A comunidade de Pascoal, localizada no município de Sento Sé, no norte do estado baiano, foi uma das atingidas pela construção da hidrelétrica de Sobradinho. Ao todo, na região, mais de 70 mil pessoas foram expulsas das suas comunidades e territórios no final da década de 1970. Quarenta anos depois, o fantasma do desenvolvimento volta a assombrar a população de Pascoal e as comunidades vizinhas, Limoeiro e Aldeia. A notícia de que a anglo-australiana Colomi Iron Mineração vai investir R$ 11 bilhões em um projeto de exploração de minério de ferro no município está tirando o sono das comunidades. O sentimento é de medo!
(Texto e fotos: Comunicação CPT Juazeiro)
“Terrível, até hoje me arrepio quando lembro o que a gente passou”, afirma Dona Maria Francisca de Oliveira, 49, ao recordar a época em que foi reassentada por causa da construção da barragem de Sobradinho (BA). Com os olhos marejando e a voz embargada, a agricultura e professora conta que ficou na memória a imagem da tia que não queria deixar a casa mesmo com a água inundando o local. “Não saio, não saio, não vou sair de minha casa”, dizia a tia, como relembra Maria Francisca.
A comunidade de Pascoal, localizada no município de Sento Sé, no norte do estado baiano, foi uma das atingidas pela construção da hidrelétrica de Sobradinho. Ao todo, na região, mais de 70 mil pessoas foram expulsas das suas comunidades e territórios no final da década de 1970. “Era uma esperança que a gente ia ter muito desenvolvimento, ia ter o progresso, mas até a energia a gente só veio ter depois de dez anos, quando criamos a associação, e água tratada até hoje não temos”, relata a professora.
Quarenta anos depois, o fantasma do desenvolvimento volta a assombrar a população de Pascoal e as comunidades vizinhas, Limoeiro e Aldeia. A notícia de que a anglo-australiana Colomi Iron Mineração vai investir R$ 11 bilhões em um projeto de exploração de minério de ferro no município está tirando o sono das comunidades. O sentimento é de medo, comenta o agricultor Valmir dos Santos. “A gente tá vendo o exemplo de Minas Gerais, a TV tá mostrando”, diz.
De acordo com informações do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA), a Colomi Iron Mineração possui a licença prévia da exploração mineral em Sento Sé, ou seja, tem permissão para produzir os estudos de impactos ambientais. As licenças de instalação e operação da mina ainda não foram emitidas, mas, a população já teme os impactos que um empreendimento de mineração pode provocar nas comunidades.
Ameaça ao Velho Chico
O rio São Francisco fica a menos de um quilômetro das comunidades de Pascoal, Limoeiro e Aldeia. Juntos, os três povoados concentram cerca de 700 famílias, que dependem do Velho Chico para sua principal atividade: a pesca. “Nós sem água, nós não tem vida né”, destaca Seu Valmir.
O vice-presidente do Sindicato Municipal dos Pescadores, que também é vereador de Sento Sé, Jamerson Santiago, conta que a preocupação e o medo de perder o sustento têm assolado a vida das pessoas. “A gente vive mais da pesca e da agricultura. Isso [a mineração] vai impactar a agricultura e a pesca, a nossa preocupação é essa, se tirar isso da gente a gente vai viver de quê?”, questiona.
Patrimônio natural e cultural
O local onde a mineração pretende ser instalada é a Serra da Bicuda, considerada um patrimônio ambiental e cultural pela população. É nesse lugar que as comunidades criam seus animais à solta (caprinos e gado) e que abriga a diversidade da Caatinga, a exemplo de plantas medicinais e umbuzeiros. “Aí no pé da serra tem uns tanques que o gado come, durante o inverno enche e o gado bebe água, a gente se preocupa de botar o gado na roça só na seca, quase todo mundo cria lá”, aponta Valmir. Dona Maria Francisca complementa que “essa serra é a nossa história, nossa vida, nosso patrimônio”.
Mobilização comunitária
Diante da inesperada notícia de instalação da mineração no território das comunidades, a população de Pascoal, Limoeiro e Aldeia tem se mobilizado para buscar informações sobre o projeto e promover debates sobre os impactos socioambientais que uma empresa de mineração pode provocar na região.
