No dia em que, infelizmente, o Brasil confirmou mais de 10 mil mortes e 155.939 casos de Coronavírus e a Bahia registrou 196 mortes e 5.174 casos confirmados, Bolsonaro passeia de Jet Ski em mais um episódio lamentável de desrespeito a vida.
Nos chamou a atenção, o fato dele, inoportunamente, utilizar a camisa do Esporte Clube Bahia durante o passeio da morte.
É comum ver o protofascista do Bolsonaro vestir diversas camisas de clubes populares. Ele já havia vestido a camisa do Esquadrão durante a sua última visita a Bahia.
Não podemos deixar de registrar o nosso repúdio quando o oportunismo se faz presente com Bolsonaro vestindo o nosso manto sagrado em um ato de desrespeito a memória dos mais de 10 mil brasileiros e brasileiras que perderam as suas vidas, d@s profissionais da saúde que lutam contra a pandemia do Covid19 e dos milhões de homens e mulheres que sofrem com os descasos do governo federal com o povo.
Bolsonaro representa tudo que o Esporte Clube Bahia e a sua torcida repudia com veemência. Ele reverencia a ditadura, enquanto o Bahia e a sua Torcida lutaram e lutam pela democracia. Ele reverencia o racismo, o machismo e a homofobia, enquanto o Bahia e a sua Torcida são exemplos internacionais de combate a todas as formas de opressão.
Bolsonaro tem lado e não é o da defesa da vida do povo. Nós tricolores temos lado e estamos somando esforços para que o nosso povo sobreviva a essa Pandemia realizando atos de solidariedade de classe nesse momento tão difícil.
Nosso povo é de resistência e luta e por tudo isso, a Torcida Bahia Antifascista registra o mais profundo repúdio ao fato dele vestir nossas cores.
Bolsonaro não é digno de vestir o manto do clube do povo!
* Por Afonso Ribas e Carmen Carvalho, especial para o Jornalistas Livres
A aproximadamente 10 metros da Base Comunitária de Segurança do bairro Nova Cidade, em Vitória da Conquista, na região Sudoeste da Bahia, fica a residência de Bruna Jesus Santos, 26 anos. Quem nos levou até ela foi o pequeno Carlos Henrique*, 11, um de seus cinco filhos. O encontramos por volta das 12 horas da última terça-feira, 14, na rua, onde seguia para casa de pés descalços no chão de asfalto, junto com a sua prima Jéssica*, 10.
Em dias normais nesse horário, os dois estariam deixando a Escola Municipal Antônio Helder Thomaz, onde estudam. As aulas, contudo, foram suspensas desde o dia 18 de março, por conta da pandemia do novo coronavírus. O decreto de suspensão havia sido publicado dois dias antes, mas Bruna conta que a família só ficou sabendo da informação quando as crianças se depararam com um aviso colocado na entrada da instituição, no dia 17.
No casebre de três cômodos onde vive com os filhos e o marido, ninguém tem celular, muito menos acesso à internet. Bruna nos recebe com um ar de estranheza e curiosidade. Também demonstra vergonha, mas nos convida a entrar, enquanto segura no colo o caçula, de apenas dois anos. Uma pequena área repleta de móveis e eletrodomésticos quebrados separa o portão de entrada da porta da sala. Esta tem seu espaço preenchido por dois sofás velhos, um tapete e um rack com uma televisão analógica.
Base Comunitária de Segurança do Nova Cidade, bairro onde moram Bruna e sua família. Foto: Afonso Ribas.
O cômodo pintado com as cores azul e rosa parece se encolher com a nossa chegada. Além de Bruna e seus cinco filhos, dividimos o ambiente ainda com outras duas crianças, ambas suas sobrinhas. O relógio indica que é horário de almoço, mas não há barulho, cheiro nem qualquer outro sinal de panela no fogo ou de comida pronta. A mesma situação, descobriríamos pouco tempo depois, se repete na casa da sua irmã, Joilma Jesus dos Santos, 32, e da sua prima, Marina Rodrigues dos Santos, 29.
