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  • O show de Trump: renovação ou cancelamento?

    O show de Trump: renovação ou cancelamento?

    Nos EUA voto popular não significa vitória. Biden terá mais votos do que Trump e ainda assim o resultado da eleição continuará indefinido por algum tempo. Apesar dos descalabros que marcaram a gestão Trump antes e durante a pandemia, o seu desempenho na atual corrida eleitoral será muito forte.

    Mateus Pereira, Valdei Araujo e Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana, MG

    A disputa está sendo muito mais acirrada do que era inicialmente previsto pela maior parte dos institutos de pesquisa e da mídia americana, embora a cautela e o medo nunca deixaram de estar presentes. Sob esse ponto de vista, as eleições deste ano são como uma repetição do que vimos em 2016, ainda que o resultado possa ser a derrota eleitoral para Trump. Em 2016 foram os democratas que denunciaram a interferência russa, agora é o presidente-agitador que se apressa em questionar a legitimidade do pleito, sem mostrar nenhuma prova. Sabemos que no ambiente do atualismo provas têm como base apenas convicções.

    Um sistema eleitoral que sobreviveu por séculos, sem grandes mudanças, pode ter se tornado obsoleto desde a eleição de Bush, em 2000. Um lembrete do possível declínio da democracia americana: das últimas oito eleições presidenciais desde 1992, os democratas venceram no voto popular as últimas sete, mas em apenas quatro ocasiões ganharam o colégio eleitoral e fizeram o presidente.

    Acreditamos que as eleições nos EUA são um exemplo do confronto entre duas estratégias e duas concepções sobre fazer política: de um lado, Trump e sua promessa de eterna atualização da atualidade em modo nostálgico; e Biden, com sua aposta moderada no cansaço na agitação atualista que seu adversário republicano encarna e radicaliza, e a retomada da política em moldes liberais. Essa retomada é feita sem uma crítica efetiva ao modelo neoliberal abraçado pela cúpula do partido democrata. Uma aposta radical, como Sanders, teria se saído melhor? É difícil dizer, mas tudo leva a crer que não, tendo em vista o complicado xadrez do voto estado a estado.

    A escolha entre as duas estratégias/concepções se mostrou muito mais difícil e apertada do que se imaginava. A tal “onda azul” anunciada por parte da imprensa estadunidense esteve longe de acontecer. De fato, Trump se mostrou eleitoralmente muito mais forte do que os analistas supunham. Considerando que esta não é a primeira vez que os institutos de pesquisa falharam em captar esse movimento no eleitorado americano, e considerando também que fenômeno semelhante ocorreu no Brasil em 2018, coloca-se a questão de saber se as tradicionais pesquisas de opinião tornaram-se de alguma forma obsoletas em um mundo atualista. Esse quadro muda pouco, mesmo com uma  eventual vitória de Biden ou pior, com uma inconveniente reeleição de Trump.

    São vários fatores que devem ser considerados para avaliar essa questão. Os próprios institutos se apressaram a ensaiar algumas explicações ao público. O diretor da Trafalgar Group, Robert Cahaly, afirmou que muitos eleitores “esconderam”, como já havia acontecido, sua preferência por Trump por algum receio ou constrangimento social.[1] Não podemos desconsiderar algum tipo de boicote/sabotagem dos eleitores republicanos, já que na retórica do trumpismo as pesquisas de opinião fazem parte da mídia vendida. Outros recorreram à justificativa de que as pesquisas anteriores representavam apenas fotografias do momento específico em que as entrevistas foram feitas, e não o que se poderia esperar na eleição propriamente dita. Isso poderia ter sido de fato observado pela tendência de redução da vantagem de Biden nos últimos 15 dias. Afinal, o episódio da contaminação de Trump e sua rápida recuperação pode ter tido um saldo positivo, ao menos na mobilização de sua base, como já havíamos especulado em coluna anterior.

    Aceite-se ou não essas justificativas, fato é que os institutos de pesquisa sairão dessas eleições com sua credibilidade e imagem pública mais arranhadas, sobretudo diante das especificidades do sistema eleitoral americano. Como afirmamos, muitos fatores concorrem para esse desgaste. Um deles está relacionado à condição atualista que caracteriza o nosso presente e como cada um dos candidatos se coloca frente a tal condição.

