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  • Eleição: O Reino em uma encruzilhada

    Eleição: O Reino em uma encruzilhada

    Por James B.A West, de Londres, especial para o Jornalistas Livres

    Tradução: Bruno Falci / Jornalistas Livres

             Em 12 de dezembro, a Grã-Bretanha enfrentará possivelmente sua mais importante escolha política desde a eleição geral de 1945. Nessa eleição, o governo conservador, liderado pela imensa figura de Winston Churchill, enfrentou o Partido Trabalhista, comandado por seu líder menos carismático, Clement Atlee.       

             Atlee pode ter sido um homem discreto, mas era inteligente e politicamente astuto. Seu ministro da Saúde Anuerin Bevan, o homem que passou pelo Serviço Nacional de Saúde, mais do que compensou o que  faltava em carisma em Atlee. Churchill disse que ele era “uma das poucas pessoas que eu sentava quieto e ouvia.” De um lado, havia o Partido Trabalhista, com o objetivo de fornecer casas a preços acessíveis para todos, empregos para criar essas casas e, o mais importante, sua principal política: cuidados de saúde gratuitos. O governo conservador, por outro lado, era inflexível contra essa proposta e logo votaria contra. No entanto, o que o Partido Conservador tinha era Winston Churchill como carta na manga. Mas Churchill, o líder da II Guerra, não era Churchill, o  líder dos tempos de paz. Durante a guerra, ele estava em uma coalizão com, entre outros, seu agora rival Clement Atlee e lutava contra os males do fascismo. Sua posição em 1945 era marcadamente diferente e os eleitores sentiram essa diferença. A guerra acabou e o país estava com vontade de mudar. Os conservadores, acreditava o público, não forneceriam nada de novo, mas talvez os Trabalhistas pudessem. Os trabalhistas estavam apostando em uma plataforma de mudança e o partido conservador, em uma plataforma de continuidade. Mas, após seis anos de uma guerra devastadora, o povo britânico optou por mudanças. Em 5 de julho de 1945, o Partido Trabalhista, um governo socialista, foi eleito por uma vitória consagradora.       

    Clement Atlee em comício na década de 1940. Foto do Instagram do Partido Trabahlista

               O fato dos conservadores confiarem tanto na popularidade pessoal de Churchill para conquistar a maioria revelou a complacência no coração do projeto do Partido Conservador. Este, hoje, depende sobretudo de ser o principal partido que “fará o Brexit”, mas sua complacência, mais uma vez, pode provar ser sua ruína. Esse foi o caso em 2017, quando a primeira-ministra conservadora Theresa May, observando as péssimas classificações dos trabalhistas nas pesquisas, decidiu apostar em uma eleição na esperança de varrer a oposição do mapa eleitoral. Não apenas ela não alcançou seu objetivo, mas também perdeu a maioria, com os trabalhistas tendo um grande aumento em sua votação, até ganhando em alguns lugares que eram dos conservadores há um século. Em 1945, quando a guerra terminou, havia uma sensação de que poderia haver um futuro melhor. No documentário de 2015, O Espírito de 45/The Spirit of 45, de Ken Loach, ele volta ao período pós-guerra em busca de um espírito semelhante agora.

             Mas o clima político de 1945 não é o clima político de hoje, nenhuma guerra foi vencida e esse sentimento de otimismo está ausente. Em vez disso, temos uma população se recuperando de dez anos de austeridade aplicada pelos conservadores, apenas para ter um referendo imposto sobre nós, que dividiu o país firmemente ao meio. A confiança dos representantes eleitos do Parlamento está sempre baixa e o cinismo no ar é palpável. A maioria dos deputados trabalhistas é fortemente a favor de permanecer  na União Européia. O grande problema do Partido Trabalhista, porém, é que metade da sua base eleitoral votou no Brexit no referendo de 2016, enquanto a outra votou  para permanecer na UE. Um problema difícil de resolver e, como tal, eles demoraram a esclarecer sua posição. O objetivo de apelar para ambos os campos da base eleitoral tem sido a principal dificuldade dos trabalhistas desde o resultado do referendo do Brexit.        

