Jornalistas Livres

Tag: beto richa

  • Escola sem pensamento

    Escola sem pensamento

    por Caio Chagas

    Quando o tambor dos estudantes secundaristas bateu na orelha de Geraldo Alckmin (Governador de São Paulo) e de Beto Richa (Governador do Paraná) durante as ocupações de escolas em resistência à PEC 241 no ano passado, aguçou-se o ovo da censura.

    O governo federal viu que não seria tão fácil entregar o que planejou no pós-golpe sem ter uma grande retaliação. No grande lobby feito na transição de Dilma Rousseff para Michel Temer ficou provado o projeto do empresariado de privatização e retirada de direitos dos trabalhadores, visando se aproximar de um modelo das ideias de Milton Friedman.

    A censura do pensamento, que o atual Ministro da Educação Mendonça Filho e os grupelhos como o MBL propõem com o “Escola sem partido” e com a medida provisória da reforma do ensino médio, coloca as próximas gerações com as cabeças voltadas para a idade média e para um controle de pensamento à la 1984, de George Orwell.

    Fortes pressões retiraram da Base Nacional Curricular termos como “identidade de gênero” e “orientação sexual”, tirando a obrigatoriedade de se discutir esses temas em sala de aula. O Supremo Tribunal Federal aprovou o ensino religioso com uma única religião e projetos como o Escola Sem Partido vem brotando em casas legislativas de diversos municípios.

    O movimento Escola Sem Partido foi criado ano de 2004 e é inspirado em uma ONG dos Estados Unidos chamada “No Indoctrination”. Seu criador, o advogado Miguel Nagib, alega que um professor de história havia comparado Che Guevara a São Francisco de Assis. Fez um relatório e passou a distribuir cópias no estacionamento da escola. Gerou muita confusão, mas nada de concreto. Hoje sua pauta acaba por engolir a maioria das discussões em redes sociais.

    O projeto ainda tem em seu decorrer trechos que separam a escolarização, que seria a formação técnica fornecida pela escola e voltada para o trabalho apenas, e a educação que são, segundo eles, os valores morais que devem ser apenas passados pelos pais. O projeto viola o Artigo 216 da Constituição Federal, onde está escrito que é papel da escola a formação cidadã e profissional para cada aluno ou aluna.

    O ideal conservador hegemônico do parlamento brasileiro criou uma caça às bruxas contra quaisquer discussões de âmbito progressista em espaços de aprendizagem como escolas, universidades e até mesmo museus.

    Exposições de arte vêm sendo boicotadas com o argumento de que estão promovendo a pedofilia e a zoofilia, professores vêm sendo fiscalizados por uma suposta doutrinação ideológica ou de gênero. Cada vez mais são impedidas discussões que questionem o moralismo cego da elite e os valores fundamentalistas da bancada da bíblia, do agronegócio e da bala.

    A escola não é um local apenas de formação técnica, ela é acima de tudo um local de construção de conhecimento, que parte de uma relação não hierarquizada entre alunos, professores e a comunidade escolar. Por que tanto ódio pelo diferente, pela diferença? Por que manter esse modelo patriarcal, de homens brancos, ricos, héteros com uma cadeia de relações hierárquicas que põe o adverso como menor, como submisso e subversivo?

    por Caio Chagas

    Paulo Freire, sociólogo e grande estudioso da área da educação, explica, em seu livro Pedagogia do Oprimido, que um modelo de educação no qual os alunos, ao terem um verdadeiro local plural de formação, deixam de ser agentes passivos de recepção de informação e se tornam agentes protagonistas de suas vidas, de seu pensamento e de sua sociedade. Paulo Freire é odiado por diversos setores da elite do país, que não aceitam um modelo inclusivo, construtivista e humanista de aprendizado. Essa mesma elite prefere, claro, um amiguinho chamado Alexandre Frota.