Todas elas estão cadastradas no Programa Bolsa Família, que concede um auxílio financeiro à população do país em situação de vulnerabilidade e miséria. O valor recebido por cada família depende do número de filhos e da presença deles na escola. Das mais de 13,9 milhões de famílias brasileiras atendidas pelo programa, quase 19,5 mil moram em Vitória da Conquista. Dentre essas, 94,6% tem a mulher como principal responsável familiar.
Contudo, somente Bruna faz parte das mais de 68 mil pessoas diretamente beneficiadas pelo PBF na cidade, número que corresponde a 20% da população total do município, que é de 338.480 habitantes. As demais, Joilma e Marina, integram um grupo pequeno de 46 pessoas que estão com o auxílio bloqueado e que, por isso, não viram sequer um centavo dos mais de 3,5 milhões de reais que foram repassados em março pelo governo federal.
O dinheiro que conseguem para sobreviver vem de doações feitas por familiares e, principalmente, pessoas na rua. Com o isolamento social decorrente da pandemia da covid-19, a renda que advém dessas doações tem sido quase inexistente. Por conta disso, a condição de extrema pobreza em que vivem se agravou e a fome, situação já conhecida nas casas vez ou outra, passou a ser permanente.
Diversas famílias em situação de extrema pobreza como a de Bruna, Marina e Joilma vivem em habitações precárias na periferia de Conquista. Foto: Afonso Ribas.
É possível observar diversos casebres como esse em bairros como o Panorama e o Nova Cidade. Foto: Afonso Ribas.
Apesar de ser a única a receber o Bolsa Família no valor de 386 reais – que passará, inclusive, para a casa dos 600 com a liberação do Auxílio Emergencial pelo Governo Federal – Bruna diz que o dinheiro é insuficiente para sustentar toda a família e também conta com a bondade de outras pessoas para conseguir colocar comida na mesa para os seus filhos, algo que tem sido cada vez mais difícil. A última ajuda que obteve foi uma cesta básica doada pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) do município.
Segundo ela, a merenda escolar faz falta para as crianças. “Eu só vou pra escola pra comer”, diz Carlos Henrique*, interrompendo a conversa. O assunto desperta atenção dos demais, que começam a nos contar o que, geralmente, costumam comer nos intervalos das aulas. O cardápio, de acordo com eles, inclui farofa, macarrão, pão com manteiga, arroz com ovo, frutas, entre outros alimentos. “Tem vez que só dão pra gente um copo de suco com três bolachas”, relata Rafaela*, a filha mais velha de Bruna.
É Rafaela que, após o fim da nossa conversa na casa de Bruna, nos leva até a residência de Marina, localizada apenas a alguns metros mais adiante. A encontramos sentada na calçada, junto com alguns amigos e parentes. Ao falarmos da reportagem, prontamente ela aceita conceder uma entrevista.
Mãe solteira, Marina mora com seus quatro filhos. Dois deles também estudam na Escola Antônio Helder Thomaz, assim como três dos filhos de Bruna. A mais velha estuda no Colégio Estadual Carlos Santana. Já o filho caçula, de apenas dois anos, aguarda uma vaga no Centro Municipal de Educação Infantil Pablo Pithon, inaugurado no fim de outubro do ano passado.
Marina acompanhada de parentes e amigos, na frente de casa. Foto: Afonso Ribas.
“A gente já bota na escola mesmo porque tem hora que a gente não tem um café, né, pra dar um pão. E aí na escola pelo menos eles têm uma alimentação”, contou. Essa alimentação, porém, deixou de existir para os seus filhos desde o dia 18 de março, após a suspensão das aulas no município.
Sancionada no dia 7 de abril pelo presidente Jair Bolsonaro, essa normativa autorizou a distribuição imediata de alimentos adquiridos com recursos do PNAE aos pais ou responsáveis dos estudantes matriculados nas escolas públicas da educação básica. A Lei deverá vigorar enquanto durar o período de suspensão das aulas em razão da pandemia do coronavírus.
