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  • Voltar ao mundo? Argentina entre o FMI e o abismo

    Voltar ao mundo? Argentina entre o FMI e o abismo

    por Coletivo Passarinho

    O eixo discursivo central da campanha eleitoral de Mauricio Macri para a presidência foi “voltar ao mundo”. Era hora de superar o atraso e o isolamento da era Kirchner, aproveitar o grande potencial humano e produtivo da Argentina e produzir reformas capazes de reinserir o país na economia mundial. Nas falas televisivas dos apoiadores do então candidato dizia-se com frequência que a Argentina precisava voltar a ser um país normal. E um país normal, para a elite argentina, bem como para parte significativa de sua classe média, é um país em que se pode comprar e vender dólares sem restrições.

    Vencidas as eleições, o novo mandatário tratou de colocar em prática seu choque “modernizador”: abriu o país às importações, liberou o controle cambiário sobre o valor do dólar, derrogou tributos sobre a exportação do trigo, milho e soja e reduziu impostos sobre automóveis, motos e embarcações de luxo, quase sempre importados. Aproveitou a boa recepção à sua vitória nas economias do centro do capitalismo, que viram aí uma oportunidade de iniciar a virada no tabuleiro, com auspícios de uma derrocada em série dos governos populares da região, para alçar voos maiores. Em dezembro do ano passado, Buenos Aires sediou a 11ª Reunião Ministerial da Organização Mundial de Comércio (OMC). No final deste ano, presidirá a Cúpula do G20, a reunião das vinte economias mais ricas do planeta, que terá o tema “construindo consenso para um desenvolvimento equitativo e sustentável”.

    Por debaixo desse véu modernizador, o mundo volta à Argentina sob outra forma, arcaica. No dia 8 de maio, diante da desvalorização galopante do peso argentino, da ineficácia da alta dos juros e da venda sucessiva de reservas para conter a subida do dólar, em pronunciamento oficial, o presidente declarou que decidiu iniciar diálogo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para “fortalecer este programa de crescimento e desenvolvimento”. A euforia dá lugar ao pesadelo, como no filme de terror Escape From Tomorow, em que um pai leva a família de viagem para a Disney sem revelar que foi demitido.

    O outro lado do conto de fadas é um país empobrecido (ao menos para suas vastas maiorias) e que, desde que Macri assumiu, somente agudizou seus problemas estruturais. O setor exportador de soja e minérios aumentou consideravelmente a sua rentabilidade. O setor financeiro obteve ganhos fabulosos com o empréstimo de dinheiro ao Estado a juros exorbitantes. A bicicleta financeira consistente na compra e venda sucessiva das Letras do Banco Central (Lebac) já no ano passado atingia 26% de juros (El país, 23/06/2017). Para o setor produtivo industrial quase nada chegou neste contexto de plena abertura aos investidores. Já para a massa trabalhadora restou o aumento do desemprego, a desindustrialização, a redução do valor real dos salários e o aumento brutal das tarifas de serviços públicos.

    Em termos macroeconômicos os desequilíbrios somente se acentuaram: a abertura econômica gerou mais dependência. O governo impulsionou forte processo de endividamento externo dando um passo atrás no caminho de redução da dívida ocorrido durante o período kirchnerista. O déficit de conta corrente alcançou 5% do PIB, superando os 2,8% de 2015 e os registros da década de 1990. A avalanche importadora, em um cenário de abertura comercial, provocou a elevação do déficit de comércio exterior para o nível mais elevado dos últimos 40 anos. Ao contrário dos tão sonhados investimentos produtivos incrementou-se a fuga de capitais, e ainda se tentou amenizar o déficit pelo aumento da dívida externa.

    O macrismo e seu leque de aliados chamaram as reformas implementadas até agora de “gradualistas”. Avançaram com a reforma previdenciária, com uma reforma tributária com caráter regressivo e têm na agenda uma reforma trabalhista de propósito flexibilizador e precarizador. O remédio do ajuste, no entanto, nunca é suficiente. A morte iminente do paciente, em vez de colocar em questão o próprio tratamento, para os financistas de plantão é sempre uma oportunidade para legitimar um aumento da dose. Por isso, Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central do Brasil sob a presidência de FHC, ao falar da crise argentina diz que “hoje as opções são fazer mais rápido este ajuste, que sempre esteve entre os objetivos do governo, ou ter problemas muito mais sérios” (Ámbito Financiero, 14/05/2015). O retorno ao FMI serve, portanto, para pôr fim ao “gradualismo” e substituí-lo pelo choque descarado, legitimando um incremento da austeridade.