Para Dona Maria Francisca, este é um projeto de desenvolvimento “para as grandes empresas, grupos estrangeiros que vêm tirar nossas riquezas”. Na opinião da professora, a população vai “ficar com a morte e a doença e quem tem conhecimento sabe que não tem nenhum desenvolvimento”.
De acordo com Jamerson, já foi encaminhado na Câmara de Vereadores de Sento Sé a proposta de realização de uma audiência pública e uma sessão itinerante da Câmara para discutir a temática.
Agora entendo bem, tudo se encaixa. Primeiro foi a vontade de fundir o Ministério do Meio Ambiente, depois um ferro em brasa nas ONGs, ICMBio, Conama, Acordo de Paris, Fundo Amazônia, Terras Indígenas, ESEC Tamoios, Fundação Oswaldo Cruz; tudo numa mira de metralhadora.
O eleito enfia o pé na jaca, faz o que prometeu em campanha.
Correndo por fora, o cacique Raoni faz seu périplo, busca o apoio em países mais sóbrios, líderes mais lúcidos.
A grande disparidade entre a atitude do chefe da nação, que desmantela, e o chefe indígena, que fortifica, salta aos olhos.
Ropni Metuktire, conhecido mundialmente como cacique Raoni.
A nação busca sua terra, corpo e espírito. Muitos trazem miopia de destino, horizonte, vontades.
A lógica do sistema pede renda, produção, recompensa. Outras legiões querem moradia, escola, pesquisa, florestas cheias de macacos e abelhas. Há uma grande batalha entre livros e armas nas ruas, passeatas imensas, pernas e mais pernas a caminhar e pedir, querendo barrar o ralo que nos metemos.
Tudo padece. Antigos quinhões se dispersam em nova ordem, milícias afoitas querem sua porcentagem e a parte que renegam ao povo.
Entre presidente e cacique, sigo o homem mais sábio, a boca larga das palavras obvias. De fato, sabedoria pode ser que seja estar uma árvore, já dizia o poeta Manoel de Barros.
Cabeceiras do Rio Xingu, na Terra Indígena do Xingu, contígua à Terra Kayapó, último legado intacto ao agronegócio, que desmatou o Estado de Mato Grosso.
Era quarta-feira e teve aula na escada da faculdade, tão antiga quanto a educação em saúde na cidade de São Paulo. O professor falava a seus alunos de medicina, cartazes de protesto entre os degraus, ouvidos tristes, olhos áridos no horizonte insano que paira na nação.
Sob árvores e até cantos de sabiá, nenhuma balbúrdia vi, apenas gente atenta, curiosa e jovem vontade em protesto.
Nenhum idiota encontrei ali, nenhum só.
Aula aberta sobre a saúde do Estado, a educação doente e seus algozes.
Durante a aula fiquei pensando se o presidente, que ofende estudantes, tem diplomas, se estudou em faculdades, se afogou-se em livros um dia?
Perguntei a um aluno ao meu lado, bem informado me esclareceu que Bolsonaro cursou educação física até formar-se pela Escola de Educação Física do Exército; nada mais sabia.
Bem, creio que o presidente não aguentaria caminhar até a avenida, cantando alegre e reto, em protesto. Mesmo tendo ele estudado educação física, falta-lhe fôlego, falta-lhe ciência, falta-lhe educação.
Enfim, caminhar e cantar não é para covardes ou quem teme o conhecimento e a multidão lúcida. Erguer a mão em punho é feliz consentimento em saber que somos povo.
Em tardes de quarta-feira assim, em dia de muita gente nas ruas, há clima para poesia. Lembro-me do poeta Thiago de Mello, que vive na Amazônia distante, a escrever aos que virão:
“Como sei pouco, e sou pouco, faço o pouco que me cabe me dando inteiro. Sabendo que não vou ver o homem que quero ser.
Já sofri o suficiente para não enganar a ninguém: principalmente aos que sofrem na própria vida, a garra da opressão, e nem sabem.
Não tenho o sol escondido no meu bolso de palavras. Sou simplesmente um homem para quem já a primeira e desolada pessoa do singular – foi deixando, devagar, sofridamente de ser, para transformar-se – muito mais sofridamente – na primeira e profunda pessoa do plural.