            Mas os trabalhistas já estabeleceram seus planos. Se eleitos, eles pretendem negociar um acordo com a UE dentro de três meses e realizar um segundo referendo com duas opções – o acordo de saída ou permanecer. Caberá aos parlamentares decidir de que lado eles farão campanha. Corbyn afirmou que adotará uma posição neutra, de modo a diminuir a divisão política. Mas, com muitas divisões e emoções em alta, é difícil dizer se essa posição razoável e fundamentada os servirá bem na eleição. O que parece ter gerado entusiasmo é o manifesto trabalhista. Isso inclui uma enorme injeção de fundos no NHS (Serviço Nacional de Saúde), a remoção das privatizações e Banda larga gratuita para todos (rotulada pela mídia tradicional como ‘Comunismo de Banda Larga’). Corbyn apontou recentemente que, se o Partido Trabalhista  introduzir o Serviço Nacional de Saúde agora, ele será rotulado pela mídia como ‘Comunismo na Saúde’. As taxas nas universidades seriam abolidas e as ferrovias, os correios, a água e o gás seriam todos devolvidos à propriedade pública. Uma pesquisa recente da Yougov mostra que a maioria dos eleitores acredita que esses serviços públicos importantes devem retornar ao controle do Estado. Também há outras coisas igualmente promissoras no manifesto, como por exemplo o salário mínimo, que  será aumentado em 10 libras e, o mais importante para o Reino Unido e o planeta como um todo, o Green New Deal.         

                O manifesto tem algumas semelhanças com as propostas de Atlee, mas com uma inflexão moderna. A estratégia do Partido Trabalhista para a eleição até agora tem sido não focar no Brexit e e sim a adoção de um conjunto de políticas que reequilibrem a economia em favor de muitos (para utilizar o slogan trabalhista), não de poucos. A questão é se essas políticas serão suficientes para ganhar força sobre a questão do Brexit. Os conservadores se comprometeram a aumentar o investimento, mas grande parte disso simplesmente compensará os cortes devastadores que fizeram enquanto estiveram no governo. Ao contrário dos trabalhistas, sua estratégia tem sido focar no Brexit; visando especificamente a base de votos do Labour’s Leave, uma grande parte do eleitorado trabalhista que eles precisam anexar se quiserem maioria. O Brexit está em segundo plano na campanha do Partido Trabalhista e seu manifesto em primeiro plano; o oposto é  defendidio pelos conservadores. E cada parte está mais do que disposta a destacar a fraqueza percebida pela outra. Em uma era dominada pelo Brexit, com metade dos seus partidários votando na saída da UE, se os trabalhistas prometerem um segundo referendo, então é  correta a estratégia de tornar suas políticas ainda mais radicais         

               Muitas das políticas implementadas pelo Partido Trabalhista, em 1945, foram desmanteladas por Thatcher nos anos 1980. Sua maior conquista, o NHS, embora não tenha sido desmantelada pelos conservadores, sofreu cortes maciços desde que foram eleitos em 2010, com uma crescente privatização. Se os conservadores chegarem ao poder, o NHS corre o risco de ser dividido pela indústria farmacêutica global (Big Pharma), em um acordo Trump / Brexit. Esta foi a pedra angular da campanha trabalhista. O Partido Conservador  impôs austeridade à Grã-Bretanha, gerando grande parte da frustração que levou ao resultado do Brexit. Agora, risivelmente, os conservadores afirmam ter o remédio para a doença que ajudaram a criar. A questão é: o público comprará? As políticas trabalhistas visam desfazer grande parte dos danos infligidos pelos conservadores – mas com a promessa de um novo referendo, suas políticas radicais serão suficientes para conquistar seus eleitores, que optaram pelo Brexit? Essas são as duas perguntas principais que pairam sobre essa eleição – e a resposta está no tradicional coração trabalhista que votou no Brexit. Na eleição de 1945, contra todas as probabilidades, o Partido Trabalhista conquistou uma vitória  esmagadora. Dadas as divisões dentro do país, uma maioria trabalhista parece improvável. Na melhor das hipóteses, terá que ser uma coalizão entre os partidos da favoráveis à UE – Partido Trabalhista, Partido Liberal-Democrata, Partido Verde e o Partido Nacional Escocês. O manifesto colocou isso em questionamento. E, como a história mostrou, o Partido Trabalhista tem um talento especial para surpreender as expectativas das pessoas. A atmosfera política é febril. Dentro de alguns dias, descobriremos se os trabalhistas podem confundi-los mais uma vez.