    Por outro lado, a consciência do significado do pedido de resgate na Argentina não é pequena. O FMI apoiou o programa econômico ortodoxo e regressivo da última ditadura militar. Foi protagonista direto dos planos massivos de privatização e desregulação da era Menem, na década de 1990, apoiando o programa de convertibilidade que estabeleceu a paridade entre o dólar e o peso. Programa este que culminou com a crise econômica e social sem precedentes de dezembro de 2001. No início de 2002, 25% dos argentinos estavam desempregados e o índice de pobreza chegava a quase 60%.

    Agora, o FMI vem ao resgate de um governo neoliberal cujos altos postos são formados, sobretudo, por CEOs: ex-diretores executivos de grandes empresas, muitos deles oriundos do setor financeiro e bancário. A chamada “porta giratória” entre setor privado e setor público é, na atual gestão, mais vigente do que nunca. Os dirigentes, formados em sua maioria em universidades norte-americanas ou em universidades particulares de elite na Argentina, tem pouca conexão com seu próprio país. Mais do que isso: tem pouco do seu patrimônio pessoal nessas terras. O ministro da fazenda, Nicolas Dujovne, possui 88,25% dos seus bens declarados no exterior. O presidente do Banco Central, Federico Sturzenegger, 70,04% (La Nación, 22/08/2017). São eles, junto com o presidente Maurício Macri, envolvido no escândalo das offshores descobertas no caso Panamá Papers, que querem convencer a população de que um novo empréstimo com o fundo dará proteção ao país.

    No entanto, um recente informe do Centro de Estudios de Opinión Pública (CEOP) aponta que 77% dos argentinos são contra o pedido de empréstimo ao FMI. Ao contrário do que gostariam alguns ideólogos do mercado e do governo, a população não esquece que o desastre de 2001 veio depois de anos de ingerência direta e de aplicação das políticas do FMI. Não por acaso, os colunistas econômicos do establishment não deixam de apontar para os riscos de uma nova explosão “populista”. E para mostrar que Macri não está sozinho neste processo de aprofundamento da inserção subordinada da Argentina na economia-mundo, Trump, Merkel y Rajoy não tardaram em deixar claro o apoio às medidas do governo.

    O próprio Ministro da Fazenda argentino já admitiu que o país terá mais inflação e menos crescimento (La Nación, 14/05/2018). A última terça-feira (15) foi considerada o dia D, pois venciam 30 bilhões de dólares em Letras do Banco Central (Lebacs). O perigo imediato de forte desvalorização cambiária decorrente da não renovação das Lebacs e consequente corrida ao dólar pode ser controlado. O Banco Central Argentino, além de ofertar 5 bilhões de dólares pelo segundo dia consecutivo, emitiu dívida com a oferta de novos títulos do tesouro. Ainda que o governo tenha conseguido controlar o cenário, o problema de fundo permanece. “As Lebac são uma bola de neve que se chuta para frente” (Izquierda Diario, 15/05/2018). Cedo ou tarde, o caminho do endividamento, fracassa.

    Após reunião ministerial na segunda-feira (16), o chefe de gabinete, Marcos Peña, esclareceu a nova linha política: chegar a um grande acordo nacional com o objetivo de reduzir o déficit fiscal, sendo que o marco para tal acordo é o orçamento de 2019. Disse, ainda, que o caminho é o correto, mas é preciso acelerá-lo (La Nación, 15/05/2018).
    O caminho já é conhecido e os resultados também: ajuste sobre o povo, aumento das desigualdades, desmonte do Estado e mais recessão. Economiza-se para diminuir o déficit e “honrar” os compromissos com o setor financeiro. A ação indutora do Estado como impulsor da atividade econômica vai às favas. A economia encolhe e a arrecadação tributária diminui. Resultado final: todo ajuste é insuficiente, demandando ainda mais ajuste. E o país navega na catástrofe social, que é narrada pelos cínicos de plantão como um mal necessário.

