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  • Jovem beatboxer vence transtorno e agradece inspiração a ídolos do HIP HOP

    Jovem beatboxer vence transtorno e agradece inspiração a ídolos do HIP HOP

    Era o último dia de nossa cobertura especial da Virada de Ano na vigília Lula Livre em Curitiba, sábado 5, quando fui surpreendida por um jovem de 24 anos, militante da UJS (União da Juventude Socialista) de Novo Hamburgo (RS), pedindo para gravar uma homenagem em forma de agradecimento e beatbox aos seus dois grandes ídolos musicais, Mano Brown e Fernandinho Beatbox. Além de militante, Bily Ânderson Beatbox, como prefere ser chamado, se apresentou como beatboxer e B-Boy, e depois de uma surpreendente conversa, ele pergunta: “Me ajuda a realizar um sonho? O HIP HOP, o Beatbox e o Breaking salvaram a minha vida! Eu preciso agradecer esses caras. Eles são mais que referências pra mim, eles são luz.”  

    Ao perguntar de onde vinha e o por que de tamanha gratidão, Bily explica. “Fui diagnosticado aos sete anos de idade com TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade), além de um leve autismo, por um médico e uma assistente social muito bons do SUAS (Sistema Único de Assistência Social), um programa de Saúde Pública da época do governo Lula que defendo até hoje. Mas, o transtorno e principalmente o preconceito das pessoas não são fáceis de driblar, e aos 16 anos tentei o suicídio. Ainda bem que a esperança que tenho em me tornar um músico do HIP HOP e beatboxer profissional, mais a inspiração em meus mestres da cena pulsando na mente, mais a dança que pulsa em meu corpo, me mantiveram vivo.”

    Não me restava outra opção senão tentar ajudá-lo. Gravei e enviei o vídeo aos artistas pelas redes que, sensibilizados com a história de Bily Ânderson Beatbox, postaram ontem, quarta-feira 9, em seus perfis oficiais do Instagram: Mano no feed, com mais de 200 mil visualizações, e Fernandinho nos stories. Abaixo, o vídeo na íntegra:

    Desde os nove anos de idade, Bily já frequentava aulas de Breaking e Artes Visuais na Escola Municipal de Artes Carlos Alberto de Oliveira, antigo Ateliê Livre. Logo depois, durante seu tratamento do TDAH no CAPS (Centro de Assistência Psicossocial) de Novo Hamburgo, o médico e a assistente social que os atendia perceberam outro desafio clínico para sua saúde, que o levou a fazer uma cirurgia de retirada de um nervo com pontos de ligação nos mamilos e axilas, que hoje o possibilita andar e ter uma vida completamente normal. “Graças à minha mãe, que sempre me acompanhou, à equipe médica maravilhosa que cuidou de mim, ao movimento estudantil e ao meu sonho profundo em ser um beatboxer e um B-Boy reconhecido, hoje posso te contar tudo isso nessa entrevista”.  

    Entre os 15 e 16 anos, durante o Ensino Médio e um pouco antes dele conhecer a UJS e entrar para o movimento estudantil, o Beatbox entrou na vida do jovem após ele assistir ao programa Brothers, do Supla e do João Suplicy, na Rede TV.  “Tinha um cara fazendo Beatbox, achei incrível e pensei: vou juntar o Breaking, que eu já pratico, com o HIP HOP que adoro, mais a experiência no SUAS e no CAPS, vou me manter saudável e virar um beatboxer”. Foi então que Bily começou a treinar exercícios de respiração, movimentos com a boca e as mãos e nunca mais parou.  

    Logo depois, o jovem militante conheceu o B-Boying, uma dança de rua originada no Break, e se reconheceu também como um B-Boy, um dançarino que capta a essência do HIP HOP e suas batidas para dançar a qualquer hora, em qualquer lugar e dia, inclusive quando desafiado por outro dançarino, b-boy ou b-girl, em uma “batalha”, que é uma espécie de competição de rua.  

    “A arte do HIP HOP, do Beatbox e do B-Boying tem sido as armas mais poderosas pra derrotar o preconceito que eu sofri por ter o TDAH, o Autismo e todos os meus medos e fantasmas por consequência disso. A batalha da vida é grande, mas não é impossível se manter de pé. É preciso acreditar nos nossos potenciais e sonhos e correr atrás”, acredita Bily.  

    Há pouco mais de dois anos, ele criou um canal no YouTube para tornar o seu trabalho artístico conhecido. Mas, só conseguiu começar a investir profissionalmente em seu sonho no final de 2018, quando conseguiu juntar um pouco de recursos vindos de seu trabalho formal como auxiliar de atendimento em uma lanchonete no centro da cidade, de onde também tira ajuda no sustento da casa que mora com sua mãe. E, de sonho em sonho, Bily Ânderson Beatbox vai resistindo, buscando, persistindo e realizando na Arte, onde mais se sente humano, potente e feliz. 