  • “As raízes do fascismo estão enterradas no solo dos EUA”

    “As raízes do fascismo estão enterradas no solo dos EUA”

    Mark Karlin, Truthout, entrevista David Neiwert

    De onde surgiram as figuras de extrema direita que, de repente, aparecem em toda a paisagem política americana? O repórter investigativo David Neiwert vem acompanhando a violência e a ideologia fascista e de extrema direita há décadas, e ele revela como esses grupos cresceram, em poder e em influência, no livro Alt-America: The Rise of the Radical Right in the Age of Trump [Alt-America: a ascensão da direita radical na era do Trump].

    Como o sapo na água fervente, é possível que os estado-unidenses não percebam, antes que seja tarde demais, que a democracia acabou e que o país afundou no fascismo. Nesta entrevista, David Neiwert diz ao Truthout o que há de novo na chamada “direita alternativa” (“alt-right”) e, em que medida, é uma continuação da supremacia branca americana. O autor de Alt-America também descreve como Donald Trump ganhou o apoio de grupos de extrema direita e deu, à visão de mundo desses grupos, um lugar na Casa Branca.

     

     

    Mark Karlin: O termo “alt-right” é uma nova marca de um movimento de supremacia branca que está em vigor há décadas ou deve ser reconhecido como uma entidade distinta?

    David Neiwert: Definitivamente é uma nova marca do pensamento da supremacia branca, mas é muito mais do que apenas isso – é uma reforma completa do movimento e uma expansão dele também, e é por isso que simplesmente chamá-los de “nazistas” não é preciso. Este não é o Klan do seu avô. Isso foi feito para não apenas aproveitar a tecnologia e suas mudanças rápidas, mas alavancá-las como armas. Também foi reformatado inteiramente para atrair os jovens, ou seja, machos brancos com idades compreendidas entre os 16 e 30 anos – usando recursos não tão tradicionais como humor e ironia e “inteligência viva” abertamente transgressiva.

    No final, quando você se aprofunda nos pensamentos deles e examina a ideologia que eles estão promovendo, não há nada realmente novo, nada que os eugenistas e os supremacistas brancos de outros tempos já não tenham dito. Mas é apresentado nas mídias sociais de maneiras hábeis e novas que são muito eficazes com os jovens cuja exposição, desde logo, à história real é superficial.

    O que nas declarações e ações de Donald Trump habilitaram a “direita alternativa”, que você chama de um universo alternativo “há muito desacreditado” e aqueles grupos que precederam a “direita alternativa”, para sentir que esse é o momento deles?

    As origens de Trump como político em 2011 giram em torno de sua adoção de uma teoria de conspiração de extrema direita (e profundamente intolerante), a saber, a chamada conspiração “birther”, que afirma que o certificado de nascimento do presidente Obama foi de alguma forma forjado.

    Mas, se por um lado, essa teoria de conspiração quanto ao local de nascimento de Obama atraiu inicialmente uma turma do Tea Party [ala de extrema direita do Partido Republicano] em sua direção,

    por outro, foi seu discurso de abertura de campanha denunciando imigrantes mexicanos como “estupradores” que animou o contingente nativista / nacionalista branco. O evento que realmente conectou Trump à “direita alternativa” foi o lançamento, em 16 de agosto de 2015, de seu “plano de imigração” – um documento que bem pode ter sido escrito por Ann Coulter ou por seu assessor, o nacionalista branco Stephen Miller, porque repete, quase perfeitamente, como um papagaio as agendas de imigração previamente delineadas por brancos nacionalistas e nativistas, como Coulter, Jared Taylor ou Patrick Buchanan. Esse foi o momento em que vimos a “direita alternativa”, quase completamente, saltar a bordo do vagão de Trump. E nada que ele fez desde então os persuadiu a sair.

    Por que os seguidores da extrema direita têm um sentimento de vitimização tão extremo?

    É um componente essencial do autoritário de direita [RWA – right-wing authoritarian], que apresenta pensamento compartimentado e uma abordagem de soma zero [se um lado ganha é porque o outro perde, a soma é sempre zero] em questões de raça e gênero. Inevitavelmente, os autoritários de direita se concebem como heroicos e um componente essencial da dinâmica de construção do heroísmo é que não só requer a criação de um inimigo, mas também reivindicações de vitimização por ações desse inimigo.

    Minha própria experiência, tendo crescido em torno desse tipo de personalidade, é que a vitimização é, em última instância, uma espécie de projeção, porque os autoritários de direita sempre criam classes inteiras de vítimas em virtude de seus comportamentos, frequentemente intolerantes, pessoas cujas vidas são afetadas negativamente pelo seu preconceito e desdém pelos valores da igualdade – e assim eles reivindicam a vitimização como uma espécie de projeção, uma defesa contra o que é evocado por seus próprios atos ruins.