    Resta saber por quanto tempo a narrativa vendida pela imprensa que apoia o governo vai sustentar o discurso que é desmentido no cotidiano da população argentina. Nesta quarta, pelo menos duas mobilizações contra o FMI estão convocadas, uma no Obelisco e, outra, no Ministério de Economia. Amanhã, várias organizações convocam uma manifestação na Praça de Maio. A pressão ao governo argentino aumenta e vem de todos os lados.

  • Brasil: a construção interrompida, de novo!

    Brasil: a construção interrompida, de novo!

    por César Locatelli e Gustavo Aranda

    Você não ouvirá um economista que repete a mesma ladainha do FMI, do Banco Mundial ou dos economistas ortodoxos e seus pares da mídia. Tampouco o identificará com radicalismos raivosos ou destemperados. Os conceitos progressistas firmes, mas transmitidos com notável diplomacia, de Paulo Nogueira Batista Jr., o permitiram ter colunas em jornais conservadores brasileiros por mais de uma década. Em tempos de um Brasil menos cindido, era ouvido por ambos os lados da luta política.

    Sua longa trajetória passa pelo período em que o Brasil esteve atolado em dívidas contraídas na ditadura. Foi quando conviveu com a equipe de Dilson Funaro, ministro da Fazenda que implantou o Plano Cruzado e decretou a moratória da dívida externa brasileira, em 1987.

    Ele vivencia, no papel de diretor do Brasil no FMI e delegado do Brasil no G20 nos anos recentes, o Brasil sem dívidas com nações ou bancos internacionais, com alto volume de reservas internacionais e credor de instituições como o próprio FMI. Posteriormente, desloca-se para a China para Novo Banco de Desenvolvimento, popularmente chamado de Banco dos BRICS.

    Sua dissonância com a volta às políticas ortodoxas e o retorno do país à subserviência às ordens de Washington, possivelmente, lhe custaram as colunas de jornais e o cargo no banco. Paulo Nogueira Batista, entretanto, não se incomoda de ser a voz discordante: “Em certos momentos, eu fui o único dos 24 diretores executivos do FMI que discordou do programa de austeridade grego —que era um massacre para a Grécia. Acredito que o tempo deu razão aos que, como eu, criticaram desde o começo”.

    De volta ao Brasil, Paulo Nogueira Batista Júnior conversou longamente com os Jornalistas Livres. Um papo que abrirá os horizontes de todos nós que queremos entender a economia pós-crise de 2008, o papel do FMI, a agenda dos grandes interesses econômicos, a criação do G20 e dos BRICS, guinada e a interrupção da construção de soberania brasileira que estava em curso. Aproveite.

     

     

     

  • E a reforma do ensino médio?

    E a reforma do ensino médio?

    por Breno Ribeiro

    A cinco dias do Natal, a página das Nações Unidas¹ anunciava o presente do Banco Mundial ao Brasil, 250 milhões de dólares como contrapartida para “auxiliar” o governo a implementar a reforma do ensino médio. Sufocados pelo debate da reforma da previdência, deixamos passar desapercebidamente mais um capítulo deste acordo de cúpulas que vêm transformando as estruturas do país. Neste trabalho, portanto, vamos abordar algumas nuances da reforma do ensino médio e da disputa no entorno do projeto de educação e de nação no qual ela se insere.

    Embora o cenário político atual seja marcado por uma suposta polarização, ambas as forças políticas nacionais reverberam em seus discursos a defesa de uma educação de qualidade. A aparente disputa no interior do sistema educacional brasileiro, expressa, portanto, sobretudo, uma disputa pelo significado de qualidade atribuído ao processo educacional; tal disputa, que compreende, de forma mais incisiva, desde a expressão de setores progressistas referenciados em um modelo de educação laica, histórica e socialmente referenciada, até nichos conservadores, que se visibilizam através de projetos como escola “sem” partido, ganha recentemente novos capítulos que acentuam a educação através de um viés tecnicista, aprofundando o fosso educacional entre distintas classes sociais, a partir da adoção de reformas no sistema educacional, como a reforma do ensino médio.