    O pensamento unitário sempre se mostrou perigoso e experiências totalitárias como o nazismo e o stalinismo, perseguiram e mataram milhões em busca de um modelo padronizado de pensamento. Uma sociedade sem debate, sem o conhecimento do oposto, empobrece, inviabiliza cada vez mais seu progresso.

    A destruição da humanidade do outro, do comunista, da feminista, de transexuais, de jovens negros da periferia impede cada vez mais novos pensamentos, novas formas de se viver no mundo. Excluir essas pessoas da sala de aula é matar toda a sua trajetória de luta por igualdade de direitos e pela própria vida.

    Já se percebeu que o conhecimento é a maior arma contra todo esse show de horrores do Congresso que é praticamente o mesmo, ano após ano. Para uma verdadeira transformação política, são necessárias a consciência e a participação das pessoas.

    O Brasil sendo o 5º país no ranking de feminicídio no mundo, pode se dar o luxo de não debater as questões de gênero na escola? O país onde um jovem negro morre a cada 23 minutos não pode debater questões como o racismo ou desigualdade social? O país que mais mata LGBTQIA no mundo deve simplesmente esconder de seus filhos pessoas que têm uma orientação diferente da sua?

    Nunca antes desde a redemocratização tivemos um parlamento tão retrógrado, apoiado num falso moralismo da moral e dos bons costumes, misturado com um ódio a qualquer coisa vermelha. Estamos à beira da ascensão de um modelo fascista e sem participação popular. A elite atrasada de nosso país clama por educação moral e cívica, enquanto professores se encontram na miséria lutando para sobreviver.

    A escola é o primeiro local de convivência com o diferente que muitas crianças tem. A desconstrução faz parte do processo de vivência em sociedade, é extremamente saudável que haja discussões e pontos de vista diferentes, afinal cada um de nós tem uma condição social distinta. O educador transpira os valores que o cercaram em sua vida como qualquer outro ser humano, se ele for calado, toda a sociedade se calara com ele.

  • “Podem arrancar uma rosa, mas jamais acabar com a primavera”

    “Podem arrancar uma rosa, mas jamais acabar com a primavera”

    Lucas era um adolescente de 16 anos como tantos outros —um “piá”, como se diz no sul. Gostava de jogar videogame, ficar em casa, sair às vezes com os amigos e muito, muito mesmo, de sua escola.

    Pois foi lá, na Escola Estadual Santa Felicidade (que nome lindo!) de que ele tanto gostava, que a vida do menino Lucas teve um ponto final, em plena segunda-feira (24).

    Escola ocupada, escola de luta, e Lucas morreu pelas mãos de um colega adolescente como ele, em um desentendimento até agora não explicado. Para seus amigos e familiares, restaram a dor funda e a lembrança afiada. As lágrimas e o silêncio.

    Mas, como o jogo político não poupa ninguém — nem os mortos—, logo o nome de Lucas, que não pode mais defender-se, tornou-se arma para os adversários das ocupações das escolas.

    Era preciso faturar rápido a morte, antes mesmo que o corpo esfriasse. O blogueiro da revista “Veja”, Reinaldo Azevedo, reconhecidamente de direita, soltou às 15h36, minutos após a divulgação do crime, uma matéria infame, já com uma foto interna da escola, acusando os “comunistas” de serem moralmente responsáveis pela morte e pelo sangue no chão.

    lucas1Lucas era mais um dos milhares de estudantes que estão agora ocupando suas escolas em defesa do ensino público e gratuito de qualidade. Comprometido com a luta, ele ia durante os dias para a Santa Felicidade, como se estivesse em rotina de aula, e voltava para casa para dormir. A mãe preferia que passasse a noite em casa.

    Pode-se insinuar que, se a escola não estivesse ocupada, a tragédia não teria ocorrido. Será mesmo?

    Os estudantes de escolas públicas convivem em escolas sucateadas, em que cenas de violência não são coisa incomum. Lucas estava em sua escola, lutando para mudá-la. Estudava lá desde pequenininho e mesmo se mudando para longe, a quase 20 km de distância, quando foi morar em Almirante Tamandaré, na região metropolitana da cidade, resolveu continuar nela.