    Não é um equívoco pensar que as pessoas nos EUA devem estar mais preocupadas com o terrorismo islâmico fanático do que os atos frequentes de terrorismo doméstico?

    Sim. Na verdade, passei cinco anos compilando uma base de dados definitiva sobre terrorismo doméstico nos Estados Unidos como parte de um projeto do Reveal News / Center for Investigative Reporting e do Nation Institute Investigative Fund, que foi publicado no verão passado e detalhou precisamente o quanto a ameaça é maior – quase uma diferença de dois a um na violência política interna americana de extrema direita do que a infligida por islamitas radicais nos últimos nove anos. No entanto, nosso aparelho de aplicação da lei e nosso foco na mídia estão direcionados de forma esmagadora para qualquer pessoa com um fundamento muçulmano, mas trata os terroristas de direita como Dylann Roof como “incidentes isolados”. Em muitos aspectos, essa inclinação é o produto de uma mídia dominante extremamente irresponsável.

    Em que sentido a ascensão das forças da “direita alternativa” para o nível da Casa Branca é compartilhado por movimentos ao redor do mundo?

    O surgimento da direita radical nos EUA é apenas uma peça de uma sombria maré global, e é realmente um fenômeno assustador. Na Europa, a extrema direita está crescendo, não apenas no Reino Unido, onde o voto de Brexit refletiu um nacionalismo crescente, mas na Alemanha, onde o partido de extrema-direita ganhou uma crescente participação nos assentos no Parlamento recentemente e em lugares como a Polônia, onde milhares de jovens nacionalistas xenófobos marcharam recentemente em massa, assim como a Hungria, onde o novo primeiro-ministro, Viktor Orbán, também é um nacionalista descarado ao molde de Trump.

    Já vimos um aumento do autoritarismo em regimes na Ásia, além do maior regime autoritário de todos eles, a China. Em Myanmar, por exemplo, onde a junta militar no poder está liderando uma campanha de limpeza étnica contra o povo muçulmano Rohingya; e nas Filipinas, onde o presidente populista lidera abertamente uma campanha de violência assassina e extermínio contra “usuários de drogas” e jornalistas.

    Por que é importante notar, como você faz em seu livro, que o que o Trump desencadeou é uma descida incremental no fascismo?

    Os americanos sempre se imaginaram imunes ao fascismo. Após a Segunda Guerra Mundial e os horrores do Holocausto foram revelados, nós nos demos tapinhas nas costas e dissemos: “É impossível acontecer aqui!” E, ao nos dizermos isso, mentimos – porque as próprias raízes do fascismo estão enterradas, em lugares, no solo [dos EUA]: as Leis de Nuremberg foram modeladas em Jim Crow; os Brownshirts foram inspirados pela Ku Klux Klan; e tanto o programa Lebensraum de Hitler como o próprio Holocausto foram construídos sobre a admiração dos nazistas pelo genocídio dos nativos americanos nos Estados Unidos.

    Nos anos seguintes, nos tornamos cada vez mais complacentes com o significado e com o funcionamento do fascismo, projetando-o como um insulto fácil e, em última instância, torcendo seu significado com propósitos político-partidários, como fizeram figuras de direita como Jonah Goldberg e Dinesh D’Souza nos últimos anos.

    O fascismo nunca foi nada além do populismo de direita ter se tornado ido metastático – uma manifestação cancerígena de uma visão de mundo já tóxica. Mas, como permitimos que esse populismo, muitas vezes sob o disfarce de “libertarianismo”, se infiltre em nossa política dominante, nos tornamos vulneráveis a sua profunda hostilidade em relação a todas as nossas instituições democráticas, bem como a sua manipulação cínica de tais princípios básicos de democracia como a liberdade de expressão.

    Os americanos querem acreditar que sua democracia continuará funcionando como sempre, mas é como qualquer outro sistema quando se trata de um ataque direto – em última análise, é um sistema tão vulnerável quanto permitimos que ela seja.

    Nota

    1 Entrevista por Mark Karlin, publicada na Truthout em 19/11/2017, no endereço: http://www.truth-out.org/opinion/item/42644-the-american-roots-and-21st-century-global-rise-of-fascism

    2 Tradução de César Locatelli, Jornalistas Livres