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  • Polícia prende segundo torturador que chicoteou adolescente no supermercado Ricoy

    Polícia prende segundo torturador que chicoteou adolescente no supermercado Ricoy

    Por Fabiana Kelly e Laura Capriglione, dos Jornalistas Livres

     

    A polícia prendeu hoje (7) o segundo segurança que torturou o adolescente negro E.M.O., de 17 anos, no supermercado Ricoy, na zona sul da capital paulista. Waldir Bispo dos Santos, de 49 anos, se apresentou na Deatur (Delegacia de Apoio ao Turista), o 2ª DP do aeroporto de Congonhas (zona sul), e foi encaminhado ao 80º DP, na Vila Joaniza, onde a investigação corre em segredo de Justiça. A agressão ocorreu no mês passado, depois que o adolescente foi flagrado tentando furtar um chocolate de marca Twix. Santos é o segundo segurança preso por envolvimento no caso. O primeiro, Davi de Oliveira Fernandes, foi detido nesta sexta-feira (6).

    E.M.O., que tem 17 anos de vida materializados em um corpo franzino de 1,60 metro, apareceu em vídeo de 40 segundos divulgado pelas redes sociais nu, uma bola de pano sujo enfiada na boca lacrada por fita adesiva, sendo humilhado, ameaçado de morte e açoitado com um chicote feito com dois fios de cobre entrelaçados. A imagem chocou o País e viralizou nas redes sociais, abrindo __sob o signo do horror__  a Semana da Pátria Amada Brasil. Em depoimento à polícia, o menino disse que a sessão de tortura durou cerca de quarenta minutos, e que aconteceu em um anexo ao supermercado, no “quartinho dos seguranças”.

    O “quartinho dos seguranças”, onde o menino E.M.O. foi chicoteado durante 40 minutos
    ​Waldir Bispo dos Santos e Davi de Oliveira Fernandes eram seguranças terceirizados do supermercados Ricoy. Trabalhavam para a empresa KRP Valente Zeladoria Patrimonial, com sede em São José dos Campos. O chicote cortou as costas da vítima e deixou marcas, visíveis até hoje, passados mais de 30 dias das agressões.
    42 anos na polícia e o o delegado Pedro de Sousa não conseguiu assistir até o fim o vídeo mostrando a tortura do menino E.M.O.: ecos da escravidão

    Segundo o delegado Pedro Luís de Sousa, do 80° DP,  responsável pelo caso, o segurança preso neste sábado tem histórico de lesão corporal contra mulher. O outro já foi denunciado por apropriação indébita.

    Na quarta-feira (4), o  delegado afirmou acreditar que o caso não foi isolado – há mais duas investigações de possíveis torturas, uma delas contra um menino. “Acho que o chicote foi usado outras vezes [dentro do supermercado], já que pequenos furtos são corriqueiros no local.”

    O titular do 80° DP afirmou ainda que o crime de tortura, em que os dois seguranças são acusados, é inafiançável, imprescritível e não pode nem ser perdoado mediante indulto oferecido pela Presidência da República.

    Onde está a vítima?

    Um mês depois da sessão de tortura, o corpo do adolescente E.M.O. ainda mostra as marcas do suplício

    Desde ontem, o adolescente E.M.O. foi incluído no serviço de acolhimento, um abrigo da rede sócio-assistencial da Prefeitura de São Paulo. O encaminhamento foi feito pelo Conselho Tutelar da Cidade Ademar e pelo Centro de Referência da Assistência Social. Nos próximos dias, o jovem deve ser incluído no PPCAAM- Programa de Proteção de Crianças e Adolescentes Ameaçados.

    A inclusão dele no Programa já foi solicitada pelo Conselho Tutelar e pelo Creas. A Vara da Infância e Juventude de Santo Amaro também acompanha o caso. Familiares do jovem reclamaram de ameaças e de que foram procurados por pessoas desconhecidas. O menino estava morando com um irmão dele, que foi favorável ao acolhimento dele num abrigo.