    Trump é um político bastante sintonizado com o ambiente da comunicação atualista onde as provas dispensam comprovação factual. Seja nas redes sociais, seja em seus concorridos comícios, o presidente se revela um comunicador difícil de ser batido. Dentre os aspectos associados à condição atualista, destacamos a intensidade e velocidade sem precedentes do fluxo de notícias, em detrimento dos protocolos de verificação e checagem da informação veiculada. Esse ambiente infodêmico[2] é particularmente fértil para a produção de desinformação e sua disseminação como misinformação.[3] Além das informações imprecisas, para não dizer apenas falsas, que a infodemia trumpista ajuda a difundir, é preciso levar em consideração a agitação/ativação que produz. É como se a oposição se agitasse confusamente e a base trumpista se ativasse a cada um de seus comentários polêmicos. Assim, o uso constante das redes sociais para disseminar fake news ou comentários faz com que, seja de modo positivo ou negativo, o presidente esteja sempre no foco da mídia. O acúmulo de notícias sobre suas falas ou atos inconsequentes faz com que seja difícil recuperar qual foi o absurdo dito ou feito na semana anterior. Na condição atualista há um valor excepcional em estar mais atualizado (e exposto) que o seu adversário. 

    Ainda assim, a manipulação das fake news como ferramenta política supõe uma linguagem organizada para se tornar eficaz. Essa afirmação pode soar chocante à primeira vista: como podemos atribuir coerência a um discurso fundamentado em desinformação e que frequentemente e sem o menor pudor afirma hoje o contrário do que disse ontem, como o exemplo do uso de máscaras na pandemia?[4] O ponto aqui é que a condição atualista coloca muitos obstáculos para que o passado, mesmo o mais recente, seja trazido à reflexão. Assim, quando confrontados com suas próprias contradições, políticos atualistas como Trump e Bolsonaro simplesmente atualizam suas narrativas e afirmações quando as anteriores se tornam insustentáveis. Com muita frequência, os seus discursos mudam em função da conveniência da atualidade, sem a mínima necessidade de se prestar conta da contradição com o que eles mesmos diziam no dia anterior.

    Essa estrutura atualista do discurso político só se torna eficaz, porém, no interior de uma linguagem organizada e facilmente identificável pelo público que a compartilha, no interior de uma condição material de reorganização do mundo do trabalho e do capital. A crise de 2008, concentração de renda, neoliberalismo, capitalismo de vigilância e a formação do atual “precariado” são elementos, dentre outros, fundamentais para entender a emergência de líderes que governam e são eleitos por pequenas maiorias mobilizadas pela historicidade e ideologia atualista. Só assim podemos entender a força de Trump na eleição independente do resultado final, ainda que sua derrota  interesse a todos os democratas do mundo.

    Trump lança mão de artifícios retóricos quando confrontado com suas afirmações evidentemente baseadas em mentiras e contradições, de tal maneira que ele consegue, mesmo em tais situações, transmitir e reforçar o código entre o seu público. O código se estrutura em uma lógica antagonista, na qual o portador é sempre vítima de perseguição por parte do establishment e da imprensa vendida para a “esquerda corrupta” ou as corporações globalistas.

    O ponto principal a ser considerado é que para ser politicamente eficaz não é necessário que o código seja compartilhado por todos; mas que seja continuamente ativado junto aqueles que já o compartilham. Por mais que esteja sustentado em desinformações, o fato é que o código é bastante poderoso na ativação de afetos políticos centrais como o medo, ódio e ansiedade, vetores de forte engajamento e agitação política que Trump e Bolsonaro sabem tão bem promover.

    O sucesso dessa estratégia se coaduna com a popularização das redes sociais e dos smartphones, bem como das novas tecnologias de processamento de dados manipulados para fins políticos. Nesse contexto, tornou-se possível criar e difundir mensagens sob medida para cada tipo de público, cada indivíduo ou grupo formula suas próprias percepções sobre o mundo a partir de narrativas (códigos) que não mais precisam ser expostos publicamente a todos para serem eficazes. Após alguns reconhecimentos iniciais, os algoritmos se encarregam de abastecer-nos das notícias que nos mobilizam, sempre com o mesmo teor e formato. Reforça-se, assim, o fenômeno das “bolhas”.[5] Esses códigos podem circular de forma subterrânea, de tal modo que o que parece absurdo e chocante para uns, é perfeitamente aceitável e normalizado para outros.