Cidades como Salvador já haviam começado a fazer a distribuição de cestas básicas nas escolas municipais desde o dia 23 de março. Em Conquista, os kits começaram a ser entregues nas instituições do bairro Nossa Senhora Aparecida, na zona oeste do município. Enquanto eles não chegam até as mãos de Marina, ela conta com a solidariedade de outras pessoas. “É Deus que está me ajudando e uma mulher dona de um supermercado aqui próximo que me dá uma feirinha todo mês”, conta.
Depósito da merenda escolar comprada em Conquista com os recursos do PNAE fica no bairro Felícia. Foto: Afonso Ribas.
Caminhonete é carregada com kits de alimentação. Foto: Afonso Ribas.
Funcionários municipais organizam kits de alimentação para distribuição nas escolas da educação fundamental de Conquista. Fotos: Afonso Ribas.
Os kits começaram a ser distribuídos nessa última quarta-feira, 15. Foto: Afonso Ribas.
Ela diz ainda que a Base Comunitária do Nova Cidade também tem ajudado sua família. “Não vou mentir que eu estava sem as coisas aqui dentro de casa, sem um feijão e um açúcar, aí as meninas lá da Base que me conhecem me deram uma cesta básica. Mas agora mesmo meu menino pequeno já tá sem leite”, ressaltou.
O pouco dinheiro que ganhava vinha do seu trabalho informal como cabeleireira. “Escovo o cabelo e dou progressiva em casa. Às vezes, eu recebo dez, cinco, vinte reais. Mas, agora, eu não tenho nem pra comprar o material, aí não tem como trabalhar”, concluiu.
Desemprego
A situação de sua prima, Joilma, também é delicada. Além de estar desempregada, também está à espera do quinto filho. Sua gestação já dura três meses, mas a alimentação escassa que mantém passa longe daquela que seria necessária para uma mulher grávida. Ela se mostra disposta a contar sua história antes mesmo de pedirmos uma entrevista.
Diferentemente de Bruna e Marina, Joilma mora no bairro Panorama, que fica acima do Nova Cidade. Lá, divide uma pequena casa com os quatro filhos e o atual companheiro, pai do bebê que está por vir. Estudou até a quinta série. Deixou a escola assim que ficou grávida do primogênito, hoje com 15 anos. A chegada dos filhos a fez ainda largar seu emprego como diarista.
Marina e seu filho mais novo, de dois anos. Foto: Afonso Ribas.
Seu companheiro também está desempregado. Pouco antes do início da crise do coronavírus, fez uma seleção para uma vaga na DASS Outlet. Chegou a fazer o exame de admissão da empresa, mas a pandemia veio e acabou com a sua oportunidade de deixar de viver de bicos como ajudante de pedreiro.
Grávida de três meses e mãe de outros quatro filhos, Joilma aguarda Auxílio Emergencial do Governo para sobreviver durante a pandemia. Foto: Afonso Ribas.
Cheios de dívidas, Joilma e o marido têm vivido da ajuda alheia, tal qual Marina e Bruna. “Vai pra rua eu e mais algumas crianças. Chega lá, eu conto minha situação, falo que eu estou precisando, que eu não estou podendo trabalhar, aí eles vão lá e ajuda como pode”, explicou ela.
Com o isolamento, ela espera agora pelo Auxílio Emergencial prometido pelo Governo Federal. Mas a previsão é de que ela receba o benefício somente no dia 30 deste mês. “Daqui até lá, só Deus sabe o que vai acontecer”, lamentou.
*Nomes alterados para preservar a identidade das crianças.
Faixa fechamento da estrada – acervo Aldeia Serra do Padeiro
Por Tatiana Scalco – Parceria com Ciranda.net
A preocupação com a pandemia do coronavírus (Covid-19) e a inação dos gestores públicos motivou as lideranças do Território Indígena Tupinambá de Olivença (litoral sul da Bahia) a implantar ações de prevenção. Dentre elas, a criação de barreiras nas entradas das aldeias com objetivo de controlar o tráfego de pessoas no interior de seu território.