Não importa que doa: é tempo de avançar de mão dada com quem vai no mesmo rumo, mesmo que longe ainda esteja de aprender a conjugar o verbo amar.
É tempo sobretudo de deixar de ser apenas a solitária vanguarda de nós mesmos.
Se trata de ir ao encontro. (Dura no peito, arde a límpida verdade dos nossos erros.)
Se trata de abrir o rumo. Os que virão, serão povo, e saber serão, lutando.”
CERIMÔNIA YANOMAMI EM RORAIMA, EM 2015. POVOS TRANSFRONTEIRIÇOS SEGUEM AMEAÇADOS
Uma história sobre municipalização de verbas, jatinhos em Roraima, inquérito da PF e Romero Jucá
Onze indígenas reuniram-se na quinta-feira 9 com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para reclamar de mortes ocorridas na comunidade deles, em Roraima, por falta de atendimento médico. Houve choro na sala. Não de Mandetta, deputado conservador que praticou seu esporte favorito no momento: condenar o gasto público com a saúde dos povos tradicionais.
O sonho do ministro é fechar a Secretaria de Saúde Indígena, criada em 2010. Ele diz que há muita corrupção na chamada Sesai, dona de 1,3 bilhão de reais por ano. De fato, fraude parece não faltar ali. Uma história que põe em risco a vida de indígenas. Resvala perigosamente na escolhida por Mandetta para comandar a Sesai. E tem lugar de honra para o presidente do MDB, Romero Jucá.
A Polícia Federal (PF) requereu à Sesai nos últimos dias cópias de 15 contratos. Abriu inquérito após receber uma denúncia de desvio de verbas. Uma das citadas pelo denunciante como participante de falcatruas é Verbena Lúcia Melo Gonçalves. Funcionária pública licenciada, Verbena foi chefe de gabinete da secretaria de 2011 a 2016. E voltará a ser, se depender da nova secretária, Silvia Nobre Waiãpi.
BOLSONARO ANUNCIA SEU MINISTRO DA SAÚDE, LUIZ HENRIQUE MANDETTA (FOTO: DIVULGAÇÃO
Empossada em 24 de abril, Silvia mandou o nome de Verbena à Casa Civil da Presidência, para análise. No inquérito em curso, a PF talvez comprove algo dito por quem conhece a Sesai por dentro. Verbena teria sido capturada no passado por interesses escusos. E teria se aproximado de Silvia para dar-lhe apoio político em troca de que tudo fique como está.
Em 3 de maio, Verbena foi com Silvia ao Pará visitar uma unidade de saúde para indígenas. Viajou sem ter sido nomeada e, segundo o ministério da Saúde, teve as despesas pagas por uma entidade privada, o Instituto Espinhaço. Ali, Silvia cobrou os indígenas por problemas de gestão e financeiros. Ouviu que o governo em Brasília tinha culpa também. Verbena foi apontada com o dedo pelo acusador.
Durante a viagem, Silvia autorizou, à distância, pagar 4,9 milhões a uma empresa que tinha cobrado a Sesai por transporte aéreo. Em regiões isoladas como a Amazônia, não é raro um paciente ser levado de avião e helicóptero. A cobrança partiu da Voare Táxi Aéreo, por um trabalho no distrito sanitário dos Yanomami, na divisa de Roraima com o Amazonas.
O contrato da Voare com a Sesai estava vencido, mas a empresa diz ter trabalhado de 10 de janeiro a 31 de março de 2019, razão da fatura enviada à administração do distrito, que por sua vez teve de prestar contas a Brasília. No ministério, o diretor do Departamento de Gestão da Saúde Indígena, Marcelo Alves Miranda, era contra pagar. Botou isso em um ofício enviado a Silvia em 26 de abril.
Silvia reconheceu os problemas, como o valor da hora de vôo cobrada pela Voare, de 2 mil reais —na vigência do contrato, custava 1,8 mil. Em nota a CartaCapital, o ministério diz haver um parecer de 16 de abril da Advocacia Geral da União (AGU) que respaldou o pagamento autorizado por Silvia.