    Esse ambiente de circulação de notícias e códigos é condizente com a ordem atualista de nosso tempo e, ao nosso ver, é um fator importante a ser considerado no desempenho surpreendente de Trump nestas eleições. E um dos preços a se pagar para tal sucesso é a radicalização do clima de agitação que tem marcado a nossa época. Esse quadro tem resultado inclusive em distúrbios psicológicos cada vez mais comuns, como o “transtorno do estresse eleitoral”, que segundo estimativas afeta sete em cada dez cidadãos estadunidenses.[6]

    Os políticos atualistas claramente não se importam em pagar esse preço, na verdade eles têm lucrado com isso. Mas, ao fim e ao cabo, eles não podem evitar completamente os efeitos colaterais de suas apostas. Agitação e dispersão geram também cansaço no eleitorado. Biden e os democratas tomaram esse efeito como vetor de suas estratégias para estas eleições. Frente à irrefreável agitação de Trump, Biden se vendeu como a opção mais “centrista”, de moderação e convergência. A divergência entre as duas estratégias foi mais uma vez demonstrada logo após o fechamento da votação: enquanto Trump se apressou em declarar-se vencedor e dizer que irá judicializar a eleição em caso de derrota, Biden classificou tal postura como “ultrajante” e pregou calma aos seus apoiadores[7].

    Mesmo que a vitória do democrata seja confirmada, é inegável que o preço desse lance foi bastante alto. A imprensa americana noticiou como parcelas importantes do eleitorado negro, que o próprio Biden afirmou ser “a chave para a vitória”, relataram estarem pouco motivados a votarem no candidato democrata.[8] O mesmo ocorreu entre parte do eleitorado hispânico, em especial na Flórida e no Texas. O conservadorismo nos costumes, a adesão a denominações evangélicas que tem crescido entre hispânicos e a tradição anticomunista dos cubanos, e agora também venezuelanos, na Flórida, são fenômenos a serem considerados. Enquanto fechamos essa coluna Trump ainda lidera na Pensilvânia, estado no qual o operariado branco migrou dos democratas para o trumpismo. No último debate, Biden acabou por reconhecer que teria que acabar com a exploração do altamente poluente gás de xisto, o que foi imediatamente explorado por Trump: “Eis uma declaração importante”, ironizou o presidente. Caso perca por margem apertada na Pensilvânia, onde os trabalhadores dessa indústria são amplamente sensíveis ao tema, talvez essa declaração tenha custado a eleição.

    Para entender melhor essas flutuações teríamos que fazer algo pouco praticado durante a campanha, uma avaliação retrospectiva fundada em boa informação acerca das políticas públicas implementadas por democratas e republicanos, em especial nos governos Obama e Trump. O apoio ao republicano não é apenas resultado da mágica da comunicação, deriva também da tibieza das políticas democratas e dos acertos de Trump. Reforma do sistema criminal, política externa menos intervencionista, foco na economia e na criação de empregos, com bons resultados, ao menos até a pandemia.

    A decisão das eleições primárias do Partido Democrata em nomear um candidato “centrista” para concorrer nessas eleições – ao contrário de uma opção mais radical do populismo de esquerda como Bernie Sanders – foi importante para unificar o partido (em especial o seu establishment) e angariar o apoio do eleitorado “cansado” da agitação radicalizada. Por outro lado, a figura moderada de Biden não se mostrou capaz de promover um grau de engajamento e mobilização do público à altura do seu adversário agitador, nem está claro ainda se seu discurso de união nacional conseguiu atrair eleitores de Trump. Essa diferença é importante em um contexto onde o voto não é obrigatório e, no caso particular das eleições deste ano, ainda mais desencorajado pela pandemia do coronavírus.

    Mesmo assim, a moderação pode ter sido eficaz para para derrotar a agitação, mas não para desativá-la. E ainda não podemos assegurar como os EUA sairá dessas eleições, pois Trump continua sendo quem é. Há ainda o risco de o agitador perder e não aceitar sair, e as consequências disso poderão ser catastróficas. E mesmo que ele saia, o trumpismo – o negacionismo, o anti-esquerdismo, o desejo de retorno a um passado glorioso e mítico – ainda permanecerá em parcelas consideráveis da população.