Em 20 de março de 2020, os Tupinambás de Olivença criaram barreiras de fiscalização, em especial nas estradas que cortam o seu território: BA 668 (Buerarema X Una) e BA 669 (São José da Vitória X Una).
Segundo os indígenas, “a ação foi feita com a anuência de várias lideranças comunitárias não indígenas” e seguem orientações da Organização Mundial de Saúde, bem como da Funai (Portaria Funai Nº 419/PRES, de 17 de março de 2020); da Secretaria Especial de Saúde Indígena -SESAI (ofício Nº 13/2020/DASI/SESAI/MS de 16/03/2020) e do Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19) em Povos Indígenas, divulgado em 19/03/2020.
intertítulo
“reconhecendo a (…) vulnerabilidade das populações indígenas às doenças respiratórias, recomenda que sejam adotadas medidas restritivas à entrada de pessoas em todos os territórios indígenas, em função do risco de transmissão do novo coronavírus” SESAI – Ministério da Justiça, 16/03/2020
Após a ação dos indígenas, novas recomendações relativas à prevenção do coronavírus foram publicadas. Dentre elas, a Nota Técnica COE-SAÚDE Nº 16 de 23 de março de 2020, assinada pelo Comitê Estadual de Emergências em Saúde Pública do Estado da Bahia (anexar arquivo).
Os tupinambás destacam que “a barreira não impede as pessoas de fazer feira, também aqueles que precisam pegar remédios para os idosos, o carro da saúde, o carro da Coelba, carros de entrega. Todos estão passando. Só não estão passando pessoas que vêm de fora (…)”
Contudo, os pronunciamentos do presidente Jair Bolsonaro incentivando as pessoas irem para às ruas tiveram repercussões no município de Buerarema. Buerarema foi um dos quatro municípios baianos onde, na eleição presidencial de 2018, Bolsonaro teve a maioria dos votos. Os outros municípios foram Eduardo Magalhães (58,80%), Itapetinga (53,69%) e Teixeira de Freitas (50,97%).
No dia 30/03/2020 (segunda-feira), segundo os indígenas “agentes da Polícia Civil e Militar lotados no município de Buerarema estiveram na barreira (da BR 668), fortemente armados e ameaçando as pessoas” que estavam ali. Eles complementam falando que “diante da resistência dos indígenas, (os agentes) prometeram voltar com um contingente maior e mais armados para abrir a barreira na força”.
No mesmo dia, as lideranças indígenas comunicaram o ocorrido a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Assistência Social (SJDHDS) da Bahia. E, solicitaram “instalação de barreiras de vigilância sanitária para as BA 668 e 669 para que seja respeitada a garantia física do Povo Tupinambá de Olivença”. Também informaram o MPF de Ilhéus.
Além disso, segundo o coordenador regional do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia – MUPOIBA, Agnaldo, “a comunidade designou a descida de 200 guerreiros para o local para garantir a permanência da barreira” e espera que as recomendações relativas à prevenção do Coronavírus (Covid-19) sejam respeitadas e “a garantia física do Povo Tupinambá de Olivença seja garantida”.
Mas a tensão está aumentando na região. Ontem (4/4/2020) no final do dia, policiais militares do Estado da Bahia foram às barreiras sanitárias preventivas contra o coronavírus e avisaram aos indígenas que tinham ordem de removê-las imediatamente.
Policiais na barreira (acervo Aldeia Serra do Padeiro)
Os indígenas conversaram com os policiais militares que recuaram. Mas disseram que retornarão.
Agnaldo Tupinambá fala que os indígenas podem sair, mas que precisam que o governo da Bahia atenda a solicitação encaminhada de implantação de “barreiras sanitárias” nas rodovias BR 668 e 669, cumprindo o que as diversas recomendações internacionais, nacionais e estaduais preconizam. Ele destaca também que eles (indígenas) querem “fazer valer os nossos direitos de nos proteger dessa pandemia que afeta o mundo e o país”. E concluiu reforçando que “nós não vamos permitir que essa pandemia chegue na nossa aldeia, queremos que o governo coloque barreiras sanitárias nas duas BA 668 e 669.
