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  • Vale S.A. nada fez após cinco anos do crime em Mariana

    Vale S.A. nada fez após cinco anos do crime em Mariana

    Há exatamente cinco anos acontecia o rompimento da barragem do Fundão em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, MG, levando 20 vidas, destruindo a vila e jogando toneladas de lama de minério no oceano ao acabar com a vida ao longo do Rio Doce em Minas e no Espírito Santo. A barragem da Vale S.A. e BHP Billiton, mas operada pela mineradora Samarco, rompeu-se na tarde do dia 5 de novembro de 2015.

    Durante todo esse período, mais de 1.800 dias, os responsáveis pelo crime não foram julgados. Em 2019, o crime de homicídio foi retirado do processo. As mortes provocadas pelo rompimento da barragem foram consideradas pela Justiça como simples consequência da inundação causada pelo rompimento, prevalecendo a impunidade. De lá para cá, as comunidades destruídas não foram reconstruídas e não há respostas para a recuperação do meio ambiente e para moradores, que passaram a sofrer de depressão e outras doenças.

    Foto de Aloísio Morais

    “Tudo está por fazer”. Esta é a conclusão da chefe da Força-Tarefa Rio Doce, Silmara Goulart, procuradora do Ministério Público Federal (MPF), sobre o crime cometido pelas empresas Vale S.A., BHP Billiton e Samarco. “A sensação, olhando cinco anos de desastre, é de consternação e profunda tristeza com a desolação, tudo ainda está por fazer”, conclui Silmara. “Nenhum grupo de atingidos foi integralmente indenizado, o meio ambiente também não foi integralmente recuperado e sequer o distrito de Bento Rodrigues foi reconstruído”, afirmou.

    Além disso, um outro bom exemplo que ela aponta é o auxílio emergencial pago aos atingidos, que foi suspenso em plena pandemia. A procuradora ressalta também o fato do caso envolver duas empresas que estão entre as mais ricas do mundo, a Vale e a BHP Billiton, controladoras da Samarco, que atua em Mariana. “Antes do desastre, elas preferiram economizar para não reparar a barragem que estava em risco. Agora, os mesmos responsáveis preferem brigar para economizar centavos às custas da dignidade humana. Nós, do MPF e instituições parceiras, tentamos todas as estratégias possíveis, pedimos recomendações, recorremos de decisões, mas os resultados são frustrantes”, disse Silmara durante entrevista coletiva.

    Na zona rural de Barra Longa as casas e imóveis das comunidades foram parcialmente encobertas pela lama que chegou pelo rio Gualaxo do Norte. Foto de Tânia Rego/ABR

    Na ocasião, MPF, Ministério Público de Minas Gerais e Defensoria Pública de Minas Gerais e do Espírito Santo criticaram a  Fundação Renova, criada pelas mineradoras para reparar os danos ambientais e sociais, pelo descumprimento de acordos feitos ainda em 2016, como a criação das câmaras técnicas para assessorar os atingidos. Apenas cinco das 23 câmaras foram contratadas até agora. “Brumadinho (na Grande Belo Horizonte, onde outra barragem se rompeu há quase dois anos) tem assessoria técnica, embora a Vale lute contra. Lá temos avanços incríveis que, infelizmente, não temos em Mariana, onde o desastre é mais antigo”, apontou o promotor André Sperling.

    As instituições criticam também a atuação da 12ª Vara da Justiça Federal por decisões recentes envolvendo a tragédia de Mariana. “A diferença principal (entre a reparação em Brumadinho e Mariana), além da experiência acumulada de um caso para o outro, é a atuação do Judiciário Estadual, que foi bem superior em comparação com o Judiciário Federal”, completou Sperling.

    Ilustração de Vilé

    O procurador Edilson Vitorelli, do MPF, lembrou que, no meio deste ano, o órgão ficou sabendo pela imprensa que corria na Justiça um processo de reparação de dano que não constava no processo coletivo. “Começamos a fazer pesquisa e descobrimos que a Justiça Federal de Belo Horizonte admitiu a instauração de 13 processos desmembrados do nosso processo federal, os quais não eram conhecidos de nenhumas das instituições da força-tarefa. Desses 13 processos, além do MPF não ter sido intimado, nove foram mantidos em segredo de Justiça. Nem que se tentasse pesquisar não seria viável localizá-los. Quem faz coisa certa não faz escondido. Se fosse coisa boa para os atingidos não seria feito de forma oculta”, afirmou Vitorelli.

