originários do Brasil.

    Brasília, 31 de janeiro de 2020
    Conselho Indigenista Missionário

  • Nota do Cimi sobre o assassinato de liderança Wajãpi

    Nota do Cimi sobre o assassinato de liderança Wajãpi

     

     

    Nota do Cimi sobre o assassinato de liderança na Terra Indígena Wajãpi

     

    O Cimi recebe com imensa preocupação e pesar as notícias de ataque de garimpeiros e assassinato de uma liderança do povo Wajãpi, no estado do Amapá. Os discursos de ódio e agressão do presidente Bolsonaro e demais representantes de seu governo servem de combustível e estimulam a invasão, o esbulho territorial e ações violentas contra os povos indígenas em nosso país.

    Esperamos que os órgãos e autoridades públicas tomem medidas urgentes, estruturantes e isentas politicamente para identificar e punir, na forma da lei, os responsáveis pelo ataque aos Wajãpi. Esperamos também que o governo Bolsonaro adote medidas amplas de combate à invasão e esbulho possessório das terras indígenas no país.

    Por fim, o Cimi exige que o presidente Bolsonaro respeite a Constituição Brasileira e pare imediatamente de fazer discursos preconceituosos, racistas e atentatórios contra os povos originários e seus direitos em nosso país.

    Respeite os povos indígenas, presidente Bolsonaro.

    Conselho Indigenista Missionário-Cimi

    Brasília, 28 de julho de 2019

  • Indígenas na mira

    Indígenas na mira

    Desde o golpe de 2016, tem aumentado a violência contra minorias, grupos étnicos e identitários. À deposição de Dilma Rousseff, com o subsequente desprestígio de pastas como Direitos Humanos, seguiu-se a campanha política do presidente eleito ameaçando diretamente os indígenas, quilombolas, negros, mulheres, LGBT+ e os ativistas que trabalham essas temáticas. Mesmo sem ainda ter assumido a presidência, essas ameaças já fazem vítimas nessas comunidades através de partidários, militantes e milicianos que incorporaram o discurso fascista. E a tendência é piorar, como mostram o recém lançado relatório do Conselho Indigenista Missionário – CIMI sobre o ano de 2017 e matéria da Empresa Brasileira de Comunicação, também com informações do CIMI, da última quarta-feira.

    Confira abaixo as matérias na íntegra:

    27/09/2018

    Relatório Cimi: violência contra os povos indígenas no Brasil tem aumento sistêmico e contínuo

    O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2017, publicado anualmente pelo Cimi, constata aumento em 14 dos 19 tipos de violência sistematizados; apropriação das terras indígenas é um dos principais vetores da violência

    (Relatório completo disponível em: https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2018/09/Relatorio-violencia-contra-povos-indigenas_2017-Cimi.pdf)

    Houve um aumento no número de casos em 14 dos 19 tipos de violência sistematizados no Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2017, publicado anualmente pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).Em três tipos de violência foram registrados a mesma quantidade de casos que no ano anterior; e apenas em dois tipos de violência houve menos casos registrados que em 2016. No entanto, estes dois dados são parciais e podem ser maiores, conforme reconhece a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

    As informações sistematizadas evidenciam que continua dramática a quantidade de registros de suicídio (128 casos), assassinato (110 casos), mortalidade na infância (702 casos) e das violações relacionadas ao direito à terra tradicional e à proteção delas.

    “Esta edição do Relatório explicita uma realidade de absoluta insegurança jurídica no que tange aos direitos individuais e coletivos dos povos indígenas no país. Para piorar, os Três Poderes do Estado têm sido cúmplices da pressão sobre o território, que pretende permitir a exploração de seus recursos naturais, e resulta em violência nas aldeias”, explica Roberto Liebgott, coordenador do Regional Sul do Cimi e um dos organizadores da publicação.

    Ele complementa sua avaliação: “além disso, especialmente a bancada ruralista tem atuado no sentido de garantir todas as condições para que um novo processo de esbulho das terras tradicionais seja consolidado no país. Ou seja, através do estrangulamento das terras indígenas por diversos vetores, o que se pretende, de fato, é usurpar as terras dos povos originários deste país”.

    https://www.facebook.com/conselhoindigenistamissionario/videos/325042118074071/

    Neste sentido, chama atenção o consolidado aumento nos três tipos de “violência contra o patrimônio”, que formam o primeiro capítulo do Relatório: omissão e morosidade na regularização de terras (847 casos); conflitos relativos a direitos territoriais (20 casos); e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio (96 casos registrados).

