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Tag: Cacique Raoni

  • Raoni, da paz de origem, do guerreiro à ciência da vida

    Raoni, da paz de origem, do guerreiro à ciência da vida

    Fico pensando na paz, ausência de excitação, estado de calma. Não o Buda e seu prêmio de afastamento do mal e a eliminação dos demônios, mas o largar as armas, entender a palavra. É prêmio da paz a serenidade? Creio que sim, tal lavar a roupa da noite à beira de rio, tão puro, na alvorada de cada dia.

    Alto Xingu
    Alvorada entre os povos tradicionais e seus asseios e gratidão, ciência de quem sabe.

    Quando nasci havia um pedido de paz, recordo bem nas igrejas da época. Vivi dia assim de paz apenas entre indígenas, homens fortes de luta, luto e senha. Há uma paz entre grandes guerreiros, por mais que ameacem. Descobrimos quando velhos que as armas apenas entristecem, vingam, atiçam a sanha.

    Cacique Raoni em sua juventude
    Raoni e sua juventude

    https://www.facebook.com/watch/live/?v=251647662554241&ref=watch_permalink

    Ropni, o cacique Raoni, o mestre das palavras e seus calibres no alvo de nosso peito, representa 5 séculos do brado dos povos nativos daqui, de um planeta Terra. Raoni sempre disse aos kuben, nós mesmos, os homens brancos, que os espíritos lhe dizem sobre a destruição das florestas e suas consequências.

    A paz do cacique é a saúde da Terra. Sempre voltamos ao começo na esperança da paz.

    live

    http://www.vatican.va/content/john-xxiii/pt/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_11041963_pacem.html

    *imagens por helio carlos mello

  • Cacique Raoni das onças e o prêmio da paz

    Cacique Raoni das onças e o prêmio da paz

    Novamente indicam  o velho indígena para o Prêmio Nobel da Paz, um homem que leva a dor de gente antiga, terra anterior às nações modernas. O bem da terra e de mato, de água limpa que brota e corriam sozinhas, virava chuva, virava mar. Uma terra semelhante ao direito de todos.

    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/809864769780339

    Nem tanta paz temos em dias assim, século 21 tão tenso, audaz, mas sei vir do século passado esse chamado de paz. Esse lugar distante chamado Brasil, é você, sou eu, infindável estréia.

    Ropni Metuktire, a onça fêmea, grande cacique da guerra que diz paz, hoje carrega a borduna e o celular em suas mãos, bem sabe que a grande aliança é a razão entre os homens de bem.

    Na palma da mão, sabemos todos nós do mapa de nosso inferno, o domínio da terra de outros, a invasão do chão alheio. Se tudo é história, o fato é que das praias penetramos para o mato, montanhas e campos de ouro, esmeraldas e brilhantes, feridas da paixão onde sepultaram o tempo que passa, no futuro queremos sempre um país. 

    Palavras calam, selamos pífios comandantes, terra devastada.

    Dizimamos porque aprendemos assim, e reprogramar, mudar atitudes, nem sempre é tão simples como um berro, vozes sem ordem ou harmonia.

    De repente, o que vejo entre tal pandemia, é que vibra forte o tom, perfaz séculos, e nossa paz dar-se-á um dia. Como disse Darcy Ribeiro no enterro de Glauber Rocha, uma dor de todos os brasileiros num país do futuro, é um lamento, cocar de luz, rumo azul.

    imagens por helio carlos mello

  • O poder da cabeça de plumas e pés de havaianas

    O poder da cabeça de plumas e pés de havaianas

     

     

    Fotografias por Todd Southgate e Kamikia Kisêdjê

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    No limite entre a Terra Indígena Xingu e a TI Capoto/Jarina, o homem velho do beiço grande convoca, pronuncia-se. Cacique Raoni, de longa data assina a conta conjunta das vozes indígenas. Lembro-me dele desde quando nasci, há mais de meio século. Muitos homens passaram em tantas manchetes, mas Raoni sempre esteve e permanece, sóbrio, incólume.

    Ser índio, seu devir.

    por Kamikia Kisêdjê©

    É fato que a luz das margens dos rios dá lindas imagens, mas índio não é só margem, seu íntimo, tão firme, mostra-se no olho no olho, tão preciso. Canto de pássaro noturno, peixe que pega-se na flecha, festas que duram meses, segredos de outras modernagens.