Uma esquadrilha de suspeitas
A Voare é citada em outra denúncia de irregularidades no distrito sanitário Yanomami, que possui administração local e reporta-se à Sesai em Brasília. Um dos citados é o ex-senador Romero Jucá, ex-chefe da Funai nos anos 80 que sabe muito dos intestinos federais na área indígena. Essa queixa, feita em 8 de outubro do ano passado ao Tribunal de Contas da União, levou o tribunal a ordenar, no mês seguinte, uma auditoria em contratos de transporte aéreo da Sesai. O material foi enviado à PF e ao Ministério Público.
Segundo o denunciante, cujo nome é mantido em segredo, o distrito contrata transporte aéreo sem licitação e aeronaves em mau estado. Põe os aviões a serviço de garimpos, para levar trabalhadores e mantimentos. E trata os garimpeiros nos locais de saúde indígenas, um risco à vida dos nativos, sem imunidade para enfrentar doenças trazida pelos “brancos”. Também pagou por um helicóptero sem necessidade (em áreas não isoladas, o avião resolve).
Tudo foi feito, diz a denúncia, com o conhecimento e a benção do diretor do distrito sanitário Yanomami, Rousicler Jesus de Oliveira, que tinha casa com poço de água cavado enquanto falta água para indígenas. Em Brasília, comenta-se que Rousicler é um apadrinhado de Jucá. Mas o ex-senador, via assessoria de imprensa, nega tê-lo indicado.
É a repetição, segundo o denunciante, de um velho esquema com transporte aéreo em saúde indígena descoberto em Roraima e que terminou a prisões durante a Operação Metástase, em 2007. Na época não havia Sesai: a saúde indígena era obrigação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). O chefe da Funasa em Roraima era um indicado de Jucá, Ramiro Teixeira e Silva. Foi um dos 32 presos.
Um exemplo de irregularidade mencionada na denúncia ao TCU é de 14 de agosto de 2018. Como publicado no Diário Oficial da União, Oliveira autorizou contratar sem licitação a Icarai Turismo Táxi Aéreo. Motivo: necessidade emergencial no distrito sanitário Yanomami. Valor a ser pago à empresa: 6,3 milhões de reais.
A Icaraí tem sede em Araucária, cidade do Paraná. Foi aberta em 1992. No papel, seus sócios e administradores são Rodrigo Martins Mello e Paulo Brittes Martins. Fora do papel, pertenceria aos empresários Hissam Hussein Dehaini e Rihad Hissam Dehaini, segundo a denúncia ao TCU. Hissam foi um dos presos na Operação Metástase, há 12 anos.
Uma das origens daquela operação foi uma investigação sobre o envolvimento de Hissam com tráfico de drogas. Em 2000, o empresário foi preso durante uma diligência em Araucária feita pela CPI do Narcotráfico que acontecia no Congresso. Será que o transporte aéreo que deveria ser usado para tratar indígenas doentes se presta a levar drogas?
A Icaraí, sediada no Paraná, tem algo em comum com aquela empresa que Silvia Nobre mandou pagar recentemente, a Voare, sediada em Boa Vista, a capital de Roraima. As duas empresas atualizaram pela última vez seus dados cadastrais perante a Receita Federal no mesmo dia: 3 de novembro de 2005.
É a mesma data da última atualização feita por outra empresa de táxi aéreo, a Seta Norte. Esta empresa é do Amazonas, onde há uma parte territorial do distrito sanitário Yanomami. Pertence a Milton Carlos Veloso, um piloto. Veloso foi funcionário de Jucá no Senado e no escritório político do emedebista em Roraima. Costumava pilotar aviões usados pelo ex-senador.
Segundo uma notícia de 2012, Veloso e Jucá aproximaram-se em 2006. Ano posterior aos últimos arranjos cadastrais de Icaraí, Voare e Seta Norte. E anterior ao estouro da Operação Metástase. Não surpreende que, em Roraima e em Brasília, muita gente diga que o verdadeiro dono dessas empresas seria Jucá, ocultado por laranjas. “O ex-senador não tem empresa. Somente agora tem uma consultoria, após o término do mandato”, diz a assessoria de imprensa do emedebista.
Em maio de 2016, Neudo Campos, ex-governador de Roraima, entregou-se à polícia, para cumprir pena por corrupção no escândalo conhecido como “gafanhotos”, e declarou que Jucá era dono de um jato de uma outra empresa de táxi aéreo, a Rico. “Ele é tão vaidoso que até o prefixo do avião é PRJ. Esse jatinho está alugado para a Rico Táxi Aéreo, que aluga eventualmente lá para o governo do estado do Amazonas. Tem jato, tá riquíssimo, Romero Jucá é a maior fortuna do estado de Roraima. E ganhou isso de onde? Do erário público. E nas vistas de todo mundo.”