    Observa-se um significativo aumento no que concerne às invasões; ao roubo de bens naturais, como madeira e minérios; caça e pesca ilegais; contaminação do solo e da água por agrotóxicos; e incêndios, dentre outras ações criminosas. No ano anterior, 2016, haviam sido registrados 59 casos – houve, portanto, um aumento de 62% em 2017.

    Além da violação dos direitos dos povos em relação ao usufruto exclusivo do seu território e dos bens nele contidos, estes crimes são agravados pelo fato de, recorrentemente, junto com eles também ocorrer intimidações, ameaças e, muitas vezes, ações físicas violentas contra os indígenas, como ataques às comunidades.

    Este é o caso do povo Karipuna, em Rondônia. Quase extintos na época dos primeiros contatos com a sociedade não indígena, nos anos de 1970, os Karipuna não podem caminhar livremente pelo seu território, homologado em 1998. Além do aprofundamento da invasão da Terra Indígena Karipuna desde 2015 para o roubo de madeira, a grilagem e o loteamento são outros crimes que vêm sendo, insistentemente, denunciados pelo povo aos órgãos do Estado brasileiro e até mesmo na Organização das Nações Unidas (ONU).

    O Cimi constatou que o governo do presidente Michel Temer não homologou nenhuma terra indígena em 2017. Este fato o coloca como o presidente com o pior desempenho neste quesito, ultrapassando em muito Dilma Rousseff – que era quem, com média anual de 5,25 homologações, ocupava a pior posição entre os presidentes do Brasil desde a retomada da democracia, em 1985. No ano passado, o Ministério da Justiça assinou apenas duas Portarias Declaratórias e a Fundação Nacional do Índio (Funai) identificou seis terras como sendo de ocupação tradicional indígena.

    Das 1.306 terras reivindicadas pelos povos indígenas no Brasil, um total de 847 terras (o que representa 64%) apresenta alguma pendência do Estado para a finalização do processo demarcatório e o registro como território tradicional indígena na Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Destas 847, um volume de 537 terras (63%) não teve ainda nenhuma providência adotada pelo Estado. Considerando que a Constituição Federal de 1988 determinou a demarcação de todas as terras indígenas do Brasil até 1993, fica evidente uma completa omissão do Executivo no cumprimento desta sua obrigação constitucional.

    Contra a pessoa

    Em relação à “violência contra a pessoa”, houve um agravamento da situação registrada em sete dos nove tipos avaliados: tentativa de assassinato (27 casos), homicídio culposo (19 casos), ameaça de morte (14), ameaças várias (18), lesões corporais dolosas (12), racismo e discriminação étnico cultural (18) e violência sexual (16). Em relação ao abuso de poder, houve o registro de 8 casos, mesma quantidade de 2016.

    Em 2017 foram registrados 110 casos de assassinato de indígenas, oito a menos que os registrados em 2016. Cabe ressaltar que a própria Sesai reconhece que este dado é parcial, já que ainda pode receber a notificação de novos assassinatos. Desse modo, fica evidente que a situação real em relação ao assassinato de indígenas pode ser ainda mais grave.

    Os três estados que tiveram o maior número de assassinatos registrados foram Roraima (33), Amazonas (28) e Mato Grosso do Sul (17). Estes dados fornecidos pela Sesai sobre “óbitos resultados de agressões” não permitem análises mais aprofundadas, já que não há informações sobre a faixa etária e o povo das vítimas e nem as circunstâncias destes assassinatos.

    Dentre os casos de violência contra a pessoa, destacamos o massacre ocorrido contra o povo Akroá-Gamella, no Maranhão, no dia 30 de abril de 2017, quando um grupo de aproximadamente 200 pessoas atacou severamente a comunidade indígena que vem, desde 2015, retomando áreas de seu território tradicional. No ataque, 22 Gamella foram feridos, sendo que dois deles foram baleados e outros dois tiveram suas mãos decepadas. Os outros Gamella sofreram severos golpes de facão, pedradas e pauladas.

    Apesar do ataque ter sido convocado através de um programa em uma rádio local e de carros de som nas ruas de municípios no entorno da área de ocupação dos Akroá-Gamella, os órgãos do Estado nada fizeram para evitar esta ação violenta. Indígenas afirmam que policiais teriam, inclusive, assistido a violência e culpado os Gamella pela situação.