    Quando conheci os povos indígenas, algo me alertou, as rotinas das celebrações, resguardos, conexões  diversas, os cantadores e dançarinos.

    Meus conhecidos, amigos originários de onde pisam meus pés, me mostram tanto arcos como diplomas, tanto tangas como celulares, sinais do admirável mundo novo, não se engane, é interplanetário o poder dos povos, o qual se infiltrou, há séculos, em nosso sangue.

    Constituinte é palavra grande. Elabora, define, movimenta, conduz.

    Palavras são assim.

     

    Convocar é verbo, fundo, reúne, expõe.

    Nomear é atitude incerta, duvidosa, implica em glória ou indecências.

    Direito, cultura, meio-ambiente, palavras ontológicas.

     

  • Para ser você, um cocar

    Para ser você, um cocar

     

    Índia Vanuíre foi uma mulher indígena que subia em árvores com sua melodia. Museu em seu nome relata, em Tupã, município do interior do Estado de São Paulo:

     

     

    No início do século XX, a marcha do café para o oeste de São Paulo trouxe consequências violentas para os Kaingang que ocupavam esse território. Ocorriam constantes chacinas de aldeias inteiras e grande divulgação negativa dos Kaingang por meio da imprensa, com o objetivo de desvalorização das terras dominadas pelos indígenas, para posterior valorização para aqueles que as compraram. O extermínio não se completou graças à ação do SPI – Serviço de Proteção aos Índios.
    Desde então, a índia Vanuíre faz parte do imaginário da população da região, sendo considerada uma heroína. De acordo com a lenda, Vanuíre subia em um jequitibá de dez metros de altura, onde permanecia do nascer do dia ao cair da tarde entoando cânticos de paz.
    De fato, Vanuíre foi uma Kaingang trazida de Campos Novos do Paranapanema (atual Campos Novos Paulista)pelo SPI, como estratégia de atração dos Kaingang da região para que fossem aldeados. Assim, ela atuou como intérprete, como outros. Ela simboliza o fim dos conflitos, em 1912, que resultou no aldeamento dos Kaingang em duas áreas restritas, hoje as Terras Indígenas Vanuíre e Icatu, localizadas respectivamente em Arco-Íris e Braúna (SP). A índia Vanuíre faleceu em 1918 em Icatu, onde viveu seus últimos dias.

     

    Povos da terra unem-se novamente em janeiro do ano 2020, recolhem arcos e bordunas, será palavra a arma. Grande encontro se anuncia, plumas audazes, rebeldia, onça preta numa velocidade estonteante. 

     

    Índio crê, indígenas acreditam em respostas, reto.

     

     

    É o cacique geral que soa o brado,  no pesadelo original da nação que asfixia, coagula o trombo, amazônico guardião.

    Raoni, Ropni Metuktire, nosso vento de paz prêmio Nobel, presidirá grande encontro entre os povos da floresta na semana que se inicia, pois não só indígena é seu pranto. É negro, é cafuso, é seringueiro, é ribeirinho, os fugitivos dos grilhões e alcobaça, gente difusa, de mato.

     

    Sua coroa de plumas, seu beiço de pau, seu olhar de água indicam leitos.

     

    Daqui encanto, sei que o chão puro torna os pés descalços um couro grosso, espinha, faz firme perna que caminha.

     

    Louco é quem os dizem.

  • Representante sim

    Representante sim

    por Adelino Mendes

    A questão não é se Ropni fala em nome dos Kayapó. Ele fala em nome dos índios. Fala porque conquistou essa condição de representatividade perante a sociedade não-indígena. É um processo, algo que iniciou-se há 40 anos. Não há ninguém com o peso de sua voz, com o carisma que lhe sobra e, com sua aparência, plasticidade que enfrenta e causa admiração, quase um “afresco” Maya.

    Os índios, culturalmente, não obedecem a um líder, pelo contrário, por diversas vezes como eu já disse aqui, lideranças indígenas não ordenam ou mesmo determinam algo, cabe a elas dar exemplos de solidariedade, benevolência, simplicidade, coragem e maturidade.