    A Fundação Renova, administrada por Samarco, Vale e BHP Billiton, informou que os novos processos indenizatórios, de adesão facultativa, foram implementados a partir de decisão da 12ª Vara Federal, após petições apresentadas pelas Comissões de Atingidos de Baixo Guandu (ES) e Naque, no Vale do Aço. “O papel da Fundação Renova é executar o que está definido pela sentença judicial”, justificou.

    Até setembro, segundo a Renova, foram destinados R$ 10,1 bilhões para as ações de recuperação e compensação. Até 31 de agosto, cerca de R$ 2,6 bilhões foram pagos em indenizações e auxílios para cerca de 321 mil pessoas.

    Ilustração de Janete

    Nota do MAB

    A propósito dos cinco anos do crime da Vale S.A. em Mariana, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) divulgou a seguinte nota:

    Nós, atingidos e atingidas de toda a bacia do Rio Doce e litoral capixaba, somos pescadores e pescadoras tradicionais do rio, do mar e do mangue, marisqueiras. Somos trabalhadores da cadeia de apoio da pesca, comerciantes, pousadeiros e surfistas. Somos ribeirinhos e agricultores familiares e artesãs. Somos povos tradicionais, indígenas e quilombolas, assentados da reforma agrária, moradores das comunidades atingidas. Nós somos homens e mulheres, idosos e crianças que tivemos nossos sonhos e projetos de vida interrompidos há cinco anos, pelo crime das mineradoras Vale, Samarco e BHP.

    Estamos hoje, dia 5 de novembro de 2020, em Regência (ES), reunidos na foz do rio Doce, para dizer às empresas criminosas: Nossas vidas não têm preço! Não daremos quitação geral as empresas! Não estamos quites deste crime!

    Não tivemos de volta nossas vidas, nosso rio, nosso trabalho, nossa renda, nosso lazer, nossa autonomia, nossos sonhos, nem sequer as nossas casas foram concluídas em Mariana e Barra longa, nos três reassentamentos propostos. Somos seres humanos e não mercadoria, não estamos a venda, sem reparação não haverá quitação.

    Temos direito a ter voz e vez nas decisões. Estamos cansados de ter nossos destinos colocados à mercê de empresas, políticos e juízes, poderosos e donos desse sistema, que rouba nossos direitos à luz do dia sem nenhum pudor, e nos afundam cada vez mais nessa lama tóxica de interesses privados.

    Nossos saberes tradicionais e populares, o nosso conhecimento acumulado por meio de gerações sobre nossos territórios e nossos modos de vida deve ser levado em conta. Já estávamos nos territórios antes da lama chegar. Estaremos aqui, e a nossa descendência estará por gerações nos mesmos territórios, mesmo após a Fundação Renova e os governantes que hoje estão à frente da reparação.

    Não permitiremos mais que as nossas vidas sejam resolvidas entre quatro paredes pelas criminosas e seus cúmplices. A solução do problema vira de nós, atingidos e atingidas, povo unido e organizado.

    A verdadeira participação popular virá das ruas, das praias, das escolas, das beiradas de rios e mangues, das vilas e das comunidades atingidas. Virá do povo atingido, em seu espaço de vivência, de afeto e de luta.

    E, por fim, não abriremos mão de nossa saúde e bem-estar. Além das 19 vidas e do aborto em Bento Rodrigues, muitas outras vidas foram perdidas nesses cinco anos. Vidas que se foram, e vidas que nunca mais serão as mesmas.

    Queremos de volta nossa água, nosso rio, nossas praias, nosso lazer e nosso alimento. Aqui está o povo que sempre trabalhou duro para ter o que comer, e sempre produziu alimento saudável para as nossas famílias e comunidades.

    Não pedimos para ser atingidos por esse crime, mas agora que fomos, seremos de cabeça erguida e com a certeza de que estamos do lado certo da história. É hora de o Brasil dar um basta a essas empresas que se orgulham de recordes seguidos de lucro – enquanto negam ao povo humilde a justa reparação aos danos causados aos nossos territórios, aos nossos corpos e as nossas vidas.

    Vale, Samarco e BHP, se preparem, pois estamos aqui para dizer em alto e bom som: saímos do luto, e os próximos cinco anos serão de muita luta!

    Do Rio ao Mar, não irão nos calar! Águas para Vida, Não para Morte!

    Ruínas deixadas pela lama em Bento Rodrigues – José Cruz/Agência Brasil
    Barra Longa (MG) – Rio Gualaxo do Norte poluído pela lama levada pelo rompimento da Barragem de Fundão – José Cruz/Agência Brasil

    Obs. A foto de abertura deste texto é de Antônio Cruz/ABR

  • Jornada Rio Doce – A busca pelos atingidos de Mariana

    Por Carolina Rubinato

    Vigésimo quinto dia de Jornada pelo Rio Doce e sigo em busca dos atingidos de Mariana, as vítimas do crime cometido pela Samarco.Elas estão espalhadas pela cidade, difícil encontrá-las. Uma estratégia planejada pela empresa: separar os atingidos como uma forma de cortar laços e dificultar a comunicação entre eles.