No papel, a Rico tem como sócios administradores os irmãos Átila e Metin Yurtsever. A exemplo de Icaraí, Seta Norte e Voare, foi em 2005 que atualizou pela última vez seus dados informados à Receita Federal, em 7 de maio.
A Voare tinha outro nome até 2017: Paramazonia. Mudou após uma sequência de notícias ruins. Um avião seu caiu e causou quatro mortes (piloto e três fiscais do Ibama). Um outro caiu em terra Yanomami com o piloto e um técnico em enfermagem. Ambos sobreviveram, mas um helicóptero da empresa foi resgatá-los e deixou cair no rio um deles, que desapareceu. O piloto do helicóptero era diretor da empresa e foi condenado logo em seguida por fraudes em contratos públicos.
Saúde indígena em risco
A grana embolsada pelas empresas de táxi aéreo com serviços aos indígenas engordou desde a criação da Secretaria de Saúde Indígena, em 2010. A verba da Sesai saiu de 360 milhões em 2011 para 1,3 bilhão em 2019. Os dois maiores aumentos de um ano para o outro se deram justamente quando Jucá foi o relator do orçamento. Em 2013 (245 milhões a mais) e 2015 (300 milhões).
O ministro da Saúde acha que é dinheiro de mais e põe na mesa as suspeitas de corrupção como argumento. Para ele, os recursos deveriam ser dados às prefeituras, para elas tratarem dos indígenas. Mandetta propôs publicamente a municipalização em março, mas foi pressionado por movimentos indígenas e, por ora recuou.
“O governo fala que existe corrupção, mas nós também queremos saber se tem“
Movimentos e especialistas não querem ouvir falar em municipalização. E nem no fim de um sistema de de saúde próprio para os indígenas. “A cidade é o lugar onde a gente sofre mais discriminação. Nossos povos são sempre os últimos nas filas [do SUS], diz Valéria Paye Pereira, uma das coordenadoras das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
“O governo fala que existe corrupção, mas nós também queremos saber se tem. A gente não está contente com a saúde indígena, na minha região há mais de um ano não tem profissional de saúde”, completa. Kaxuyana, a região dela, fica entre Amazonas e Pará.
A população indígena tem hoje cerca de 770 mil indivíduos, distribuídos por 5,3 mil aldeias e que falam umas 270 línguas. Talvez fossem mais, não houvesse tido 8,3 mil mortes entre eles por perseguição na ditadura, segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV).
Há três razões básicas para manter um sistema específico para os indígenas, diz o médico Douglas Rodrigues, professor da Unifesp, pioneira em curso de especialização em saúde indígena. Uma é a territorialidade. Os povos tradicionais não se organizam com a mesma geografia das cidades. Há parte de uma aldeia ou reserva num município, parte em outro. O Parque do Xingu, por exemplo, espalha-se por nove cidades do Mato Grosso.
o médico Douglas Rodrigues, professor da Unifesp, em atendimento na aldeia Samaúma, na Terra Indígena do Xingu.
Outra razão é que os indígenas têm estruturas medicinais próprias, com raízes, plantas, pajelança. A medicina convencional, via SUS, não pode ser aplicada a eles como a pacientes “brancos”. “Tem de oferecer serviços que sejam complementares e adequados ao sistema deles”, afirma Rodrigues.
Por fim, é preciso levar em conta as diferenças entre indígenas e brancos. Entre os primeiros, a mortalidade infantil, por exemplo, é maior — morre-se muito por diarreia, em virtude de uma questão de hábitos tradicionais, por falta de saneamento.
No Xingu, área acompanhada mais de perto por Rodrigues, cresceu o número de casos de obesidade e de diabetes, graças a mudanças de hábitos alimentares trazidas pelo contato maior com os “brancos”. “Eles não têm a mesma informação, acham que ser gordo é bom.”
O ministro Mandetta acha que tirar dinheiro da saúde indígena também é bom.
fusão antiga de estrelas de nêutrons pode ter banhado nosso sistema solar com ouro.