    O que tudo isso ensina para o campo democrático brasileiro, que tem de enfrentar a sua própria versão de agitador atualista? Desde o início da votação nos EUA, Bolsonaro disparou freneticamente uma série de tweets ressoando as alegações infundadas de seu ídolo sobre as eleições serem “fraudadas” a favor dos democratas, o que seria um risco para a “liberdade” e para o Brasil. Afinal, nosso agitador atualista tupiniquim sabe bem que a permanência de Trump é uma força de sustentação fundamental para ele. As relações entre EUA e Brasil deixaram de ser uma relação entre Estados, mas sim uma relação de “amizade” (leia-se emulação e, do nosso ponto de vista, subserviência) entre os chefes de turno da Casa Branca e do Palácio do Planalto.

    Assim, e seguindo o estilo atualista de fazer política, Bolsonaro ressoa as afirmações sem fundamento de Trump, sem se preocupar com a veracidade e desprezando o princípio diplomático básico da impessoalidade. Mas Bolsonaro também tem seu próprio código “alternativo”, cujo enfrentamento é a tarefa prioritária das forças democráticas no Brasil, que deverá avaliar e tomar suas próprias escolhas para vencer o confronto. Assim como o trumpismo, nos Estados Unidos, o bolsonarismo é um fenômeno que não necessariamente depende da permanência de Bolsonaro no poder: ele mobiliza parcelas consideráveis da população através de seus discursos, que defendem o conservadorismo nos costumes, o liberalismo na economia, a luta contra “o sistema”, a religião e a admiração pelo militarismo.

    Será que a aposta moderada e centrista será suficiente para derrotar o bolsonarismo aqui? Mesmo que por pouco? Ou, em nosso contexto particular, faz-se necessário redobrar a aposta na radicalização pela via da esquerda? Mesmo que a vitória de Biden seja confirmada, ainda não está claro qual das duas vias parece a mais indicada para o Brasil. Enfim, tudo indica um destino trágico da democracia liberal de “pequenas maiorias” em tempos de agitação atualista. Sem negar a nossa atual realidade, cabe a nós pensar e imaginar alternativas, por mais difícil que pareça ser em nosso atual nevoeiro e impregnados por uma sensação de asfixia. Além disso, a lentidão com que a apuração avança em alguns estados decisivos promete nos deixar hipnotizados pelos mapas eleitorais na expectativa da atualização decisiva.

    (*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Ambos são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto, em Mariana (MG). Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição. Agradecemos à Márcia Motta e ao grupo Proprietas pelo apoio e interlocução nesse projeto.


    [1] https://noticias.uol.com.br/colunas/thais-oyama/2020/11/04/o-eleitor-oculto-de-trump-e-o-novo-erro-dos-institutos-de-pesquisa.htm

    [2] PEREIRA, Mateus; MARQUES, Mayra; ARAUJO, Valdei. Almanaque da COVID-19: 150 dias para não esquecer, ou a história do encontro entre um presidente fake e um vírus real. Vitória: Editora Milfontes, 2020.

    [3] Usamos aqui um neologismo para dar conta da diferença que em inglês é mais clara entre a produção deliberada de notícias falsas (disinformation) e sua disseminação involuntária (misinformation).

    [4] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/07/20/trump-muda-discurso-e-agora-diz-que-usar-mascara-e-patriotico.htm

    [5] EMPOLI, Giuliano Da. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algorítimos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019.

    [6] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/10/quase-sete-em-cada-dez-americanos-relatam-transtorno-do-estresse-eleitoral.shtml

    [7] https://br.noticias.yahoo.com/em-pronunciamentos-biden-prega-calma-e-trump-faz-acusacao-de-roubo-065922289.html

    [8] https://www.aljazeera.com/news/2020/9/12/biden-battles-trump-lack-of-enthusiasm-among-black-voters

  • Parlamentares dos EUA, incluindo Bernie Sanders, exigem #FreeLula

    Parlamentares dos EUA, incluindo Bernie Sanders, exigem #FreeLula

    “26 de julho de 2018

    Caro Embaixador Sergio Silva do Amaral:

    Nós somamos nossas vozes aos recentes pedidos dos ex-presidentes do Chile e da França, Michelle Bachelet e François Hollande, bem como do ex-primeiro-ministro espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, em oposição à intensificação do ataque à democracia e aos direitos humanos no Brasil. Nos últimos meses, Marielle Franco, vereadora e defensora de direitos humanos amplamente admirada, foi morta em um assassinato executado profissionalmente, enquanto o principal candidato presidencial para as eleições de outubro no Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, foi preso por acusações não comprovadas. Nós respeitosamente pedimos que você trabalhe para facilitar uma investigação independente sobre o assassinato da Sra. Franco; apoiar os direitos dos trabalhadores brasileiros; e trabalhe para assegurar que o Presidente Lula tenha seu direito constitucional ao devido processo legal garantido.