    Recebo uma mensagem com um possível endereço, me dirijo para lá, é um prédio e pela informação recebida seis famílias moram ali. Decido esperar sentada na calçada, alguém chegar ou sair do prédio, quarenta minutos depois e nada. Inicio minha abordagem. Toco nos apartamentos e segue o diálogo.
    – Olá, tudo bem?
    – Quem fala?
    – Meu nome é Carolina Rubinato, sou jornalista de São Paulo, estou em uma jornada pelo Rio Doce, procurando as famílias de Bento que foram atingidas e tive a informação que estão morando neste prédio. Gostaria de conversar um pouquinho, saber como estão as dores e alegrias, você pode me ajudar?
    – Não conheço ninguém, faz um mês que estou morando aqui. Tu tu tu tu, desliga.

    Tento de novo em outro apartamento.
    – Olá, tudo bem?
    – Quem fala?
    – Meu nome é Carolina Rubinato, sou jornalista de São Paulo, estou em uma jornada pelo Rio Doce, começamos em Mariana e vamos até Regência, no Espírito Santo. Estou procurando as famílias de Bento que foram atingidas e tive a informação que estão morando neste prédio. Gostaria de conversar um pouquinho, saber como estão, as dores e alegrias, você pode me ajudar?
    – Tu, tu, tu, tu, desliga.

    Faço isso com os próximos oito apartamentos.

    “Gritei para todo mundo sair da casa e correr, não deu tempo de pegar nada,

    saímos correndo só com a roupa do corpo.

    Minha mãe não quis correr, ficou.”

    Todos que me atendem desconversam. Sinto que não conseguirei nada por ali. Há muito medo. Encaminho-me para uma casa parecida com um centro comunitário, chamada Comunidade da Figueira, resolvo entrar para ver se podem me ajudar.

    Ao entrar entendo onde estou, é uma escola para adultos com necessidades especiais. Converso com a coordenadora Solange Ribeiro dos Santos, que me autoriza a falar com dois alunos que moravam em Bento na época do crime, Sônia da Conceição Felipe, 39 anos e Elias Rocha da Conceição, 62 anos.

    A primeira pergunta que faço qual o sonho de vocês, a resposta da dupla vem de forma direta. “Voltar para Bento e ter qualidade de vida”. Para os atingidos há esperança de reconstrução do Distrito. Observo, escuto e absorvo as histórias, sinto dentro de mim o desespero de fugir da lama. Sônia morou desde pequena em Bento, como tem necessidades especiais frequentava a escola da Figueira em Mariana. No dia do acidente ela não tinha ido para a escola, estava em Bento com a mãe. Conta orgulhosa que ajudou a salvar a vida de três pessoas.

    Ouvimos um barulho muito forte e alto, parecia que o mundo ia acabar. Nesse momento fui até a janela ver o que estava acontecendo, olhei e fiquei chocada com o que estava vindo em nossa direção. Gritei para todo mundo sair da casa e correr, não deu tempo de pegar nada, saímos correndo só com a roupa do corpo. Minha mãe não quis correr, ficou. A mulher do Jaime, a Carminha, machucou o pé. Corremos o mais rápido que podíamos para o mato, ficamos na floresta em um ponto bem alto, olhando lá de cima a lama levar tudo, foram apenas cinco minutos para nos salvar”, relembra Sônia.

     

    Sônia da Conceição Felipe e Elias Rocha da Conceição, ambos moradores de Bento Rodrigues. Foto por Carolina Rubinato

     

    Na manhã seguinte um ônibus conseguiu entrar na comunidade e resgatá-los. A mãe de Sônia, Marcelina Xavier Felipe, 75 anos, não correu. Arrastada pela lama quebrou a bacia, mas conseguiu segurar em um abacateiro, foi resgatada por moradores e sobreviveu.

    Elias também conta sua história. No dia do crime ele estava na escola em Mariana. Nesse momento a Solange, coordenadora da escola se junta a nós, tem participação na história do Elias. “Elias e o irmão Raimundo estavam na escola. Acabou o dia e como é de rotina, coloquei os dois dentro do ônibus para Bento e retornei, foi quando recebi a notícia do rompimento da barragem de Fundão. Naquele instante meu coração bateu muito mais rápido, tentei falar com o motorista do ônibus, localizá-los de todas as maneiras possíveis. O Elias não tem uma necessidade acentuada, mas o irmão dele, o Raimundo precisa de ajuda, fiquei em desespero. Passei a noite em claro procurando pelos meninos em hospitais e na arena”.