    No caso de Ropni, a gravidade da ocasião mais uma vez fez a hora e criou o homem à frente de “sua” gente. Surge então na figura de seu lábio deformado pelo botoque, algo próximo do que seria para nós, um estranho “bom selvagem” de Rousseau, uma liderança que luta pela preservação de todas as terras indígenas, bem diferente de uma liderança indígena em sua tradicional seara. Sua posição é de um indígena com representatividade global perante uma sociedade que historicamente possui governantes, que somos nós. Portanto, Ropni transcende sua cultura e toma lugar na luta pela preservação dos territórios indígenas e da floresta amazônica, tornando-se porta-voz dos povos da floresta, creditando aos índios o título de defensores da Amazônia. E é justamente aí, na territorialidade indígena que está o centro das discursões.

    Adelino Mendes – Antropólogo doutorando no programa de Pós-graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-HCTE). Mestre em Antropologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

    imagens por Helio Carlos Mello© e capa por Eduardo Biral©

  • Árvore, índio e avião

    Árvore, índio e avião

    En Santa María del Tule, Oaxaca, se yergue un árbol espectacular que tiene, por cierto, el tronco más ancho el mundo. Se trata de un precioso ahuehuete que, según estimaciones, tiene más de 2,000 años de edad. Su tronco tiene 14 metros de diámetro y se necesitarían a unas 30 personas agarradas de las manos para envolverlo en un precioso abrazo.

     

    Há no México uma árvore extensa, gulosa, tão antiga como o tempo da vida na Terra, chão de indígenas. Não há muito o que dizer de uma árvore. Uma árvore é uma árvore, e isso basta. Imagens nos libertam das palavras, dispensam letras, construções difíceis da língua.

     

    Escrever tem suas complicações. Incautos preferem falas fáceis, param o carro e pronunciam loucuras, não sabem muito escrever. Gente assim confunde substantivo com adjetivo, dão qualidades tresloucadas aos seres, dispersam prazeres entre obsessão.

     

    Tende piedade, não sabem o que dizem. Tão raso o que veem. 

     

    Quando criança, recordo-me, meus avós de roça diziam que a árvore era coisa boa. Mandavam-me com os primos para lá, lugar de sombra, manga, balanço, passarinhos.

    Fascinava-nos o tamanho das árvores a desafiarem sempre escaladas, travessuras, novos horizontes, conquista. Subir na árvore era uma honra, bravura, nos sentíamos como índios, tão livres. Sem árvores não haveria honra ou passarinhos, assim entendi o mundo quando pequeno. Era como andar de avião, imaginação de criança, ver o mundo por cima. Descer, pousar, era outra questão ou machucados, tudo nos fazia crescer.

     

    Cinquenta anos depois, ouço o presidente da nação mais verde dizer que árvore é porra, palavra que encerra todo prazer, palavra abjeta nesse momento. Gente assim deve ter brincado com estilingue, espingarda de chumbinhos, aniquilando qualquer movimento alegre no mato quando criança. Melhor matar que se aventurar, creio, brincavam assim os valentões de hoje.

     

    Enfim, devo citar poesia. Desaforo é coisa de poderes, prefiro a mata virgem.

    “ÁRVORE”

     

                            ( MANOEL DE BARROS )

     

    Um passarinho pediu a meu irmão para ser uma árvore.

    meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.

    No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de sol,

    de céu e de lua mais do que na escola.

    No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo

    mais do que os padres lhes ensinavam no internato.

    Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.

    Seu olho no estágio de ser árvore, aprendeu melhor o azul.

    E descobriu que uma casa vazia de cigarra, esquecida no tronco das árvores só serve para poesia.

    No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores

    são vaidosas. Que justamente aquela árvore na qual meu irmão

    se transformara, envaidecia-se quando era nomeada para o

    entardecer dos pássaros e tinha ciúmes da brancura que os

    lírios deixavam nos brejos.

    Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore

    porque fez amizade com as borboletas.

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Pequenos aviões e pistas  de pouso, terra firme entre roçados, antigas fazendas ou aldeias indígenas, sempre traziam fortes emoções. Pousar era sempre uma vitória da liberdade de voar. Até a década de 70 era bem arriscado descer numa pista nas terras de Mato Grosso, muitas vezes se arremetia o pequeno avião, por haver um bando de veados pastando na pista, um boi arredio.

     

     

    Hoje não tem mais problema, tá tudo dominado.

    Tão raro será árvore, plana, voa.