    Tais reformas se referenciam em padrões genéricos de aferição de qualidade estipulados por organizações internacionais, como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), e a nível nacional, tais como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), ambos referenciados, por sua vez, nas diretrizes de qualidade estipuladas pela Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

    Seguindo a corrente de pensamento Marxista clássico, que trata da configuração do ambiente escolar enquanto uma instituição voltada para a cristalização e reprodução do modelo sistêmico vigente, teremos algumas brechas de análise no que se refere às estratificações das perspectivas de construção de sujeitos, que se expressam de formas diferenciadas de acordo com o modelo de escola e o perfil socioeconômico; segundo Mariano Enguita(1989), em A Face Oculta da Escola, esta seleção se configura na seguinte forma:

    Através da imersão sistêmica em algumas relações sociais educacionais isomorfas com as relações sociais de produção dominantes, a escola seleciona nos indivíduos que constituem seu público aqueles traços que mais convém a estas e, se não existem previamente de forma potencial, utiliza todos os recursos ao seu alcance para gerá-los. De certo modo, estes traços de personalidade podem ser considerados como o resultado da interação entre o indivíduo e seu ambiente, isto é, como produto da interiorização das relações sociais. (pág.187)

    Levando em consideração as diferenças sociais, econômicas e culturais expressas nos públicos alvos dos diferentes modelos de escolas, privadas e públicas, ou mesmo no interior destes dois segmentos, e a forma como estas diferenças são abordadas e reforçadas, ou não, pelo ambiente escolar, nos dão possibilidade de avaliar os desafios educacionais, para conformação de educação de qualidade, muito além de uma questão meramente financeira e/ou avaliativa-produtivista. Inevitavelmente, estas disparidades no conjunto do ambiente escolar, que expressam exatamente todo o conjunto das estratificações sociais desejadas pelo sistema liberal, se resumem de forma matemática ao analisarmos os resultados de uma prova homogênea, aplicada de forma ampla nos diferentes estratos sociais, culturais, econômicos e nas diferentes regiões geográficas, sem levar em consideração as especificidades, peculiaridades e necessidades diferenciadas de cada uma delas.

    A escola, portanto, por estar inserida em um modelo meritocrático de sociedade, cria suas bases de desigualdades nos processos seletivos, fundados nesta meritocracia, que não consideram as especificidades de cada aluno, os contextos diferenciados nos quais os diferentes tipos de estudantes estão inseridos, sejam eles sociais, culturais, etc. E instrumentalizam a prática docente ceifando-a de mecanismos de formação ampla, de subsistência adequada e da possibilidade de construção de pertencimento dos sujeitos em aprendizagem. No entanto, embora este já seja um mecanismo intrínseco ao sistema educacional, sua operacionalização está vulnerável às mudanças de contextos econômicos e políticos que ditam, em última instância, as prioridades de investimento no setor; os mecanismos gerenciais e, em grande medida as políticas de médio e longo prazo, daí as reformas educacionais em tramitação no país. Para MOTTA e FRIGOTTO(2017) essa reestruturação tem por objetivo – ao contrário do que anuncia oficialmente o governo – maximizar a formação da força de trabalho precarizada para os postos de trabalhos característicos de uma economia capitalista dependente – portanto, postos precarizados, de baixa complexidade – e se dirige de forma mais contundente às classes populares, por serem, dentre outros fatores, mais dependentes da rede pública de ensino.

    Este processo de “moldagem” dos indivíduos aos processos sociais já antevê, em certa medida, uma outra camada seletiva interna, muito mais sutil que as avaliações e provões genéricos; Seguindo o raciocínio do interacionismo simbólico, que trata das microrrelações no ambiente escolar, podemos analisar as diferenciações na construção do modelo, ou tipo ideal de sujeitos requeridos e construídos na escola, e em qual perfil de estudante os processos seletivos meritocráticos encontram maior vasão e aceitação. Esses traços de diferenciação expressam-se, não mais, pura e simplesmente pelas aplicações de uma meritocracia formal dos modelos de exame, mas também pelo trato diário entre docentes e discentes, e/ou entre discentes e o conjunto dos trabalhadores em educação, como explicita Bourdieu(1998). Os adjetivos analisados pelo autor no capítulo As categorias do juízo professoral, dão conta de uma cristalização, muitas vezes inconsciente, dos discursos dos(das) docentes em relação aos estudantes, e como esses adjetivos se transfiguram na mesma medida em que se modificam as classes sociais e culturais de seus estudantes.