    Nesse momento Elias entra na história com a sua parte.

    “Estávamos indo para casa quando o ônibus parou e mandaram a gente descer e correr.

    Corremos junto com um monte de gente sem saber o que estava acontecendo, a gente só corria.

    Dormimos no mato, tinha um monte de gente chorando, triste, procurando parentes.

    Foi uma noite de pesadelos”.

    Solange conta que no dia seguinte uma assistente social ligou, estava com dois homens com o uniforme da Figueira. Os meninos, como ela carinhosamente chama os irmãos, estavam vivos.

    Solange me dá o telefone de outra pessoa atingida. Ligo para a Mônica e marco de encontrá-la às 20h30, no intervalo da faculdade onde estuda Direito. Chego ao local combinado às 20h00, envio uma mensagem avisando que já estou lá. Mônica aparece e nos dirigimos à biblioteca. Simone fala baixo, com receio de ser ouvida, diz que estão sofrendo retaliações e preconceitos por uma parte da população de Mariana.

    Mônica dos Santos, moradora de Bento Rodrigues conta que às 16h00 recebeu uma ligação avisando sobre o rompimento da barragem. Pegou o carro e foi para Bento sem saber muito bem o que tinha acontecido. Mas não conseguiu passar, a estrada estava interditada. “Encontrei algumas pessoas na estrada que me disseram pra voltar que a lama tinha matado todo mundo. Entrei em pânico e comecei a chorar, não estava compreendendo nada direito. Foram 24 horas de terror. Passei a noite na estrada e só fiquei sabendo o que aconteceu quando clareou o dia e vi que não tinha mais nada em Bento, minha casa despareceu”.

    “Eu estava sem roupa, sem nada do que era meu, sem casa, sem chão.

    Ao anoitecer do dia seguinte ao crime, o Dr. Guilherme de Sá Meneghin, promotor público, conseguiu uma liminar

    que obrigava a Samarco a nos transferir para um hotel e

    depois de alguns meses conseguimos outra liminar que obrigava a empresa a pagar aluguel para todos,

    mas tudo isso só conquistamos por ações do ministério público.

    A Samarco só responde com pressão judicial”.

    Mônica também fala do preconceito e agressões que estão expostos em Mariana. Uma parte da população culpa os atingidos pelo fechamento da Samarco que domina financeiramente o poder público local e gere a massa de empregos na região. O algoz passa a ser aclamado pela população que se vê mergulhada no caos econômico. Mais um crime social cometido pela mineradora.

    “Todos os dias nós temos nossos direitos violados. As crianças de Bento são chamadas de pé de lama nas escolas e essa é só uma parte da hostilização a qual estamos expostos. Temos um cartão alimentação que recebemos como uma pequena parte da nossa indenização. Hoje temos receio de utilizá-los no comércio, pois muitas vezes nos tratam de forma agressiva. O nome do cartão é benefício, mas deveria ser chamado de cartão obrigação. Foi a Samarco que passou por cima de seres humanos para explorar cada vez mais. A Samarco construiu o risco em cima da gente, estávamos lá, já morávamos em Bento quando a empresa chegou”, completa Mônica.

    “Meu pai faleceu há muitos anos e as fotos que eu tinha dele a lama levou, nenhum dinheiro do mundo vai me dar isso de volta. A gente continua vivendo, mas o sentimento é o mesmo do dia 5 de novembro de 2015. Eu ainda sinto raiva, angústia, desespero, incerteza, ódio e muita raiva, infelizmente”.

    Mônica me fornece mais dois telefones de moradores de Barra Longa, cidade próxima a Bento Rodrigues que também sofreu grande impacto da lama química e me conta que 11 pessoas em Barra Longa estão contaminadas por metais. “Foi gente colher exame deles, sangue e fio de cabelo, o laudo ficou pronto já”. Escuto com atenção, anoto tudo.

    Faço uma última pergunta para a Mônica. O que ela acha sobre a Fundação Renova, uma instituição criada pela Samarco Mineração, com o apoio de suas acionistas Vale e BHP Billiton, após a assinatura do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta proposto pelo Ministério Público, para criar, gerir e executar as ações de reparação e compensação das áreas e comunidades atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão.

    Mônica responde:

    “Ela simplesmente existe para renovar o crime da Samarco”.