    Em março, nós ficamos horrorizados em saber sobre a execução da vereadora da cidade do Rio de Janeiro, Marielle Franco, uma corajosa defensora dos direitos das mulheres afro-brasileiras e membros da comunidade LGBTQ, e uma destemida ativista contra os assassinatos de jovens pela polícia nas favelas do Rio. Evidências críveis sugerem que membros das forças de segurança do Estados poderiam estar implicados no assassinato.

    Em abril, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi preso após um processo judicial altamente questionável e politizado, no qual seus direitos processuais foram aparentemente violados. Os fatos do caso do Presidente Lula nos dão razão para acreditar que o principal objetivo de sua prisão é impedi-lo de concorrer nas próximas eleições.

    O Brasil é atualmente o lugar mais perigoso do mundo para os defensores dos direitos à terra e recursos naturais, segundo a Global Witness. O respeitado grupo de direitos humanos Comissão Pastoral da Terra documentou mais de 70 assassinatos de defensores dos direitos da terra em 2017, incluindo muitos líderes de comunidades indígenas e membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A grande maioria desses assassinatos ficou impune.

    Além disso, desde que assumiu o poder por meio de um controverso processo de impeachment, o governo de extrema-direita do presidente Temer instituiu um congelamento de gastos que desencadeou importantes cortes em programas vitais de saúde e educação, e promoveu um total ataque aos direitos dos trabalhadores. Em fevereiro de 2018, o comitê de especialistas da Organização Internacional do Trabalho descreveu as mudanças de 2017 do governo Temer no direito dos trabalhadores de barganhar coletivamente como “não baseadas em negociações, mas na abdicação de direitos”. Nós encorajamos seu governo a usar sua autoridade para evitar mais ataques aos trabalhadores.

    Nós também exortamos as autoridades judiciais e políticas brasileiras para que garantam eleições justas e proteções aos direitos humanos: os tribunais brasileiros devem avaliar prontamente os méritos das acusações contra o presidente Lula, em que nenhuma evidência material foi apresentada como prova das acusações de corrupção do ex-presidente. Como exortaram ex-líderes do governo europeu, o presidente Lula deve ter sua liberdade concedida enquanto as apelações à sua condenação estão pendentes, de acordo com as garantias constitucionais do Brasil. A luta contra a corrupção não deve ser usada para justificar a perseguição de opositores políticos ou negar-lhes o direito de participar livremente nas eleições.

    Também esperamos ver justiça no caso de Marielle Franco, com os autores de seu assassinato capturados e processados, e medidas sendo tomadas para proteger outros ativistas corajosos que colocam suas vidas em risco denunciando a violência e a injustiça do Estado. Nós nos juntamos aos apelos por uma investigação internacional independente sobre seu assassinato.

    Atenciosamente,

    Mark Pocan (D-WI), Raúl M. Grijalva (D-AZ), Bernard Sanders (I-VT), Ro Khanna (D-CA), Jan Schakowsky (D-IL), Keith Ellison (D-MN), Pramila Jayapal (D-WA), Barbara Lee (D-CA), Adriano Espaillat (D-NY), Eleanor Holmes Norton (D-DC), José Serrano (D-NY), Rosa DeLauro (D-CT), James McGovern (D-MA), Maxine Waters (D-CA), Jamie Raskin (D-MD), Frank Pallone (D-NJ), Zoe Lofgren (D-CA), Alan Lowenthal (D-CA), Alma Adams (D-NC), Yvette Clarke (D-NY), Bobby Rush (D-IL), Linda Sánchez (D-CA), Peter Welch (D-VT), Robert Brady (D-PA), Henry C. “Hank” Johnson, Jr. (D-GA), Karen Bass (D-CA), David Price (D-NC), Luis Gutiérrez (D-IL), Derek Kilmer (D-WA)

     

     

     

     

  • Bernie Sanders e sua linda campanha socialista, no coração do capitalismo mundial!