    Tais objetos de análise microssociológica, que a longo prazo concorrem para a construção da subjetividade dos sujeitos, e para com as suas idealizações de futuro, determinam no inconsciente aqueles que cumprem os estereótipos de sucesso profissional, social e econômico; e aqueles que já são previamente classificados como postulantes a cargos e estratificações sociais “subalternos”. Em países como o Brasil (de capitalismo dependente, e de economia baseada em commodities), o incentivo à produção de mão de obra barata e com qualificação específica, torna ainda mais dramático esse quadro, na medida em que transferirá a “escolha” do segmento escolar – técnico-profissionalizante e/ou regular – para um período escolar ainda mais cedo, deixando esta escolha, muito provavelmente, ainda mais dependente das influências do ambiente escolar onde estes jovens estejam inseridos.

    No entanto, obviamente, o caráter estrutural das reformas e medidas econômicas de restrição de investimentos públicos são muito mais decisivos para o processo de seleção educacional, é o que aponta, por exemplo, dossiê produzido por MOTTA e FRIGOTTO (ibid), para os quais medidas como a reforma do ensino médio visam, estruturalmente, interferir no que classifica como questão social, reorientando a perspectiva educacional das classes sociais mais baixas, e sedimentando uma inserção, no interior do próprio ensino médio formal, do direcionamento formativo para o preenchimento de postos de trabalhos condizentes com uma posição nacional de capitalismo dependente, que demandaria mão de obra qualificada em segmentos extremamente específicos e de baixa complexidade.

    A ideia de investimento em capital humano como motor de desenvolvimento econômico é uma determinada concepção de formação humana nos restritos marcos das necessidades de mercado. Enfatiza os conhecimentos úteis que o estudante deve adquirir para impulsionar a produtividade dos setores econômicos, a fim de potencializar competitividade no mercado local e internacional, ou para criar condições de empregabilidade, isto é, desenvolver habilidades e competências que potencializem a inserção do indivíduo no mercado de trabalho […] No caso brasileiro, no período nacionaldesenvolvimentista, difundia-se a necessidade de investir no capital humano articulado ao projeto de modernização da nação, como mecanismo de avançar etapas de desenvolvimento econômico e social; no atual ciclo de globalização neoliberal, justifica-se pelo aumento da competitividade no mercado internacional e para gerar condições de empregabilidade.(MOTTA e FRIGOTTO (ibid))

    Os autores buscam dialogar e confrontar os argumentos de um setor específico da intelectualidade, que busca fundamentação científica para o alargamento das reformulações e controle do processo educacional em uma suposta correlação entre aumento do PIB e nível de escolaridade, é o que propõe o economista norte-americano Eric Hanushek. No entanto, embora suas argumentações demonstrem uma suposta intencionalidade em expansão educacional, esta se restringe a um modelo atrofiado de difusão e compartilhamento de saberes, não se funda nem tem por objetivo propiciar aos sujeitos, objetos deste ensino, ferramentas para leitura de mundo.

    Essa visão ganha eco no cenário nacional. Em artigo publicado em maio deste ano, a colunista do jornal Folha de São Paulo, Érica Fraga,² defende uma reformulação educacional baseada nos pressupostos defendidos por Hanushek, e por organizações como o Todos pela educação – movimento que congrega setores estratégicos da burguesia nacional em torno da disputa pelo projeto nacional de educação –, e que podem ser claramente identificados como propulsores das reformas, tais como a medida provisória nº 746/2016, transformada na Lei nº 13.415/2017, popularmente conhecida como reforma do ensino médio.