Corrigindo hora e data a todo instante, vamos ajustando os fatos no fluxo de dados, esse universo que envolve a todos e constitui.
O computador antigo dos índios, nem tão velho assim, caça uma internet possível, como tucano astuto nos galhos. Não esperam mais o branco chegar para dizerem o que querem. Protestam.
Tucano, ave curiosa, tem sangue azul, fica preto quando cozido, saboroso caldo. É um admirável mundo, tudo invade e bica, comunica.
A mesma mão que rema, sacode ou fuma, entre reza e festa na aldeia, também filma. Coloca na rede a cara do índio e sua ideia do mundo. Prescinde homem que somos, livram-se de interesses alheios.
Ser índio com uma cara na tela, livro raro ou revista de banca, não é mais questão de paixão ou nosso interesse. Defende-se, reage, reivindica ele mesmo o mundo que quer, jovem de seu jeito.
Arma linda de índio é um celular na mão, contra a árvore que tomba e mato que queima.
Lembro-me daqueles dois irmãos Piripkura, últimos homens de um povo, atravessando a rua em São Paulo, com seus corpos frágeis, tão fortes diante dos carros que param, a irem para o hospital fazer uma ressonância magnética.
Cabeça de índio, tão vasta como tudo que move.
Ficamos nesse estica e puxa da FUNAI, entre ministério da Agricultura e Justiça, que nem Espanha e Holanda pelos direitos do mar, naquele poema de Leila Diniz:
O governo Bolsonaro, de forma absolutamente irresponsável, continua estimulando o armamento civil, inclusive de crianças e adolescentes. A medida, que pode transformar o Brasil em um país de chacinas em escolas, como os EUA que ele tanto ama, é ilegal, mas isso e o recente massacre na cidade de Suzano, São Paulo, parecem não fazer qualquer diferença. Afinal, continua EM VIGOR o Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8069, de 1990) que prevê no artigo 242 a proibição EXPRESSA de “vender, fornecer ainda que gratuitamente ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente arma, munição ou explosivo”, com pena de 3 a 6 anos de reclusão.
Vejam a seguir matéria a respeito produzida pelo site Brasil247:
DECRETO DE BOLSONARO PRATICAMENTE LIBERA USO DE ARMAS POR CRIANÇAS E ADOLESCENTES
8 de Maio de 2019 às 14:01
247 – Um dos aspectos mais dramáticos e de repercussão explosiva do decreto de liberação de porte de armas assinado por Jair Bolsonaro e publicado nesta quarta-feira (8) está escondido no parágrafo 6º do artigo 36 do texto: por ele, crianças e adolescentes, poderão, sem qualquer restrição de idade, ter acesso a armas. Basta para isso a autorização de um dos pais ou responsáveis legais; com ela, crianças e adolescentes poderão ingressar nos clubes e as escolas de tiro e fazer uso de armas. Até agora isso só seria possível mediante autorização judicial, raramente concedida.
Diz o parágrafo 6º do artigo 36 do decreto 9.785 assinado por Bolsonaro: “A prática de tiro desportivo por menores de dezoito anos de idade será previamente autorizada por um dos seus responsáveis legais, deverá se restringir tão somente aos locais autorizados pelo Comando do Exército e será utilizada arma de fogo da agremiação ou do responsável quando por este estiver acompanhado.”
Se o decreto não for derrubado, em alguns anos será possível sentir seus efeitos no cotidiano da sociedade -e eles podem ser devastadores, como os seguidos massacres cometidos por crianças e adolescentes nos EUA o demonstram. O Brasil ainda respira o trauma pelo massacre da Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP), em 13 de março de 2019, com 10 mortes.
Outros aspectos do decreto são de alta permissividade quanto ao porte de armas. Nem aqueles que eventualmente ferirem ou matarem outra pessoas perderão o direito à posse e porte de armas se alegarem “utilização da arma em estado de necessidade, legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito” (parágrado 3º do artigo 14).
O volume de munição que será colocado em circulação é incalculável. Diz o parágrafo 1º do artigo 19 do decreto que “o proprietário de arma de fogo poderá adquirir até mil munições anuais para cada arma de fogo de uso restrito e cinco mil munições para as de uso permitido registradas em seu nome”.