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Tag: Carandiru

  • 111 assassinatos em 25 minutos: ato marca os 27 anos do Massacre do Carandiru

    111 assassinatos em 25 minutos: ato marca os 27 anos do Massacre do Carandiru

    No aniversário de 27 anos de um dos maiores massacres do país, a Frente Estadual pelo Desencarceramento de São Paulo (FEDSP) junto com as redes Amparar e De Proteção E Resistência Contra o Genocídio também compuseram o ato. realizou um ato em memória das vítimas do Carandiru. Passadas quase três décadas do caso, um dos mais notórios em violações de direitos humanos. O julgamento corre há anos na justiça paulista e é recheado de revezes e apenas responsabiliza policiais.

    O ato começou por volta das 17:30h na praça da Sé, região central da capital, e contou com movimentos sociais e de Direitos Humanos. Mais cedo na mesma praça ocorreu uma violenta ação de PMs e GCMs contra pessoas em situação de rua, que habitualmente se abrigam no entorno da catedral.

    O massacre do Carandiru teve como saldo 111 presos mortos pela polícia, de acordo com relatos oficiais, mas ex-detentos estimam que o número pode ser ainda maior. A operação, que contou com mais de 300 policiais militares de diversos destacamentos da corporação, durou apenas de 25 minutos. Esse foi o tempo necessário para entrarem em todo o pavilhão e saírem, após a chacina, com 22 policiais feridos por armas brancas. Entre os 111 mortos vinte sete anos atrás, 84 deles eram presos provisórios, ou seja, não tinham sido condenados.

    O ato seguiu pelas ruas do centro, passando pela faculdade de Direito da USP E pela Secretária Estadual de Segurança Pública. Ao longo do caminho as palavras de ordem lembravam as diversas vítimas de violência policial e os problemas enfrentados por familiares de presos.

    Claudenir José dos Santos, 62, o Claudinho da Cidade, passou mais dias presos do que em liberdade na vida e estava no Carandiru durante o massacre “tomaram a minha vida nas mãos deles e eu queria ter uma oportunidade de vida um recomeço. Eu sou escritor… sou escritor e sou poeta, mas não tive como oportunidade. Estava mo massacre, vi tudo acontecer. Foi premeditado, foi uma covardia pela polida militar”, contou.

    Durante o ato diversas pessoas em situação de rua também falaram das situações que enfrentam na região central, como violência policial e descasos do poder público. As falas e movimentos que compuseram o ato não se restringiram ao caso específico do Carandiru. A todo momento se voltava a atenção para o genocídio da população negra e pobre.

    A FEDSP chamou o ato pelo Facebook na convocatória aponta os principais motivos para sua realização “O Massacre do Carandiru está longe de ser um caso isolado e a história das barbáries passadas e recentes… entre maio e julho de 2019, mais de 110 pessoas foram mortas em presídios de Manaus e Altamira, mas a dor, o sofrimento e a indignação com a violência e a tortura estruturando políticas estatais não chocam a sociedade, pois quem está sendo morto são pessoas excluídas” diz o início do manifesto que finaliza com “É um dia para celebrarmos a resistência daqueles que sobrevivem aos massacres cotidianos e ainda encontram forças para lutar em memória aos que o Estado atuou para tirar a vida”.

    Krick Cruz, 62, também ficou preso no Carandiru e contou o motivo de estar no ato “o brasileiro tem memória curta. A gente esquece o nosso passado, como a escravidão. Todos os anos estamos lembrando esses mortos. Mas não só do Carandiru e em presídios, mas tem ocorrido mortes nas quebradas também. esse ato é pra mostrar que tem pessoas que lembram” sobre o tempo no famoso presídio ele conta “passei vinte oito anos presos, vinte no Carandiru. Era um país. Cada pavilhao era um estado e cada galeria era uma cidade”.

    O ato terminou em frente ao Tribunal de Justiça, ao lado da Sé, onde o caso ainda segue. Algumas falas foram feitas e os nomes dos mortos relembrados.

    Relembre o episódio

    No dia dois de outubro de 1992, pela manhã uma rebelião se inicia no pavilhão 9. Ao longo da manhã a rebelião tentou ser controlada por agente penitenciários, mas por volta das 15h a PM chega ao presidio, que ficava na zona norte da cidade e onde hoje é o parque da juventude. A PM assumiu a operação, com o Cel. Ubiratan Guimarães no comando. Por volta das 15:20 o diretor do presidio, José Ismael Pedrosa, faz uma última interlocução com os detentos. O governador Luiz Antonio Fleury autoriza o secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, a dar seguimento a entrada da Policia Militar.