    Por fim, como cereja do bolo, no dia vinte de dezembro de 2017, a página das Nações Unidas anunciou em matéria o investimento de 250 milhões de dólares como parte do “primeiro programa para resultados do Banco Mundial em parceria com o governo do Brasil” como contrapartida pela implementação da reforma do ensino médio. Na matéria, corroborando com a análise empreendida aqui, destaca-se como objetivos: “promover a diversificação do currículo e o desenvolvimento de competências chaves[…]” para que se garanta a “maior produtividade em prol do desenvolvimento sustentável”. Conclui-se, portanto, que a reforma é estrutural e atende prontamente à concepção estratégica de país que vêm sendo implementada, mais incisivamente, após o golpe parlamentar, mas, principalmente, atinge o futuro de milhões de brasileiros que já nascem, e continuarão a nascer mais ainda, com os grilhões, mordaças e a marca do brasão de nossa elite financeira escravocrata e eternamente colonizada

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    Notas

    1 Esse texto foi publicado originalmente em https://potlatchbrasil.blogspot.com.br

    2 Breno Ribeiro é cientista social pela UFRJ e mestrando pela UFF

     

    Referências Bibliográficas

    ENGUITA. Mariano F. A face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo. Ed. Artes médicas. Porto Alegre, 1989.
    MOTTA, Vânia C. FRIGOTTO, Gaudêncio. O por quê da urgência da reforma do ensino médio? Medida provisória nº 746/2016 (LEI Nº 13.415/2017). Educação & Sociedade, v.38,n.139. (2017)
    BOURDIEU, Pierre. Escritos em Educação. NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio.(Orgs). Petrópolis- RJ. Ed. Vozes, 1998.
    ¹ Disponível em: <https://nacoesunidas.org/banco-mundial-liberara-us-250-mi-para-brasil-fazer-reforma-do-ensino-medio/> acesso em 20 de dez. 2017.
    ² Disponível em:<http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ericafraga/2017/05/1882657-educacao-de-qualidade-e-crescimento-economico-na-veia.shtml> acesso em 17 jun. 2017.

     

  • Banco Mundial faz propaganda explícita de apoio ao golpe

    Banco Mundial faz propaganda explícita de apoio ao golpe

    Segundo o dicionário Houaiss, a expressão marketing político designa o conjunto de atividades de marketing destinadas a influenciar a opinião pública quanto a ideias relacionadas à atividade política, ações governamentais, campanhas eleitorais etc.

    Pois bem, a peça de marketing político encomendada pelo governo Temer, produzida pelo Banco Mundial e divulgada ontem (21), com toda pompa no Ministério da Fazenda em Brasília, assusta por sua falta de cerimônia no apoio às políticas econômicas rejeitadas pelo voto dos brasileiros e implantadas pelo governo golpista do PMDB e do PSDB.

    Com o título Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil, o texto do Banco Mundial, capitaneado por Antônio Nucifora, é um material explícito de propaganda e recomendações econômicas de cunho neoliberal dos anos 1980.

    O estudo despreza avanços e constatações, feitos por economistas, pelo próprio Fundo Monetário Internacional e pela Organização das Nações Unidas, que apontam o aumento da desigualdade e a ausência de crescimento como resultado da aplicação dessa linha de pensamento político-econômico.

    O objetivo do pedido do governo ao Banco Mundial já revela a característica central do golpe, quando coloca em último plano o viés social: “realizar uma análise aprofundada dos gastos do governo, identificar alternativas para reduzir o deficit fiscal a um nível sustentável e, ao mesmo tempo, consolidar os ganhos sociais alcançados nas décadas anteriores”. O ganhos sociais são explicitamente secundários nesse objetivo.

    Basta imaginar como seria invertida a motivação para o estudo se a redação fosse: realizar uma análise profunda para consolidar os ganhos sociais alcançados nas últimas décadas sem comprometer a sustentabilidade de longo prazo das contas do governo.

    O objetivo da ilustração acima, página 7 do relatório, é apoiar o congelamento de gastos, aprovado em dezembro de 2016, que vem implicando e continuará a implicar cortes profundos nos gastos sociais como saúde, educação e assistência social. O relatório aceita a medida e a aprova sem questionamento: “Sua implementação exige a redução dos gastos em cerca de 0,6% do PIB ao ano em relação à tendência atual durante a próxima década. Isso corresponde a um corte cumulativo de quase 25% nas despesas primárias federais (em proporção do PIB), o que reduziria o orçamento federal (também proporcionalmente ao PIB) aos níveis do princípio da década de 2000.”

    Traduzindo o linguajar golpista: corte-se um quarto das despesas e dane-se quem for afetado por isso. Não era por acaso que essa medida foi chamada de PEC da Morte, que o Banco Mundial trata agora de referendar.