    Devido ao processo de intensificação da luta pela terra ancestral, as lideranças deste povo vêm sendo ameaçadas e criminalizadas e a comunidade como um todo tem sido hostilizada e sofrido violências físicas e simbólicas em diversos lugares, como hospitais, onde não recebem atendimentos médicos, e escolas; além de terem suas lavouras incendiadas, dentre outras ações preconceituosas.

    Omissão do poder público

    Com base na Lei de Acesso à Informação, o Cimi também obteve da Sesai dados parciais de suicídio e mortalidade indígena na infância. Dos 128 casos de suicídio registrados pela Sesai em 2017 em todo o país (22 a mais que em 2016), os estados que apresentaram as maiores ocorrências foram Amazonas (54 casos) e Mato Grosso do Sul (31 casos).

    Em relação à mortalidade de crianças de 0 a 5 anos, dos 702 casos registrados, 236 ocorreram no Amazonas, 107 no Mato Grosso e 103 em Roraima. Cabe ressaltar que, assim como os dados de assassinato, as informações da Sesai sobre os registros relativos a suicídio e mortalidade na infância são parciais e estão sujeitas a atualizações. Ou seja, estes dados podem ser ainda mais graves.

    Os registros do Cimi em relação à desassistência na área de saúde (42) e desassistência geral (42) em 2017 tiveram a mesma quantidade de casos que em 2016. Já em relação à morte por desassistência à saúde (8 casos), disseminação de bebida alcóolica e outras drogas (10 casos) e desassistência na área de educação escolar indígena (41 casos) houve um aumento dos registros.

    O Relatório do Cimi traz ainda análises sobre a atual conjuntura política e sobre alguns temas específicos, como a ameaça ao futuro dos povos isolados (que evitam contato com a sociedade não indígena); a inconstitucionalidade do Parecer 001, da Advocacia-Geral da União – que, assim como o Marco Temporal, fundamenta as novas formas de esbulho possessório; o orçamento das políticas indigenistas; e a necessidade do Estado implementar reparações para os povos indígenas que sofreram, e continuam a sofrer, violência e violação de seus direitos, como é o caso dos Karipuna.

    Em seu artigo de apresentação do Relatório, o secretário executivo do Cimi, Cleber Buzatto, avalia que: “com Temer no comando do Executivo federal, os agressores se sentiram mais seguros para cometer seus crimes. A invasão e o esbulho possessório alastraram-se como pólvora sobre os territórios e ameaçam a sobrevivência de muitos povos, inclusive os isolados. Está claro que o Brasil foi tomado de assalto, feito refém de interesses privados da elite agrária, ‘agraciada’ com novas ‘capitanias hereditárias’, que são distribuídas em troca da morte dos povos que habitam os territórios”.

    Artigo original disponível em: https://cimi.org.br/2018/09/relatorio-cimi-violencia-contra-os-povos-indigenas-no-brasil-tem-aumento-sistemico-e-continuo/

     

    Comunidades indígenas denunciam ao menos quatro ataques em MS e PE

    Publicado em 30/10/2018 – 13:40

    Por Alex Rodrigues – Repórter da Agência Brasil Brasília

    Ao menos dois ataques intimidatórios a comunidades indígenas foram registrados, nos últimos dias, em Mato Grosso do Sul e em Pernambuco. Autoridades e a Fundação Nacional do Índio (Funai) confirmam o registro. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) informa ter recebido relatos de outras duas ações violentas em Mato Grosso do Sul. Os atos envolveram uso de armas de fogo, balas de borracha, além de atearem fogo a uma escola e um posto de saúde. Não há registros de mortes, mas de feridos.

    De acordo com os relatos, os ataques ocorreram entre a madrugada do último domingo (28) e esta segunda-feira (29). O caso mais violento, confirmado pela Funai, foi contra moradores da aldeia Bororó, uma das várias existentes no interior da Reserva Indígena Dourados. Localizada no perímetro urbano, a Reserva de Dourados é a área indígena de maior concentração populacional étnica do país, com cerca de 13 mil habitantes distribuídos por uma área de cerca de 3 mil hectares (cada hectare corresponde às medidas aproximadas de um campo de futebol oficial).