    Bernie Sanders e sua linda campanha socialista, no coração do capitalismo mundial!

    A campanha meteórica de Bernie Sanders à presidência dos EUA surpreendeu o mundo. Num país em que o espírito capitalista é visto quase como parte da própria nacionalidade, um candidato que se declara “socialista democrático” e defende o controle social sobre os mercados financeiros chegou a desafiar Hillary Clinton. Como isso foi possível?

    Uma pesquisa da Universidade de Harvard, divulgada nesta segunda-feira (2/5) pode ajudar a encontrar as respostas. Ela revela que 51% dos “jovens adultos” — a população entre 18 e 29 anos — rejeitam o capitalismo em sua forma atual (o “capitalismo realmente existente”, em outros palavras). Apenas 42% o apoiam. Além disso, quase 50% dos entrevistados nesta faixa de idade defendem a Saúde com um serviço público, a ser custeado pelo Estado — o que é um anátema, nos EUA. E mesmo entre os mais idosos, e eleitores do Partido Republicano, diminuiu sensivelmente a porcentagem dos que defendem as lógicas do sistema. (Texto de Outras Palavras)

  • Quem vive num mundo de fantasia é Paul Krugman, não os apoiadores de Bernie Sanders

    Quem vive num mundo de fantasia é Paul Krugman, não os apoiadores de Bernie Sanders

    Krugman quer que as pessoas sejam racionais e pragmáticas como ele é.

    Elas não são e, às vezes, isso é bom

     

    O Prêmio Nobel, Paul Krugman, não suporta que as pessoas sejam irracionais e que os conservadores da classe trabalhadora sejam ludibriados para votar contra seus próprios interesses econômicos. Em um recente editorial do New York Times intitulado “Como a mudança acontece”, Krugman reclamou que os progressistas, partidários de Bernie Sanders, estão desesperadamente esperando que os “melhores anjos”, existentes nas pessoas, se levantem e mudem radicalmente as nossas instituições corruptas. A mudança real, ele argumenta, exige pragmatismo racional e compromisso.

    “a qualidade e a quantidade do nosso engajamento político são

    fortemente moldadas por necessidades inconscientes poderosas e medos

    relativamente imunes à argumentação racional”

    Como psicoterapeuta, que escreve sobre política, eu tenho uma questão diferente: eu não consigo entender como Krugman pode ficar perplexo com o seguinte fato: a qualidade e quantidade do nosso engajamento político é fortemente moldada por necessidades inconscientes poderosas e medos relativamente imunes à argumentação racional. Deixemos de lado, por um momento que, como já foi salientado por outros, ele deturpa visão de mudança de Sanders. A visão de Krugman reflete um desejo, que ele toma por realidade, de que a mudança social fundamental resulta de vitórias incrementais, que refletem compromissos racionais entre interesses concorrentes. Mas a questão fundamental, que está colocada aos progressistas de hoje, não é resolvida por sabichões da política. A questão é: como podemos construir instituições saudáveis que se tornem a base para um movimento social radical. A questão é como é que vamos engajar as paixões de milhões de americanos que vêem nesse movimento a conexão com seus desejos não correspondidos e medos desarticulados?

    “as pessoas precisam de um sentimento de vínculo,

    na mesma medida que precisam de justiça econômica”

    Para tanto, temos que, ao menos, começar com uma visão precisa da motivação humana, ou seja, a nossa visão do que as pessoas realmente precisam e temem e, portanto, a forma como as instituições que criamos e a ideologia que promovemos consigam falar com esses sentimentos no nível mais profundo possível. Por exemplo, é comum que as pessoas em nossa sociedade sejam isoladas e solitárias. As pessoas precisam de um sentimento de vínculo, na mesma medida que precisam de justiça econômica. Como é que nossa “mensagem” oferece às pessoas uma sensação de comunidade? (O chamado entusiasmado de Sanders para uma “revolução política” procura fazer exatamente isso, enquanto Clinton apoia seu apelo em noções rasas e tecnocráticas de “competência”.) A direita certamente compreendeu as necessidades frustradas que as pessoas têm de se conectar, embora a “comunidade” que ofereçam se baseie, em grande parte, na demonização dos outros (imigrantes, gays, beneficiários da previdência social, etc.).