O coordenador estadual do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia – MUPOIBA, Kahu Pataxó, destaca que “nós das comunidades indígenas e movimento indígena somos os mais frágeis neste momento. (…) tentamos proteger nossas comunidades, acionando os órgãos competentes. Mas não obtivemos resposta, apenas silêncio”.
“Nós queremos que o governo do Estado da Bahia nos dê segurança e garantia de que pessoas que não são da comunidade, não entrem e coloquem em risco nossos parentes. Queremos as barreiras sanitárias”, destaca Kahu Patacho.
A reportagem procurou a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Assistência Social e o Ministério Público Federal, mas até o fechamento da matéria não recebemos resposta.
A Policia Civil do Estado da Bahia foi consultada sobre a denúncia de que policiais civis teriam ido à barreira da rodovia 668 e ameaçado os indígenas no dia 30 de março de 2020.A resposta foi: “(…) não houve nenhum policial civil no local e o fato não foi comunicado em nenhuma das unidades ou delegacias que atendem na região”.
Nossa equipe segue acompanhando a situação.
Território Indígena Tupinambá de Olivença
Tradicionalmente ocupado desde a época do Descobrimento, o Território Indígena Tupinambá de Olivença está situado entre os municípios de Ilhéus, Buerarema e Una, no litoral sul da Bahia. Cerca de 80% do território já está ocupado pelos Tupinambá. São 47.366 mil hectares de terra, com cinco mil indígenas no território e cerca de dois mil nas áreas do entorno. Lá existem aldeias, casas, escolas, postos de saúde e roças.
O Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação do Território Indígena do povo Tupinambá de Olivença (RCID) foi publicado no Diário Oficial de União, em 24 de abril de 2009, e no Diário Oficial do Estado da Bahia, em 19 de maio de 2009.
Nos últimos anos a área tem sido palco de conflitos, violências e até intervenção da Força Nacional (Garantia da Lei e Ordem – GLO 2012) – cerca de 30 lideranças indígenas locais já foram assassinadas.
Documentos e Recomendações
Alguns documentos e recomendações relativos à prevenção do Coronavírus junto aos povos indígenas publicados:
Portaria Funai Nº 419/PRES, de 17 de março de 2020);
Ofício da Secretaria Especial de Saúde Indígena -SESAI para a FUNAI – ofício Nº 13/2020/DASI/SESAI/MS de 16/03/2020
Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (COVID-19) em Povos Indígenas, divulgado em 19/03/2020.
–Nota Técnica COE-SAÚDE Nº 16 DE 23 DE MARÇO DE 2020, assinada pelo Comitê Estadual de Emergências em Saúde Pública do Estado da Bahia
A forma como a Siemens Gamesa Renewable Energy (SGRE), gigante multinacional de engenharia especializada em turbinas eólicas, está lindando com a pandemia entre seus funcionários em uma fábrica que mantém no pólo industrial de Camaçari, na Bahia, virou motivo de denúncia. Em mensagem aos Jornalistas Livres, trabalhadores contam que enquanto funcionários administrativos foram liberados para isolamento social em home-office, os operários estão sendo obrigados a comparecer na fábrica com medo de serem demitidos.
“Somos um grupo de mais ou menos 200 funcionários e já houve um caso suspeito e outro confirmado, do esposo de uma funcionária do setor de limpeza”, denuncia o grupo, preocupado com a circulação da colega que teve acesso todas as áreas da fábrica mesmo depois de avisar à multinacional que seu esposo havia sido contaminado pelo COVID-19. “Quando o resultado do teste saiu, ela voltou a comunicar e a empresa a colocou num táxi, mandou pra casa e continuou escondendo essa informação dos funcionários. Mas vazou.” O sindicato da categoria conseguiu parar a entrada dos trabalhadores por dois dias, “mas o movimento perdeu força nas negociações pela intransigência da empresa”.