    Assim que sua morte foi anunciada nas redes sociais, por volta das 15h, uma pequena multidão se formou na entrada do colégio. A polícia já estava lá dentro quando a reportagem chegou, às 17h. A entrada de pais ou advogados não tinha sido liberada. Ou seja, durante pelo menos duas horas, os adolescentes que encontraram o corpo não tiveram contato com mais ninguém a não ser a polícia.

    A entrada da mãe de Lucas, uma mulher em desespero pela notícia trágica envolvendo seu filho foi liberada apenas às 17h19. Crueldade infinita e inimaginável, a polícia deixou-a afogar-se na angústia –fora da escola.

    Mas as redes já ferviam e por todo o país boatos sobre a morte de Lucas circulavam. O primeiro era de que teria se suicidado. Outro forte concorrente era de que teria sido morto por um estudante convocado por forças contrárias às ocupações.

    A guerra de narrativas explodia em ofensas e ódio, enquanto à mãe de Lucas negava-se o elementar direito de embalar o corpo do filho morto. Piedade!

    Ainda esperávamos do lado de fora do colégio, quando o governador Beto Richa (PSDB) soltou uma nota de pesar. Desleixo extremo, atribuiu a Lucas um sobrenome errado. Era Lucas Eduardo Araújo Mota e não Lucas Eduardo Araújo Lopes. Das 168 palavras e 1.043 caracteres que compunham o texto, apenas 12 palavras e 84 caracteres foram orientados à solidariedade com os familiares. O restante, de forma oportunista e imperdoável, visava a usar a morte de Lucas para pressionar os estudantes a desocupar as escolas.

    O pior ataque à figura de Lucas, entretanto, ainda estava por vir. Não demorou muito para que os novos relações públicas dos governos de direita no país, convidados para defender a PEC 241 e as desocupações (até com ações diretas), os garotos do MBL, entrassem em ação. Vídeos divulgados na página do movimento jogavam sobre as costas de todos os ocupantes a responsabilidade do ocorrido.

    Diziam que as escolas ocupadas prestavam-se apenas ao uso de drogas e a cenário de sexo entre os estudantes. Os autores desses vídeos, diga-se, foram os mesmo que, dias antes da morte de Lucas, foram provocar estudantes que ocupam o CEP (Colégio Estadual do Paraná, o maior do Estado) e saíram de lá tendo que responder por assédio sexual contra adolescentes.

    Pouco importava para eles a apuração sobre a tragédia, suas circunstâncias ou o cuidado com o nome da família ou do próprio Lucas. O mais importante era a criminalização do movimento.

    Entrevista exclusiva com a mãe de Lucas.

     

    Durante o velório, realizado um dia após a morte, todos estavam preocupados com a cobertura que havia sido feita pela imprensa. Os parentes lembravam-se de Lucas como um garoto calmo, tranquilo, que nem mesmo respondia à mãe durante discussões. No mundo virtual, contudo, o menino querido tinha se transformado em um “zé droguinha” baderneiro.

    Para entender melhor quem era Lucas, que já não pode mais responder aos ataques à sua honra ou se defender, basta dizer que ele está em muitos lugares. Hoje ele se encontra em 1.117 escolas ou universidades ocupadas. Dentro de cada uma dessas escolas ou universidades há milhares de garotos como Lucas, que gostam de suas escolas, gostam de aprender, passam horas enfrentando um transporte público cruel para ir até elas. Se não queremos que tragédias como essa aconteçam mais, seria útil e sábio que escutássemos com atenção todos esses “Lucas”.

    Lucas vive!

  • O desespero de um governador nas cordas!

    O desespero de um governador nas cordas!

    O massacre de servidores públicos do Paraná, nesta quarta-feira no Centro Cívico de Curitiba, em uma tentativa desesperada de o governador Beto Richa (PSDB) aprovar mudanças nos fundo de previdência do funcionalismo estadual, mostra muito mais que as cenas de barbárie.