  • “Imperador” Doria vandaliza patrimônio público

    “Imperador” Doria vandaliza patrimônio público

    Apagaram tudo

    Pintaram tudo de cinza

    Só ficou no muro tristeza e tinta fresca

    [Gentileza, Marisa Monte] (*)

    O grafite alastrou-se nos espaços públicos mundiais a partir da década de 1970, embalado pelo ritmo do hip hop e no contexto das lutas pelos direitos civis, dos black panthers e de diversas formas de questionamento ao capitalismo selvagem. De manifestação cultural remetida a pobres, pretos, imigrantes e moradores de guetos, alcançou rapidamente a aceitação do público geral e hoje compartilha das ruas mundo afora, além das mais caras galerias de arte dos diferentes países.

     

    A cultura hip hop defende que é constituida por 5 elementos que podem ser definidos desta maneira: O BREAK: representa o corpo através da dança; O MC : a consciência, o cérebro; O DJ: a alma, essência e raiz; O GRAFFITI: a expressão da arte, o meio de comunicação, fala e o CONHECIMENTO.

    SAIBA mais sobre o início da cultura hip-hop no Brasil no documentário MARCO ZERO com os depoimentos incríveis de Nelson Triunfo. (**)

     

    Os murais e pinturas de Jean-Michel Basquiat, artista neo-expressionista nova-iorquino, contribuíram para a consolidação dessa manifestação cultural que também deve ser lida como uma maneira dos grupos socialmente marginalizados deixarem sua marca e serem ouvidos nas excludentes metrópoles contemporâneas. Portanto, o grafite é, além de arte, um desesperado grito para dizer que os diferentes atores sociais são pertencentes a tal lugar e este lhes pertence. Por conseguinte, esses grupos passam a intervir na rotina e nos rumos desses lugares.

    Estudos recentes revelam que os grafites – enquanto manifestação de jovens pobres, negros e moradores de regiões desprestigiadas com serviços públicos – nas áreas centrais e bairros nobres contribuíram para que esses indivíduos se tornassem cidadãos e pertencentes à urbe. Dessa forma, hoje é possível encontrar grafites nas ruas, metrôs, galerias das principais cidades mundiais, com destaque para Berlim e Nova Iorque.

    A cidade de São Paulo também se destaca com a presença e valorização da chamada “arte de rua”, a ponto de ser conhecida como a “Meca do Grafite”. Diversos muros e faixas de prédios são ornados com desenhos de distintos artistas que alegram e trazem contraste ao tom pastel da metrópole.

    O reconhecimento dos grafiteiros paulistas ultrapassou as fronteiras e as pinturas e murais de diferentes representantes da terra da garoa são admiradas em diversas partes do planeta, como é o caso dos trabalhos de Eduardo Kobra, Os Gêmeos (Otávio e Gustavo Pandolfo), Flip (Felipe Yung), entre outros.

    No entanto, a luta de uma manifestação artística que busca, entre outras coisas, dar voz àqueles grupos que tradicionalmente são tolhidos, emudecidos, e que, consequentemente, deixam sua marca na quarta maior cidade do mundo, corre o risco de desaparecer com a ação da gestão do prefeito recém empossado João Dória Jr (PSDB).

    Antes de assumir o cargo, Dória já havia anunciado uma cruzada higienista contra os pichadores e seus “pixos” (projeto Cidade Linda). Revelando uma total incompreensão sobre o universo e dinâmica da arte de rua, nesta segunda quinzena de janeiro, o executivo municipal ordenou pintar de cinza vários grafites desenvolvidos na cidade alegando que os mesmos estariam velhos e “vandalizados”. Assim, São Paulo acordou, nos últimos dias, menos colorida e coberta de cinza. A avenida 23 de Maio, importante via que liga a região central à zona sul da capital paulista – e um verdadeiro museu a céu aberto, com 70 murais – amanheceu com muitos dos seus grafites vandalizados pelo cinza da gestão Dória.

    Muitos desses grafites da avenida foram confeccionados em 2015 por meio de um Edital público que contou com a participação de diferentes grafiteiros brasileiros e internacionais. A ação, envolvendo a antiga gestão municipal, ONG’s, movimentos sociais, empresários e artistas, foi elogiada em várias partes do mundo, transformando a 23 de Maio em atração turística.

    Dessa forma, além de negar o princípio de pertencimento de grupos socialmente marginalizados, a ação da gestão Dória recorre à prática arcaica de reescrever a história a partir da destruição de monumentos e imagens que soam incomodar, a ponto de demonstrar a repulsa dos governantes. No Império Romano, a damnatio memoriae (condenação da memória) era a forma institucionalizada de adulterar ou destruir parte ou integralmente monumentos e/ou registros que trouxessem imagens ou inscrições comemorativas de imperadores mortos. Por conseguinte, aquela que é conhecida no país como a “selva de pedra” foi materializada, justamente com tons de cinza, por uma administração que tenta apagar os registros daqueles que buscam transformar São Paulo em uma cidade alegre e inclusiva.

    (*) Esta frase da canção de Marisa Monte, se refere ao artista conhecido como Profeta Gentileza que fazia grafites/murais no Rio de Janeiro

    Veja um pouco deste historia neste blog

    (**) No DVD ao vivo dos Racionais MC existem extras, um deles é este incrível documentário sobre a evolução da cultura negra nos centro urbanos do Brasil desde antes da lei áurea, até o RAP.

    Notas: Joana Brasileiro