    Índios guarani-kaiowá da aldeia Bororó relataram a missionários do Cimi que, na madrugada do último domingo, foram surpreendidos pelo ataque de um grupo composto por índios de outras comunidades e não-índios. Os agressores se aproximaram da aldeia em caminhonetes e com um trator. Alguns deles dispararam contra o grupo. Além de pelo menos quatro feridos com balas de borracha, dois jovens foram atingidos por projéteis de armas de fogo. Uma das vítimas, que levou um tiro na perna, foi atendida no Hospital da Vida e já teve alta. Por medo, um outro indígena também baleado na perna não quis ser socorrido fora da aldeia e, de acordo com um missionário do Cimi, continuava com a bala alojada até a tarde de ontem.

    A secretaria estadual de Justiça e Segurança Pública informou que a Polícia Civil instaurou procedimento para apurar o caso, mas antecipou à Agência Brasil que “as informações preliminares dão conta de que houve um possível conflito entre indígenas”. No entanto, missionários do Cimi que pediram para não ter seus nomes divulgados por questões de segurança pessoal classificaram a manifestação como “precipitada”.

    “Ela [a secretaria] não leva em conta a complexidade da situação local, inclusive a situação de vulnerabilidade das comunidades que vivem na área e em seu entorno. Uma situação que obriga muitos índios a se sujeitarem a interesses maiores”, comentou um dos missionários do Cimi, lembrando que muitos índios trabalham para fazendeiros da região. Segundo os missionários, isso acontece porque o “confinamento” das comunidades em meio à área urbana e áreas de plantio as impede de desenvolver atividades tradicionais necessárias à manutenção de seu crescimento populacional.

    “Parte deste conflito interno se deve à grave situação local, uma situação de crise humanitária. Houve um ataque, pessoas foram baleadas e quem os atacou deve ser identificado e levado à Justiça. O risco é considerar isso única e exclusivamente como um conflito interno, como já aconteceu antes”, destacou um dos missionários, revelando que, há cerca de um mês, a mesma aldeia já tinha sido atacada. Parte das fotos que circularam nas redes sociais nas últimas horas são do ataque anterior, segundo este missionário.

    A Polícia Federal informou à Agência Brasil que foi acionada pela Polícia Militar estadual na manhã de segunda-feira, esteve no local do conflito, mas, até o momento, não localizou ninguém, nem foi procurada por nenhuma vítima ou testemunha.

    Posto de Saúde incendiado em comunidade de Jatobá (Pernambuco)

    “Bárbarie”

    Em Pernambuco, uma escola e um Posto de Saúde da Família de uma aldeia foram incendiados na madrugada de ontem. Os dois prédios públicos funcionavam na aldeia Bem Querer de Baixo, uma área de conflito entre índios e posseiros não-índios no interior da Terra Indígena dos Pankararus, localizada no município de Jatobá.

    Segundo a comunidade, o fogo destruiu documentos, equipamentos e comprometeu quase que integralmente a estrutura das duas construções. A equipe médica do posto de saúde fazia cerca de 500 atendimentos mensais. “Pouca coisa se salvou”, informam representantes da comunidade em uma página na internet, pedindo investigação e punição aos responsáveis. “O momento pede cautela e calma. As investigações estão acontecendo, o local foi isolado pela polícia e, em breve, teremos mais notícias.”

    Em nota, a prefeitura de Jatobá confirma que os prédios foram “praticamente 100% destruídos e o prejuízo é incalculável”. E acrescenta que o “ato de vandalismo criminoso” prejudica a toda a comunidade, “que ficará carente por vários meses, sem atendimento médico e escolar”. As polícias Militar e Civil foram acionadas e a Polícia Científica inspecionava a área no início da tarde.

    Intimidação

    Ainda de acordo com os missionários do Cimi, índios de outras duas comunidades de Mato Grosso do Sul denunciaram ter sido alvo de ações intimidatórias no fim de semana. Em Caarapó, no sudoeste do estado, os indígenas afirmam ter presenciado caminhonetes rondando a terra indígena com homens exibindo armas e gritando, o que os levou a acionar a Funai e o Cimi.

    A área de Caarapó reivindicada pelos indígenas está em disputa há anos. Em 2016, cerca de 300 índios ocuparam uma área de 490 hectares que afirmam ter pertencido aos seus antepassados. Dias depois, homens armados e encapuzados atacaram o local e incendiaram todos os pertences indígenas. Um índio morreu, cinco foram baleados e ao menos outros seis foram feridos. Procurada, a Funai informou não ter registro do ataque.

    O segundo caso divulgado pelo Cimi teria ocorrido em Miranda, na aldeia Passarinho, uma das existentes no interior da Terra Indígena Pilad Rebua. A Funai também disse não ter sido comunicada a respeito.

    Edição: Denise Griesinger