    O adolescente de 17 anos torturado no mercado Ricoy esteve na última quinta-feira, dia 5, acompanhado de seu irmão Wagner Bispo de Oliveira, 30 anos, no Conselho Tutelar da Cidade Ademar. Lá foram atendidos por 4 conselheiros tutelares. O conselho tutelar encaminhou o adolescente para acompanhamento Psicossocial junto ao Creas (Centro de Referência da Assistência Social) e o Centro de Apoio Psicosocial (Caps).

    Um relatório sobre a situação de risco do menino, que vivia nas ruas e usava drogas, foi encaminhado para a Vara da Infância e Juventude de Santo Amaro, que acompanha caso. O pai do jovem faleceu no início desse ano e a mãe, conforme os familiares, sofre de alcoolismo e não foi localizada pelo Conselho Tutelar.

    O advogado e conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), Ariel de Castro Alves, foi quem requisitou aos membros do Conselho Tutelar da Cidade Ademar para que acompanhassem o caso, com apoio e proteção através de encaminhamentos sociais e de atendimento psicológico ao adolescente.

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    “Um corpo negro. Uma chibata. A perpetuação do genocídio”, por Cynthia Ciarallo

  • “Um corpo negro. Uma chibata. A perpetuação do genocídio”, por Cynthia Ciarallo

    “Um corpo negro. Uma chibata. A perpetuação do genocídio”, por Cynthia Ciarallo

    Escoriações num corpo negro nu. Uma Vida que sofre. E grita. Um grito coletivo de dor, de denúncia, de resistência de povos. Não é um corpo num vácuo, a-histórico. É pessoa. Não, não é mais uma (re)produção artístico-cultural de época. Não é a épica resistência liderada por João Cândido em séculos passados. Não são matriarcas e patriarcas africanos falando de suas dolorosas memórias diaspóricas. Estamos falando de anteontem.
    De ontem. De hoje. Uma dor ancestral atualizada todos os dias.

    Chibatadas. Não, não foram clandestinas. Aconteceram entre paredes de mais um templo do capital, cujas regras também já validaram o sequestro de vidas negras na História. Sim, essas chibatadas não são datadas. Elas se perpetuam. A exclusão de vidas negras deste território pelo extermínio de suas existências é um projeto do colonizador que segue em franca ascensão, evocando velhas estratégias de opressão, mas também se atualizando com novas tecnologias de desumanização de algumas existências.

    O suplício medieval parece revisitado na forma de um aparente espetáculo apenas para poucos, em uma sala isolada que comporta apenas algozes e suas vítimas. Mas, na verdade, não é um espetáculo para poucos – o corpo supliciado chega ao grande público e a posse ilegal de uma propriedade alheia parece justificar a sentença sumariamente executada; vão dizer nas entrelinhas – “ora, o ser que toma a propriedade de outro merece ser propriedade da vingança desse outro” – e a objetificação explode. E tortura – que é uma relação de poder de e para subjugação do outro, passa a ser vista como castigo – essa tecnologia histórica para convencimento social de que a violência sobre corpos, sobre vidas pode ser justificada. Semântica de oportunidade. Sofismas.

    Sim, é tortura histórica que há todos os dias.

    Considerando uma sociedade onde a propriedade é estimulada, mas seu acesso afunilado por mecanismos de exploração e segregação, não se deveria perguntar por que ele furtou uma barra de chocolate; mas sim por que não há barras de chocolate nas mãos de todas as existências. Por quê? Essa chibata, na verdade, está também nas mãos das milhares de pessoas que sustentam a engrenagem do ódio do colonizador que dissimula uma democracia racial. A negação da existência estrutural do racismo em nossa sociedade traduz-se como primeiro açoite em milhões de irmãos e irmãs.

    Além de um corpo violentado pelo poder de mando do branqueamento em sua Casa Grande, estão outras tantas milhões de vidas que precisam resistir cotidianamente às chibatas contemporâneas, revisitadas e customizadas: são olhares, são assédios, são explorações, são restrições, são humilhações, são balas que atravessam milhões de famílias neste país todos os dias. E elas têm direção. Sim. Não se vê pessoa. Vê-se um corpo. E ele tem cor. A chibata também.

    Cynthia Ciarallo é psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia, Professora Universitária e ativista DH. Integra Coletivo PsiDF, tendo atuado como Conselheira de Direitos Humanos no DF e na Coordenação de Combate à Tortura na Secretaria de Direitos Humanos.