O presidente do sindicato dos metalúrgicos de Camaçari, Júlio Bonfim Costa Filho, confirma a denúncia. Ele apresentou à Simens a possibilidade de férias coletivas, como foi acordado com outras empresas do mesmo pólo industrial, mas não houve acordo com os responsáveis. “Eles têm mantido uma atitude inflexível e mantêm a circulação das pessoas”, afirma Costa Filho.
De acordo com o advogado Hugo Albuquerque, especialista em direito constitucional, “ninguém pode ser obrigado a trabalhar em condições adversas, onde as pessoas não tenham mínimas condições de salubridade e quem tem que fornecer esse ambiente, o ecossistema de trabalho salubre é o empregador”. O advogado reitera, ainda, que o empregador não pode colocar o empregado em risco, ainda mais que no caso brasileiro temos uma questão de força maior, em relação a qualquer questão de salubridade laboral, que é a pandemia.
O advogado explica que nesse contexto o caso pode ser entendido como assédio moral, previsto na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). “E também como crime comum, uma vez que o código penal é claro em relação a esta situação, em seu artigo 267 e 268, no qual expor alguém a perigo de contágio configura crime, seja na modalidade dolosa ou culposa.” Caso os trabalhadores expostos se tornem vetores de transmissão do coronavírus, os empregados expostos podem contaminar terceiros e essa responsabilidade é do empregador. “O caso pode ser, no mínimo, entendido como tentativa de homicídio culposo”.
A fábrica teve um grande investimento em 2019, quando aumentou a área de produção na unidade de Camaçari. De acordo com o portal Canal Energia a empresa estabeleceu quarentena do dia 12 ao 26 de março, na sede em São Paulo. Já na unidade da Bahia, mais de 120 pessoas continuam trabalhando, na área de produção, que envolve o manejo de materiais metálicos. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) o tempo de contaminação de superfícies pode variar entre algumas horas ou até dias, variando de acordo com o tipo de material, temperatura e umidade.
Segundo a denúncia dos funcionários, existe risco de outros casos de coronavírus entre os trabalhadores do setor. “Um funcionário teve febre e eles mandaram ir embora. Pediram que ele tomasse cachaça pra matar o vírus. A febre passou e eles convocaram o funcionário a ir trabalhar e assim ele está lá, trabalhando.” As fontes ainda dizem que outro trabalhador estava com tosse seca e dor de garganta, sintomas da pandemia. “Eles ironizaram dizendo que deveria ser uma ‘virosezinha’”. Fontes também relatam que “três terceirizados foram mandados pra casa, com febre alta. Só mandam pra casa quando tem febre”.
A equipe do Jornalistas Livres tentou contatar, por telefone, a Siemens Gamesa Renewable Energy (SGRE), mas não obteve retorno.
Quando não se consegue esquecer as tolices, talvez seja porque não são tolices.
Nunca escrevi sobre culinária e a arte de cozer bons alimentos e vendê-los no justo preço , mas quando me lembro da vila de Massarandupió, o chef Patrício e seus pratos, servindo em seu rancho peixe vermelho, frito inteiro, e caranguejos, e lambretas e siris, que de tão frescos, ainda mexem na boca, tudo de canto de mar, grito de carcará, vigia de urubu e jangada de praia.
Tão tenro alimento me desperta imaginação, me alerta para a solidão da gente na imensidão desse costado, onda verde revolta de virgindade, tão vazia que o nu dos corpos se torna pura necessidade entre ventos que agitam.
A nudez e o alimento, o isolamento que se impõe à mente nesses momentos crus, sem celular, sem eletricidade, sem podcasts. Despido de tudo minha mente imagina índios na praia quando as caravelas aqui chegaram, na Bahia mesmo, me faz até pensar nas bolas de óleo, tão preto e viscoso, que meses atrás Patrício diz que retirou com as próprias mãos, mãos da comunidade de Massarandupió que acudiram, limparam a praia como se limpa igreja e templo depois dos cultos.