    Nucifora e companhia continuam sua publicidade dos atos do governo PMDB/PSDB. Agora apoiam a reforma da Previdência: “A fonte mais importante de economia fiscal de longo prazo é a reforma previdenciária. Os grandes e crescentes deficits do sistema previdenciário constituem um fator-chave da pressão fiscal”.

    Mesmo que vários economistas  parlamentares tenham concluído que a Previdência não tem deficit, mas que os recursos designados na Constituição de 1988 são desviados para o pagamento de juros, o relatório insiste que é necessário cortar direitos dos trabalhadores brasileiros. Lembremos aqui que quase todos brasileiros apoiariam uma reforma que cortasse os benefícios extravagantes de certas classes profissionais, mas o voto popular nunca será dado a quem quer piorar as regras de aposentadoria de quem trabalha duro e ganha pouco.

    A figura, página 69 do relatório, repete a argumentação pró-reforma da Previdência tentando incutir o medo de que a Previdência explodirá um dia e deixará todo mundo sem aposentadoria. Não é admissível que um documento com a assinatura do Banco Mundial chegue a nível tão rasteiro e apelativo.

    O ataque também vai na direção do funcionalismo público: “A massa salarial do funcionalismo público pode ser reduzida significativamente”. O estudo aponta que a média dos salários dos servidores públicos federais é 67% superior à média do setor privado.

    Pois bem, vamos olhar exatamente quem puxa essa média para cima? Ou vamos simplesmente: “recomendar a suspensão de reajustes nas remunerações do funcionalismo no curto prazo, enquanto se desenvolvem estudos mais detalhados sobre o valor adequado de remuneração das diversas carreiras públicas”? Ou ainda, vamos baixar o já baixo salário da maioria do funcionalismo público ou vamos fazer crescer os salários nas empresas privadas?

    A figura acima, página 39 do relatório, tenta provocar conflito entre funcionários públicos e privados ao passar a ideia de que o “alto salário” do setor publico causa o baixo salário do setor privado e leva a riscos no pagamento da aposentadoria. Tratar esse assunto por média é um erro primário que uma instituição como o Banco Mundial não deveria aceitar.

    Os programas de proteção social brasileiros tiraram o Brasil do mapa da fome, bem como milhões de pessoas da miséria. O relatório vem propor “a transformação do Salário-Família em um benefício condicionado à renda em nível de domicílio (beneficiando-se da capacidade do Cadastro Único) a fim de incentivar os beneficiários do Bolsa Família a migrarem para empregos formais”.

    Além de não levar em conta os resultados do programa até aqui, o que o relatório quer dizer é que não há maior número de empregos formais porque o Bolsa Família não incentiva os beneficiários a ter emprego com carteira assinada. Nem uma palavra sobre a política de austeridade que eleva o desemprego, nem sobre a destruição da Justiça do Trabalho que poderia coibir o trabalho informal. Incentive-se o trabalhador a migrar para um emprego formal, essa é a recomendação.

    “Em síntese, com base em uma análise aprofundada de políticas setoriais, este estudo
    identifica pelo menos 7% do PIB em potenciais economias fiscais em nível federal até 2026.” Desse modo o relatório, no mais absoluto fundamentalismo neoliberal, reafirma que o que importa é cortar os gastos governo.

    Ao compor seu marketing político Temer, Meirelles, Nucifora e companhia ignoram a mensagem das Nações Unidas: “O documento pede que o século 21 traga um novo pacto, em que as pessoas tenham prioridade frente aos lucros. Pontos cruciais de tal transformação seriam o fim da austeridade fiscal, a contenção do “rentismo” (rent-seeking) das empresas e o direcionamento das finanças para a criação de empregos, bem como para o investimento em infraestrutura..”

     

    Nota
    1 Para ver o Relatório de 2017 da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD): https://nacoesunidas.org/onu-pede-fim-da-austeridade-fiscal-e-ousadia-para-reequilibrar-economia-global/

    2 Ainda não localizamos a versão em inglês desse documento assinado pelo Banco Mundial. Seria uma tentativa de não mostrar ao mundo essa grotesca peça de marketing político elaborada por essa instituição?