    Entre as 15:20h e 15:30 a PM entra no pavilhão 9. Durante cerca de vinte minutos se dá o ataque policial, ao todo 102 presos foram baleados, sendo boa parte desses tiros no tórax ou na cabeça, de acordo com o laudo pericial. O laudo também indicou que a maior parte dos ataques se deu no 1° e 2° andares, mas ainda sim com mortes no 3° e 4° andares. As 17h termina a ação e os presos sobreviventes, obedecendo ordens da polícia, ficam nus e saem para o pátio. Por volta das 19h a PM manda que eles agrupem os cadáveres dentro do pavilhão. Na noite do dia dois Luiz Antonio Fleury anuncia oito mortos e a PM deixa o presido durante a madrugada. No dia seguinte, o saldo oficial de mortos é anunciado: 111 detentos.

    O presídio do Carandiru, teve sua construção iniciada na década de 20 do século passado, mas foi crescendo ao longo do século e chegou a ser considerado o maior presidio da América Latina, sendo que passou a maior parte de sua existência com superlotação e condições precárias. Após o massacre o presidio continuou a ser utilizado até que foi desativado nos anos 2000.

    Até hoje apenas uma pessoa foi condenada, o Cel. Ubiratan Guimarães que comandou a operação de dentro do presídio, a mais de 600 anos de prisão, em 2001. Ubiratan nunca cumpriu um dia de pena, por ter respondido em liberdade até se eleger deputado estadual em 2002. Em 2006 teve sua pena anulada, meses antes de morrer em circunstâncias suspeitas.

    Em 2013, o julgamento de 74 policiais envolvidos teve início e seguiu para júri popular. Foram condenados, por pelo menos quatro júris, entre o início do julgamento e 2014. Mesmo assim nenhum chegou a ser preso, uma vez que em 2016 a justiça paulista anulou, pela primeira vez, todos os julgamentos realizados até então e determinou um novo júri. Já em 2017 e 2018 o Tribunal de Justiça de são Paulo seguiu mantendo a anulação dos julgamentos. Hoje o caso espera o novo julgamento, sem data definida.

  • 25 anos do massacre do Carandiru: como isso tem a ver com a redução da maioridade penal?

    25 anos do massacre do Carandiru: como isso tem a ver com a redução da maioridade penal?

    Ontem (2), há 25 anos atrás, acontecia o maior massacre da história dos presídios brasileiros, na penitenciária do Carandiru, na zona norte da capital paulista. Foram 111 detentos mortos durante uma operação policial para reprimir uma rebelião no Pavilhão 9 do estabelecimento.

    O que se vê, desde então, é uma Política de Segurança Pública irresponsável que aposta cada vez maior no superencarceramento, assim como na violência contra detentos. Em 2016, foram 400 mortes violentas nas prisões brasileiras. Em 2017, apenas nas duas primeiras semanas de janeiro, foram 137 vidas.

    O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, com um aumento na população carcerária de 267,32% nos últimos quatorze anos. Segundo o estudo do Depen, 61,6% dos presos são pessoas negras. O sistema ainda está com 161% de sua capacidade ocupada, o que significa que, em celas concebidas para custodiar 10 pessoas, há em média 16, de acordo com o Ministério da Justiça. Isso só mostra como prender não resolve absolutamente nada.

    Foto: Ivan Sartori

    Enquanto cada vez mais os presídios são espaços de violências, superlotação, de precarização da saúde e violação de direitos, mais cedo querem prender nossos jovens negros e pobres. Cada vez mais retiram o acesso à educação, ao esporte, lazer, cultura e trabalho digno, para jogá-los onde a barbárie é institucional.

    Essa política é parte de um país que foi construído sob um racismo estrutural. O ano é 2017, mas nos faz lembrar séculos passados quando retiram direitos de pessoas negras e as algemam, para matar ou deixar morrer aos poucos.

     

    Como diz Angela Davis, lutar contra prisões em massa é lutar contra escravidão dos tempos modernos. Lutar contra a redução da maioridade penal é lutar por um país mais igual, com respeito à dignidade e à vida de todas e todos, sobretudo da população negra. Queremos nossos jovens nas escolas, não nas cadeias.

    Carandiru vive: tem CEP; tem cor; tem renda; e, agora, idade.