    Consideremos a ideia, da qual Krugman zomba delicadamente, de que muitos progressistas estão tentando evocar os melhores anjos da natureza americana. Na verdade, as pessoas têm um desejo emocional profundo de significado e propósito. Queremos que os nossos melhores anjos sejam despertados e queremos ver o mesmo em outros. Tudo o que temos de fazer para ver esta necessidade despertada é notar como as comunidades reagem com generosidade altruísta e de espírito elevado, na sequência de catástrofes naturais ou provocadas pelo homem.

    “isso é o que Obama fez em 2008 e é o que Sanders está fazendo agora”

    Os políticos agem quando eles são forçados a ou subornados para agir. Os compromissos que tantas vezes ocorrem são devidos ao efeito líquido desse jogo de forças. O trabalho dos progressistas é fortalecer nosso lado, aumentar o nosso poder, por envolver e inspirar as pessoas a deixar sua passividade, não apenas oferecendo-se políticas alternativas razoáveis, mas inspirando-as a ser maiores e melhores do que normalmente se vêem. Isso é o que Obama fez em 2008 e é o que Sanders está fazendo agora.

    O apelo Sanders não é redutível ao que Krugman chama de “retórica transformacional”, mas é, em vez disso, um antídoto para a desesperança tão prevalente hoje, uma desesperança maligna que não surge a partir da estupidez dos conservadores ou do idealismo ingênuo dos progressistas. A desesperança é a crença de que as coisas são como deveriam ser.

    Ela não pode ser combatida simplesmente por apelos à razão, mas ao contrário, é preciso falar aos corações dos nossos correligionários, estimular (não menosprezar) sua crença em melhores anjos e fazer eco com as suas necessidades de amor, reconhecimento, ação, comunidade e significado . Essas necessidades, aparentemente mais suaves, são tão poderosas como o auto-interesse econômico racional ou a lógica do lado esquerdo do cérebro.

    “a mudança social radical não pode ser entendida

    como o resultado de compromissos técnicos políticos entre atores racionais”

    Paul Krugman é o intelectual mais popular na América hoje. Ele está claramente acima dos sabichões e políticos desonestos e mesquinhos à direita. Quando ele duela com eles, nós progredimos. Mas se ele quer falar sobre a forma como a mudança ocorre e sobre o compromisso político, ele precisa entender que Roosevelt foi empurrado para a esquerda pelo trabalho, LBJ ( N do T: Lyndon Baines Johnson) pelo movimento dos direitos civis, Nixon pelo movimento anti-guerra, e Supremo Tribunal pela movimento LGBT para o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A mudança social radical não pode ser entendida como o resultado de compromissos técnicos políticos entre atores racionais, mas sim como o resultado de movimentos sociais que adquirem poder, envolvendo a pessoa por inteiro, incluindo as regiões mais íntimas do coração e da alma, assim como a as partes em que a razão reside.

    Contrariamente à afirmação de Krugman, precisamos desses “melhores anjos da nossa natureza”, a fim de ganhar o poder necessário para podermos ser pragmáticos a partir de uma posição de força. Caso contrário, o pragmatismo por si só nos deixa desengajados e faz a política parecer irrelevante, ao invés de um lugar onde nossas necessidades mais profundas podem ser expressas e realizadas.

    Notas:

    1 Nota do Tradutor: liberal, no sentido usado nos EUA, é melhor representado por progressista.

    2 Nota do Tradutor: aqui o autor usa a palavra cynicism que tem o sentido de crença de que as pessoas geralmente são egoístas e desonestas. Desesperança ou descrença seriam os termos mais adequados em português.

    3 Michael Bader é psicólogo e psicanalista, em San Francisco. Ele é o autor de “More Than Bread and Butter: A Psychologist Speaks to Progressives About What People Really Need in Order to Win and Change the World” (Mais do que Pão com Manteiga: um psicólogo fala aos progressistas sobre o que as pessoas realmente precisam para vencer e mudar o mundo) (Blurb, 2015).

    4 Texto publicado originalmente no dia 07/02/2016 em : http://www.alternet.org/election-2016/it-paul-krugman-who-lives-fantasy-world-not-bernie-supporters