Memória de praia é isso, todo dia renova, tal maré, tal alimento e arte de cozer, bem servir. Chef Patrício, praia feita de solidão e ressacas, cachorros, que de tão soltos, nem ligam pra gente.
Acreditam em verdades os que cá vivem e trabalham, campesinos do mar, mestres da arte da piaçava e da tolerância, do pescado e bem viver, chão de lua cheia e roças de cajá, umbu, liberdade.
Não diga que a canção está perdida, cantava Raul Seixas. Nesses dias difíceis em que vivemos, em que vontades escusas de restrição das liberdades querem impor-se e instigam violências contra a pluralidade do viver social, redescubro lugar histórico da contracultura, o modo de ser, arma primitiva dos homens, numa praia baiana da cidade de Camaçari.
Ney Matogrosso em Arembepe – 1974 / foto compartilhada de Cristiano Costa
Lugar que envolve, Arembepe, tem aldeia de não índios, hippie, palavra que não desiste, ideologia que curva-se à natureza e persiste além dos comandos rudes em curso. Vestígios de um modo de viver, é doce alternativa aos militares em moda: cabelos compridos, dreads, peles douradas, um jeito colorido de vestir e andar.
Ser hippie é hoje algo tão revolucionário como nos anos 70, sinto, de repente, na Estrada do Coco e Linha Verde, vias que ligam grandes condomínios e empreendimentos entre paraísos da costa da Bahia. Sinais de vida na vida alternativa, contracultura do século passado, jovens cinquentões que tornaram-se bastiões, artistas, pensadores. Não mais como há 50 anos, onde nu se ficava conforme a vontade, é fato, mas nu está aquele que hippie é. Hoje um ponto turístico de fácil acesso, placas coloridas com palavras ideais presas nas árvores, a indicar condutas, banners com imagens de personalidades e astros que na areia da aldeia pisaram, estão à mostra entre tradicional arte do movimento. Também pode-se comer preciosa moqueca na cabana do Roque, sem camisa fumar a história entre as dunas, mesmo que um emissário do pólo petroquímico de Camaçari demarque a linha do horizonte, na imensa praia.
No livro Anos 70 Bahia: Vertigem e contracultura no paraíso tropicalista, de Luiz Afonso e Sérgio Siqueira, pode-se ler que os anos 70 marcaram a explosão do movimento hippie na Bahia: Salvador, Arembepe, Trancoso e Berlinque (território de My Friend) consagraram-se como “terras prometidas” da peregrinação mochileira e da vida alternativa. Comunidades brotaram em toda parte e os outsiders, os marginais ao sistema viviam o coletivo, as casas com as portas escancaradas para quem chegasse. Na Boca do Rio, Pituaçu e aldeia hippie muita gente veio para morar, as tribos da contracultura misturadas a nativos e pescadores.
Vida limpa, que nas águas e areias baiana, resiste.
Jack Nicholson, Roman Polanski e Dennis Hopper passeavam nas dunas de Arembepe. Todo mundo queria vir para a Bahia, desde ícones sagrados da música, cinema, literatura e artes plásticas a mochileiros cosmopolitas, ligados na natureza exuberante, na contracultura tropicalista e na utopia da “terra prometida”. Estiveram aqui astros do calibre de Janis Joplin, Mick Jagger, Keith Richards, Richard Gere, Michael Douglas, Ney Matogrosso, Vinicius de Moraes, Tim Maia, Novos Baianos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Amado, Dorival Caymmi, Pablo Neruda, João Gilberto, José Simão, Rita Lee e muitos outros. Mergulhe fundo nos relatos de 200 autores que viveram os anos vertiginosos da contracultura na Bahia, com avistamentos de discos voadores, viagens astrais, carnaval, festas, experimentalismo, vanguardismo. Um livro escrito a 200 mãos, traçando um painel coletivo dos anos loucos da cultura baiana, brasileira e planetária.
Vila de Arembepe, praia de Camaçari, BA.
Vivemos dias tristes, feliz é o coração da aldeia, baluarte.
O último carnaval da terra e seu refúgio. Enfim, como cantara Janis Joplin,