    Luna Costa para os Jornalistas Livres

  • Nuno Ramos cria obra em homenagem às vítimas do Massacre do Carandiru

    Nuno Ramos cria obra em homenagem às vítimas do Massacre do Carandiru

    24 anos após o Massacre do Carandiru, o multiartista Nuno Ramos realizará nos próximos dias 1 e 2 de novembro a obra “111 Vigília Canto Leitura”. A obra contará com 24 horas seguidas de leitura dos nomes dos 111 detentos que foram mortos durante o Massacre. Para isso ocorrer, 24 artistas, esportistas, intelectuais e estudantes foram escalados por Nuno para realizar durante uma hora cada a leitura ao seu modo de tais nomes em uma varanda que possui uma vista inteira para São Paulo.

    A intenção da obra é ir muito além de lembrar o ocorrido e preservar a lembrança, mas sim trazer à tona a identidade desses indivíduos que tiveram suas vidas tiradas pelo Estado enquanto estavam sob a proteção do mesmo. A ação poderá ser conferida ao vivo no Facebook (https://www.facebook.com/111UmaVigilia/) e YouTube (https://www.youtube.com/channel/UCY9VOYRgthuAAjgxL5-ZHVQ).

    Confira a programação:
    16h00: José Celso Martinez (diretor de teatro/ ator)
    17h00: Luiz Alberto Mendes Junior (escritor) (a confirmar horário)
    18h00: Luambo Pitchou (ativista/ refugiado congolês)
    19h00: Ferréz (escritor) (a confirmar horário)
    20h00: Paulo Miklos (músico)
    21h00: Helena Ignez (atriz)
    22h00: Bárbara Paz (atriz)
    23h00: Laerte (cartunista)
    00h00: Marcelo Tas (jornalista/ apresentador)
    01h00: Salomão Shecaira (advogado criminalista)
    02h00: Isabela Del Monde (advogada – rede de juristas feministas) (a confirmar horário)
    03h00: Nuno Ramos (artista)
    04h00: a confirmar
    05h00: a confirmar
    06h00: Daiane dos Santos (esportista) (a confirmar horário)
    07h00: Letícia (secundarista) (a confirmar horário)
    08h00: Carlos Augusto Calil (professor)
    09h00: Sidney Sales ( ex detento, sobrevivente)
    10h00: Jean-Claude Bernadet (crítico/ ator)
    11h00: Marina Person (cineasta/ atriz)
    12h00: Rita Cadillac (cantora)
    13h00: Caio Rosenthal (médico)
    14h00: Eliane Dias (empresária)
    15h00: Paula Beatriz Souza Cruz (professora/ mulher transexual)

    Foto Epitácio Pessoa
    Foto Epitácio Pessoa

    CARANDIRU

    No começo de tarde daquele dia 2 de outubro de 1992 dois presos do pavilhão 9 iniciaram uma briga no campo de futebol do presídio e a partir daí os demais presos deram inicio a uma rebelião, que tirou todos os agentes penitenciários e os demais funcionários da antiga Casa de Detenção de São Paulo que na época era dirigida por José Isael Pedrosa.
    Pedrosa comunicou ao secretário de Segurança Pública o que estava ocorrendo e após isso três juízes e o comandante Ubiratan Guimarães chegaram para realizar a negociação, porém ás 15:30 o comandante colocou para dentro do presídio a Rota, a Tropa de Choque, o OCE e o Gate. Ás 16:13 tais policiais passaram a atirar nos detentos e só pararam após 30 minutos, deixando 111 mortos e 87 feridos. Os sobreviventes tiveram que passar por um corredor polonês formado por policiais correndo e nus; alguns foram encarregados de empilhar os corpos no 1º andar.
    Nenhum dos 74 PMs foram feridos ou punidos. Em setembro de 2016 o Tribunal de Justiça de SP inocentou os 74 policiais militares envolvidos no massacre, as penas giravam em torno de 48 a 624 anos.

    SERVIÇO

    111 VIGILÍA CANTO LEITURA
    Uma obra de Nuno Ramos
    Data: 1 de Novembro de 2016 até 2 de Novembro de 2016
    Horário: ás 16h até ás 15h

  • Não pise nos mortos

    Não pise nos mortos

    Em memória das pessoas que morreram no Massacre do Carandiru.

    1992 foi o último ano em que morei com meus pais. Mandaqui. Zona Norte de São Paulo. Todo santo dia, pegava o ônibus 1759 (Jardim Peri) ou o 1757 (Bancários) no Metrô Santana para voltar pra casa. E no caminho estava a estação de Metrô Carandiru. Aquele prédio medonho. Casa de Detenção. Ou Carandiru mesmo. Transformaram um bairro inteiro em uma penitenciária. Vira e mexe, descia na plataforma pra ficar olhando pras janelas minúsculas, com grades em forma de cruz. Lembro do torcedor fanático do Corinthians, que colocou dois brasões do time lado a lado, entre as grades. Alguns braços saltavam pra fora, dava até pra ver as tatuagens. Em outra janela lembro de uma bandeira da Paraíba, com a palavra NEGO. Sempre soube que foi símbolo de revolta, de rebeldia.