    Depois de um primeiro governo sem oposição e com a mídia estadual “adestrada” com grandes verbas publicitárias, Richa não teve dificuldades em se reeleger, em primeiro turno, para um segundo mandato. Mas, mesmo antes de ser empossado em sua segunda gestão, as contas públicas vazaram e o governo iniciou 2015 sem caixa. Nem mesmo aquela para manter a mídia como sua aliada.

    E, na falta de oposição, foram homens de seu próprio staff que colocaram Richa nas cordas, qual um pugilista à beira do nocaute. Uma sucessão de escândalos, desde abuso sexual de meninas e adolescentes a corrupção na Receita Estadual, que balançaram as estruturas do palácio Iguaçu. E todos os escândalos levam a Richa.

    Vale recordar esses escândalos: o assessor direto de Beto Richa, Marcelo Caramori, é preso em flagrante por abuso sexual de meninas em Londrina. Chello Caramori, que se intitulava fotógrafo oficial e amigo pessoal de Beto é exonerado. E isso só agrava o problema, pois Caramori vira “delator premiado”.

    Logo caem novos envolvidos no esquema de prostituição de meninas e adolescentes. Entre eles, auditores da Receita Estadual. O esquema, investigado pelo Gaeco, é gigantesco e tem como líder Márcio Albuquerque de Lima e sua mulher. Ele, além de chefe geral de fiscalização da Receita Estadual tem um laço esportivo com Richa: são colegas de equipe em corridas de automobilismo.

    As investigações do Gaeco de Londrina chegam ao primo de Richa, Luiz Abe Antoun, compadre e “mentor político” do governador. Para se ter uma ideia da importância de Luiz Abe, Avelino Vieira Neto, cunhado de Richa _é irmão de Fernanda Richa_ postou, nas redes sociais, em dezembro passado, que quem mandava “mesmo” no governo era o primo, não Richa.

    As investigações do Gaeco mostram mais. Luiz Abe, o primo-forte como é conhecido no Paraná, comandaria um esquema maior de corrupção, em vários órgãos do governo, além da Receita Estadual.

    Com as investigações a chegar perigosamente perto do Palácio Iguaçu, até mesmo a morte do repórter James Alberti, produtor da RPC (afiliada da Globo no PR) é tramada. Alberti está hoje fora do Estado. De novo, investigações mostram que a tentativa de atentado foi planejada dentro do governo.


    Com um rombo nas contas públicas, obras paradas e a começar a sofrer críticas da mídia paranaense, antes tão cordial a ele, Richa só tem um caminho. Mandar uma pacotaço à Assembléia Legislativa para retirar R$ 8 bilhões do Paraná Previdência, dinheiro do fundo de previdência do funcionalismo estadual.

     


    Contava o governador, para isso, com a base aliada sempre fiel ao seu governo. Só não esperava a reação do funcionalismo, especialmente professores da Rede Estadual de Ensino e professores das universidades estaduais.

    Soma-se a esse quadro de desespero de Richa, a presença do delegado Fernando Francischini (PSDB) na Secretaria de Segurança Pública. Francischini, um aprendiz de Mussolini, conhecido por suas bravatas e destemperos, convocou PMs de todo o Estado, em um aparato repressivo-militar só visto na Ditadura Militar, para confrontar os manifestantes.

    O resultado está aí. Um massacre do governo tucano-paranaense contra os servidores públicos. Ato semelhante só ocorrera no Paraná, em 1988, quando o então governador Álvaro Dias, também tucano, colocou a cavalaria contra professores em greve. A diferença é que hoje, Richa se esmerou em suplantar seu colega de partido e optou pelo massacre puro e simples dos seus oponentes, diga-se, desarmados.


    #JornalistasLivres em defesa da democracia. Mais textos e fotos em facebook.com/jornalistaslivres