    NEGO. NÉGO ou NÊGO. De qualquer forma, uma palavra que dita comportamento.

    Metrô lotadaço. Na estação Tietê, debandada geral. Poucas pessoas ficaram no vagão. Eram aproximadamente umas 20h do dia 2 de outubro de 1992. Pensava em descer na plataforma do Metrô Carandiru para tentar entender o que estava acontecendo. Fui o único cara a grudar o rosto da porta à direita.

    0O vagão passou reto, não parou. Mas passou lentamente, como se fosse preciso marcar que aquele dia, naquele lugar, nada mais seria daquele jeito. Olhei para fora, lembro dos discos voadores das radio-patrulhas rodando, rodando, feito moscas à beira da sopa. Lembro daqueles caminhões verde-escuros, quase pretos, das divisões especiais da PM. E lembro do prédio, todo escuro, nenhuma luz acesa. Como um velório sem velas.

    Chegando em casa com o noticiário da TV gritando na sala, a parada bateu. Enquanto estava passando de metrô, logo ali à minha frente, centenas de corpos se amontoavam em completo silêncio. Mais de 100, talvez 200. Trucidados sem a mínima chance de defesa. Pensei em filhos, em mães, em irmãos, sobrinhos, melhores amigos, esposas, avós. Não consegui dormir direito. Por um bom tempo.

    Dia seguinte. Parei na estação Carandiru na volta do trabalho. É incrível a capacidade desta cidade de sempre apagar as coisas que não se quer enxergar. Foi assim. Trânsito mediano, pessoas cercadas de seus sonhos medíocres, gente cochilando, conversando sobre amenidades frouxas. Fiquei parado na plataforma. Olhando para o primeiro pavilhão à minha frente. Sei que o Pavilhão 9 é lá atrás, mas senti que algo tinha mudado em toda a Casa. Tudo tinha mudado, enfim. E a bandeira da Paraíba não estava mais lá.

    A memória

    Hoje, fui convidado para participar do I Seminário Internacional de Pesquisa em Prisão, pela minha amiga Carol Trevisan. Criar uma intervenção emMEMÓRIA DO MASSACRE DO CARANDIRU. Com letras maiúsculas. Coisas para serem lembradas tem que ter letras maiúsculas. Como usamos na internet, quando você quer gritar.

    Lembrei de mais uma coisa. Li em algum lugar ou alguém contou de alguém que conhecia de algum lugar. Alguém que entrou no Pavilhão 9, logo após o MASSACRE. Alguém que foi reconhecer os corpos. Alguém que tinha que estar lá. Lembro-me bem do que essa pessoa falou.

    Lembro-me bem, como poucas coisas que tenho lembrado ultimamente. Lembro-me que falou que o sangue entrava no sapato baixo que usava. Lembro-me que falou que tinha lugares com tantos corpos empilhados, provavelmente cercados e fuzilados juntos, que não era possível pisar no chão. Para passar para o outro lado, tinha que pisar em corpos, para passar por sobre outros corpos.

    A intervenção NÃO PISE NOS MORTOS surgiu dessa lembrança. A marca dos mortos feitas com tinta branca. A marca que a própria polícia usa para marcar um morto. A marca feita para você não pisar no morto. A marca para você não esquecer que ali alguém caiu morto.

    Essas marcas no chão causam estranhamento num primeiro momento e, instintivamente, você se desvia. Mas num segundo momento, você se esquece e pisa no morto. Isso não pode acontecer. Nunca! Esquecer os mortos, esquecer do que aconteceu naquele dia no Carandiru, naquela noite em Osasco, em Carapicuiba, na Luz, ou com o Flavio Santana.

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    Quando você pisa no morto, você apaga as lembranças daquele dia. Quando você pisa no morto, você apaga o sofrimento das famílias. Quando você pisa no morto, você apaga os mandantes daquele MASSACRE. Quando você pisa no morto, você apaga os nomes dos homens assassinados a sangue frio, muitos deles que nem condenados eram. Quando você pisa no morto, você apaga o passado e destrói o futuro. Futuro do Pretérito.

    NÃO PISE NOS MORTOS! Por favor.

    PS. Vou me lembrar de comprar uma bandeira da Paraíba, nêgo.